ABRUPTO

6.9.04


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: VENDER FUTEBOL

"Hoje, ao revisitar a velha amiga Mafalda, encontrei esta vinheta que liguei directamente às suas palavras [na Sabado].



Não é só a televisão a vender futebol como se fossem essas as grandes questões do mundo. Se bem me recordo, os grandes diários de referência, Público e DN, por alturas do Euro-2004 dedicavam a capa e a primeira dezena de páginas aos jogos e à espuma envolvente a eles.

Os Ingleses e Irlandeses são grandes apreciadores de futebol, como é sabido, mas não têm jornais desportivos. Falando sobre essa questão com um Irlandês, ele olhou-me com espanto e perguntou: "jornais só de desporto? E há pessoas que compram jornais assim?" Respondi afirmativamente, mas preferi omitir que são precisamente esses os jornais que mais se vendem por cá.

Será só responsabilidade dos meios de comunicação ou nós temos que assumir a nossa quota de responsabilidade? Não seremos, enfim, um pouco como o pai da Mafalda? Será que não procuramos na televisão, mesmo nos programas de informação, uma evasão aos problemas reais do mundo? É muito mais fácil comovermo-nos com tragédias de estrada ou de pobreza do que tentar compreender os verdadeiros contornos do perigo do terrorismo, por exemplo. E é muito mais fácil discutir futebol (um assunto universal e que todos julgam perceber) do que economia, política ou direito.

E, da mesma forma, é mais fácil para os jornalistas o tratamento de temas emocionais. Os temas reais, como a política, as finanças, a defesa nacional e a segurança mundial (tal como a cultura, quase sempre ausente dos espaços informativos), exigem uma longa e árdua preparação, muitas vezes uma especialização, que a maioria dos jornalistas não quer ou não tem condições para adquirir. E estes temas não são realidades a preto e branco. Os temas emocionais são sempre vistos assim: há vítimas e culpados; há bons e maus; há ricos e pobres (no futebol os bons e os maus são definidos pelo espectador, consoante a cor do seu clube). Ou seja, são fáceis de tratar e transmitir pois não têm a complexidade e as tonalidades de cinza da vida real."

(Paulo Agostinho)

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© José Pacheco Pereira
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