ABRUPTO

16.9.04


COMO, NÃO SE PODENDO FAZER UMA SIMPLES PERGUNTA QUE TODA A GENTE ENTENDE, SE FAZ UMA COMPLICADA QUE NINGUÉM ENTENDE

Uma das razões porque falta democraticidade ao processo europeu está claramente expressa nesta nota de Vital Moreira no Causa Nossa, respondendo a uma questão de um leitor, sobre que pergunta deve ser feita no referendo sobre a Constituição Europeia:

“No caso da Constituição europeia, o referendo não pode, portanto, versar sobre a aprovação/rejeição do Tratado em si mesmo (tal como não poderia incidir globalmente sobre um projecto de lei). Está excluída portanto uma pergunta deste tipo: «Concorda com a aprovação e ratificação do Tratado constitucional da UE por parte do nosso País?». Tem de ser uma pergunta (ou mais) sobre as principais inovações de fundo contidas no tratado, sobretudo as mais controversas, a começar pela própria ideia de uma Constituição Europeia. Sem prejuízo de melhor elaboração, poderia ser, por exemplo, algo como isto:
«Concorda com a aprovação de um tratado instituindo uma Constituição para a UE, incluindo nomeadamente uma carta de direitos fundamentais, a garantia do princípio da subsidiariedade, a primazia do direito comunitário, a criação de um presidente do Conselho Europeu, a regra das votações por maioria qualificada e a possibilidade de uma política externa e de defesa comum?»
O direito constitucional devia estar ao serviço das pessoas e da transparência da causa pública e do pleno exercício da soberania popular. Eu também defendo um regime parlamentar e entendo que nem tudo se pode referendar. Defendo o referendo sobre a Constituição Europeia, em grande parte porque será uma maneira de mitigar, (mitigar apenas), o prolongado défice de democraticidade que o processo europeu tem tido nos últimos anos, em Portugal e em toda a Europa. Tenho poucas ilusões sobre como vai ser feito, dado o falso “consenso” que vai do PS ao PP sobre a matéria. Mas um referendo que tivesse esta pergunta, ou uma sua variante, seria uma farsa.

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Veja-se um primeiro comentário de Vital Moreira na Causa Nossa, que transcrevo:

"Comentando este post, J. Pacheco Pereira afirma que «um referendo que tivesse esta pergunta, ou uma sua variante, seria uma farsa». Mas não explica porquê, nem por que é que um referendo sobre a Constituição em geral, abrangendo por atacado todo o seu longo e prolixo texto (centenas de artigos), já não seria uma farsa."

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A minha objecção: em ambos os casos o que se referenda é "todo o seu longo e prolixo texto (centenas de artigos)", ou com uma pergunta de forma simples e que permite a polarização (podemos discutir porque é que é necessária), ou com uma pergunta complicada que deixará as pessoas entregues aos conselhos partidários. As poucas pessoas.

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"Mas um referendo que tivesse esta pergunta, ou uma sua variante, seria uma farsa."

É o velho hábito português de criar as regras e arranjar logo uma maneira "de lhes dar a volta".


(Tiago Azevedo Fernandes)

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