ABRUPTO

10.9.04


BIBLIOFILIA: A NAU DE PORTUGAL

Filipe Vieira de Castro, A Nau de Portugal. Os Navios da Conquista do Império do Oriente 1498-1650, Lisboa, Prefácio, 2003

Aqui está um livro muito interessante e que ensina ao curioso que, como eu, (tendo aprendido a “gesta dos descobrimentos” na escola salazarista), fiquei ignorante de quase tudo sobre o que foram esses anos de exploração, conquista e negócio. Neste pequeno livro fica-se a saber que se sabe muito pouco sobre os barcos que faziam a carreira da Índia, e como o desastre do saque moderno dos mares pelos caçadores de tesouros, está a dar cabo do pouco que sobrou. Há uma lista de exemplos portugueses, por toda a rota para Índia e nas nossas costas, saqueados sem qualquer critério que não seja vender o que se retira do fundo do mar.


Depois há muitas outras surpresas como esta:

Por vezes não se consegue ler estas listas de provimentos sem sentir crescer água na boca. As provisões da viagem do capitäo-mor António de Saldanha em 1631 dão uma boa ideia da abundância, qualidade e sofisticação da cozinha portuguesa setecentista. Além de pão, biscoito, farinha, cuscus e bolos de várias naturezas, António de Saldanha levava uma quantidade apreciável de carne: presuntos conservados em azeite dentro de barris, chouriços, mãos de porco e línguas de vaca, também guardados em barris entre camadas de sal, lombos de vaca, pernas sem osso e veados que eram colocados em barris com vinagre, sal, mostarda e orégãos; perdizes e coelhos, assados no forno e passadas depois por azeite a ferver e conservados no azeite, com vinagre e especiarias. A estas carnes juntava-se ainda a carne viva: galinhas (António de Saldanha levou 600 galinhas para bordo), perus, carneiros e vitelas. Esta dieta era completada por peixe: pescada, arenque e salmão, a primeira salgada e os segundos fumados ou salgados; litões (cações) secos ao sol e chocos, linguados, lampreias, mexilhões e ostras conservados em escabeche. Embora difíceis de conservar, os legumes também faziam parte da dispensa: couves e nabos conservados ou em sal ou de escabeche e temperados com cardamomo, pimenta e mostarda, alfaces e outra hortaliça em vinagre. A lista dos legumes era completada com as imprescindíveis cebolas e alhos. Seguiam-se as frutas: uvas, ameixas e figos secos, amêndoas e laranjas, limões, peros e melancias frescos; e uma quantidade apreciável de doces: ginjas, açúcar rosado, ameixas, marmelada, pêssegos e peras cobertos de açúcar, pêssegos, melões e ameixas em açúcar ordinário, rosado e mascavado, confeitos e mel, além de varias panelas de ovos-moles, num total de 600 arráteis (275,4 kg!). Agua, vinho, azeite e vinagre, mais várias dúzias de ovos dentro de frascos com sal ou com azeite, azeitonas, conservas de vinagre (alcaparras), queijos e manteiga de vaca completavam a lista.


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"Sobre este tema e dado o seu manifesto interesse, sugiro: Jean Merrien, A Vida Quotidiana Dos Marinheiros No Tempo Do Rei Sol, Lisboa, Livros Do Brasil. Aí aprendi, entre outras coisas o significado de "pacotilha".

Como rodapé, posso dizer que, na década de 90, como Oficial a bordo de um navio "da pesca do bacalhau", a dieta era muito mais monótona.
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(João Silva)

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