ABRUPTO

30.8.04


SOBRE A MINHA INVICTA TERRA

o Avenida dos Aliados.

De que roubo a fotografia da ponte D. Maria abandonada.

Quantas vezes a atravessei de comboio, vendo o medo dos lisboetas que acreditavam numa lenda urbana , a de que a ponte estava para cair? Muitas e algumas a pé. Faltava-se às aulas no Alexandre Herculano, um pouco lá para trás, e das Fontainhas passava-se por aquele sinistro colégio e depois pela escarpa abaixo passando as linhas-férreas e atravessando os túneis, sempre a olhar para as reentrâncias cavadas na rocha, não viesse um comboio. Era uma verdadeira aventura porque, quando chovia, a água que se infiltrava nos túneis escorria do tecto, misturada com a fuligem do carvão das máquinas e sujava a roupa, indício seguro de asneira. Depois passava-se por uma cerca de arame, meia derrubada e chegava-se ao tabuleiro. Então corria-se para atravessar a ponte, não fosse aparecer um comboio num dos lados. A ponte era de via única e havia um “testemunho” que os maquinistas recebiam nas Devezas e entregavam em Campanhã. Sem “testemunho” não se podia atravessar a ponte. Correr na ponte era perigoso porque a ponte era exclusivamente ferroviária e não era suposto ser atravessada por peões. O pequeno passeio lateral para manutenção era coberto por tábuas pequenas, muitas das quais já tinham desaparecido ou estavam partidas e podres e pelos buracos via-se o Douro a correr lá muito abaixo. Muito abaixo. Depois chegava-se ao lado de Gaia e era voltar pelo mesmo caminho. Não se esquece.


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"Mais interessante ainda era estar no pequeno passeio lateral quando de facto o comboio passava! Não se imagina, indo lá dentro, o que a ponte abana cá fora. Só me aventurei uma vez... Se já metia medo só de olhar lá para baixo sem nada a passar, quando a máquina avançava lentamente parecia que a trepidação nos ia inevitavelmente projectar para o Douro. Agarrei-me ao ferro da ponte e decidi rapidamente que haveria de certeza outros locais muito interessantes para fotografar noutro lado qualquer..."

(Tiago Azevedo Fernandes)

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"Recordo os momentos mais próximos que tive com o meu Pai. Sair de casa (do lado de Gaia), procurar a entrada para a ponte algures nos terrenos adjacentes ao campo de tiro do regimento de artilharia da Serra do Pilar, e lançarmo-nos á aventura! De tantos em tantos metros (pareciam-me muitos, era bem pequeno), havia refúgios, que permitiam ficar protegido do efeito de sucção do comboio. A ponte vibrava, mas sentia-se maior protecção... Inexistente, todavia, a sucção, porque os comboios reduziam a sua velocidade a 30 ou 40 km, já não me lembro bem. Depois, chegar a campanhã, apanhar o autocarro de volta ao centro, e o 'trólei' de volta para Gaia, já em segurança, na ponte D. Luís. E lembro-me, claro da viagem de despedida: vindo de Lisboa, propositadamente saímos em Campanhã, para espreitar da janela o rio e sentir a vertigem que tanto assustava os viajantes do resto do País.

As pontes do Porto têm um brilho especial. E disto fazem parte também os túneis para S.Bento e para a Alfândega. Há tempos li um projecto de reaproveitamento deste circuito. Porquê ser megalómano? Mais fácil seria abrir a ponte para percursos pedestres... aliás, é desta ponte que se tem a mais bonita vista doPorto: a Escarpa de Gaia, as Fontanhias, o colégio. E olhando para o outro lado, ver (será que ainda se vê?), o Monte Castro, o Areinho, o Palácio do Freixo.

Memórias doces... Mas aqui fica a sugestão! Em vez de comboios antigos, porque não, pura e simplesmente, abrir a ponte á travessia de pessoas?"

(Daniel Rodrigues)

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