ABRUPTO

17.8.04


OBRIGADINHA - 2

Os advogados da defesa, os jornalistas a mando, os conspiradores, os cabalistas, as partes interessadas no processo, as partes desinteressadas no processo (mas interessadas na sua venda comunicacional), todos podem falar, que, numa democracia que funcione, não afectam a justiça. Podem cometer um crime falando, podem criar dificuldades à justiça, podem desenvolver “estratégias”, mas, se tudo o resto funcionar bem, não podem impedir a justiça. Só uma parte não o pode fazer, por razões que estão muito para lá da lei, e que tem a ver com o funcionamento da democracia e a ética social: a PGR, os magistrados, os juízes e os polícias, que detêm sobre o processo (e um processo são pessoas: vítimas, inocentes e culpados) poderes com origem nas prerrogativas do seu estatuto profissional. Podem prendê-los, podem interrogá-los, podem escutar-lhes o telefone, podem copiar-lhes o disco duro dos computadores, fazer-lhes buscas a casa. Não podem é falar. Nem demais, nem de menos, não podem falar. A sua “fala” própria é a condução do processo de modo a dar satisfação às vítimas e punição aos culpados.

A enorme perturbação que atravessa a sociedade portuguesa, a que se interessa por estas coisas e é dedicada à causa pública, os melhores de nós todos, que exactamente por isso se sentem mais ofendidos, é a constatação inequívoca, insisto, inequívoca, de que esta regra básica não foi cumprida, sem consequências de maior.

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"Estamos tão só a assistir à materialização da crise da Justiça na sua verdadeira essência. Não é nada de novo pois já tivemos Camarate, já tivemos o microfone no gabinete de Cunha Rodrigues. Invariavelmente os protagonistas são os mesmos, apenas mudará um ou outro rosto.
Neste aspecto a mediatização até que acaba por ter um efeito positivo, na medida em que algo ainda vai soando junto da opinião pública. Um misto de mensagem e de ruído, que obriga a decifrar a realidade. Chegamos ao cúmulo de se aproveitar a violação de princípios legais e éticos, para que alguma verdade escondida se revele. Sem uma publicação das cassetes, parcial ou não, fidedigna ou não, não seria possível aceder a uma parcela da verdade. É claro que tudo de advém de gravações feitas sem consentimento, de declarações feitas ao arrepio de deveres éticos e deontológicos, de publicações abusivas e ilícitas.
A serpente do mal parece enroscada em si mesma, mordendo-se, envenenando-se, como se a sua presa não a saciasse mais.
"

(Carlos Bote)

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