ABRUPTO

3.8.04


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: AS UNIVERSIDADES ESTÃO A TENTAR FAZER O QUE DEVIA SER FEITO NO ENSINO SECUNDÁRIO (Actualizado)

"O contribuinte Aires Almeida (1.8.04) queixa-se ("com o tipo de ensino superior que temos em Portugal, nem que tivéssemos o dobro de licenciados de outros países europeus nos conseguiríamos aproximar deles"), com alguma razão, da falta de qualidade do ensino superior em Portugal. Só que nós estamos perante um dilema: se tivéssemos em Portugal o grau de exigência que se deve esperar de uma universidade, o número de alunos que teríamos não seria muito superior ao que tínhamos em 1973.

Na universidade privada onde dou aulas apenas cerca de 10% dos meus alunos estão à altura dessas exigências. O resto arrasta-se penosamente, ou nem sequer lá devia estar. Só que é este arremedo de ensino superior que pode tirar os portugueses do analfabetismo funcional. Por muito maus que os alunos sejam, saem das universidades a saber mais do que sabiam quando para lá entraram, e por vezes até começam a acordar para a cultura, o conhecimento e o rigor intelectual. Os filhos destes, quando chegarem à universidade, já estarão mais perto de poderem aproveitar as oportunidades do ensino superior, e poder-se-á exigir-lhes o que não foi possível exigir aos pais. Não esqueçamos que a maioria dos alunos universitários são oriundos de famílias onde nunca houve antes licenciados. No fundo as universidades estão hoje a tentar fazer o que devia ter sido feito no ensino obrigatório e no secundário. Em vez de criticarmos o ensino superior, devíamos tentar compreender o que está na origem dos problemas apontados, e agradecer o trabalho mais do que ingrato de aqueles que tentam ensinar a esse nível.

Dentro de uma ou duas gerações julgo que poderemos ter universidades tão exigentes como as estrangeiras. Entretanto lutamos por ultrapassar as consequências de um subdesenvolvimento multissecular. Não é uma tarefa que possa ser realizada de um dia para o outro, pelo que não vale a pena atirar-nos pedras. Exijam, sim, rigor e competência ao ensino obrigatório e ao ensino secundário, e talvez assim consigamos acelerar um pouco este processo de desenvolvimento.
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(Nuno Cardoso da Silva)


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"Li o texto que publicou no seu Abrupto acerca do que se passa no ensino superior nos dias de hoje da autoria de Nuno Cardoso da Silva e não posso deixar de expressar a minha total discordância pelo que ali está escrito. Um professor dizer que só 10% dos alunos é que mereciam estar no estabelecimento de ensino superior onde dá aulas é, além do mais, uma falta de respeito, além de se desconhecer que tipo de estudo objectivo dá ao autor do texto qualquer base científica para aquela afirmação grave. Mas sempre será de dizer que o insucesso de um aluno, ou mais grave a incapacidade de 90% de alunos que alegadamente se arrastam penosamente ou nem sequer lá deveriam estar, é um enorme atestado de incompetência a quem ensina. Ou será que os professores são meros despachantes administrativos? Não lhes cabe ajudar, incentivar, estimular o aluno? O insucesso de um aluno não é também um insucesso do professor?
Afirmar que se as universidades tivessem o devido grau de exigência teríamos o mesmo número de alunos de 1973, exala um lamentável saudosismo do antigamente. Um saudosismo fascista que se denuncia pelo facto daquele autor fazer referência que muitos alunos provêm de famílias onde não há licenciados. E depois? Em 1973 não havia alunos oriundos de famílias operárias? Claro que havia. Em plena democracia fazer a defesa encapuzada do elitismo selectivo é no mínimo de um anacronismo lamentável.
O ensino superior carece de um ensino obrigatório e de um ensino básico melhores, disso não há dúvida. Comece-se por aí. Agora não venham falar em percentagens de empirismo viciado ou em enquadramentos sociológicos descabidos. O texto em causa é um insulto às conquistas da democracia e ao acesso à ciência e ao conhecimento que a mesma possibilitou. Por muito que cause saudades os tempos em que se fazia do analfabetismo e da ignorância os pilares fundamentais de interesses instituídos.
Por último quero dizer o seguinte: tenho formação académica e sei bem a exigência a que fui sujeito, juntamente com muito colegas meus, quer em termos programáticos quer em termos de avaliação. Não se queira dar a ideia que em Portugal reina a balda e a anarquia. O que reina, sim, é a contínua divergência entre o ensino (básico, secundário e superior) e o mercado de trabalho. O que reina são a falta de meios com que professores e alunos se deparam dia-a-dia nas universidades. O que reina é a falta de apoio a quem quer cá ficar no campo da investigação.
Os problemas são bem visíveis, não se tente fazer fumo.
"

(Carlos Bote)


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"O Sr. Carlos Bote pode revoltar-se contra as opiniões do Sr. Nuno Cardoso da Silva. Mas não pode revoltar-se contra a constatação que ele faz, de que apenas 10% dos alunos têm capacidades (e penso que não fala de capacidades inatas, genéticas) para estar no ensino, mesmo que a a afirmação não seja sustentada por nenhum estudo científico.
Licenciei-me há 4 anos no Técnico. Penso que o meu curso foi bastante exigente, tive de me superar sucessivamente e fui melhorando a performance ao longo do curso, que acabei com uma boa média. É claro para mim que a minha preparação (em termos de rigor, ritmo de trabalho e, menos importante, conhecimentos) era à partida insuficiente.
Dou agora aulas noutra universidade pública (menos exigente que a minha). Os alunos que ensino estão ainda mais incapazes do que eu era. A grande diferença é que eu tinha umas luzes de como pegar num livro e aprender e de como estar numa aula, sentado, sem perceber o que o professor dizia mas a tentar. Esse esforço, sempre frustrante, é impensável para os meus alunos (que me reconhecem bom domínio da matéria e capacidade de a transmitir).
Escapei por um ano às primeiras reformas do ensino secundário. Será aqui que está a diferença?
"

(Ricardo Resende)

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