ABRUPTO

1.8.04


ELOGIO DA CAPITAL

A Capital é hoje um jornal que vale a pena ler, até porque a sua agenda é muito diferente da dos outros jornais diários. O jornal é bastante mais à esquerda do que todos os outros, mas não é só por isso que faz a diferença. É porque reflecte, talvez por ter uma equipa pequena, a idiossincrasia dos seus redactores e do seu director. É um jornal maison, íntimo, e por isso é um jornal urbano interessante, que publica trabalhos jornalísticos com informação nova e temas pouco tratados, ou tratados de um ponto de vista diferente das redes de contactos estabelecidas na imprensa tradicional.

A “cultura”, nome dado hoje quase que exclusivamente às industrias culturais, tem por exemplo na Capital um tratamento distinto daquele que é dado no Público, no Expresso ou no Jornal de Letras, onde habitualmente se ouve a voz dos médios e grandes “empresários” - “criadores”. (No livro de Péan sobre o Le Monde, um dos capítulos mais interessantes é aquele sobre as redes de influência e patrocinato nos suplementos culturais, e que, transposto para Portugal, daria resultados muito reveladores.)

Na Capital falam os “pequenos”. A reportagem de hoje sobre os “criadores” culturais é reveladora do seu peso nas indústrias culturais, com as suas pequenas empresas urbanas, e a sua dependência do Estado e das autarquias. No centro de toda a reportagem, está um discurso - entre o afectivo e o ad terrorem - sobre os subsídios do Estado central e das autarquias, elaborado por Alexandre Melo, referido no jornal como “o especialista”. Vale a pena ler o “especialista”:

Quando se tenta pôr em causa, em termos gerais, a existência de subsídios como instrumento de política cultural, julgo que não se está avaliar bem as consequências disso numa sociedade como a portuguesa”(…) “Em Portugal, caso desaparecessem totalmente os subsídios, desaparecia o cinema, a dança, o teatro, a música. Desaparecia praticamente tudo o que fosse criação cultural excepto algumas formas de criação decalcadas do modelo televisivo e que alinham pelo mínimo denominador comum de uma população caracterizada por níveis de analfabetismo, ignorância e subdesenvolvimento cultural massivos, que estão entre os mais baixos da Europa e do chamado mundo desenvolvido” (Alexandre Melo)

E os seus ecos:

Pedro Penim reforça essa ideia: “O teatro não subsiste por si, precisa de ser apoiado. Esse apoio permite ter uma estrutura de produção a tempo inteiro, pagar aos actores e ter um espaço para ensaiar e apresentar as peças”.
Foi precisamente a partir do momento em que passou a receber o subsídio estatal que o Teatro Praga – uma jovem companhia nascida em 1995 e de que Penim é um dos mentores – começou a actuar de acordo com uma estrutura mais profissional.



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© José Pacheco Pereira
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