ABRUPTO

11.6.04


PERGUNTA AOS NOSSOS AMIGOS JURISTAS (Actualizado)

Os blogues também têm que se calar sobre matérias eleitorais no dia de reflexão? Ou mais uma vez se demonstra o arcaísmo das leis face às novas realidades comunicacionais? Ou o que é lei lá fora, é lei cá dentro?

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Sei que dirigiu a pergunta aos «amigos juristas», mas, ainda assim, tomo a liberdade de lhe responder. À sua pergunta responderia que sim: os «blogs» também estão obrigados a respeitar o período de reflexão. O n.º 1 do art. 10.º da Lei n.º 14/87, de 29 de Abril (na redacção que lhe foi conferida por legislação posterior) – e que rege a eleição dos deputados ao Parlamento Europeu eleitos em Portugal – remete para a legislação aplicável à eleição de deputados à Assembleia da República a disciplina da campanha eleitoral de deputados ao Parlamento Europeu.

Ora, dispõe o n.º 1 do artigo 141º da Lei n.º 14/79, de 16 de Maio (na redacção que lhe foi conferida por legislação sucessiva), que a propaganda eleitoral, por «qualquer meio», levada a cabo no dia da eleição ou no anterior é punível. Sublinho o «por qualquer meio», que torna desnecessário o aprofundamento da questão (embora houvesse, neste ponto, algumas pontos interessantes a discutir)

Este artigo deve ser lido à luz do art. 53.º (que limita temporalmente o período de campanha eleitoral) e do art. 54.º (promoção, realização e âmbito da campanha eleitoral) da mesma Lei.
A título de curiosidade acrescento que a acção penal é pública, devendo o MP promovê-la em caso de denúncia, seja ela feita por quem for.


(Inês do My Moleskine)

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Não sou jurista mas não percebo sequer a lógica da pergunta.

1) Existe alguma lei que me proiba _a_mim_, como simples cidadão, de escrever ou falar o que quiser onde quiser no dia de reflexão? Eu não sou um partido, nem um meio de comunicação social, nem estou a organizar nenhum evento público. Se eu estiver a conversar na praça pública com os meus amigos e permitir que estranhos ouçam a conversa, isso é equivalente a uma manifestação ou um comício? Dificilmente o blog de uma pessoa singular pode ser considerado como um meio de comunicação social, até porque nem sequer cumpre os requisitos legais para tal.

2) Mas vamos imaginar que o blog era equivalente a um jornal. O seu blog está alojado na Blogspot, ou seja, nos USA. Há alguma lei portuguesa que proiba um cidadão português de escrever o que quiser nesse dia na edição estrangeira de um jornal (eventualmente até português)? E alguém pode proibir um eleitor português de ler esse jornal, seja por que meio for?

3) Sugiro que escreva o que lhe apetecer no dia de reflexão, é um bom teste. Se quiser eu copio o que escrever para o meu blog em solidariedade. Assim vamos presos os dois, já temos conversa sobre blogues... ;-)

4) Esta lei do dia de reflexão de facto não faz sentido nenhum nestes dias. Mas de qualquer modo não a estaria a violar, na minha modesta opinião.


(Tiago Azevedo Fernandes)

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"O ter respondido antes implica que venha sumariamente justificar o que escrevi diante das considerações tecidas por TAF.

Segundo o art. 54.º que referi, a promoção e realização da campanha eleitoral cabe aos candidatos e aos partidos políticos, «sem prejuízo da participação activa dos cidadãos.»

Por sua vez, o art. 61.º define propaganda eleitoral como «toda a actividade que vise directa ou indirectamente promover candidaturas, seja dos candidatos, dos partidos políticos, dos titulares dos seus órgãos ou seus agentes ou de quaisquer outras pessoas, nomeadamente a publicação de textos ou imagens que exprimam ou reproduzam o conteúdo dessa actividade.»

O que está, pois, em causa é a actividade («que vise directa ou indirectamente promover candidaturas»), e não tanto o meio utilizado. Por outro lado, não tenho dúvidas de que «quaisquer outras pessoas» remete, em parte, para a «participação activa dos cidadãos» prevista no art. 54.º. Logo aqui começam as dificuldades: o que é isso de uma actividade que visa promover candidaturas?

O facto de o “blog” estar alojado na Blogspot é, creio, irrelevante. O Código Penal – subsidiariamente aplicável – acautela, nos seus arts. 4.º e 5.º, a aplicação da lei penal portuguesa a factos praticados em território português e a factos praticados contra portugueses por portugueses que vivam habitualmente em Portugal ao tempo da sua prática e aqui sejam encontrados.
Aqui poderíamos entrar em grandes discussões sobre a Internet, a lei aplicável e o bem jurídico em causa. Não vale a pena, seria um poço sem fundo. Assim como não vale a pena determo-nos sobre, entre outros aspectos, a possibilidade de manipular as horas de publicação dos “posts”.

Acrescento, por fim, que o que é ilícito é a actividade de promoção das candidaturas. Ninguém está, obviamente, impedido de consultar os “sites” dos partidos políticos, ler os jornais da semana anterior ou rever os tempos de antena televisivos que tenha gravado.

Terminaria com uma resposta pouco jurídica: recomendam a prudência, o bom-senso e o respeito pelo acto eleitoral que o dia de reflexão seja seguido por todos e que essa reflexão não seja feita em voz muito alta.
"

(Inês do My Moleskine)


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"Respondendo à primeira pergunta de Tiago Azevedo Fernandes, reproduzo o art. 61.º da Lei Eleitoral para a Assembleia da República, a qual é aplicável às eleições para o Parlamento Europeu: «Entende-se por propaganda eleitoral toda a actividade que vise directa ou indirectamente promover candidaturas, seja dos candidatos, dos partidos políticos, dos titulares dos seus órgãos ou seus agentes ou de quaisquer outras pessoas, nomeadamente a publicação de textos ou imagens que exprimam ou reproduzam o conteúdo dessa actividade».

Assim, só será propaganda a actividade que vise a promoção de uma candidatura - ainda que, aparentemente, essa actividade apenas se traduza no denegrir de uma candidatura adversária -, e já não uma actividade que vise, por exemplo, promover a abstenção geral ou uma força partidária que não tenha apresentado qualquer candidatura.

Todavia, toda a actividade enquadrável no conceito de “propaganda eleitoral”, quando praticada no dia das eleições ou no dia anterior, é punível, independentemente do sujeito que a pratica - podendo, pois, o “cidadão da rua” incorrer na prática deste crime.

Quanto à segunda questão, afigura-se ser irrelevante o lugar onde o blog está alojado. Em Portugal vigora a chamada teoria da ubiquidade - art. 7.º do Código Penal. De acordo com esta teoria, o crime considera-se praticado em Portugal desde que no nosso território ocorra - ou também ocorra - um dos seus momentos relevantes.
Se a publicidade do texto propagandístico ocorre em Portugal - isto é, ocorre em todo o mundo ligado à Internet e, por conseguinte, em Portugal -, considera-se que o crime teve lugar no nosso país, para efeitos de aplicabilidade da Lei Penal portuguesa e da competência dos tribunais portugueses - o mesmo sucede se a emissão do texto partir de Portugal. No entanto, é sempre necessário que tenha havido dolo, isto é, que tenha havido intenção do agente de tornar público junto dos eleitores portugueses um texto propagandístico no dia das eleições ou no dia anterior - ainda que faça através de um blog ou de um órgão de comunicação social com sede no estrangeiro."


(P.)

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"A sua pergunta :Os blogues também têm que se calar sobre matérias eleitorais no dia de reflexão?

O dia é de reflexão e os blogs servem para isso mesmo. Para expôr ideias. E como é o dia da reflexão e depois segue-se o dia eleição é perfeitamente natural que os blogs abordem esse assunto e exponham uma lei ao seu ridículo.

Eu não sei como é que o dia da reflexão apareceu mas percebo em certa medida o aparecimento de certas restrições, mas acho que deixaram de fazer sentido neste momento.

Em relação ao meu blog acho que a lei portuguesa não é aplicável dado o facto de estar alojado numa máquina fora de território português
."

( Ricardo Figueira)


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