ABRUPTO

11.6.04


CONHECER ALGUÉM NUM ENCONTRO IMEDIATO DO TERCEIRO GRAU 2

Lino de Carvalho apareceu no Congresso da Oposição Democrática como “presidente” da secção dedicada à educação e juventude, num daqueles processos de auto-nomeação em que o PCP era fértil. Quem o nomeara, desconhecia-se; qual a legitimidade da escolha, desconfiava-se. Na sala em que se ia fazer a reunião dessa secção, a maioria, ou pelo menos um número muito significativo dos presentes, inscritos no Congresso, eram estudantes esquerdistas de variadas cores e feitios, desunidos em tudo, unidos contra os “reformistas” (a versão legal dos “revisisonistas”, dos estudantes da UEC, do PCP). Em 1973, na maioria das universidades e liceus, a UEC tinha perdido não só a hegemonia que os comunistas sempre tinham tido sobre o movimento estudantil, como tinham passado, em muitas escolas, a uma pequena minoria acossada. Num ambiente que não favorecia a democracia – era difícil fazer votações em urna em muitas escolas – sucediam-se os golpes e contra-golpes nas assembleias e reuniões, comunistas e esquerdistas usando uma grande panóplia de truques, num ambiente de crescente violência.

O Lino de Carvalho, que eu não conhecia de parte nenhuma, nem sequer sabia que se chamava assim, apareceu na sala do cine-teatro de Aveiro, com mais duas pessoas, e sentou-se na mesa para “dirigir” a reunião. Começaram os protestos e exigências de que a mesa fosse escolhida pelos presentes. A coisa começou a azedar e os estudantes da UEC perceberam que, se houvesse votação, perdiam, e fizeram então um golpe habitual e já conhecido de outras reuniões: desataram a gritar a favor dos presos políticos, e já não me lembro se apresentaram out of the blue uma moção de solidariedade para tentar bloquear a escolha da mesa. Lembro-me de uma coisa semelhante feita num plenário do Porto que eu estava a dirigir e do qual resultou também uma enorme confusão.

De repente, sem perceber como, desatou tudo à pancada. Eu estava na primeira ou na segunda fila, logo calhou-me defrontar a mesa, logo o Lino de Carvalho que não era para brincadeiras. Daí o murro (dele) e a cadeirada (minha). Depois, de um momento para o outro, tudo acabou, sem também se perceber como. Se demorou trinta segundos, foi muito. A reunião, que me lembre, acabou ali. Muitos anos depois, quando conheci o Lino de Carvalho na Assembleia, recordámos essa cena, com o olhar mais pacífico que a vida e a liberdade entretanto nos dera.

No dia seguinte, estávamos todos na avenida principal de Aveiro, diante da polícia de choque, na garagem, nos telhados e nos quintais da rua paralela. Quem lá esteve conhece este trajecto.


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© José Pacheco Pereira
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