ABRUPTO

22.6.04


AMERICANA : JAZZ, DE KEN BURNS

Depois do documentário sobre a guerra civil americana, comprei o que pude de Ken Burns. Consegui comprar o Jazz e a série sobre a América, mas somente vi o Jazz. À primeira vista, tudo o que Burns já tinha feito nos filmes sobre a guerra também aqui aparece: uma predilecção da imagem fotográfica sobre o filme – o que é estranho num documentário de televisão – do preto e branco sobre a cor, uma utilização muito cuidada do texto, que acaba por ter um papel não somente narrativo, mas também estético. A meio da série, nos anos do swing, o resultado parecia-me mais frouxo do que na história da guerra. Havia qualquer coisa que não resultava, as palavras pareciam demasiado repetidas, caracterizando épocas e autores com frases muito semelhantes.

Se tivesse parado por aí, teria uma certa desilusão, mesmo que a série documental continuasse a ser de grande qualidade. No entanto, como muitas vezes acontece, é a empatia do autor que o trai. Quando começa a retratar a história do jazz dos anos do pós-guerra e a defrontar personagens como Charlie Parker, Miles Davis, John Coltrane, o filme ganha uma outra força. A estranha intensidade criativa do jazz e o modo como consumia / destruía os que se lhe dedicavam era patente num círculo que ia da música para as vidas. A entrada das drogas no mundo do jazz, potenciando o papel que já o álcool tinha, aparece como símbolo desse comportamento autodestrutivo. A solidão de uma música que assenta no solo aparece iniludível numa das raras filmagens: Dexter Gordon, solitário, num quarto acima do clube onde vai tocar em Copenhaga, e depois solitário em palco. O pathos da liberdade, da liberdade criativa levada até aos limites, é muito bem retratado em Charlie Parker, assim como a associação dessa procura de liberdade com a condição do negro americano.

No último episódio, curiosamente terminado um pouco à pressa com a cacofonia de músicas e músicos do início dos anos setenta, quase trinta anos antes da série ser feita, sugere-se de forma indirecta que o jazz, como forma de expressão criativa, pode estar morto. A ideia, que Ken Burns enuncia mas não aceita, de que uma forma de linguagem criativa possa atingir os seus limites, possa esgotar-se, é muito interessante e pode lançar uma luz, que psicologicamente não desejamos, sobre a “morte da arte”. E se morreu mesmo e nós ainda não demos por isso?

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© José Pacheco Pereira
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