ABRUPTO

6.5.04


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES . O MELHOR E O PIOR 2

O PIOR


"Aqueles que considero serem os piores momentos do Abrupto, têm ambos a ver com a morte, embora considere o primeiro de que falarei mais infeliz do que o segundo.

Falo do texto sobre Victor Sá em Necrologias a 3 de Janeiro. Não vou discutir o conteúdo (embora a primeira parte não tenha primado pela elegância chegando quase ao insulto), vou discutir a oportunidade do que foi dito e suas consequências. Depois de ler o pequeno texto fiquei com a sensação de que ele só serviu um objectivo: magoar quem já estava ferido, isto é, a família e os próximos. Não vejo que outro tipo de utilidade tenha tido o texto. A biografia publicada nos “Estudos sobre Comunismo”, que tive o cuidado de consultar, parece-me útil, o comentário de JPP no Abrupto não. Os fins não justificam os meios. Se era assim importante falar da experiência pessoal com Victor Sá (seria?) eu creio que, com um pouco de paciência e de habilidade – deixar passar tempo e arranjar um pretexto para o fazer – esse comentário teria passado sem o rasto de mágoa e de amargura que deixou. Não, a última parte do comentário, embora mais “humana” não foi redentora, e até eu senti desconforto com o texto e pensei: se tivesse sido o meu pai, irmão, marido, filho….

JPP utilizou um registo impressionista, mas distante e frio, com aquela “lucidez” cortante e desprovido de compaixão para quem fica e sofre. (Eu sei que compaixão é uma palavra e um conceito fora de moda). Por causa da morte tão recente, imperava a emotividade e, como era óbvio e esperado, as reacções surgiram. E aqui, para mim, tudo piorou e se tornou confrangedor. Não foram reacções frias, distantes e “objectivas” de colegas de profissão ou de alunos ou de camaradas ou de anti-fascistas que poderiam contrapor à frieza de JPP a sua própria frieza. Se houve reacções dessas que não tenham sido publicadas foi muito mau, se essas reacções não chegaram foi ainda pior pois dá mais força à opinião de JPP, que por isso e só por isso, deveria ter sido mais contido. Foram as reacções dos familiares, carregadas de amargura e ressentimento e dor que lemos no Abrupto. Por muito “objectivas” que tenham tentado ser e em parte conseguiram com alguma dignidade, a todo o momento transpareceu a “subjectividade” que a proximidade familiar e a dor da perda dão e que diminui o rigor argumentativo. Lutaram com armas desiguais num terreno em que dificilmente poderiam vencer. Na altura este caso passou-me despercebido senão também teria tido uma reacção minha.

O outro caso diz respeito a reacção à morte de Feher, 26/01 e seu tratamento na comunicação social. Aqui estou absolutamente de acordo com o que disse JPP, embora não tenha gostado nada da forma e muito menos do título “Masturbação da dor”. Mais uma vez pensei: e se fosse meu pai, irmão, marido, filho teria gostado? Sem negar a qualidade semântica do título, não posso deixar de considerar a expressão feia de mais para a ver atrelada à morte de um ser querido.

Sem querer relacionar o caso acima descrito com este comentário pergunto-me por que é que se usa esta expressão para a dor e não para outras coisas? Será uma tentativa de menosprezar nesta “sociedade prozac” o valor e o papel da dor? Que acharemos se substituirmos na expressão a palavra “dor” por outras: “gula”, “orgulho”, “social”, “preconceito”, etc?
"

(Joana)

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© José Pacheco Pereira
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