ABRUPTO

15.5.04


DESONESTIDADE INTELECTUAL

Deixo de parte a questão das torturas do Iraque, que condenei sempre desde o primeiro momento de forma inequívoca, facto que não convém lembrar por aqueles que hoje as usam essencialmente para propaganda política. Sim, porque salvo raras e honrosas excepções, as torturas estão a ser usadas de forma puramente instrumental para atacar a intervenção americana. Foi esse carácter instrumental do uso das torturas para a propaganda política que eu “estraguei” lembrando a existência do chamado “relatório das sevícias” de 1976, e daí a evidente irritação. Não foi qualquer equivalência moral ou relativismo, como se pode ver lendo os textos originais que escrevi e o que disse sobre a matéria, prática sempre saudável nestas coisas.

Mas este título de “desonestidade intelectual” refere-se a uma frase do artigo do Público de Eunice Lourenço hoje.

Pacheco Pereira, que há bem pouco tempo tinha andado a desvalorizar as torturas feitas pela PIDE”.

Isto já não é matéria de política, é de pura e simples honestidade. Eunice Lisboa está a referir-se à crítica que fiz (numa nota publicada no Abrupto, em 25 de Janeiro de 2004) à sua colega de jornal São José Almeida, e que reproduzo a seguir integralmente:

“Num artigo de hoje do Público São José Almeida escreve o seguinte sobre as torturas utilizadas pela PIDE:

Os métodos [de tortura] usados passavam, por exemplo, por queimar os presos com cigarros. Era também usual interrogar os presos despidos, sobretudo quando se tratava de mulheres.

Nenhuma destas coisas é verdade, a não ser excepcionalmente. A PIDE torturava e torturava por sistema, não é isso que está em causa. Mas não utilizava queimaduras que deixavam marcas e muito menos despia as mulheres “usualmente”. Há um ou outro relato , muito raro, de queimaduras de cigarro, e ,a não ser num caso de mulheres presas do Couço em que humilhações directas de carácter sexual foram utilizadas, desconhecem-se testemunhos nesse sentido. A PIDE insultava as “companheiras” de tudo quanto havia, mas não as despia.
Afirmar isto é não compreender de todo os quadros de mentalidade que presidiam ao regime A lei não chegava à PIDE, como os PIDEs se gabavam, mas chegava a mentalidade e a “moral” sexual (ou a falta dela). É completamente inverosímil o que se diz no artigo.”


Depois acrescentei posteriormente:

“Esta nota motivou uma reacção indignada de São José Almeida e de outros jornalistas do Público no Glória Fácil, reafirmando a veracidade e o fundamento do que se escrevera no artigo. Entendi nada dizer porque todas as pessoas que conhecem a história da repressão em Portugal sabem do completo infundado das afirmações de São José Almeida e não valia a pena qualquer comentário pelo que era uma manifestação de ignorância solidária. “


Ainda estou à espera que me provem que na PIDE era “também usual interrogar os presos despidos, sobretudo quando se tratava de mulheres. “

Foi esta a minha “desvalorização das torturas da PIDE”. Julguem como entenderem, mas isto é mau jornalismo em nome do antifascismo, e desonestidade intelectual na imputação a outrém de posições que nunca teve, para obter efeitos políticos.

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© José Pacheco Pereira
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