ABRUPTO

8.3.04


AS FORMAS ANTIGAS DE SENSIBILIDADE. MEMÓRIA E MENTIRA

Aos antigos repudiava a memória mentirosa, a falsa memória, a memória que serve para desculpar. Quintiliano escreveu “mendacem memorem esse oportere (o mentiroso precisa de ter memória). Esta forma de memória reduz o passado às necessidades do presente, reduz a verdade do que se passou aos restos que são úteis para a ficção de identidade no presente.

A memória viva nunca quer ser memória, quer ser presente. É a fraqueza, a cobardia, que a reduz à memória do mentiroso. O mentiroso é infiel a si próprio. Como Midas, tudo o que toca se vai gastando, trocando o desejo da vida pela justificação da vida. Todos os dias a mentira, tantas vezes suportada pela memória mentirosa, penetra em cada gesto, em cada palavra, e rouba o sentido. Fica tudo uma pasta cinzenta, sem brilho. Sem brilho.

Depois o hábito faz o resto. Facilis descensus Averno.

(url)

© José Pacheco Pereira
Site Meter [Powered by Blogger]