ABRUPTO

27.1.04


SOBRE A "A MINHA RÚSSIA"

"Se percebi bem, das diferentes crueldades do passado vividas pela população russa, a atenção prioritária deveria ser dada à da "grande guerra patriótica", pelo argumento de que está naturalmente mais presente o impacto emocional (nomeadamente nas famílias das vítimas) do que em outros momentos de grande dor.

Das minhas leituras e reflexões, e dos dois anos e tal que levo de viver em Moscovo, conversas com russos incluídas, confesso que continuo a ter o mesmo préjugé com que aqui cheguei: enquanto a Rússia não fizer o "trabalho de casa" do que foi realmente a Revolução, a conquista e manutenção no poder dos bolcheviques, a Guerra Civil, a perversão de valores que se instalou durante o Stalinismo (como a resignação à cobardia, como alertou Bulgakhov) - não haverá futuro democrático como o entendemos. A análise (ou auto-análise pelos russos) de outros períodos-chave (como a invasão do território nacional russo pelos alemães ou a Guerra Fria) parece-me, perdoe-me a franqueza, uma distracção, como aqueles devaneios que desviam o estudante da obrigacão mais chata de estudar a matéria principal.

Muita e boa historiografia concorda que a Grande Guerra Patriótica foi um enorme balão de oxigénio para o regime stalinista, que lhe deu uma legitimidade (imerecida) por ter desempenhado a função de salvaguardar a independencia da Nação. Como um evento brilhante que apagasse as mazelas anteriores que ninguém quer revisitar.

Assim como se apelou, muito justamente, ao fim do processo de "denial" em França relativamente à repressão na Argélia, ao "denial" americano em relação ao Vietname, ou até ao nosso em relação à experiência colonial, há que ver a importância de superar o imenso "denial" russo em relação aqueles momentos anteriores de dor, mesmo se desses está já quase tudo morto."


(Jorge Torres Pereira)

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© José Pacheco Pereira
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