ABRUPTO

22.1.04


SENA TRADUTOR DE CAVAFY

De uma carta de Roger Miguel Sulis (Professor convidado de língua e literatura grega moderna na Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil, e um dos responsáveis pelo arquivo.cavafis ):

O público brasileiro também deve ao poeta Jorge de Sena a primeira versão dos poemas do alexandrino. É o próprio poeta português que lembra o fato ao escrever um artigo para o Suplemento Literário de O Estado de São Paulo, em 28 de junho de 1962, que creio possa ser de algum interesse. Cito:

“Apliquei-me à tradução para o português dos seus poemas, e guardo como das melhores recordações da minha vida literária o convívio e a correspondência com aquele velhinho infatigável e extravagante, o dr. Mavrogordato, a quem fiquei devendo esclarecimentos, correções, verificações, e as fotografias inéditas de Cavafy que possuo. Feitas pelo texto de Mavrogordato, ignorante que sou de qualquer grego antigo ou moderno (para lá daquelas palavrinhas que o estudo da filosofia nos obriga a saber), as minhas traduções foram, com o auxílio dele, conferidas pelos originais, esses originais escritos numa língua viva para Cavafy, mas estranha mesmo para os gregos modernos, cuja crítica nunca abundou em reconhecer àquele vagabundo (que o era) de Alexandria, grandeza comparável à clamorosamente oferecida a ‘modernos’ como Seferis ou Palamas.”

Esta primeira tradução para o português, portanto, foi feita através do inglês e não do grego pelo poeta que aqui havia chegado em 1959, fugido da ditadura salazarista e que daqui também iria fugir, seis anos depois, por causa de outra ditadura, para os Estados Unidos. O desconhecimento da língua grega está explicitado no poema “Em Creta, com o Minotauro”: “Também eu não sei grego, segundo as mais seguras informações.” É sintomático que a poesia de um estrangeiro como Kaváfis chegue ao Brasil pelas mãos de um estrangeiro como Sena, constantemente atravessado pelo tema do exílio: “(...) Nem eu, nem o Minotauro,/ teremos nenhuma pátria”.

Seu artigo para o Suplemento Literário de O Estado de São Paulo contém a tradução de “A espera dos bárbaros” que assim chega ao Brasil no início da década de 60, um momento de conflito entre o fortalecimento dos laços com o capitalismo internacional e a força utópica de setores da esquerda, que nos levam à chegada dos bárbaros com o golpe militar de 64 e a novo exílio do poeta:

“Nascido em Portugal, de pais portugueses, e pai de brasileiros no Brasil, serei talvez norte-americano quando lá estiver.
Coleccionarei nacionalidades como camisas se despem, se usam e se deitam fora, com todo o respeito necessário à roupa que se veste e que prestou serviço. Eu sou eu mesmo a minha pátria. A pátria de que escrevo é a língua de que por acaso de gerações nasci. (...)”

Kaváfis poderia assinar este texto
.”

(R.M.Sulis)

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© José Pacheco Pereira
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