ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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18.1.04
PIRAMO E TISBE OU O QUE TORNOU AS AMORAS COR DE SANGUE
Sobre a história de Piramo e Tisbe (referida no poema de Gongora dos Early Morning de hoje), para o Tempo Dual. A história é, como todas as histórias clássicas, simples, quase trivial. Um par de namorados adolescentes, Piramo e Tisbe, contrariados pelas suas famílias, vivem lado a lado. “Falam” através de uma fenda na parede da casa que é mútua. Mais do que falam, respiram juntos. Depois decidem fugir e marcam um ponto de encontro, junto de um túmulo. Tisbe chega primeiro e encontra uma leoa que acabara de matar uma presa e tem as garras ensanguentadas. Foge, mas deixa cair o seu véu. A leoa rasga-o e suja-o de sangue. Chega Piramo e pensa que Tisbe foi morta e suicida-se. Tisbe chega e, encontrando o amante a morrer, mata-se também. São enterrados junto a uma amoreira cujos frutos ficam para sempre tintos de sangue. A fenda, o equivoco trágico, a cor das amoras. Depois , como é uma história primeira, primeva, como é inventada pela primeira vez, tão carregada de símbolos, de metáforas, de espessura, de sentido durante dois mil anos vive e se reproduz e se reinventa sem cessar. Por ela passaram todos mas a melhor fonte é Ovidio nas Metamorfoses. Aqui fica um excerto da parte mais dramática Pyrame, clamavit, quis te mihi casus ademit? Pyrame, responde! tua te carissima Thisbe nominat; exaudi vultusque attolle iacentes! ad nomen Thisbes oculos a morte gravatos Pyramus erexit visaque recondidit illa. Quae postquam vestem suam cognovit et ense vidit ebur vaccum, "tua te manus" inquit "amorque perdidit, infelix! est et mihi fortis in unum hoc manus, est et amor: dabit hic in vulnera vires. persequar extinctum letique miserrima dicar causa comesque tui: quique a me morte revelli heu sola poteras, poteris nec morte revelli. (Vou ver se arranjo uma tradução portuguesa.) Em seguida, história fez caminho em toda a literatura clássica e renascentista. Está por todo o lado, em Dante , em Petrarca (I Trionfi) , Boccacio, Chaucer, Shakespeare. Existe na Internet um exaustivo ensaio sobre a sua influência na literatura espanhola. Vem , por exemplo , no Quixote, neste soneto de Cervantes; El muro rompe la doncella hermosa que de Píramo abrió el gallardo pecho; parte el Amor de Chipre, y va derecho a ver la quiebra estrecha y prodigiosa. Habla el silencio allí, porque no osa la voz entrar por tan estrecho estrecho; las almas, sí, que amor suele de hecho facilitar la más difícil cosa. Salió el deseo de compás, y el paso de la imprudente virgen solicita por su gusto su muerte; ved qué historia: Que a entrambos en un punto, ¡oh extraño caso!, los mata, los encubre y resucita una espada, un sepulcro, una memoria E o mesmo acontece em Portugal, a mesma história, a mesma influência. Camões nos Lusíadas: Os dons que dá Pomona, ali natura Produz diferentes nos sabores, Sem ter necessidade de cultura, Que sem ela se dão muito melhores; As cerejas purpúreas na pintura; As amoras, que o nome têm de amores; O pomo, que da pátria Pérsia veio, Melhor tornado no terreno alheio. Numa redondilha Tisbe morreu por Píramo, a ambos matou o Amor; a mim, vosso desfavor. Tisbe pelo seu amante morreu com amor sobejo; mas eu mais morto me vejo. E na Écloga VII Olhai, Ninfas, as árvores alçadas, A cuja sombra andais colhendo flores, Como em seu tempo foram namoradas, Que inda agora o tronco sente as dores. Vereis também, se fordes alembradas, Como a cor das amoras é de amores; Em sangue dos amantes na verdura Testemunha é de Tisbe a sepultura. E agora continua aqui. (url)
© José Pacheco Pereira
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