ABRUPTO

26.1.04


ORGULHO 1

Continuando. O melhor texto que conheço sobre o orgulho é de Bernardo de Clairvaux. É um texto severo , como se podia esperar, impregnado de uma disciplina última face ao divino, mas, em cada linha , um retrato inultrapassável dum sentimento que , se pensarmos um pouco, é estranho. Se o virmos do lado prometaico, como os românticos o viam, ele é o fundamento da humanidade: sem orgulho o homem não rouba o fogo divino. Mas essa forma de orgulho não é a mais interessante.

Bernardo percebe essa estranheza, mas vê-a com uma sensibilidade diferente. O orgulho não é para ele um sentimento evidente nos homens, é, num certo sentido, um sentimento puramente diabólico. Como nasce o orgulho? Na parte II do Tratado dos Doze Graus do Orgulho (utilizo a versão francesa das obras de Bernardo que se encontra aqui ) ele começa onde menos se esperava, mas acertando completamente. Começa na “curiosidade” , na “curiosidade” como “agitação do corpo”:

"Le premier, degré de l'orgueil est la curiosité. Vous la reconnaîtrez à ces signes. Si vous voyez un moine dont jusqu'alors vous étiez parfaitement sûr, commencer, partout où il se trouve, debout, en marche ou assis, à tourner les yeux de côté et d'autre, à lever la tête et à avoir s l'oreille au guet, tenez pour certain que ces changements extérieurs sont le signe d'un changement intérieur ; car « l'homme qui se pervertit, fait des signes des yeux, frappe du pied et parle avec les doigts (Prov., VI, 12); » cette agitation inaccoutumée du corps est l'indice d’une maladie de l'âme qui débute et qui la rend moins circonspecte, insouciante de ce qui la concerne et curieuse, au contraire, de ce qui a rapport aux autres. "

A que se deve esta desatenção? Aos sentidos, à distracção dos sentidos, à desatenção de si, à perda do “coração” por via dessas “duas aberturas”, os olhos e as orelhas. Eva e Lúcifer foram curiosos e perderam-se por isso.

Bernardo procura um espelho capaz para essas “duas aberturas”, encontra-o na terra

"Où vas-tu donc, ô curieux, quand tu sors de toi et, pendant ce temps-là, à quel gardien te confies-tu? D'ailleurs comment oses-tu bien lever les yeux au ciel contre lequel tu as péché ? Regarde la terre pour apprendre à te connaître; elle te remettra en face de toi, car tu n'es que de la terre et tu retourneras à la terre."

O que ele diz é : antes de te distraíres no mal, antes de cederes ao orgulho de olhar para cima, confronta-te com a tua mortalidade, porque é mais verdadeira. Mas, se continuares “curioso”, chegarás ao “segundo grau” do orgulho : a “ligeireza de espírito”.

(Continua)

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© José Pacheco Pereira
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