ABRUPTO

3.1.04


NECROLOGIAS

Está visto que o dia está fadado para necrologias. Deve ser sina dos dias bonitos de Inverno. Leio no Aviz e no Almocreve das Petas notícias sobre o suicídio de Eduardo Guerra Carneiro. São escritas com saudade, amizade, proximidade e com o incómodo, com a culpa, que os suicidas espalham à sua volta.

Eu também estive neste ofício dos mortos, a escrever uma nota necrológica sobre Victor Sá para os Estudos sobre Comunismo. Com uma diferença: no pouco que conheci pessoalmente de Victor Sá, nunca tive a menor simpatia pelo homem. Tenho dele uma impressão de arrogância dogmática e sectária, muito comum nos comunistas provincianos do Minho, de Famalicão, de Braga, mesmo do Porto. Acresce que ele escrevia sobre o movimento operário, e a mesma ortodoxia agressiva perpassava nos textos. Depois do 25 de Abril, quando tiveram algum poder, eram intransigentes e bem pouco “democratas”.

No entanto, quando se faz de Deus e se escrevem estes balanços de vida, fica uma sensação contraditória sobre o homem. Ele teve uma vida que a PIDE, e essa personagem sinistra que era Santos da Cunha, se encarregaram de estragar com afã. E ele voltava ao mesmo, a fazer as mesmas coisas, com uma persistência que só uma fé poderosa e moderna como era o comunismo explicava. Ainda hoje não sei como é que nesta rectidão, motivada pelas piores ideias, se define uma moral, se há uma moral. Garanto-vos que, visto de perto, não é simples.

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© José Pacheco Pereira
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