ABRUPTO

26.1.04


DOIS CAMINHOS

Nestes dias de dois caminhos, às vezes penso que devia deixar Camus a outrem. Gosto de Camus porque escreve sobre a culpa sem culpa, contrariamente a quase tudo que se faz e diz hoje, que construímos um mundo impregnado pela culpa. (O Mystic River, para usar um exemplo contemporâneo, retrata isso mesmo, um mundo mergulhado em culpa, no que não se fez e devia fazer, no que nos aconteceu e a culpa é nossa, na culpa dos outros que também é nossa, como se um pecado universal de omissão fizesse parte da comunidade dos homens, ou o pecado original nos conduzisse a um mundo sem salvação. O nosso destino é sentir culpa. Muito judeu, muito católico-americano, muito americano pós-guerra civil, muito Nova Iorquino das classes altas, muito Woody Allen, sem o humor e sem a mãe judia.).

Camus é demasiado dos nossos dias. O seu absurdo é quotidiano, está também inscrito no modo como se vê tudo hoje. A descrença preparou o mundo para a “existência”, para esse mundo angustiado da permanente medida com o que nos falta. De novo, Camus faz a diferença com o culto da alegria, com uma sensibilidade que quase é nietzschiana sem a confiança dos golpes de martelo de Zaratustra. Mas tudo medido, talvez me deva voltar para outro lado.

A mim interessam-me as formas de sensibilidade arcaicas, alheias, antigas, não este mundo pegajoso da culpa, ou o ar cinzento do absurdo. Devia dedicar-me a outros escritos que nos são tão alheios como Plutão. Como, por exemplo, os desse homem tão terrível como Bernardo de Clairvaux, S. Bernardo para os cristãos. Era sobre ele que devia abrir um blogue.

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© José Pacheco Pereira
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