ABRUPTO

14.1.04


DELORS

Publicou uma espécie de memórias em entrevista, que não comprei e não li. Talvez venha a comprar, mas os livros políticos franceses deste tipo são sempre muito decepcionantes, feitos à pressa e demasiado jornalísticos. Mas, à noite, vi uma longe entrevista a Delors no terceiro canal francês, conduzida por Christine Ockrent e com o apoio de vários jornalistas como Serge July. A entrevista era amável e respeitosa, mas Delors mostrava todas as suas qualidades, rápido, irónico e experiente. Aquele homem já viu muito, já teve que aturar muito, já negociou muito. Não custa reconhecer a marca de um político de qualidade, mesmo que não se concorde com o que diz.

Se a entrevista fosse mais curta, ficaria pelo parágrafo anterior. Mas, à medida que avançava, em particular quando entrou July a perguntar, ou a querer que Delors fizesse um eco das suas afirmações, numa cumplicidade incomodativa para quem via, alguma coisa se começou a deteriorar. Cada vez que Delors falava uma falta crescia, uma ausência se tornava cada vez mais real: os povos, os europeus, as pessoas... a democracia. E cada vez mais emergia esse traço do currículo dos politicos franceses, a alta administração pública, o pensamento de um burocrata sofisticado, efectivamente indiferente ao valor da legitimação democrática do que está a fazer. Ele está convencido de que está a fazer bem e conhece todos os mil e um mecanismos para fazer as coisas "andar". Mas também é ele que sabe qual é a direcção para onde devem "andar" e não lhe passa pela cabeça perguntar a ninguém.

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© José Pacheco Pereira
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