ABRUPTO

23.1.04


BLOGUE SOBRE OS CADERNOS DE CAMUS

Começam a aparecer as primeiras contribuições para um blogue sobre os Cadernos de Camus. Numa fase ainda experimental, estou a publicá-las no Abrupto e simultaneamente em Cadernos de Camus , um blogue inteiramente provisório apenas para teste. Utiliza um template de série e não tem qualquer trabalho gráfico, nem ligações, nem nada. Serve só para arrancar, depois arranja-se uma “casa” mais digna para Camus.

Como tenho dito, a minha contribuição é apenas para o arranque; espero que depois uma equipa tome conta do projecto e lhe dê continuidade. Nesta fase inicial, para além dos comentários, era igualmente importante que fossem colocados mais fragmentos dos Cadernos em linha, para suscitar outros comentários.


Eduardo Graça - Cadernos de Camus


Releio o Caderno nº 1 (Maio de 1935/Setembro de 1937) e anoto os meus sublinhados vigorosos, aquando da primeira leitura, na segunda metade dos anos 60. Achei que nesta primeira abordagem não os devia ignorar. Eis o meu primeiro sublinhado:

Jovem eu pedia às pessoas mais do que elas me podiam dar: uma amizade contínua, uma emoção permanente.
Hoje sei pedir-lhes menos do que podem dar: uma companhia sem palavras. E as suas emoções, a sua amizade, os seus gestos nobres mantêm a meus olhos o seu autêntico valor de milagre: um absoluto resultado da graça.”


Tenho dificuldade em interpretar as razões que me levaram, com 20 anos, a fazer esta escolha mas seria capaz, hoje, de sublinhar de novo com acrescidas razões.

Com respeito às escolhas de JPP é curioso que os meus sublinhados de juventude se situam imediatamente antes e depois das citações escolhidas por JPP. Sublinhei a frase imediatamente anterior à citação de JPP com o título “A civilização contra a cultura”, ou seja,

As filosofias valem aquilo que valem os filósofos. Maior é o homem, mais a filosofia é verdadeira.

E ainda mais extraordinário a coincidência de ter sublinhado as citações imediatamente anterior e posterior daquela outra que JPP escolheu com o título: “Poder consolador do inferno”, quais sejam:

Combate trágico do mundo sofredor. Futilidade do problema da imortalidade. Aquilo que nos interessa, é de facto o nosso destino. Mas não “depois”, “antes”.”

E esta outra:

Regra lógica. O singular tem valor de universal.
-ilógica: o trágico é contraditório.
-prática: um homem inteligente em certo plano pode ser um imbecil noutros.


As minhas escolhas de juventude podiam ser as minhas escolhas actuais. As minhas escolhas actuais vão mais além mas encaminham-se, quase sempre, para uma faceta da reflexão em que Camus olha a natureza e os outros com assumido desprendimento pelas coisas materiais sempre deixando transparecer um problema nunca resolvido na sua vida: a sua relação com o sucesso. Como transparece no texto final deste Caderno nº 1 quando escreve:

“…Não é necessário entregarmo-nos para parecer mas apenas para dar. Há muito mais força num homem que não parece senão quando é preciso. Ir até ao fim, é saber guardar o seu segredo. Sofri por estar só, mas por ter guardado o meu segredo venci o sofrimento de estar só. E hoje não conheço maior glória que viver só e ignorado. Escrever, minha profunda alegria!...

Extractos, in Cadernos (1962-Editions Gallimard), tradução de Gina de Freitas, Colecção Miniatura das Edições “Livros do Brasil”, incluindo: Caderno nº1 (Maio de 1935/Setembro de 1937), Caderno nº2 (Setembro de 1937 a Abril de 1939) e Caderno nº3 (Abril de 1939 a Fevereiro de 1942).

(Eduardo Graça)

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