ABRUPTO

24.11.03


TRISTEZA SUBTERRÂNEA

O metro de Bruxelas, ou se calhar apenas a minha linha, a 55 Bordet-Silence, é de uma infinita tristeza. Não consigo encontrar uma pessoa nas carruagens que tenha um ar, já não digo feliz, mas normal. Parece que uma parte de Bruxelas foi ali soterrada em vida , numa espécie de círculo do Inferno e condenada a andar eternamente às voltas na linha 55.

A linha não é percorrida pelo metro normal mas sim por um tramway, um eléctrico com duas ou três carruagens, bastante mais pequeno do que o túnel por onde passa. Por isso, não há aquela obscuridade imediata nas janelas, mas vê-se a parede suja, coberta de lixo e pó, canos e linhas, cortada ocasionalmente por um veio de humidade infiltrada. As pessoas olham para as janelas, olham para fora, para aquele fora. Ainda deve deprimir mais.

Olho para a carruagem: gente pobre, gente evidentemente pobre, emigrantes magrebinos, velhos trabalhadores marroquinos com o ar duro e esculpido, jaquetas de napa preta, raparigas muçulmanas, com ar infeliz, invariavelmente vestidas de escuro ou tons de cinzento, véu, camisola e calças, sapatos grosseiros (poucas coisas dizem mais da pobreza que os sapatos), jovens negros e um ou outro rasta, toda a gente mais embrulhada na roupa do que vestida, uma jovem coreana grávida, agarrada à sua bolsa vermelha, imobilizada no seu assento de um, velhas senhoras dignas na sua loucura mansa. Silêncio. Mesmo as crianças que sobem, empurradas pelas mães, para estas carruagens incómodas ficam imediatamente silenciosas. Toda a gente traz sacos de plástico, toda a gente se agarra ao seu saco de plástico, como se encontrasse nele um equilíbrio que não há em lado nenhum. Silêncio, só se ouvem as rodas nas junções dos carris.

Todos parecem cansados, todos devem estar cansados, porque esta linha é trabalho-casa, ou trabalho-compras-casa. Saem muitos na Gare du Midi, outros em Rogier para as compras, nos paupérrimos centros comerciais locais, comparados com os luxuosos portugueses. Mesmo aí o subterrâneo prolonga-se nos bares e pequenos restaurantes enterrados ao nível da estação de metro. Como é possível que alguém queira aí estar, num corredor sem luz nem ar fresco?

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© José Pacheco Pereira
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