ABRUPTO

4.11.03


PRÓS E CONTRAS DA CONSTITUIÇÃO EUROPEIA

Assisto, com um misto de espanto, indignação e resignação (de facto não vale a pena o esforço…), ao programa da RTP sobre a Constituição Europeia. Conduzido com excesso de nervosismo e intervencionismo por Fátima Campos Ferreira, o programa revela toda a enorme ambiguidade no modo como o debate europeu é feito, quando não se quer discutir nada fora do círculo interior dos factos consumados e do sistema instituído. Um grupo altamente qualificado de pessoas convidadas, pouco plural nas opiniões europeias (ou melhor, plural nos detalhes e nos procedimentos, mas menos plural na visão global), é conduzido para uma discussão irrealista, completamente por cima das realidades fácticas, da realpolitik que é hoje central no jogo de poder europeu. Falavam como se a Constituição e o direito gozassem de uma autonomia em relação aos interesses, que hoje, mais do que nunca na história da União, são o jogo que se joga.

É verdade que ocasionalmente a realidade do poder, a realpolitik, entra na sala como um icebergue – Gama e Adriano Moreira enunciaram-na – mas, quase sem nos apercebermos, tiram-nos o Titanic do mar, como se tal passo de mágica fosse possível.
O icebergue está lá – por exemplo, a completa indiferença dos portugueses, e dos europeus em geral, sobre a Constituição. E o que é a “ignorância” traduzida nas sondagens senão indiferença , ou seja , falta de vontade política, falta de sentimento de pertença, sentimento de que são deixados à parte… falta de democracia? E, no entanto, ninguém quer saber e avança-se para a frente a todo o vapor.

Os ingleses têm sobre a União Europeia o mais brutal debate, muitas vezes roçando o ridículo, mas dizem verdades como punhos e, acima de tudo, discutem a partir da realidade, e falam de coisas que não entram, nem ao de leve, no debate do Prós e Contras. Aqui não se discute a lógica de poder da nova burocracia europeia de Bruxelas, a sua subordinação quase exclusiva ao poder de estados como a França, a Alemanha, a Espanha e o Reino Unido; a falta de vontade dos estados de ir mais longe na união política, disfarçada em políticas de face diferente (uma das quais, a franco-germânica, é exactamente a de utilizar como instrumento de hegemonia uma maior integração política, mantendo o comando dos mecanismos de subordinação); a impotência (também ela resultado das divisões europeias) da política externa europeia, institucionalizada para minar a relação atlântica sem lhe fornecer alternativa, e, acima de tudo, a perigosa deriva não democrática e elitista da União Europeia, andando para a frente a toda a velocidade, numa lógica de criar um estado europeu fictício em tudo menos no poder das nações a que serve.

É, faz falta um debate à inglesa, mas isso em Portugal será muito difícil porque o gigantesco consenso mata a diferença.

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© José Pacheco Pereira
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