ABRUPTO

9.11.03


JORNALISTAS E PODER POLÍTICO

Naquilo que é certamente um eco – longínquo que seja, mas ignorado – de um pedido que aqui fiz para que se conhecessem os casos de jornalistas que circulam entre as redacções e a assessoria política, o Público de hoje tem o mérito de fazer um primeiro dossier sobre o assunto. A lista publicada é uma contribuição para a transparência, mas, pela sua exiguidade, está longe de dar uma ideia da dimensão da circulação entre jornalistas e gabinetes políticos. Pode inclusive induzir em erro os leitores dando-lhes a entender que são apenas aqueles os casos existentes.

As entrevistas a “académicos” de jornalismo, uma das quais ela própria antiga assessora de Mário Soares, dão do problema uma visão benévola e complacente. Esta benevolência e complacência nunca existiria com os políticos e ainda bem. Há nas respostas a confusão entre duas situações: uma é a actividade política legítima de qualquer jornalista, incluindo o exercício de funções como autarca, deputado, dirigente partidário, etc. Não há em si nenhuma objecção a esta liberdade e capacidade cívica. Outra coisa é a utilização dos conhecimentos profissionais, e não necessariamente os mais “limpos”, como todos sabem e preferem ignorar, para exercer funções na zona mais cinzenta e menos escrutinada da comunicação social: a produção de notícias, o agenda setting, os truques interiores ao discurso comunicacional e sua eficácia. Há um aspecto claramente minimizado nos comentários –o da alta confiança política que tal função presume. A assessoria política de um jornalista coloca-o no âmago dos mecanismos do poder como ele hoje é exercido: no centro das fugas de informação, da gestão de “fontes anónimas”, da manipulação das notícias. Os “académicos” ignoraram este aspecto, mas é muito positivo que a discussão tenha começado.

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© José Pacheco Pereira
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