ABRUPTO

12.11.03


JORNALISTAS E PODER POLÍTICO

“Li hoje o seu texto sobre “Jornalistas e poder político” e, sendo do ‘meio, (…) a minha discordância relativamente à sua aceitação de jornalistas que desempenhem funções políticas e/ou partidárias.
O tema é de análise difícil, pois remete para conceitos de liberdade individual e direitos cívicos. Na minha opinião, o exercício da actividade de jornalista pressupõe a aceitação de algumas limitações aos referidos direitos, especialmente em Portugal onde a comunicação social é, por “definição”, apartidária, apolítica e equidistante. Mesmo sabendo-se que, de facto, assim não é.
Para outros países, com outras tradições, aceito a sua opinião como correcta, mas na nossa realidade parece-me excessivamente permissiva. Os nossos jornais, rádios e televisões pretendem ser “generalistas”, no sentido de não estarem engajados a qualquer corrente de opinião, de política ou de interesses económicos, culturais ou desportivos, por exemplo. O leitor do “Expresso” tanto será de esquerda como de direita, o ouvinte da TSF idem, o espectador da TVI outro tanto. Sei que não é assim “cá fora”, mas é este o conceito.
Sei também que muitos jornalistas, muitos directores e editores não se coíbem de dar um cunho “ideológico” aos meios onde trabalham. Isso é uma coisa e, se o leio, vejo e ouço bem, o dr. Pacheco Pereira tem-se oposto à situação.
Escrevo ali atrás que os jornalistas deviam aceitar algumas limitações cívicas, tal como os funcionários do Estado, por exemplo, devem cumprir as suas obrigações independentemente da cor do governo de serviço. A situação dos jornalistas é, porém, ainda diferente: porque escrevem sobre factos – são (ou deviam ser) os olhos e os ouvidos de quem lá não está – estão obrigados a regras que, quanto a mim, são incompatíveis com qualquer militância, partidária ou de outra ordem.
Quando sou destacado para acompanhar um qualquer evento, quando escrevo sobre uma reunião da Assembleia Municipal, os meus leitores não querem saber o que penso sobre os assuntos; querem saber o que se passou, quem disse o quê, porquê e para quê.
Eu, jornalista, sou um cidadão igual aos outros: a minha opinião é importante para mim e para os meus familiares e amigos. Não o é para a generalidade dos meus concidadãos. Para estes, o importante é disporem dos factos para formar a própria opinião.
Dir-se-á que o que está errado é termos órgãos de comunicação social “equidistantes”. Concordo. E, então, os esforços talvez devam ser direccionados para a clareza: cada jornal, cada rádio, cada televisão deve poder assumir uma orientação “ideológica”. Aí chegados, seria então natural que os seus jornalistas fossem livres de desempenhar algumas funções político-partidárias. Na nossa situação, não.
Dir-se-á que, mesmo em Portugal a “declaração de interesses” dos jornalistas clarificaria o panorama da comunicação social. Talvez. Mas receio que todos se viessem declarar apartidários, apolíticos e sem amigos ou conhecidos na política (ou em qualquer outro sector). Toda a sua análise crítica, suspeito, continuaria a fazer sentido, mas com mais uma mentira.
Conhecerá o ‘meio’ melhor que eu, jornalista “de província”. Mas veja o caso do presidente do Sindicato, candidato da CDU, e de muitos subscritores de abaixo-assinados que por aí pululam, de cada vez mais jornalistas que mantêm colunas de opinião enquanto escrevem notícias...
Lembro-me, há alguns anos, de uma tentativa de criar uma Ordem dos Jornalistas e recordo-me do slogan dos do contra (organizados em torno do sindicato”: “Não nos metam na ordem!”.


Francisco M. Figueiredo (jornalista em Leiria)

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© José Pacheco Pereira
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