ABRUPTO

6.11.03


A HIPOCRISIA FACE A CUNHAL

Mas que exibição de hipocrisia a pretexto das palavras de Cunhal!

O que é que Cunhal diz que não se encontre, na sua substância (a forma é outra coisa), um pouco por todo o lado na esquerda radical? Digam lá, caso a caso, do que é que discordam?

Cunhal : “Na evolução da sociedade, a revolução russa de 1917, sob a direcção de Lénine e do partido dos bolcheviques, fica marcada, em milénios de história, como a primeira e única a estabelecer o poder político das classes anteriormente exploradas e a empreender com êxito a gigantesca tarefa de construir uma sociedade sem exploradores nem explorados.
Com o seu poderio, alcançado pela construção do socialismo, a União Soviética alterou a correlação das forças mundiais, manteve em respeito durante décadas o imperialismo, tornando a competição entre os dois sistemas um elemento dominante na situação mundial
.”

Na linguagem marxista deslavada da actualidade, não seria difícil reescrever a mesma frase, com exactamente o mesmo conteúdo, mas tornando-a muito mais aceitável. Em que é que esta análise é diferente da que fazem os trotsquistas do PSR ou os pós-maoístas da UDP? Em que é que é diferente do que escreve o tão saudado Hobsbawm? Retiradas as modernices verbais, o que é que está escrito no Império de Negri senão isto mesmo? Os lamentos com o mundo “unipolar”, que papel póstumo dão à URSS, senão esse de ter “mantido em respeito” o “imperialismo”? Que sentido tem a dualidade “globalização capitalista” versus “globalização popular”, senão manter a competição “entre os dois sistemas” ?

Cunhal: “À acção terrorista de 11 de Setembro, os Estados Unidos responderam fomentando organizações e acções terroristas, desencadeando agressões e guerras que vitimam igualmente milhares de civis. Proclamando serem os campeões da luta contra o terrorismo, os Estados Unidos tornaram-se a principal força do terrorismo mundial.

Esta então digam lá de que discordam? Tanto quanto eu saiba, manifestações da esquerda em Portugal nunca houve contra Kadafi (pelo contrário, houve quem recebesse dinheiro dele), contra a dinastia norte-coreana, contra Cuba, contra o Hamas, contra Saddam. Só me recorda haver contra os EUA e com cartazes a dizer “Bush assasino e terrorista”. O que é que Cunhal diz que os escandaliza tanto?

Cunhal: “Os trabalhadores, os povos e as nações não podem aceitar que tal ofensiva global seja irreversível. E, se assim é, importa considerar se há e, havendo, quais são as forças capazes de impedir que o imperialismo alcance o seu supremo objectivo.

A nosso ver, são fundamentalmente:

Primeiro: Os países nos quais os comunistas no poder (China, Cuba, Vietname, Laos, Coreia do Norte) insistem em que o seu objectivo é a construção de uma sociedade socialista. Apesar de ser por caminhos diferenciados, complexos e sujeitos a extremas dificuldades, é essencial para a humanidade que alcancem com êxito tal objectivo."


Aqui está a principal diferença face a Cunhal: já ninguém acredita que haja um “campo socialista”, e muito menos com estes parceiros. Mas já quanto a Cuba …

Cunhal: “Segundo: os movimentos e organizações sindicais de classe, lutando corajosamente em defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores.

Terceiro: partidos comunistas e outros partidos revolucionários, firmes, corajosos e confiantes.

Quarto: movimentos patrióticos, com as mais variadas composições políticas, actuando em defesa dos interesses nacionais e da independência nacional.

Quinto: movimentos pacifistas, ecologistas e outros movimentos progressistas de massas.

É no conjunto destas forças que pode residir e que reside a esperança de impedir a vitória final da ofensiva do capitalismo visando impor em todo o mundo o seu domínio universal e final. "


Nestes últimos casos, qual é também o escândalo? Nas manifestações contra a globalização não está de braço dado toda a parafernália de movimentos que Cunhal enuncia?

Cunhal incomoda-os porque a forma, a linguagem e o estilo, fazem parte de um passado de que ninguém quer ser herdeiro. Cunhal lembra o movimento comunista internacional. Lembram-se? Existiu, não existiu? Mas tudo o resto, o conteúdo, a substância, lê-se todos os dias um pouco por todo o lado.

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© José Pacheco Pereira
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