ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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7.11.03
EARLY MORNING BLOGS 73
António Machado, de novo, em este “Recuerdo infantil” que me fez o milagre da memória, porque era exactamente assim. Exactamente assim. Recuerdo infantil "Una tarde parda y fría de invierno. Los colegiales estudian. Monotonía de lluvia tras los cristales. Es la clase. En un cartel se representa a Caín fugitivo, y muerto Abel junto a una mancha carmín. Con timbre sonoro y hueco truena el maestro, un anciano mal vestido, enjuto y seco, que lleva un libro en la mano. Y todo un coro infantil va cantando la lección: "mil veces ciento, cien mil, mil veces mil, un millón". Una tarde parda y fría de invierno. Los colegiales estudian. Monotonía de la lluvia en los cristales." Aprendi a ler antes de ir para a escola primária, com uma professora reformada que tinha uma “escola” privada em sua casa, na Rua das Doze Casas, no Porto. A “escola” era numa sala da sua casa e funcionava como uma espécie de jardim infantil. Como na altura a pedagogia era uma preciosidade bizarra, a professora fazia o que sabia fazer e o que durante incontáveis anos já tinha feito numa escola primária – ensinar a ler, escrever e contar. Os meninos tinham quatro anos? Ela queria lá saber, era ler, escrever e contar como se estivessem na primeira classe. A escola era para aprender não era para ninguém se divertir: "Monotonía de la lluvia en los cristales." Acho que me recordo de tudo com grande nitidez: a Rua das Doze Casas, que começava na Rua da Alegria, depois da Cooperativa dos Pedreiros, com uma fábrica de refinação de açúcar, onde depois se fez o Hotel Castor. Eu espreitava pelas janelas para uma espécie de cave onde, nos caldeirões, uma massa pegajosa era mexida. O cheiro a açúcar castanho nunca mais o esqueci. Depois, a pequena rua, quase um beco, escondendo-se por detrás das fachadas burguesas de azulejo verde escuro das casas do Porto, típicas da Rua da Alegria e da Rua D. João IV – uma cave com janelas térreas, um rés do chão ligeiramente elevado e um andar por cima. Atrás, um longo quintal com árvores de frutos, couves e capoeira. A casa da professora era uma versão um pouco mais pobre dessas casas, só com um andar, mas tinha a mesma configuração para a rua, a mesma porta vermelha com grades, batente e puxador de ferro forjado, a mesma entrada com uma escada de quatro ou cinco degraus e depois, virando-se para a esquerda, a sala de jantar transformada na “sala de aulas”: meia dúzia de carteiras, daquelas que tinham sítio para o tinteiro, e um quadro negro de lousa com giz. Aí aprendi a ler, o melhor que jamais aprendi. Por isso, no meu invisível mapa do Porto, há uma luz brilhante sobre a Rua das Doze Casas. Bom dia! (url)
© José Pacheco Pereira
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