ABRUPTO

23.11.03


EARLY MORNING BLOG 83, SOBRE A FELICIDADE PELO DICIONÁRIO

Jornais, livros, pela manhã tudo bem . É o meu “I love the smell of napalm in the morning”. Mas para confirmar a minha natureza taciturna e profundamente a-irónica, o “smell of napalm” sobe umas octanas quando se trata de um livro erudito, uma obra de referência, um dicionário.

Esta manhã tenho essa sorte raríssima: o Dicionário de Educadores Portugueses dirigido por António Nóvoa e editado pela Asa. Ninguém lê um dicionário de fio a pavio, mas eu comecei por procurar os meus professores no Liceu Alexandre Herculano e fiquei logo pelo meu professor de Filosofia, Cruz Malpique, uma personagem muito especial, inesquecível para gerações sucessivas de estudantes. E continuei por figuras desse mundo perdido que eram os liceus portugueses, locais de elite para a elite, mas onde trabalhavam um conjunto de intelectuais, artistas e educadores, que marcaram invisivelmente Portugal, mais do que se pensa. Um dia que se faça um trabalho sobre a nossa memória selectiva, ver-se-á como a memória escolar, da escola primária, do liceu, e da escola técnica, tem um peso nas gerações até à minha e depois vai-se esfumando. A democratização das escolas, o ensino de massas tornou a escola uma experiência colectiva, penosa e indiferenciada. Dela se tem memórias, memórias muitas vezes traumáticas, mas essas memórias perdem individuação, - onde estão os professores que ainda são personae? – e tornam-se parte de um magma colectivo. Se há coisa que a formação dos professores tem tentado esmagar debaixo da pedagogia é exactamente essa qualidade de personagem, de pessoalidade, do professor substitído por "métodos", mecânicas de ensinar, estratégias de sedução .

O Dicionário é um grande trabalho, mostrando os indivíduos por detrás dessa máquina de reprodução social, uma espécie de requiem pelo ensino antes da massificação. Se quisermos fazer um mesmo dicionário, centrado nos dias de hoje, nos últimos trinta anos, quantos destes “educadores” seriam professores, professores a sério, e quantos encontraríamos apenas como burocratas no aparelho do Ministério? Ao se ler as biografias percebe-se a imediata diferença.

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© José Pacheco Pereira
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