ABRUPTO

1.11.03


CACOFONIA



O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES

A FALTA

Eu sei que foge muito ao que pretendia sobre o amanhecer... Mas a verdade é que havia, para mim, amanheceres dos quais sinto falta... Falo de todos aqueles que começavam com um olhar lançado para a última página do DN, com o intuito de desfrutar da crónica de Vasco Pulido Valente. Sextas, Sábados e Domingos começavam assim... Boas manhãs que gostaria de reviver.
(Paulo Agostinho)

DETALHES

Há um livro de um ex-professor meu, o Daniel Arasse, que se chama justamente Le Détail, e que está publicado na Champs Flammarion. Arasse era já há vinte anos, quando tive a sorte de ser aluna sua , o perito em arte do Renascimento que depois o tempo não fez mais do que confirmar. Diz ele nesse livro, e estou a citar de cor, que o pormenor do quadro que deixamos passar, que não vemos à primeira vista, é justamente o que condensa todo o sentido do quadro. Sem o pormenor - e fala de uma idade da pintura em que, ao contrário do que hoje acontece, a representação da realidade é a própria razão da existência dessa pintura - é o "dar a ver" que está em causa, porque o que se daria a ver estaria forçosamente incompleto sem o pormenor e a sua interpretação seria, então, errónea...

Histórias de mensagens que chegam de um artista a um público, portanto. Podíamos, sem grande esforço, passar da arte para a esfera da literatura. Só que, com a mudança do modo de ver que ocorre no século XIX - e que é acelerada pela difusão em massa da fotografia e do cinema - o antigo "modo de ver" a arte fica irremediavelmente condenado. Quem passa hoje uma hora em frente da Mona Lisa, quem percebe, por exemplo, que ela se apoia numa varanda de estilo renascentista? Hoje o ver é diferente; e a surpresa que os seus pormenores me causam está relacionada certamente com um acréscimo de velocidade em tudo o que fazemos que nos impede, também, de observar o pormenor. Não há nada de saudosista nesta constatação.

(Luísa Soares de Oliveira)

INAUGURAÇÃO DE UM ESTÁDIO E VAIAS

Não posso deixar de discordar da sua opinião relativamente à presença do PR e do Primeiro Ministro na inauguração do novo Estádio da Luz. A presença de tais figuras não é redundante ou dispensável mas antes imprescindível dada a natureza e dimensão do evento. Longe de confundir política e futebol esta presença só pode identificar os portugueses, que em maioria seguem pelo menos regularmente este desporto, com a sua classe dirigente. Até do ponto de vista democrático acaba por ser saudável uma vez que poucas são as ocasiões em que os políticos se sujeitam a uma exposição crua a tamanha multidão, com as respectivas vaias ou aplausos de sua justiça.

Poucos serão os espaços hoje em dia que compreendam um grupo de pessoas tão vasto e socialmente multifacetado como o que se encontra num principal estádio de futebol lotado. Acabam por ser o mais próximo que há de um "espelho" da sociedade.

(António Baptista)

A inauguração do novo e luxuoso estádio da luz, foi envolta num espectáculo mediático tão intenso e tão bem elaborado que quando contactei com aquele momento julguei que se tratava de algum filme de Hollywood, não fossem as personagens tão bem conhecidas.
O ambiente criado de tão espectacular que era fez-me pensar, sendo que para o fazer correctamente, consciencializei-me que teria de fazer um exercício, complicado admito, de me abstrair daquele espectáculo todo.

(…) Outro aspecto que fui tendo oportunidade de dissecar, foi o porquê de tantas figuras mediáticas. Uma resposta dada imediatamente, diz-nos que o Benfica é sem dúvida o maior (entenda-se em nº de sócios) clube português, e que tal facto por si só justifica a presença de, um Presidente da República, que se diz de todos os portugueses, e que vai ao estádio da luz representar uma proporção, que embora grande não é total, e que afirma a alto e bom som, que aquele estádio é um contributo para o desenvolvimento do desporto em Portugal, aquele mesmo que irá servir para 3 ou 4 jogos do Euro2004, e durante o resto do tempo será utilizado de quinze em quinze dias por 22 profissionais, que na sua grande maioria não são portugueses, apetece perguntar que desporto e que desportistas!!!

Um Primeiro-Ministro que, não se cansa de apelar, e muito bem, à contenção orçamental e que, sujeitando-se a um espectáculo deprimente de assobios, vai lá para aplaudir uma obra que não faz menos às contas do clube do que aumentar o seu défice, que grande exemplo Sr. Primeiro-ministro! A mesma personalidade diz que o Benfica e o seu estádio são a marca que Portugal melhor projecta no estrangeiro, bom assim está justificada a péssima imagem de que gozamos no estrangeiro e que certamente gozaremos no futuro, até porque o Sr. Primeiro-Ministro bem sabe que os resultados não se alcançam melhorando o exterior se o interior continuar podre, o que pode acontecer é que um dia a "a casa vem abaixo"! Um ministro que com a sua participação naquele espectáculo apenas deu uma imagem de um fundamentalismo perigoso, para quem está no poder! Um ministro e um secretário de estado do desporto, que só vieram confirmar a sua posição de figurantes, pois se aquele acontecimento era para o bem do desporto português onde estavam os governantes responsáveis directamente por esse fenómeno, todos tiveram oportunidade de falar (até que não fosse para ter protagonismo e sentir o que é falar para 65 mil pessoas, oportunidade impossível noutras circunstâncias), caso do Sr. Presidente da Câmara de Lisboa! Bem poderíamos continuar por aqui fora neste exercício, muito fácil se conseguirmos e pretendermos atingir aquele estado de distanciamento necessário para criticarmos correctamente.

Gostaria de deixar uma última nota para os assobios que foram dirigidos ao Primeiro-Ministro, apesar de ter consciência que o comportamento em multidão e naquele estado de festa tão complicado de avaliar, sou da opinião que apenas dá uma imagem da ingratidão das pessoas, isto porque foi aquele mesmo Primeiro-Ministro que abriu um precedente grave, aquando da aceitação das acções do Benfica como garantia, enfim apenas um reflexo
.”
(Hugo Durão)

PRAXES

Eu, ha alguns anos, que não era e nunca fui aluno do IST, fui quase praxado porque acompanhava um colega que tinha entrado. Só não aconteceu porque não estive com delicadezas com os Doutores Engenheiros e eles então desisitiram da ideia.

Concordo totalmente com o que disse sobre este hábito absurdo da praxe.Neste reviver do passado que nunca existiu, com a excepção de Coimbra. Eu acho curioso como é que as Senhoras Doutoras compram aquelas fatiotas ridiculas que afirmam, totalmente, a sua condição de mulheres (de saias). Até nisso a tradição é retrógada. Não conheço nenhuma fatiota de Doutora com calça em vez de saia. Conhece?

Eu penso que nós gostamos de imitar o pior da América ficcional, então decidimos que deveriamos ter "Animal House"(s), sem a piada de Belushi, mas com as másnotas, bebedeiras e uma selvajaria ainda maior que nesse républica fantasista do filme.”


(Nuno Figueiredo)

Não é só a natureza imbecil e, muitas vezes, doentia dos que praticam as praxes que importa denunciar. É também a forma apática e estranhamente conformista como os caloiros se deixam violentar sem o mínimo protesto ou a mais leve contestação. Aflige-me verificar como jovens de dezoito anos - ou seja, jovens que, supostamente, já têm alguma noção dos seus direitos e capacidade para fazer escolhas (por exemplo, políticas) – não sabem dizer “Não!”. Eu, que não fui mais nem menos que os meus colegas no tempo em que frequentei a universidade, recusei ser um figurino dessas palhaçadas. Tive consciência que podia escolher não ser humilhado ou maltratado. E escolhi.
Em boa verdade, não é só a bestialidade e a boçalidade dos pseudo-doutores praxistas que está aqui em causa. É também a total imaturidade, a latente letargia e a falta de sentido crítico que caracterizam, hoje em dia, os jovens acabados de entrar na maioridade. No fundo, muitos deles acabarão iguais aos «engraçadinhos». Infelizmente, parece ser tudo farinha do mesmo saco.”


(Carlos “MacGuffin” do Contra a Corrente)

CONSTITUIÇÃO EUROPEIA

E faz algum sentido haver uma União Europeia sem Constituição? Na minha opinião, se a UE pára, morre, como todas as coisas. Aliás já começa a apresentar sinais de doença, graças à posição da Inglaterra, e ainda está na adolescência. Acho que é daqueles casos em que apesar de não sabermos para onde vamos, a atitude sábia é continuar em frente. Culturalmente, seremos hoje, cada um de nós, na nossa íntima essência, mais Portugueses ou Europeus?

Finalmente, quanto à soberania, "it's just another word for nothing left to loose". Não é?


(Manuel Ricca)

(Continua)


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