ABRUPTO

5.11.03


ATITUDES (Actualizado)

Esta carta do duque de Wellington ao Ministério dos Negócios Estrangeiros em Londres, enviada durante as campanhas ibéricas contra Napoleão, representa um daqueles momentos ímpares em que há uma atitude, uma simples, clara e frontal atitude. Não abundam.

"Exmºs Senhores:

Enquanto marchámos de Portugal para uma posição que domina a aproximação a Madrid e das forças Francesas, os meus Oficiais têm cumprido diligentemente os vossos pedidos, enviados no navio de Sua Magestade, de Londres para Lisboa e daí, por estafeta a cavalo ao nosso quartel general.

Enumerámos as nossas selas, rédeas, tendas e respectivas estacas e todos os «itens» pelos quais o Governo de Sua Magestade me considera responsável. Enviei relatórios sobre o carácter, capacidade e índole de todos os Oficiais.

Foram prestadas contas de todos os «itens» e todos os tostões, com duas lamentáveis excepções para as quais peço a vossa indulgência.

Infelizmente não nos é possível responder pela soma de 1 xelim e nove dinheiros, do fundo para o pagamento de pequenas despesas de um batalhão de infantaria, e houve uma lamentável confusão quanto ao número de frascos de compota de framboesa entregues a um regimento de cavalaria, durante uma tempestade de areia no oeste de Espanha.

Este descuido censurável pode ser relacionado com a pressão das circunstâncias, uma vez que estamos em guerra com a França, facto que poderá parecer-vos, senhores, em Whitegall, um pouco surpreendente.

Isto traz-me ao meu objectivo actual, que consiste em pedir ao Governo de Sua Magestade instruções sobre a minha missão, de modo a que eu possa compreender melhor a razão porque estou a arrastar um exército por estas planícies estéreis. Suponho que, necessariamente, deve ser uma das duas missões alternativas, como abaixo indico.

Prosseguirei qualquer delas, com o melhor da minha capacidade, mas não posso executar as duas:

1. Treinar um exército de escriturários britânicos para benefício dos contabilistas e moços de recados de Londres, ou, talvez:
2. Providenciar no sentido de as forças de Napoleão serem expulsas de Espanha.

Assinado
O vosso mais obediente servo
Wellington
"

(enviada por Américo Oliveira, e reproduzida da revista Dirigir, nº2)

*

"Ao ler o seu post (ou posta? e posta de quê?) sobre Arthur Wellesley, primeiro duque de Wellington, lembrei-me de um livro que li recentemente: "Napoleão e Wellington"; nele pude constatar uma coisa fantástica, que ainda separa o nosso mundo daquele em que Wellington vivia (a Inglaterra do final do século XVIII e princípio do século XIX, em confronto com uma França imperial, da qual herdámos muito): a noção de responsabilidade que os chefes militares, funcionários públicos, tinham. Wellington mencionava várias vezes as explicações que teria de dar ao parlamento por cada libra gasta, por cada homem perdido, por cada canhão tomado pelo inimigo. Napoleão, sendo um ditador, não tinha de prestar contas a ninguém, e podia perfeitamente dar-se ao luxo de perder um milhão de homens ou gastar fortunas em guerras insensatas. Wellington fazia questão de pagar os bens adquiridos aos populares dos sítios por onde passasse, e, depois de ter derrotado Napoleão, não permitiu que este fosse morto pelos aliados austríacos, visto que o direito britânico não permitia execuções sem julgamento. Para ele não se tratava de nenhum incómodo, era apenas assim que tinha de ser. Quem nos dera a nós, duzentos anos depois, termos pessoas assim ao nosso serviço! Os nossos pequenos ditadores - presidentes de câmaras, ministros, etc - ainda se comportam como se o poder lhes pertencesse, como se não tivessem de prestar contas a ninguém."

(Ricardo Peres)




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