ABRUPTO

21.10.03


QUEM CONSTRUIU O "SISTEMA" DA REPÚBLICA DOS JUÍZES? (Actualizado)

Houve quem, nos últimos vinte anos, em Portugal, quisesse fazer uma "República dos Juízes" à italiana, respondendo às vantagens eleitorais do populismo justiceiro. Houve quem não tivesse coragem, com receio das consequências eleitorais negativas, devidas igualmente ao populismo justiceiro, de dizer "não" à excessiva concentração de poderes num Ministério Público que não responde efectivamente perante ninguém. A combinação destes dois factores construiu o "sistema" actual.

Foram políticos do PSD, PS e PCP que construíram este "sistema" por razões estritamente políticas, numa competição por agradar (ou pelo medo de desagradar) ao populismo, debaixo dos ventos italianos. Do meu partido, recordo-me da acção de dois ministros, Fernando Nogueira e Laborinho Lúcio, mas recordo-me também que, a cada momento, nas revisões constitucionais, na discussão dos principais diplomas sobre justiça, havia uma forte e agressiva pressão para uma "República dos Juízes" à portuguesa vinda do PS e do PCP. O PS e o PCP, em particular, comportavam-se como "partidos do Ministério Público". O último ministro que prosseguiu neste caminho foi António Costa.

Enquanto as vítimas eram do PSD, os justiceiros estavam no Independente (com aplauso total da esquerda política, que lhes dava continuidade no parlamento), e as fugas sistemáticas eram só de um lado e sem defesa, porque ninguém tinha coragem para a fazer; nunca houve problemas com "o sistema" e, a cada caso, o clamor era para novas medidas de reforço dos poderes judiciais. Por exemplo: quanto às escutas telefónicas.

É verdade que a intenção era usá-las para a criminalidade organizada, para o branqueamento de capitais, para o terrorismo, para a corrupção. Mas convém não esquecer que este processo é sobre pedofilia (sim, porque o processo de que é arguido Paulo Pedroso é de crimes pedófilos), que toda a gente bate (ou batia) com as mãos no peito considerando um "crime hediondo", e não me venham dizer que, se se perguntasse ao então ministro António Costa, se a pedofilia era excepção ao regime das escutas, ele responderia com um sonoro "nunca". Aliás, as escutas do processo Moderna, para não ir mais longe, ou do processo que envolve o deputado António Preto, também inclui escutas que foram divulgadas indevidamente. Estão esquecidos? Não ouvi protesto nenhum de Ferro Rodrigues, de António Costa , de Paulo Pedroso, etc., nem Manuel Alegre disse que a democracia estava em perigo.

O "sistema" é mau, permite abusos de poder, tem escasso controlo? Com certeza. Mas já era mau antes do caso Pedroso e havia quem o dissesse, curiosamente ninguém dos que agora clamam contra ele e o ajudaram a construir. Proença de Carvalho, Mário Soares (em defesa de Leonor Beleza), e alguns outros, disseram-no. Recordo-me de muitas discussões com José Magalhães (outro dos que construiram o "sistema"), no Flashback, sobre esta matéria, e eu próprio, quando membro da CP do PSD, me pronunciei em sede própria contra a imitação italiana e os seus riscos. Escrevi também sobre isso e portanto pouco me surpreende o que hoje acontece.

Dito isto, sou obviamente defensor de alterações profundas no "sistema", mas nunca, jamais,em tempo algum, antes do fim do processo Casa Pia, por razões decorrentes do modo como deve funcionar uma democracia e um estado de direito.

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Escreve o Adufe sobre a nota acima: "não são os pecadilhos passados e os telhados de vidro que agora poderão justificar uma espécie de auto-diminuição dos direitos dos visados". Inteiramente de acordo.

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De uma mensagem enviada por Luis Rodrigues:

"Refere (...): "Dito isto, sou obviamente defensor de alterações profundas no "sistema", mas nunca, jamais, em tempo algum, antes do fim do processo Casa Pia, por razões do modo como deve funcionar uma democracia e um estado de direito". Mas já pensou nas implicações desta ideia? Esta opinião tem implícita duas enormes perversidades:

1ª- Implica o reconhecimento de que este sistema está, afinal, errado. Mas que, por razões de oportunidade de política lato sensu, e também de política judiciária, deveremos sacrificar esta "geração" de arguidos a este sistema reconhecidamente errado, dizendo-lhes: «Desculpem lá, sabemos que isto está errado, mas não é agora oportuno mudar todo o sistema; mal o vosso caso esteja resolvido, mudá-lo-emos, de modo que a próxima "geração" de arguidos seja já abrangida por um sistema reformado e melhor... Quanto a vocês, aguentem lá "isto" por agora...».

2ª- A segunda perversidade, é que a ideia de que não se deve mudar agora o sistema, porque não se deve "legislar a quente" esquece que se a ocasião é "quente" para estes arguidos, amanhã será igualmente quente (quem sabe mais ainda) para outros arguidos, e assim sucessivamente... Nunca se mudará, portanto...? Ou já poderá mudar-se a quente para a próxima....? "


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Paulo Cardoso coloca-me a seguinte questão :

"O problema (...) é, como diz Vital Moreira, "a publicação das conversas telefónicas de dirigentes do PS gravadas no âmbito do caso Paulo Pedroso não constitui somente uma flagrante violação do segredo de justiça, mas também do sigilo das comunicações pessoais. Definitivamente há direitos fundamentais em perigo entre nós. O que causa a maior inquietação é que estas conversas entre pessoas alheias ao processo e manifestamente irrelevantes para a descoberta da verdade no mesmo tenham podido ser gravadas e transcritas para o processo e, agora, tenham sido disponibilizadas "oportunamente" para a comunicação social (toda a gente suspeita como...). Tratando-se de dirigentes políticos, o caso torna-se especialmente grave. O procurador-geral da República não pode manter-se alheio ao escândalo, sob pena de ter de ser responsabilizado por ele"

Imagine que o MP, para investigar os casos de António Preto ou Cruz Silva, decide mandar escutar o telefone do Dr. Pacheco Pereira, só porque é um opinion maker que critica a instituição de uma Republica de Juizes e é militante no partido desses senhores investigados. O problema é, como dizia Brecht,

"ele nunca se preocupou, mesmo quando foram buscar o vizinho, mas um dia bateram-lhe à porta
"


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© José Pacheco Pereira
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