ABRUPTO

23.10.03


CENAS DA VIDA PARLAMENTAR EUROPEIA

Acabei de votar pelo menos 390 vezes (trezentas e noventa vezes), descontando algumas repetições de votações que tiveram que ser confirmadas por voto electrónico. Votei sobre tudo, desde o destino geral do mundo, até ao "espírito empresarial da Europa", dos caminhos de ferro aos stocks de bacalhau, da Bolívia até ao tráfico de órgãos, numa obsessão proclamatória absolutamente irrelevante, tanto mais que a maioria dos documentos votados são meras recomendações, a que ninguém liga nenhuma. Há uma verdadeira mania da emenda, um existir pela emenda.

Existe-se pela emenda e pela declaração de voto, e dá resultado. Quando chegarmos às próximas eleições europeias, vão ver como haverá uns jornalistas que interpretarão as estatísticas das emendas, das declarações de voto, das intervenções de um minuto, e outras actividades feitas só para as estatísticas , como indicadores do "trabalho". Entretanto, vota-se trezentas e noventa vezes hoje, cento e tal ontem, e cento e tal anteontem.

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Numa reunião sobre o multilinguismo e o multiculturalismo, duas palavras quentes em vésperas do alargamento, discutiu-se a sinalética como alternativa a ter cartazes do tamanho de uma parede com inscrições em duas dezenas de línguas para tudo. Houve, no entanto, reservas quanto à sinalética para identificar os quartos de banho das senhoras e dos cavalheiros porque a distinção saias-calças parece ser entendida como confusa e sexista. Como acho que não me elegeram para discutir a sinalética dos quartos de banho, propus a representação estilizada, em nome dos bons costumes, dos órgãos sexuais masculinos e femininos para identificar as portas. Sem sucesso. Parece que também não é inequívoco.

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Vai haver um enorme problema com o maltês que passa a ser uma das línguas oficiais da União. Na ilha não parece haver mais do que uma dezena de intérpretes qualificados para todas as instituições europeias, e não se vê muito bem como é que se vai conseguir fazer funcionar os mecanismos institucionais que implicam obrigatoriamente o uso da língua. O acervo comunitário (cerca de 80.000 páginas) tem que ser traduzido em maltês e, como os tribunais em Malta só trabalham em maltês, não se concebe como a legislação europeia, na sua magnífica complexidade burocrática e extensão, pode a tempo ser traduzida.

Jovens portugueses, aprendei o maltês, porque o emprego é assegurado!

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© José Pacheco Pereira
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