ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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24.10.03
ASCENSÃO E QUEDA
Theodorus Metochites, que aqui está segurando uma igreja que oferece a Cristo, ele representado de lado, Cristo de frente sentado num trono (não se vê no fragmento), era um poderoso nobre bizantino. Era rico e culto, excepcionalmente culto, mesmo numa terra onde a nobreza cultivava o saber e tinha livros em casa, o que era muito raro no lado “latino” do mundo. A igreja que restaurou, S. Salvador em Chora (depois, a mesquita de Kariye), foi a que o acolheu quando da sua desgraça. Depois de ser Grande Logoteta (uma espécie de cargo entre tesoureiro e ministro das finanças) do imperador Andronikos II, envolveu-se numa guerra civil familiar entre avô e neto, na qual ganhou o neto, futuro Andronikus III. Theodorus fugiu e exilou-se. Escapou da morte ou da cegueira, uma habitual punição bizantina, e, mais tarde, o imperador concedeu-lhe a possibilidade de regressar ao seu mosteiro. O poderoso Theodorus estava arruinado, velho e doente, e voltou como um monge vulgar, adoptando o nome de Theoleptus. Todos os dias, quando entrava na igreja, olhava para cima e via-se ao lado de Cristo, brilhando na sua roupa dourada, parecendo-se estranhamente com um turco, dos que, cento e vinte anos depois, transformariam a sua igreja numa mesquita. A parecença ainda é maior pelo enorme skiadion, tão semelhante a um turbante, que leva os guias a puxarem para o exótico e dizerem que ele estava vestido “à turco”. Não, não estava, estava vestido à bizantino, só que naquela parte do mundo as coisas acabavam por ser mais parecidas do que imaginamos. Theodorus, agora Theoleptus, viu-se, todos os dias dos seus últimos anos, assim no apogeu da sua glória, na juventude, com todo o poder, com o poder de estar ao lado direito de Cristo e lhe dar uma igreja. O seu passado presidia, à entrada da nave da igreja, ao seu presente. Antes estava em cima, agora em baixo. Ironia, ironia triste do tempo. É ao ver estas coisas que eu percebo como foi possível haver poetas, como Kavafis, que ouviram os ecos longínquos deste mundo antigo dos gregos que achavam que eram os últimos romanos. (url)
© José Pacheco Pereira
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