ABRUPTO

24.10.03


ASCENSÃO E QUEDA


Theodorus Metochites, que aqui está segurando uma igreja que oferece a Cristo, ele representado de lado, Cristo de frente sentado num trono (não se vê no fragmento), era um poderoso nobre bizantino. Era rico e culto, excepcionalmente culto, mesmo numa terra onde a nobreza cultivava o saber e tinha livros em casa, o que era muito raro no lado “latino” do mundo.

A igreja que restaurou, S. Salvador em Chora (depois, a mesquita de Kariye), foi a que o acolheu quando da sua desgraça. Depois de ser Grande Logoteta (uma espécie de cargo entre tesoureiro e ministro das finanças) do imperador Andronikos II, envolveu-se numa guerra civil familiar entre avô e neto, na qual ganhou o neto, futuro Andronikus III. Theodorus fugiu e exilou-se. Escapou da morte ou da cegueira, uma habitual punição bizantina, e, mais tarde, o imperador concedeu-lhe a possibilidade de regressar ao seu mosteiro. O poderoso Theodorus estava arruinado, velho e doente, e voltou como um monge vulgar, adoptando o nome de Theoleptus.

Todos os dias, quando entrava na igreja, olhava para cima e via-se ao lado de Cristo, brilhando na sua roupa dourada, parecendo-se estranhamente com um turco, dos que, cento e vinte anos depois, transformariam a sua igreja numa mesquita. A parecença ainda é maior pelo enorme skiadion, tão semelhante a um turbante, que leva os guias a puxarem para o exótico e dizerem que ele estava vestido “à turco”. Não, não estava, estava vestido à bizantino, só que naquela parte do mundo as coisas acabavam por ser mais parecidas do que imaginamos.

Theodorus, agora Theoleptus, viu-se, todos os dias dos seus últimos anos, assim no apogeu da sua glória, na juventude, com todo o poder, com o poder de estar ao lado direito de Cristo e lhe dar uma igreja. O seu passado presidia, à entrada da nave da igreja, ao seu presente. Antes estava em cima, agora em baixo. Ironia, ironia triste do tempo. É ao ver estas coisas que eu percebo como foi possível haver poetas, como Kavafis, que ouviram os ecos longínquos deste mundo antigo dos gregos que achavam que eram os últimos romanos.

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© José Pacheco Pereira
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