ABRUPTO

20.9.03


MEMÓRIA DA POLÍTICA

Estive em Alcobaça, num debate sobre arquivos políticos, organizado pela Fundação Mário Soares, a Universidade de Coimbra e a Câmara. Referi o facto, pouco conhecido, de cada vez menos os grandes partidos democráticos, PS e PSD, produzirem materiais de arquivo que permitam, no futuro, conhecer o processo de decisão, ou sequer, os mecanismos de poder partidário interno.

Nas reuniões dos órgãos formais, Comissões Políticas, Secretariados, Conselhos Nacionais, etc., não há actas, nem ordens do dia registadas, e quase nenhuns documentos internos. O número de participantes que toma notas é escasso e as notas perdem-se. Algumas reuniões são filmadas ou gravadas, mas a norma é não haver qualquer traço documental do que se decidiu, das posições tomadas, do debate realizado. Às reuniões chegam os documentos oficiais, praticamente em versão definitiva.

Isto é o resultado de muitos factores que vão no mesmo sentido: a desvalorização das reuniões dos órgãos formais dos partidos, onde deixou de haver qualquer segredo, a favor de órgãos informais baseados na confiança pessoal e na discrição; a perda de importância da memória institucional acompanhando a desvalorização social da memória, e a mudança do carácter da actividade política, cada vez mais centrada numa gestão à vista dos eventos e que não necessita de ser reflexiva e por isso não usa o papel.

Uma parte das informações, que anteriormente eram internas, está hoje na imprensa, mas o historiador do futuro vai depender cada vez mais dos depoimentos orais, dos testemunhos, com todos os riscos que isso implica. A única excepção a esta regra de rarefacção documental é o correio electrónico.

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© José Pacheco Pereira
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