ABRUPTO

12.9.03


EARLY MORNING BLOGS 38

A discussão sobre os “onze de Setembro” dominou os blogues ontem, o que é natural e mostrou as fracturas ideológicas, que são também fracturas da memória, o que também é natural. O problema tem a ver com o “contexto” , como dizia o Satyricon, porque o “contexto” é do domínio da interpretação.

A blogosfera deve ser um dos últimos sítios em que a discussão ainda se centra num forte pendor classificativo esquerda-direita, sobrevivência da sua génese e de uma afirmação forte de pertença à direita ( que a Coluna Infame fazia) e do acantonamento da esquerda à volta do Blog de Esquerda. Hoje, a blogosfera política traduz uma realidade diferente desses primeiros tempos, com um número mais significativo de blogues à esquerda. Seja como for, a herança da génese permanece num centramento excessivo nas classificações.

Os termos de direita-esquerda só tem sentido se utilizados numa de duas perspectivas: ou filosófico-antropológica (uma posição sobre a bondade ou a maldade original do homem) ou tradicional, envolvendo a memória afectiva, colocando-se a bandeira em função de uma tradição de actos e gestos do passado. No primeiro caso, a distinção é filosoficamente sustentável, no segundo já as ambiguidades da formulação acabam por se revelar mais tarde ou mais cedo na discussão, em particular se forem cruzadas com outros conceitos como o de conservadorismo, tradição, revolução, etc.

(A classificação pela memória, pela escolha de uma tradição, é que explica, por exemplo, que um blogue de esquerda como o Barnabé se chame “Barnabé”. Ao principio, perguntei-me: que raio de nome, onde é que eles foram buscá-lo? A uma canção de Sérgio Godinho. Está escolhida a tradição.
As ambiguidades começam quando Ivan Nunes escolhe A Praia, ou Paulo Varela Gomes, o Cristóvão de Moura e nunca mais acabam. A tradição já não é o que era. Nem a deles, nem a nossa, nem a nossa que foi deles, nem a deles que foi nossa. Nem a que nos faz dizer "eles" e "nós".)



OS DOIS 11 DE SETEMBRO

No caso dos “onze de Setembro” o que me parece falsificar tudo à partida ( ou se se quiser ter logo à partida a resposta e não a pergunta) é a comparação dos dois eventos. Ela remete de imediato para uma culpabilidade americana, directa no Chile e indirecta no terrorismo da Al Qaeda. Juntem-se os eventos e não pode dar outra coisa senão isto. Sendo que “isto” é exclusivamente uma interpretação do 11 de Setembro de 2001: a capa do Público não é sobre o golpe do Chile e (mais) sobre os atentados de Nova Iorque e Washington, é só sobre os atentados e nada mais. Juntando-se, interpreta-se o 11 de Setembro de 2001 e não o 11 de Setembro de 1973.

Se se quer fazer o processo inverso, ou seja interpretar, trinta anos depois, o golpe de Pinochet, à luz do 11 de Setembro de 2001, então a única comparação que tem sentido é, como nalguns blogues de fazia, com a Cuba de Fidel. Saber porquê a ditadura chilena acabou e a de Cuba continua. Se seguirmos este caminho, insisto, o inverso do que se nos propõe quanto ao 11 de Setembro de 2001, então o golpe de Pinochet é minimizado na sua importância. É um caminho que não pretendo trilhar, mas que é necessariamente induzido pela comparação, é um efeito perverso da comparação entre 1973 e 2001.

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© José Pacheco Pereira
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