ABRUPTO

22.6.03


PARENTELA

Ando para colocar este fragmento de poema no blogue desde o primeiro dia. É uma parte de uma longo poema de escárnio e mal dizer de Airas Peres Vuitorom, sobre um dos meus primeiros parentes históricos. Fala de Fernão Rodrigues Pacheco, alcaide de Celorico, que ficou fiel a D. Sancho II e se recusou a entregar o castelo aos partidários do Conde, futuro Afonso III, numa das nossas mini-guerras civis. O poema de Vuitorom louva-o porque não traiu e escarnece dos outros que deram logo as chavinhas dos castelos.

Todo o poema tem um sabor inimitável a outros tempos, o dos Tructesindos da Ilustre Casa de Ramires. Só que este alcaide existiu e a troca de insultos antes da batalha soa imenso à verdade, até com o latim episcopal.

Aqui vai ele com as notas integrais de Graça Videira Lopes , Cantigas de Escárnio e Maldizer, Lisboa, Estampa, 2002, que o publicou:

E quando o Conde ao castelo [ar] chegou de Celorico,
Pachequ' entom o cuitelo tirou; e disse-lhe um bispo:
- Mitte gladium in vagina, com el nom nos empeescas.
Diz Pacheco: - Alhur, Conde, peede u vos digam: Crestas!

Notas :

- empeescas - impeças, importunes.

- A resposta do alcaide de Celorico, Femão Rodrigues Pacheco, é um pouco obscura. . Peede é certamente o imperativo do verbo peer (peidar-se).

- Crestas - uma interjeição medieval com o sentido de “ao ataque!”. O sentido da resposta será pois: “Desaparecei, Conde, e borrai-vos cada vez que ouvirdes dizer ataque!”


A vantagem destes textos é mostrarem, numa só penada, como era o mundo antes do domínio dos “estados de alma” e do divâ do Dr. Freud. Porque houve um mundo antes dessa perniciosa invenção dos dramaturgos nórdicos e dos romancistas russos da mente atormentada. Este Pacheco, este bispo e o Vuitorom já não se fazem nos dias de hoje.

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© José Pacheco Pereira
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