ABRUPTO

27.6.03


NOTAS TIRADAS EM VIAGEM

não num sofisticado Moleskine , mas num caderno ex-soviético, de capa grossa e papel a caminhar para o pardo. Pode ser humilde, mas se o trouxer à frente do coração não há bala que o atravesse, porque as capas parecem blindadas. Não é todos os dias que um caderno faz alguma coisa por mim. Em potência, como diziam os escolásticos


O HORROR AO VAZIO

Há uma doença nos legisladores europeus, seja da Comissão, seja do Parlamento: uma forma particular de horror ao vazio que os faz cobrir imediatamente com leis, regulamentos, directivas, tudo o que pareça espaço vazio de legislação. Parece que acham que a inexistência de uma lei numa actividade humana é um marco de barbárie e procuram de imediato ocupar o espaço com a civilização do direito.

Uma das áreas onde esta actividade tem crescido exponencialmente é no controle dos comportamentos. Com a ajuda do “politicamente correcto”, os legisladores descobriram que os comportamentos não estão ainda suficientemente regulamentados e tem o hábito anárquico de mudar, o que torna as leis anteriores obsoletas e exige umas novas. E eles querem é fazer leis para tornar o mundo um lugar tão desinfectado como uma morgue.

É o que a Comissão Europeia se prepara para fazer, tendo a intenção de proibir o que considera “imagens sexistas “ na televisão, em particular na publicidade. A obsessão, muito para além do problema real, pelo assédio chegou aos limites da punição da sedução, agora está-se no limiar da censura.


SOBRE BLOGUES PELA “EQUIPA DE UM BLOG QUE EXISTE NA AUSÊNCIA

De novo, enviado pela equipa da Psicossomática, e com uma semana de atraso (meu), um comentário sobre de onde vem a voz que se ouve nos blogues:


Não fazemos juízos de valor sobre “tribos” ou orientações políticas assim como não nos interessa (por enquanto) a questão da identificação que vai da assinatura através de nick até ao uso do nome real. Interessa-nos assinalar e registar padrões no mundo virtual, isso sem dúvida alguma. Interessa-nos muito essa deslocação entre mundos paralelos onde temos verificado, precisamente, as simetrias de que começámos por falar. O fenómeno big brother pode, perfeitamente, caber nesta discussão porque há de facto uma dimensão exibicionista que depende do voyeurismo e vice-versa. Se fosse possível representar graficamente esta situação recorreríamos a uma gravura de M. C. Escher ou ao mais comum exemplo do símbolo da Renault que não é mais do que a concretização gráfica de uma impossibilidade. E de que impossibilidade falamos afinal? Precisamente a da ideia mítica de uma “livre” e diferente expressão em oposição à expressão constrangida e padronizada, ou seja, a que opõe o mundo virtual ao mundo real. Nada do que até agora observámos nos indica que estejamos perante “linguagens” assim tão diversas. Tudo parece apontar para a replicação ou simetria. Apesar de tudo temos que registar uma importante diferença formal à qual o conteúdo se adapta e que é o “link”. Este elemento “perturbador” é que cria a única e fundamental diferença deste ambiente virtual e que se prende com a leitura que é efectuada na vertical e que, aparentemente, ilimitada encontra a limitação de quem produz os links. (O número transcendente ainda não encontra no link a sua expressão física!).

Quanto ao “umbiguismo” temos verificado como essa é a expressão mais próxima da do divã de Freud onde cada palavra ou ideia esconde outra palavra ou ideia. Há uma vontade manifesta de falar. Posta-se para poder falar. Na maioria dos blogs podem ler-se posts que sugerem esta pergunta: Quem é que não esteve disponível para ouvir esta pessoa? Não consideramos o “umbiguismo” um fenómeno “natural” ou “normal” até porque estamos habituados a duvidar do valor, com certificado passado e reconhecido, dessas palavras. O “umbiguismo” é a superfície do que lhe subjaz. E o que lhe subjaz? Nunca saberemos (de novo a impossibilidade), nem que, por hipótese, os "posts" dêem origem a livros ou apareçam publicados na imprensa. Arriscamos uma única ideia: a da infelicidade que é mais ou menos genuinamente vivida.


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© José Pacheco Pereira
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