ABRUPTO

21.6.03


À DISTÃNCIA MAS TÃO PERTO

A equipa da Psicossomática enviou para o Abrupto mais uma contribuição para a discussão sobre os blogues, desta vez a propósito do artigo de ontem no DNA de Pedro Rolo Duarte.

O tempo e o modo da sua carta (agora chama-se e-mail mas é uma carta) são pouco comuns para esta comunidade. A Susana ( com o acordo do Diogo e do Heitor) escreve-me dos “tempos mortos” de uma urgência hospitalar, devido ao “descanso dos utentes (normalmente as urgências só costumam “animar” no domingo à noite entrando pela segunda-feira, agora é tempo de praia e o descanso dos utentes é o nosso descanso também e, ironicamente, dos mais idosos que ficam por aqui abandonados pelas famílias mais “ocupadas” com o lazer e que portanto se “desocupam” dos incómodos pais e avós “largando-os” nas urgências antes das férias, das “pontes”, tantas vezes dando moradas falsas e telefones inexistentes!) “.

O olhar, vindo de onde vem, ganha em distância:

O artigo de PRD me parece muito interessante e igualmente próximo daquilo que já lhe manifestámos e que colheu nas nossas observações do movimento blog ao qual pertencemos durante o tempo que julgámos necessário e que os azares informáticos também “ajudaram” a determinar (a nossa “deformação” profissional acrescentaria qualquer consideração freudiana mas abstemo-nos de entrar por esse vasto e fértil campo!). PRD começa por descrever o comportamento de um blogger de uma forma desassombrada e que julgamos corresponder, grosso modo, ao que temos observado na blogosfera e que se prende com outros problemas que vão, cada vez mais, fazendo parte do dia a dia de qualquer psiquiatra e psicanalista que ouve queixas de mulheres cujos maridos as teriam “trocado” pelos computadores, homens e mulheres cujo único meio de contacto com o mundo real é através do mundo virtual, homens e mulheres que se servem da Internet para exprimir, exibir ou “resolver” patologias tão diversas como diverso e imperfeito é o mundo que vivemos. Um mundo feito de solidões, de infelicidade mal disfarçada, de uma velocidade que tapa o sol com a peneira que “obriga” os profissionais da saúde a um “upgrade” fundamental (Eduardo Prado Coelho escreveu, aqui há tempos, um “fio do horizonte” que apesar de alguns erros punha o dedo na ferida do sofrimento mental)

Observar, a título exemplar, as horas a que se “posta” é um dado curioso a juntar ao que vamos sabendo. A título de exemplo podemos assinalar estas horas que marcam os posts de um blogger num mesmo dia: o último post é feito de madrugada (3:54:03) e o da manhã marca 10:17:12 naquilo que é um padrão desse blogger e da maioria dos bloggers. O que se retira desta observação é apenas este padrão que, pensamos, deve corresponder a um outro padrão de vida e comportamento destes bloggers.

Julgamos que o mundo virtual é tão rico em informação (a tal gigante biblioteca) como pobre no confronto real (corpo a corpo, olhos nos olhos) com a desilusão que a realidade oferece e que, para muitos, é insuportável pelo que carrega de frustração. O mundo virtual, em que se incluem os blogs e até o pensar dos blogs, é um mundo mais protegido e protector.

Curiosamente, recebemos um mail de um blog “Bouvard e Pécuchet” que faz um apanhado humorístico de posts (a que chamam postolos) dos blogs e não o vimos linkado em nenhum dos blogs (e foram muitos) que consultámos (para uma comunidade que exibe tanto humor e que desmonta a imprensa escrita com gozos de todo o tipo ou até análises sérias, o silêncio em torno de blogs que criticam blogs tem um peso simbólico que conviria analisar)

Os estudos da psicóloga do MIT, Sherry Turkle, a propósito da comunidade hacker encontra nesta comunidade blogger um importante paralelo que se refere ao investimento de horas no computador e comportamentos do tipo compulsivo. Sublinhe-se ainda que a comunidade hacker, mais aparentada com a estrutura das seitas secretas, faz a sua passagem para a vida real, sem que esse seja o seu objectivo, através das empresas de software que vão escolhendo os melhores elementos para criação de melhor produto comercial. A comunidade blogger transita da vida real para a virtual para, eventualmente, poder viver a vida real de outra forma, ou com outro tipo de ganhos.

É igualmente curioso verificar como se organiza a comunidade blogger através de grupos de elite que se apoiam entre pares, atacam ou ignoram os considerados “corpos estranhos”. Recorrendo aos links, à expressão “amigo/a”, por exemplo, podemos “arrumar” os bloggers em grupos e sub-grupos sem dificuldade. Há um blog “Cruzes Canhoto” que o mostra sob o seu ponto de vista, subjectivo, mas que consideramos muito intuitivo e próximo da realidade
.”

Obrigada à Psicossomática por participar num interesse que nos é comum, com o olhar mais desapiedado da "análise".


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© José Pacheco Pereira
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