ABRUPTO

15.6.03


DE NOVO SOBRE O FÓRUM SOCIAL

Sobre os comentários de Rui Noronha e Daniel Oliveira no Blog de Esquerda ao Fórum Social Português

1. Noronha diz que “a forma como se reduz o fórum ao mesmo de sempre, feito e dito pelos mesmos de sempre, apenas ilustra a incapacidade de compreender registos, discursos e práticas, naquilo que eles têm de fundamentalmente novo face ao passado recente”. Daniel Oliveira ainda vai mais longe e acha que há um Portugal antes e outro depois do Fórum :

Gente que, na sua terra ou no seu sector, vê a democracia como um acto de participação permanente, de vigilância cívica, de exigência cidadã. Mas gente que não se limita ao seu quintal e quer participar na construção do seu futuro. Este debate transversal entre todos os que, associando-se em torno de causas concretas, são capazes de pensar em conjunto, trocar experiência, divergir e convergir, é uma absoluta novidade em Portugal.”

2. Novo? Não há um único tema, uma única questão no Fórum que seja nova, quanto mais “fundamentalmente nova” ou “absoluta novidade” . Desde Maio de 68 e desde os movimentos americanos de “single issue” na mesma época , que todos , sem excepção , todos , os temas tratados no Fórum são conhecidos. Intitula-los uma “agenda política pós-moderna” , como faz Oliveira quando diz que

Movimentos feministas, de Gays e Lésbicas e de minorias étnicas há muito que vinham construindo o que se pode designar como uma agenda política pós-moderna. Pós-moderna porque se afirma na recusa das grandes narrativas políticas da modernidade, nomeadamente o Marxismo, na recusa de toda a teleologia e de qualquer leitura totalizante da sociedade e da história

também não vai longe . Este conceito de “pós-modernidade” tem pelo menos cento e cinquenta anos de história . Por exemplo , os anarquistas tinham a si associados movimentos a favor da contracepção, anti-tabagistas , contra as touradas , naturistas e vegetarianos , a favor de uma língua universal , etc. , etc , e também recusavam aquilo a que ele chama eufemisticamente “as grandes narrativas políticas da modernidade.” Arrombar portas abertas e proclama-lo é muito arrogante .

3. Quanto à forma , o Fórum não é distinto de realizações tão “burguesas” como o “Portugal que futuro ?” do Dr. Soares (acho que se chamava assim ) ou de algumas acções do Presidente Eanes e do PRD . Este tipo de realizações de “movimentos” fora dos “partidos” são tristemente semelhantes na forma e nos resultados . Esta teve talvez mais folclore.,

4. É a referência à globalização que faz a diferença ? Duvido , a globalização na teorização dos mentores do Forum é um outro nome para o capitalismo internacional em situação “unipolar” , ou seja , sem o “campo socialista” . Mesmo os que distinguem a “globalização” boa da má, retomam palavras e ideias conhecidas de Marx ou Rosa Luxemburgo .

5. Depois procura-se à lupa a “novidade” e nada se encontra fora de impressões . O exemplo de Noronha é bem característico da vacuidade do Fórum , fora das “impressões” existenciais de quem lá esteve :

Sentado numa oficina acerca da arte e as suas possibilidades de intervenção política – com a desorganização própria de algo incontrolado que dá os primeiros passos e procura caminhos – ou assistindo a uma mesa redonda acerca de documentários, com o Eduardo Cintra Torres, o A. M. Seabra, a Diana Andringa, o Rui Leitão (genial como sempre) e o José Filipe Costa, apenas consegui pensar no potencial existente em pessoas que ainda tacteiam em busca de uma forma de fazer diferente. Encontrei gente que eu conheço de contextos completamente distintos e distantes e que nunca esperaria ver ali. E é precisamente essa característica de espaço de contacto entre contextos habitualmente incontactáveis que faz a diferença.”

Mas isto é um vulgar colóquio ! Onde é que está a diferença ? Foi bom o colóquio ? Gostou ? São pessoas “que ainda tacteiam em busca de uma forma de fazer diferente” ?” Força !
A única diferença entre isto e um colóquio é o seu enquadramento político – ou seja , para alguns há aqui uma forma de poder , uma procura de poder . Os intelectuais de esquerda, quando perdem a sua função oracular junto do poder sentem-se mal . O problema é que a democracia não lhes dá qualquer privilégio “interpretativo” pela sua condição de intelectuais .

6. Sobre o carácter dos auto-designados “movimentos sociais” do Fórum, Daniel Oliveira tem toda a razão nas comparações que faz

Pacheco Pereira quer saber onde estão os No Name Boys e os combatentes da guerra colonial. Acrescento mesmo: e o movimento Pró-Vida? E as mães de Bragança? E as Vicentinas? Pacheco Pereira confunde o Fórum Social com a Câmara Corporativa. O Fórum não representa o todo social. Representa o mundo social que luta por uma globalização alternativa. É um espaço de confluência política.

Todos os movimentos referidos , o “Pró-Vida” , as “mães de Bragança” são do mesmo tipo dos representados no Fórum . Daniel Oliveira acaba por admitir que não é o carácter de “movimento social” que os distingue , mas o seu sentido político . Foi exactamente o que eu disse sobre o Fórum : é um movimento politizado , associado a partidos ou proto-partidos , com uma lógica de poder político e não “social” .
Só posso saudar a exactidão da referência à Câmara Corporativa do salazarismo , porque o corporativismo de esquerda , com velhas tradições em Portugal , é o único programa esboçado no Fórum que é alternativo à visão marxista tradicional .

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© José Pacheco Pereira
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