ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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29.6.03
BLOGUES COMO ANOTAÇÕES DO MYLIFEBITS
Existem muitos paralelos entre os blogues e o projecto da Microsoft de incluir no Windows um programa intitulado MyLifeBits, uma espécie de backup da vida toda. Sobre o MyLifeBits escrevi no principio do ano um artigo no Público em que chamava a atenção para o modo como a vida afectiva podia ser afectada pelo MyLifeBits e pela manipulação da memória, em particular, pela obsessão da memória que o programa permitia. Agora vejo as similitudes entre alguns problemas suscitados pelo MyLife Bits e os blogues. Ambos os programas se desenvolvem num sentido comum, ao associarem a nossa percepção do vivido com o seu registo em tempo quase real, seja sobre forma literal no MyLifeBits, seja sobre a forma de anotações nos blogues. As anotações “vividas” nos blogues representam bem o tipo de observações e divagações que o MyLifeBits permite associar aos eventos registados. No MyLifeBits cabem os livros e artigos que lemos, todas as fotos e vídeos, telefonemas e mensagens, mas o mecanismo de ordenação e procura é um fio interpretativo, uma espécie de auto gnose, de conversa interior com que os “anotamos” e isso é a matéria dos blogues. O resultado é um confronto acrescido connosco próprios. Uma nota muito significativa do Monologo revela a estranheza com o nosso passado sentimental, com um “estado” irrepetível, uma espécie de oddity , de nostalgia perplexa que já existe nos blogues e ainda existirá mais no MyLifeBits: “reler posts antigos tentar retirar posts que contenham referências a estados mentais agora parecem-me ridículos reconstruir percurso bloguista significa o quê? que me incomoda exposição de sentimentos, só isso as emoções e sentimentos polarizam a nossa agenda mental. quando o efeito se vai, o pensamento prevalece (eu acho)...” Os blogues e o MyLifeBits tem aspectos mais revolucionários do que se pensa, porque permitem um grau de exteriorização da auto percepção – mesmo que efabulada – que nunca existiu e um tipo de confronto com o modo como “nos fizemos” sem paralelo no passado. Pode ser doloroso e infeliz, e na maioria dos casos será porque há mais infelicidade do que felicidade, mas trará novas formas de perturbação interior. (Continua) (url)
© José Pacheco Pereira
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