ABRUPTO

31.10.06
 


EARLY MORNING BLOGS

899 - The Cruel Moon

The cruel Moon hangs out of reach
Up above the shadowy beech.
Her face is stupid, but her eye
Is small and sharp and very sly.
Nurse says the Moon can drive you mad?
No, that’s a silly story, lad!
Though she be angry, though she would
Destroy all England if she could,
Yet think, what damage can she do
Hanging there so far from you?
Don’t heed what frightened nurses say:
Moons hang much too far away.

(Robert Graves )

*

Bom dia!

30.10.06
 


RETRATOS DO TRABALHO NO PORTO, PORTUGAL



Trabalhos na barra do Douro. Hoje.

(Gil Coelho)
 


RETRATOS DO TRABALHO NO PORTO, PORTUGAL



Jardineiros no jardim do Passeio Alegre, no Porto.

(Gil Coelho)
 


LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 30 de Outubro de 2006


Em Portugal apoiam Sócrates por apertar o cinto, no Brasil apoiam Lula por dar dinheiro aos pobres. Há aqui qualquer coisa que não encaixa.

Uma breve nota sobre a comparação entre Sócrates e Lula. Não há dissemelhanças, porque o ponto, creio, é este. A imagem de Sócrates é, tal como Lula, a de Robin dos Bosques.
Daí a popularidade, de ambos. Imagem, ou realidade, "a história o julgará". Tenhamos paciência!

(Amílcar Lopes António)
*

Robert Fagles sobre as razões que o levaram a traduzir a Eneida de Virgílio: “My feeling is that if something is timeless, then it will also be timely.

*

Continua a não haver um dia singular sem o Momento-Chávez do Primeiro-ministro, num palco controlado a dizer o que quer sem contraditório e, mais grave ainda, sem tratamento editorial em função da relevância e do conteúdo jornalístico da matéria.
 


COISAS DA SÁBADO: DIA SIM DIA SIM



Contam-se pelos dedos de uma mão só, as pessoas que têm acesso à comunicação social de primeira linha e que falam dos mecanismos de controlo e manipulação da comunicação social pelo governo socialista. É uma matéria tabu, que suscita logo um ambiente de grande hostilidade, com exigência probatórias imediatas. Não acho mal as exigências probatórias, dado que penso não faltarem provas, sendo às vezes serem tão evidentes que a sua exigência já é suspeita. Só tenho pena que não tenham sido pedidas com a mesma convicção antes do período actual de governação. Mais: intriga-me que aqui os jornalistas que se indignam, muitos deles em posições de relevo em órgãos de comunicação estatais, alguns em posições de chefia, tenham nesta matéria a atitude exactamente contrária à que tomam face a todas as coisas, onde acham sempre que não há fumo sem fogo por regra geral, e onde exercitam abundantes doses de cinismo. Aqui, ficam ingénuos em absoluto, nesta matéria não são certamente o “ninho de víboras” com que são descritos no mundo anglo-saxónico.

Veja-se um dos exemplos mais que evidentes, referido por Eduardo Cintra Torres na série que está a escrever para o Público, e que tanta hostilidade suscita contra o seu autor, que está a provar uma medicina que já conheço há muitos anos. Trata-se da tentativa de controlo da agenda comunicacional através da sobreposição de pseudo-factos, declarações, conferências de imprensa, manobras de diversão, criados do nada para esconderem ou minimizarem os factos que são incómodos para o governo. O Primeiro-ministro Sócrates não faz isto dia-sim-dia-não, faz isto dia-sim-dia-sim, com sucesso garantido. Exemplo: no dia da manifestação da CGTP com setenta mil pessoas na rua, Sócrates fez mais uma das suas deslocações a um palco controlado (é interessante ver como utiliza muitas vezes o grupo parlamentar do PS como “palco controlado”) para responder aos manifestantes a solo, sem contraditório. Nos noticiários o facto e o pseudo-facto equivaliam-se e mesmo que não se queira chamar às declarações de Sócrates pseudo-facto, elas não tinham o interesse jornalístico que justificasse um tratamento quase simétrico. Isto acontece, quase sempre com Sócrates a solo em palcos controlados, dia-sim-dia-sim.

É evidente que não só os governos socialistas que aplicam estas técnicas, os do PSD e do CDS fizeram o mesmo, mas com muito menor eficácia porque há diferenças fundamentais e que têm a ver com o facto de a comunidade jornalística se comportar por regra de forma muito adversarial com governos “de direita”, como agora se diz. Provas? Provas, pergunto eu? E que tal pensarmos nisto: sabedores das tácticas de ocultação do Primeiro-ministro e de alguns membros do governo mais sábios como o Ministro António Costa, que fazem os jornalistas para manterem a informação crítica a fluir, que fazem as redacções para darem o devido valor (o de notas de quatro ou cinco linhas como fazem os jornais anglo-saxónicos) a actos que eles sabem serem de contra-informação, sem conteúdo jornalístico, não dando o benefício ao infractor? Nada, quase nada. Ao aceitarem as regras do Primeiro-ministro e do governo, aceitam a governamentalização e o controlo político.

E não adianta dizerem, como já vi escrito, que não há problema nenhum em que o governo tenha investido tanto em “relações públicas” e em assessorias de imprensa que são “boas”, sem perceberem que esta frase é mortífera para a profissão de jornalista e auto-condenatória. Há quanto tempo se recordam de uma genuína pergunta e de uma genuína resposta do engenheiro Sócrates, fora do mundo da propaganda? Não me lembro.
 


EARLY MORNING BLOGS

898 - The Fall Of Rome

The piers are pummelled by the waves;
In a lonely field the rain
Lashes and abandoned train;
Outlaws fill the mountain caves.

Fantastic grow the evening gowns;
Agenst of the Fisc pursue
Absconding tax-defaulters through
The sewers of provincial towns.

Private rites of magic send
The temple prostitutes to sleep;
All the literati keep
An imaginary friend.

Cerebrotonic Cato may
Extol the Ancient Disciplines,
But the muscle-bound Marines
Mutiny for food and pay.

Caesar's double-bed is warm
As an unimportatnt clerk
Writes I DO NOT LIKE MY WORK
On a pink official form.

Unendowed with wealth or pity
Little birds with scalet legs,
Sitting on their speckled eggs,
Eye each flu-infected city.

Altogether elsewhere, vast
Herds of reindeer move across
Miles and miles of golden moss,
Silently and very fast.

(W.H. Auden)

*

Bom dia!

29.10.06
 


LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 29 de Outubro de 2006


Lendo o Sol hoje: um editorial de miséria e uma miséria de editorial. Já se percebeu que tudo está maduro para se descer mais um passo na abjecção pública. É verdade que os sinais já estavam por todo o lado, que a porta que o Expresso abriu escancaradamente já estava semi-aberta. Mas cada vez temos menos respeito por nós próprios e pelos outros. Se há quem queira viver no mundo do Simplesmente Maria e na lama voyeuristica da exibição da privacidade e da intimidade, força! Que as páginas exibicionistas vos sejam leves! Mas não esperem de quem não é desse mundo outra coisa que não seja nojo e vergonha por terem descido tão baixo.
 


IMAGENS POLITICAMENTE INCORRECTAS 2

 


IMAGENS POLITICAMENTE INCORRECTAS 1



(Enviada por Medina Ribeiro)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
GOVERNAR POR DECRETO DÁ LUGAR AO "RELEVANTE INTERESSE PÚBLICO"




Dantes era o "governar por decreto", sinónimo de falta de respeito pelas normas democráticas e como forma de imposição de algo que não seria passível de aceitação nas instâncias apropriadas ou que enfermam de deficiências formais ou processuais.

Hoje, o mesmo acontece, mas sob um nome diferente, o de resolução fundamentada, que justifica se com o interesse público e se sobrepõe a decisões de carácter administrativo por parte dos Tribunais, evitando assim o normal curso da Justiça e revogando o efeito suspensivo imposto pelas instâncias judiciais.

Perversamente, ao ultrapassar a decisão com carácter suspensivo de um Tribunal, supostamente garante da igualdade perante a Justiça, a decisão fundamentada pode tornar irreversível todo o processo, sendo que após este passo, muitas vezes, ultrapassou-se o ponto de retorno.

Esta possibilidade legal, que assume cada vez mais contornos de verdadeiro artifício que permite contornar decisões desfavoráveis, pela sua vulgarização nos mais diversos domínios da governação, tem-se vindo a alastrar a todas as instâncias que, no âmbito das suas competências, a possam utilizar.

Por outro lado, permite contornar a legislação em vigor e, por exemplo, proceder a adjudicações por ajuste directo quando um concurso público não foi lançado a tempo, mesmo sabendo-se da sua necessidade, ou quando um processo se atrasou de tal forma, por responsabilidade exclusiva dos próprio, que já não há possibilidade de seguir os trâmites legais sem um efectivo prejuizo.

O recurso a esta figura jurídica tem, portanto, servido cada vez mais como uma alternativa processual do que como um último recurso para situações imprevistas, nas quais existe uma efectiva necessidade de ultrapassar um obstáculo de última hora, razão pela qual cada vez menos o chamado "relevante interesse público" adquire o carácter excepcional que o devia caracterizar.

Entre a excepção e a regra, o uso e o abuso, aceita-se a normalidade, do que devia ser excepcional ganhando força à custa da imposição de uma figura de carácter administrativo que tende a transformar-se numa nova forma de governar.

Afinal, a normalidade é um conceito estatístico, dependente do número de ocorrências, sobre as quais não emite qualquer valor.

(Nuno M. Cabeçadas)
 


EARLY MORNING BLOGS

897 - The dangers to which we are exposed from our Women must now be manifest ...


 If our highly pointed Triangles of the Soldier class are formidable, it may be readily inferred that far more formidable are our Women. For, if a Soldier is a wedge, a Woman is a needle; being, so to speak, all point, at least at the two extremities. Add to this the power of making herself practically invisible at will, and you will perceive that a Female, in Flatland, is a creature by no means to be trifled with.

But here, perhaps, some of my younger Readers may ask how a woman in Flatland can make herself invisible. This ought, I think, to be apparent without any explanation. However, a few words will make it clear to the most unreflecting.

Place a needle on the table. Then, with your eye on the level of the table, look at it side-ways, and you see the whole length of it; but look at it end-ways, and you see nothing but a point, it has become practically invisible. Just so is it with one of our Women. When her side is turned towards us, we see her as a straight line; when the end containing her eye or mouth -- for with us these two organs are identical -- is the part that meets our eye, then we see nothing but a highly lustrous point; but when the back is presented to our view, then -- being only sub-lustrous, and, indeed, almost as dim as an inanimate object -- her hinder extremity serves her as a kind of Invisible Cap.

The dangers to which we are exposed from our Women must now be manifest to the meanest capacity of Spaceland. If even the angle of a respectable Triangle in the middle class is not without its dangers; if to run against a Working Man involves a gash; if collision with an Officer of the military class necessitates a serious wound; if a mere touch from the vertex of a Private Soldier brings with it danger of death; -- what can it be to run against a woman, except absolute and immediate destruction? And when a Woman is invisible, or visible only as a dim sub-lustrous point, how difficult must it be, even for the most cautious, always to avoid collision!

(Edwin A. Abbott, a Square, Flatland: A romance of many dimensions)

*

Bom dia!

28.10.06
 


BIBLIOFILIA / GRANDES CAPAS

 


LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 28 de Outubro de 2006


Ontem houve vários Momentos-Chavez para o Primeiro-ministro, hoje haverá mais. O TGV já deu para dois Momentos-Chavez e ainda dará para mais. Agora começou-se a desdobrar os actos públicos - um com o ministro, que também quer os seus Momentos-Chavez; outro, igual ao anterior e sobre a mesma matéria, com o Primeiro-ministro.

Ontem a RTP deu outro exemplo de como se actua pela imagem: enquanto o Ministro das Finanças fazia o seu discurso punitivo contra as finanças da Madeira, Jardim aparecia em imagens de fundo a passear-se num elefante. O Justo e o Tolo. Duvido que imagens de Soares passeando numa tartaruga ou vestido de marajá passeando num elefante alguma vez passem em fundo de qualquer notícia sobre ele. É verdade que Jardim muitas vezes pede-as, mas não pode ser a televisão pública a dá-las.

*

Ontem um amigo aqui em Cabo Verde que pouco se interessa por política e muito menos está a par do que se passa com a política lusa, perguntou-me se vai haver eleições em Portugal. Que eu saiba, não, disse eu, porquê? É que o teu primeiro ministro parecer estar em campanha eleitoral. Pois, parece, respondi. Bom, talvez esteja a pensar em eleições mais cedo.

(Sérgio)
 


EARLY MORNING BLOGS

896 - I call our world Flatland, not because we call it so, but to make its nature clearer to you, my happy readers, who are privileged to live in Space.

http://etext.library.adelaide.edu.au/a/abbott/edwin/flatland/images/cover.jpgImagine a vast sheet of paper on which straight Lines, Triangles, Squares, Pentagons, Hexagons, and other figures, instead of remaining fixed in their places, move freely about, on or in the surface, but without the power of rising above or sinking below it, very much like shadows -- only hard with luminous edges -- and you will then have a pretty correct notion of my country and countrymen. Alas, a few years ago, I should have said "my universe": but now my mind has been opened to higher views of things.

In such a country, you will perceive at once that it is impossible that there should be anything of what you call a "solid" kind; but I dare say you will suppose that we could at least distinguish by sight the Triangles, Squares, and other figures, moving about as I have described them. On the contrary, we could see nothing of the kind, not at least so as to distinguish one figure from another. Nothing was visible, nor could be visible, to us, except Straight Lines; and the necessity of this I will speedily demonstrate.

Place a penny on the middle of one of your tables in Space; and leaning over it, look down upon it. It will appear a circle.

But now, drawing back to the edge of the table, gradually lower your eye (thus bringing yourself more and more into the condition of the inhabitants of Flatland), and you will find the penny becoming more and more oval to your view, and at last when you have placed your eye exactly on the edge of the table (so that you are, as it were, actually a Flatlander) the penny will then have ceased to appear oval at all, and will have become, so far as you can see, a straight line.

The same thing would happen if you were to treat in the same way a Triangle, or a Square, or any other figure cut out from pasteboard. As soon as you look at it with your eye on the edge of the table, you will find that it ceases to appear to you as a figure, and that it becomes in appearance a straight line. Take for example an equilateral Triangle -- who represents with us a Tradesman of the respectable class. Figure 1 represents the Tradesman as you would see him while you were bending over him from above; figures 2 and 3 represent the Tradesman, as you would see him if your eye were close to the level, or all but on the level of the table; and if your eye were quite on the level of the table (and that is how we see him in Flatland) you would see nothing but a straight line.

(Edwin A. Abbott, a Square, Flatland: A romance of many dimensions)

*

Bom dia!

27.10.06
 


BIBLIOFILIA / GRANDES CAPAS

 


A DEGRADAÇÃO DA PRIVACIDADE E DA INTIMIDADE



Tudo começou no Expresso de 14 de Outubro, há apenas dez dias. É verdade que já havia nas revistas do coração e nos tablóides uma exploração do mesmo tema, mas nunca tinha chegado à imprensa que se pretende séria e responsável. Para se perceber como é que a coisa funciona, basta seguir a sequência: no dia 14, o Expresso titula na primeira página "Casal Sócrates pelo sim", referindo-se à presença de José Sócrates enquanto secretário-geral do PS e uma jornalista descrita como sua "namorada" num debate sobre o aborto. O título era completamente abusivo: a presença dos dois na sala e o facto de fazerem intervenções sobre o mesmo tema era mais que justificado pela circunstância de ambos, cada um de per se, como indivíduos, terem revelado interesse pelo tema e pela causa e não por serem um "casal" que era o que o título queria dizer num mecanismo puramente tablóide. Acresce que, quer um, quer outro, independentemente das relações que tenham ou não tenham, são pessoas que mantêm sobre a sua vida privada uma sadia reserva que cada vez menos se observa em pessoas sujeitas a uma exposição pública. O título do "casal" não tinha qualquer relevância jornalística, destinava-se apenas a alimentar o voyeurismo de um público que respeita pouco ou nada da privacidade alheia. Não havia um átomo de interesse público em tal "revelação", ou sequer na sugestão ofensiva para a individualidade de cada um, e aqui obviamente mais ofensiva para a mulher do que para o homem, de que ela vale mais como parceiro de um "casal", do que pelo seu mérito próprio.

Os jornalistas do Expresso não podiam deixar de saber o que estavam a fazer. Quem conhece os mecanismos da comunicação e a selvajaria deontológica em que está hoje mergulhada sabe muito bem que, quando um jornal de "referência" faz aquele título, abre as comportas a uma enxurrada que, a partir da intromissão de privacidade inicial, normaliza o delito. O Expresso deu legitimidade a que todos pudessem voltar a atenção do seu voyeurismo, do seu machismo, para o "casal", neste caso em particular para a "namorada". E nos últimos dez dias a enxurrada do lixo tablóide aberta pelo Expresso levou outra vez todas as revistas do coração a pegar no mesmo assunto, agora já livres do gueto inicial onde estavam acantonadas e mais à vontade para irem mais longe, e a imprensa séria a colocar-se ao mesmo nível. Hoje [ontem], no momento em que escrevo, a Focus tem como título da primeira página "Conheça a namorada do 1.º ministro", e a procissão ainda vai no adro.

Insisto que não há aqui qualquer elemento de interesse público, nada que justifique que um jornal assim proceda. Não se trata de usar recursos do Estado indevidamente, não se trata de passar segredos a uma potência estrangeira, não se trata de cometer qualquer crime, trata-se de se viver como se pretende, mesmo tratando-se do primeiro-ministro, que sempre foi reservado na sua vida privada, e da "namorada", que não sei se o é ou não nem isso me interessa, que também tem sempre preservado as suas relações da curiosidade pública. Trata-se de duas pessoas que não podem em nenhuma circunstância ser acusadas de se andarem a exibir e, bem pelo contrário, pretenderam sempre defender a sua privacidade com a máxima reserva e a quem esta exposição forçada e gratuita notoriamente incomoda. Isso deveria ser respeitado, mas não é.

O facto de ter sido o Expresso a trilhar este caminho revela uma tendência preocupante da comunicação social portuguesa para desrespeitar direitos de privacidade (já quase todos violados repetidamente pelas revistas cor-de-rosa) e da intimidade (violados no mundo do espectáculo e da televisão, muitas vezes com o consentimento dos próprios, que encontraram na exposição da sua privacidade um modo de vida, mas que é só uma questão de tempo até chegar a todos, queiram ou não).

A banalização da violação da privacidade e da intimidade vive do conúbio entre o novo mundo das revistas do coração, cada vez mais agressivas, com a generalização das fotografias tiradas na via pública sem autorização por paparazzi e "cidadãos-jornalistas-tablóides", e a progressiva infecção destas práticas pela imprensa séria, daí a importância do título do Expresso. Neste processo participam muitos voluntários do mundo do espectáculo e cada vez mais gente de outros mundos, inclusive da política. Fazem mal, e quase sempre arrependem-se, tendo muitas vezes que fazer o exercício público de arranque da pele da tatuagem em que escreveram, como num cartaz, o nome do amor eterno que durou um mês.

A verdade é que ainda há muita gente para quem a defesa da privacidade e da intimidade são elementos essenciais da sua dignidade e da dignidade dos outros, muita gente que se respeita a si próprio para gostar de ter e viver no seu espaço de liberdade. Estou a imaginar o encolher de ombros e o sibilino, "devem ter alguma coisa a esconder...", pretendendo-se criminalizar a defesa da privacidade, atribuindo-a sempre um mundo de culpa clandestino. Mas é isso mesmo, têm alguma coisa a esconder para poderem ter liberdade de viver como querem, para serem senhoras da sua vida. São cada vez mais uma minoria em extinção, face aos maus hábitos das gerações antigas habituadas à coscuvilhice e ao boatério e das mais novas que praticam a "aldeia global" com todos os inconvenientes da "aldeia", onde todos se conhecem. As gerações do telemóvel e da Internet anónima crescem sem qualquer respeito pela privacidade e intimidade, como se vivessem num reality show. São eles que não perceberam que, ao aceitar um telemóvel com GPS ou com vídeo, aceitam ser controlados com eficácia. Não querem saber, cresceram assim, ninguém os educou para a reserva de si próprios. Serão excelentes clientes para os psiquiatras, quando tiverem dinheiro para os pagar.

Uma sociedade em que haja um putativo direito de saber tudo e em que ninguém tenha o seu espaço de intimidade e privacidade defendido, mesmo admitindo uma restrição razoável por razões de interesse público, e só por essas, para os detentores de cargos electivos, é uma sociedade totalitária. Nos últimos dias deram-se mais alguns passos para que, na cultura comunicacional dominante em Portugal, a dignidade do indivíduo fique mais frágil, assim como a liberdade de todos.

(No Público de 26 de Outubro de 2006)

*
Estamos cada vez mais pobres. Mais embrutecidos pela imprensa cor de rosa/marginal que alimenta sonhos de dona de casa frustrada e dependente de "factos" que não a obriguem a olhar o seu "EU". O Expresso foi o meu refugio de fim de semana. Ainda me recordo da frase "não hé sábado sem sol ou Expresso". Mas modificou-se, adulterou-se, vendeu-se ao facilitismo. Será que tem saudades do Independente e quer seguir as suas pisadas? O Sol também foi uma decepção. O que nos resta para ler? ONde vamos poder ler NOTICIAS de interesse. Alguém que nos acuda. Casal Sócrates? Acha respeito pelo outro se quer ser respeitado. Expresso:Amén.

(Fortunata de Sá)

*

Agora referindo-me c/ propriedade ao seu artigo no Público, será de mencionar:

1) Toda a imprensa dita séria tem vivido em concubinato c/ a dita cor-de-rosa.
Como noutras áreas da “aldeia global” da comunicação as fronteiras diluem-se.
Há uns anos o Expresso referia-se à actualmente futura ex-esposa de Paul Mccartney como “aquela que conseguiu engatar o ex-Beatle”. Isto diz tudo.

2) Quanto aos actores, podem-se dividir entre os “voluntários”, os “voluntários à força” e os “involuntários”. Os primeiros vivem disso e p/ isso e raramente se arrependem. Muitas vezes o deixar de ser “perseguidos” por essa tipo de “notícias” (como vimos no ponto anterior esbate-se a diferença entre tipos de imprensa, pelo que temos que distinguir o tipo de “noticias”) é a sua “morte” social e financeira. Os segundos são aqueles cuja profissão / actividade obriga uma exposição pública (políticos, artistas, desportistas, empresários, etc.) e que muitas vezes necessitam de expor a sua privacidade p/ se promoverem e promover a sua actividade. O voyarismo do público faz c/ que a exposição da privacidade seja um chamariz / promoção do seu produto / actividade c/ consequências nas respectivas “vendas” (isto inclui votos no caso de políticos) . Esta tentação de “vender a alma ao diabo” às vezes paga- se cara quando aqueles a quem se vendeu uma parte da alma querem o resto, mormente passar da privacidade p/ a intimidade. Os terceiros são aqueles que fazendo tudo p/ manter em publico apenas aquilo que é estritamente público e se vêem enredados na teia da invasão da privacidade ao menor “deslize”. Muitas vezes esse ataque tem claras intenções de denegrir alguém que não alinhou c/ o sistema. Outras a sua defesa da privacidade tornou esta num bem bastante precioso e cobiçado pelos que vendem a privacidade alheia, dado que o público voyeur está desejoso de saber algo sobre a privacidade dessa personagem que não se expõe. Assim à primeira oportunidade entram pela mínima brecha (ou em ultimo caso froçam a entrada).

3) Uma vez que quer os “voluntários” quer os “voluntários à força” se fazem passar por “involuntários” p/ se vitimizarem e assim se valorizarem, o jogo de sombras está montado. Muito boa gente já foi descoberta a vender “reportagens” s/ a sua vida privada enquanto choravam lágrimas de crocodilo pela privacidade violada, mas muitos continuam por descobrir.

4) Mas no fim a culpa é sempre do público que consome estas “notícias”. No dia em que deixarem de as consumir e no dia em que as suas decisões de “compra”
(de discos, de livros, de espectáculos, de telenovelas, de “votos”, etc) deixarem de ser influenciadas pela maior ou menor exposição da privacidade das figuras públicas, todo este teatro de sombras fecha. Até lá cumprir-se-á a velha máxima do mercado livre, enquanto houver compradores aparecerão vendedores p/ manter a procura satisfeita e realizarem os respectivos lucros.

É a lei da oferta e da procura no seu estado puro.

(Miguel Sebastião)

*

Isto tudo parece ser complicado. Até onde deverão conter-se os elementos do casal para evitar não dar azo às notícias dos tabloides? Deverão eternamente viver em clausura? Nunca assumir essa relação? Então pelo facto de um dia irem jantar juntos a um bar in de Alcântara e serem fotografados aí por algum curioso com telemóvel que logo a remete a imagem a um jornal, estão por isso, a partir daí, sujeitos a toda a devassa? E se esse jantar for num restaurante mais discreto, escondido num dos subúrbios? Faz diferença? Diz-se por vezes (pessoas tidas por sensatas o afirmam) "eles colocaram-se a jeito", logo não podem estranhar uma vez que são pessoas públicas. Há essa ideia. E até parece num ponto ou noutro do seu texto que defende isso. Pelo menos indirectamente.
A verdade é que não existe critério para determinar a partir de que momento uma pessoa é de notoriedade pública. Em última análise somos todos figuras públicas. Se tivermos o azar de ser interpelados na rua por um canal de televisão para nos perguntar se concordamos com as touradas, tornamo-nos ou não figura pública? Respondo eu: Depende do meu critério. Exclusivamente.
Melhor mesmo é as pessoas "não se porem a jeito". Porque não se tornam eremitas? Penso melhor: Mesmo assim um eremita poderia vir a ser uma figura pública. Parece então não haver fuga.

(Fernando Barros)

*

Em primeiro lugar, a expressão "casal Sócrates" usada pelo Expresso já seria em si mesma um risível abuso. Não há nenhum casal. Há um PM, com opiniões muito "noticiáveis" sobre o aborto. Há uma jornalista activista do tema, com opiniões menos "noticiáveis" sobre o assunto. Mas o que há entre os dois, se há, é com eles e o Expresso não tem nada com isso.

Ao noticiar o assunto nos termos em que o fez, o Expresso ganhava das duas formas: ou a a notícia se confirmava e o Expresso acertava; ou não se confirmava (como veio a suceder, uma vez que não houve nenhuma "campanha" e muito menos" conjunta") e o Expresso ganhou na mesma porque colocou o assunto na agenda. Para seu próprio benefício e de toda a imprensa, que estava "mortinha" por deitar as mãos a este assunto.
Foi por estas e por outras que o Expresso há muito deixou de ser o meu jornal.

(José Moreno)
 


RETRATOS DO TRABALHO EM PORTUGAL



(Artur Pastor)
 


LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 27 de Outubro de 2006



Ontem, o Momento-Chavez do Primeiro-ministro foi junto dos militantes do PS no Algarve, no dia anterior no Forum das PME. Qual será o de hoje? Sempre o mesmo esquema: palco controlado, plateia atenta, veneradora e obrigada, discurso firme e vigoroso, sempre adversarial. Sócrates tem sempre inimigos: os governos anteriores, o PSD, Marques Mendes (ele leva Marques Mendes mais a sério do que os jornalistas e o PSD), as corporações, "eles". Câmaras de televisão de frente, primeiro plano para Sócrates, frases fortes escolhidas a dedo e preparadas para a televisão, não para os interlocutores de circunstância que são parte da decoração. Sem perguntas, sem contraditório, sem nada que perturbe o cenário montado.

Quantas vezes já vimos isto nos últimos meses? Muitas. Os anteriores bons manipuladores da televisão parecem meninos de coro (Cavaco fazia o mesmo, mas com muito menor eficácia e nem Lopes, nem Barroso, nem Guterres se comparam). Havia também outras hostilidades da "classe", contra Cavaco, contra Lopes, contra Guterres na fase moribunda, que parecem ter-se desvanecido. A diferença é que Cavaco, Guterres, Barroso e Lopes, ainda estavam na infância da arte. Entretanto, os órgãos de comunicação social já deviam ter evoluído na sua percepção de como se faz propaganda moderna. Mas não, passam acriticamente a encenação. Sejamos justos: uns mais que os outros.
 


EARLY MORNING BLOGS

895 - Fête galante

Les hauts talons luttaient avec les longues jupes,
En sorte que, selon le terrain et le vent,
Parfois luisaient des bas de jambes, trop souvent
Interceptés! - et nous aimions ce jeu de dupes.

Parfois aussi le dard d'un insecte jaloux
Inquiétait le col des belles sous les branches,
Et c'étaient des éclairs soudains de nuques blanches,
Et ce régal comblait nos jeunes yeux de fous.

Le soir tombait, un soir équivoque d'automne:
Les belles, se pendant rêveuses à nos bras,
Dirent alors des mots si spécieux, tout bas,
Que notre raison, depuis ce temps, tremble et s'étonne.

(Paul Verlaine)

*

Bom dia!

26.10.06
 


RETRATOS DO TRABALHO EM BARCELONA, ESPANHA



Trabalhos de remodelação na Fundação Joan Miró, em Barcelona.

(António Filipe Meira)
 


INTENDÊNCIA

Em actualização os ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO, incluindo as bibliografias.,
 


NUNCA É TARDE PARA APRENDER
COMO O PCP NÃO CONSEGUE FAZER A SUA PRÓPRIA HISTÓRIA

(Versão completa em ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO.)

Para comemorar o 70º aniversário da criação do campo do Tarrafal, a editorial do PCP, as Edições Avante!, publicou um Dossier Tarrafal. Nesse volume, sem autoria a não ser a da Editora, o que quer dizer de autoria da direcção do PCP, são incluídos documentos conhecidos como também outros inéditos. Como a publicação de documentos inéditos oriundos dos arquivos do PCP não abunda, foi com muito interesse que li este volume. Infelizmente confirmei na sua leitura que o PCP não consegue ultrapassar a sua enorme dificuldade em contrariar as versões oficiais da sua história, destinadas à sua legitimação política, e qualquer política de publicação de documentos inéditos acaba por ser muito restritiva para não entrar em contradições com essas mesmas versões oficiais.

É o caso deste volume, aliás feito sem grandes cuidados de rigor, sem notas e omitindo muita informação de enquadramento que podia valorizar o que de inédito lá se publica. Grande parte do volume é constituído por documentos já conhecidos ou publicamente acessíveis – artigos do Avante! e testemunhos de antigos presos do Tarrafal – a que são acrescentados dois grupos de inéditos: “diários” do Tarrafal, escritos por presos não identificados, e peças da correspondência entre a Direcção da Organização Comunista do Tarrafal e a direcção do PCP, representada por Álvaro Cunhal. Sabia-se da existência destes documentos nos arquivos do PCP, como aliás de outros que continuam a ser escondidos, mas o partido não permitia o seu acesso à investigação histórica.

Como é habitual nas publicações do PCP é a perspectiva repressiva-heróica que domina o volume, o que se compreende no seu papel de denúncia, mas acrescenta muito pouco à história do Tarrafal, e ainda menos à história dos comunistas no Tarrafal, apenas uma parte dos seus presos. Do ponto de vista do detalhe sobre as condições prisionais, sobre as violências cometidas pelos carcereiros, sobre a devastação causada pela doença e pelos maus tratos, os “diários” oferecem mais detalhes que permitem conhecer melhor o aspecto de extrema punição, quase exterminista, que o campo de concentração tinha. Basta ver como a doença matava em três a cinco dias: “6- apareceu uma biliosa ao Damásio Martins Pereira; 11 – faleceu o Damásio”; “Deu um ataque ao Vale Domingues que faleceu uns minutos depois”, etc., etc. Este aspecto, como o seu reverso, a luta dos prisioneiros para conseguir concessões da direcção do campo, fica a conhecer-se melhor com a publicação destas fontes primárias.

Mas tudo o resto fica na mesma, em particular tudo o que tenha a ver com a política, quer entre os comunistas e os outros grupos de presos, em particular, os anarquistas, quer entre os diferentes grupos em que os comunistas se dividiram bem como sobre a sua complexa relação com o PCP na metrópole. Aí os documentos inéditos escolhidos foram seleccionados a dedo para não se saber mais, e a habitual política de ocultação e falsificação da história do PCP continua de vento em popa.

O que falta é abissal. No período da existência do Tarrafal toda uma série de polémicas e discussões, divisões, anátemas e expulsões, atravessou quer a OPC quer o PCP continental, e sobre isso nada de novo é acrescentado, embora os documentos fundamentais e politicamente relevantes estejam nos arquivos do PCP. É verdade que o editor informa que apenas “algumas”, uma “selecção” de cartas da correspondência entre a OPC e o Secretariado são publicadas. Mas que sentido tem continuar a pretender manter em segredo aquilo de que já se sabe, pelo menos em linhas grossas? Nem uma linha sobre as polémicas entre anarquistas e comunistas sobre a atitude a manter face às autoridades no Tarrafal, nem uma linha sobre os debates à volta do Pacto Germano-Soviético e as propostas que Bento Gonçalves fez ao sabor das reviravoltas da política da URSS, nem uma linha sobre que papel teve a OPC no desencadear da “reorganização”, nem uma linha – e aqui a omissão é gritante – sobre a chamada “política de transição”, cuja crítica por Cunhal fundou ideologicamente o PCP até aos nossos dias. Estas omissões grosseiras diminuem significativamente o interesse deste volume e mostram que o PCP continua incorrigível a tentar tapar com o seu dedo o conhecimento da sua história, da nossa história contemporânea.
 


RETRATOS DO TRABALHO EM PORTUGAL



Pormenores são os 2 euros a dúzia por que alguns transeuntes fazem caretas e os novos cartuchos em substituição dos velhinhos cones de páginas amarelas ou quartos de folha de jornal, afinal formas de reutilização do papel...

(António Marrachinho Soares)
 


COISAS DA SÁBADO: MANIFESTAÇÕES



Está na moda desvalorizar os sindicatos e as manifestações. É um pouco bizarro, bem vistas as coisas, que num país onde há tão pouca participação cívica, se dê mais importância ao enclausuramento de quarenta “artistas” temerosos pelos seus subsídios, do que a setenta mil pessoas na rua. Também, bem vistas as coisas, pode-se sempre dizer que “é o Partido Comunista” e, em grande parte, é. Só que, também, bem vistas as coisas, era suposto que o PCP já não fosse capaz de juntar tanta gente. Nem o PCP nem as “corporações”, o modo como agora erradamente se descrevem os sindicatos.

Tudo isto é cegueira, e cada qual toma a que quer. É verdade que a resistência que se encontra nas ruas é resistência á mudança, mas para muitos é a “sua” resistência à mudança e não apenas a do PCP ou da CGTP. Não estariam lá tantas pessoas se não fosse assim. Quanto às corporações é verdade que o seu poder é grande em muitas áreas do estado. Na saúde, na educação, nas profissões liberais como os médicos, advogados e farmacêuticos. Enquanto o Sindicato dos Professores mandar no Ministério da Educação por dentro estamos perante uma “corporação” que deve ser de lá tirada. Mas, cá fora, o Sindicato dos Professores ou qualquer outro, como sindicato e não como detentor de poderes “corporativos”, é um elemento fundamental da saúde de uma sociedade democrática. Convém não atirar fora o menino com a água do banho.

(Na Sábado de 18 de Outubro.)

*

Ainda bem que esta’ na moda desvalorizar sindicatos. Quer dizer que o povo portugues esta’ finalmente a acordar para a realidade de um mundo global, de uma economia global e para o facto de que os patroes que tratavam os empregados ao pontape’ sao uma coisa do passado. A sociedade em que vivemos evoluiu moralmente desde o virar do seculo, quando os sindicatos foram pela primeira vez criados. Nessa altura sim, as condicoes de trabalho eram horriveis e os trabalhadores necessitavam de defesa. Hoje em dia, isso ja’ nao existe.

Por vezes confesso que nao percebo em que planeta vive a UGT, CGTP, BE e PCP, penso que vivem num mundo qualquer alternativo, numa outra dimensao em que as suas fantasias marxistas tem de ser satisfeitas.

A economia do sec. XXI e’ diferente da economia protecionista do anos 80 e 90, a China e India estao a crescer a um ritmo alucinante, os empregos do passado em fabricas, que duravam 20-30 anos com pensao, regalias etc sao coisas do passado. Os trabalhadores tem de aceitar esta realidade porque ela esta’ ca’ para ficar!! Nao interessa o que a UGT, CGTP e outros tolinhos pensam. A economia mundial mudou e nos todos (sindicatos inlusive’) temos que no adaptar. E’ necessario mais e sobretudo melhor educacao, mais anos de escola, e’ preciso que se perceba que sem uma boa educacao, entao mais vale encostar ‘as boxes ou emigrar. Mas melhor educacao nao significa mais dinheiro do estado para educacao, e’ sobretudo preciso re-educar comportamentos, aumentar propinas para que os estudantes tomem a educacao a serio e nao a brincar e a beber como o fazem hoje (os tais engracadinhos das praxes que o JPP tao bem fala). E’ tambem preciso premiar os bons estudantes secundarios, dar-lhes bolsas de estudo universitarias. E’ tambem preciso limpar as universidades dos engracadinhos que demoram 10 anos para finalizar um curso, na Suica, Canada e EUA so’ se pode chumbar 1 vez, e depois adeus.

E’ tambem preciso avaliar professores, sem duvida concordo com Socrates nisto. Ha’ professores completamente inuteis, que nao tem qualquer interesse em educar e em motivar os estudantes. Querem apenas o salario e nao serem chateados. Isto tem de mudar ja’!! Nao pode esperar, nao pode esperar pela “aprovacao dos sindicatos”, caso contrario ficamos na mesma.

O mundo mudou e os sindicatos estao a emperrar a mudanca. Os sindicatos tem de mudar ou de preferencia tem de desaparecer.

(Carlos Carvalho)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: A ESCOLA QUE TEMOS



Estive a trabalhar até agora na correcção das provas escritas dos meus alunos e terei de continuar até um pouco mais tarde para alinhavar algumas aulas da próxima semana. Fiz portanto um intervalo.O meu horário apesar de conter apenas 26 horas marcadas não me permite fazer um uso útil das que não estão e supostamente serviriam para este trabalho. São verdadeiros buracos no horário que me obrigam a permanecer na escola sem condições para fazer o que devo fazer e que não são contabilizadas para trabalho de escola. Tenho também 90minutos para apoio aos meus alunos, os que apresentem mais dificuldades. Pena é que entre o pedido de autorização aos pais e a efectivação do apoio teremos chegado ao final do primeiro periodo. No segundo período e partindo do principio que os pais autorizam os seus educandos a terem mais umas quantas horas no já denso horário dos seus filhos irão para uma sala onde estão cerca de 10 professores com as mesmas atribuições. Cerca de 20% (tenho sorte) dos meus alunos irão necessitar mais tarde ou mais cedo de apoio que será prestado nesta sala. Não é preciso ser matemático para perceber que nesta sala não podem estar tantos professores e alunos até porque não há condições para realizar o trabalho nem acomodar tanta gente.

No caso de um professor não prescrever as medidas necessárias à correcção dos desvios às aprendizagens previstas estará em falta. Não se justifica a retenção destes alunos pois devem ter apoio caso necessitem devendo o professor avaliar atempadamente e pôr em prática as medidas necessárias- é um direito dos alunos que não questiono.

Tudo isto está certo. Desta forma 75% dos meus alunos transitam por mérito próprio e os restante 25% também. Pois terão aulas de apoio de modo a adquirirem as "competências" necessárias a transitarem. Tudo fruto da competência do responsável, o docente, que de outra forma não é tido como competente.

Neste dia a dia nas escolas percebo uma coisa muito simples: a necessidade de resultados. Bons resultados permitem subir uns lugares no ranking dos países mais competitivos. Talvez por isso hoje estejam a ser criadas secretarias que passam diplomas de 12º ano. Um ano em que muito estudei e aprendi e onde quem não estudava não passava. Essa autonomia e capacidade de desenrascanço perante um sistema menos atento então permitia crescer e desenvolver a capacidade de resposta perante as dificuldades que encontrávamos como alunos. Também tive maus professores e isso nunca foi desculpa para pôr os livros de lado, pelo contrário. Quem não trabalhava "chumbava".

Hoje com a proletarização dos licenciados urge não reter pessoas que apesar de não saberem ler ao fim de 9 anos de escolaridade têm de saber que a matéria é discreta e que as fases de Vénus evidenciam um sistema dito heliocentrico. Não é uma situação economicamente viável- o que também acredito.

Hoje sou a par dos educadores dos jardins Infantis, que muito respeito, medido a resultados. O triste disto é que estudei a matemática de Newton e introduzo aos meus alunos conceitos como a fusão e fissão nuclear, a formação do Universo como as provas encontradas tornam este modelo aceitável, o que a é ciência, falo das teorias de Einstein e como estão presentes no GPS e porquê, de conceitos que embora simplificados exigem uma actualização permanente cada vez mais difícil de fazer. Não vale a pena falar e trazer para aqui outras competências minhas nas áreas das didácticas específicas da Química ou da Física onde aprendemos a dar a volta às dificuldades de aprendizagem dos alunos. Também as "novas" tecnologias com a utilização dos computadores em sala de aula e a exploração de modelos matemáticos, sensores diversos são correntes nas aulas. Além disso transporto o livro de ponto de sala em sala, lavo material de laboratório quando a funcionária não está (felizmente temos na nossa escola funcionária com essas funções), faço as matriculas dos alunos, tuturia, avaliação e organização da formação na escola etc. No entanto a bitola é a mesma para todos e serve um único objectivo: resultados. Aos olhos da sociedade não sou diferente do educador infantil.

É esta a escola que temos. Não é nova, não está em remodelação nem será melhor, mas teremos a curto prazo melhores resultados. Subiremos um ou dois lugares no ranking da competividade. E isso é importante atrai investimento, com ele emprego que embora precário e transitório dá de comer. (...)

(Carlos Brás)
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: PARABÉNS AO ESPÍRITO

http://marsrovers.jpl.nasa.gov/gallery/press/spirit/20061025a/mcmurdo_MiplAtc_colorglyph2-A814R1_br2.jpg

que fez mil sols.
 


COISAS DA SÁBADO: REFORMAS OU DINHEIRO PARA DIMINUIR O DÉFICE?



Como todas as avaliações finais são supostas serem feitas no momento do exame, quando de novas eleições, pode-se sempre estar a julgar erradamente quando se avalia a meio. No entanto, penso não me enganar repetindo aquele que me parece ser o mais clamoroso erro do governo, mas também de quem lhe bate palmas a mais ou o exorciza totalmente. Está o governo a fazer reformas de fundo ou apenas a traduzir medidas pontuais que “tem” que tomar para controlar o défice numa retórica de reformas? Esta parece-me ser a questão central para avaliar o governo Sócrates.

O pano de fundo da questão tem a ver com as condições excepcionais de governabilidade que este governo tem: maioria absoluta, partido socialista domado pelo poder, oposição muito enfraquecida, consenso alargado na opinião pública muito para além das fronteiras partidárias. Ter tudo isto em Portugal é um milagre, pelo que se espera que o miraculado mostre excepcionais virtudes. Depois, para além do pano de fundo, há que julgar a linguagem e as medidas concretas, a retórica política e a capacidade de realização, e fazer um balanço.

A retórica política do governo é reformista-autoritária, associada a progressivista-tecnológica. Usando estes pares de conceitos consegue-se perceber quase tudo do governo Sócrates. Deixo aqui o lado progressivista-tecnológico e fico pelo primeiro par, o reformista-autoritário e a retórica respectiva. Aqui, analisando medida sobre medida, é óbvio que o que se pretende a muito curto prazo é controlar o défice, cortar onde for preciso e arranjar mais dinheiro. É isto que tem sido considerado reformista na acção do primeiro-ministro e merecido um apoio mais vasto do que o do PS ao governo.

Ora, é aqui também que me parece dever-se ser muito prudente, porque se há de facto medidas com o objectivo de cortar dinheiro, associada a medidas ainda mais duras, para arranjar mais dinheiro, não parece que se vá para além da emergência pontual, numa via que não devia ser chamada de reformas porque o não é. Fica aliás a suspeita consolidada de que, se não fosse o aperto financeiro da União Europeia, o governo socialista procederia de forma bem diferente. Basta ver as medidas que podiam ser tomadas e não o foram nem são, como as ligadas a uma reforma mais estrutural e menos conjuntural na segurança social, ou a intocabilidade de alguns monstros como as SCUTs, para se perceber que não há um plano reformista de conjunto, mas sim medidas pontuais cuja eficácia está por demonstrar para além do muito curto prazo.

É por isso que a retórica governamental encalha quando defronta adversários que tem poder para resistir, como acontece com os autarcas. O governo bem pode valorizar os méritos estruturantes da nova legislação sobre as finanças locais, que os autarcas não têm dificuldade em desmontar aquilo que são estratégias para poupar e que seriam mais facilmente aceites se não fossem envolvidas numa retórica reformista-autoritária. O problema é idêntico na saúde e na educação, pelo menos em parte. Se a retórica fosse de emergência nacional, dizendo com clareza que as medidas se destinam a resolver um problema urgente de adequar as nossas despesas à imposição do défice, as pessoas aceitariam mais facilmente porque as faziam participar num sacrifício colectivo. Aí haveria apenas que mostrar que a crise é para todos, para o que também há um retórica própria que o governo conhece bem porque a ensaiou.

Assim, as pessoas são confrontadas com falsas reformas apresentadas como sendo contra “eles”, como sendo virtuosas e salvíficas, quando todos percebem muito bem que se destinam a apenas a obter mais poupanças ou mais dinheiro à custa não só do seu pecúlio como da sua imagem profissional e pessoal. E isso valeria a pena se se tratasse efectivamente de domar fortes corporações, para fazer uma nova configuração da relação entre o estado e os cidadãos, o que manifestamente não é o caso, porque quase tudo vai ficar na mesma, embora mais pobre e mais zangado. Mas foi este o caminho que Sócrates seguiu desde o início e que começa agora a mostrar os seus efeitos perversos.

(Na Sábado de 18 de Outubro.)
 


EARLY MORNING BLOGS

894 - The Weather in Verse

http://www.loc.gov/exhibits/ukiyo-e/images/8530s.jpgThe undersigned desires, in a modest sort of way,
To make the observation, which properly he may,
To wit: That writing verses on the several solar seasons
Is most uncertain business, and for these conclusive reasons :

In the middle of the Autumn the subscriber did compose
A sonnet on November, showing how the spirit grows
Unhappy and despondent at the season of the year
When the skies are dull and leaden, and the days are chill and drear.

Perhaps you may recall to mind that, when November came,
No leaden skies nor chilly days accompanied the same ;
But the weather was as balmy as in Florida you'd find,
And that sonnet on November was respectfully declined !

(...)

And for these conclusive reasons it is obviously plain
That verses on the weather are precarious and vain ;
And the undersigned would only add, so far as he can see,
The trouble's not the metre, but the meteorology !

(Marc Cook)

*

Bom dia!

25.10.06
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
«When the going gets tough, the tough gets going!»



O Ministério das Finanças apurou um «buraco» de 365 milhões de euros nas contas da empresa Estradas de Portugal EP, que faria aumentar o deficite do OGE de 4,6 % para 4,8 % . Teixeira dos Santos. Ministro das Finanças solicitou então ao Ministro das Obras Públicas Mário Lino para adiar para 2007 o lançamento de vários concursos para construção de novas vias e parar obras actualmente em curso. No entanto o orçamento de 535 milhões de euros da Estradas de Portugal previsto para 2007 é claramente insuficiente para cobrir a totalidade das rendas das SCUT orçadas em cerca de 705 milhões de euros, mesmo contando com as receitas geradas pelas portagens anunciadas para as três SCUTs do norte do país.

Neste contexto a Estradas de Portugal necessitaria de um orçamento de cerca de 1,2 bilhões de euros para pagar as rendas das SCUTs e lançar as obras anunciadas e diferidas para 2007. Na actual balbúrdia governativa que passou por ministros a anunciarem infantilmente o fim da crise «por decreto», a responsabilizarem os cidadãos pelos anunciados aumentos da electricidade, a anunciarem o lançamento de taxas moderadoras nos internamentos hospitalares e o aumento das prestações sociais de pensionistas e deficientes, a CICI - Central de Inspecção e Controlo lançada por Sócrates para filtrar e seleccionar as declarações institucionais dos respectivos ministros não foiu de todo eficiente na sua operação propagandística. De todo...

Contra tudo o que foi prometido e garantido por Sócrates em campanha eleitoral aí estão as primeiras SCUTs com o anuncio de introdução de portagens reais, sem uma declaração explicando aos cidadãos o porquê da inversão da política governativa, nem desculpando a quebra de promessas e garantias. José Sócrates «deu às de vila Diogo», pura e simplesmente volatilizou-se deixando os seus ministros com o ónus das justificações e explicações. Este será talvez, tudo o leva a crer, o princípio do fim das SCUTs e o inicio, pé ante pé - como convém para minimizar os estragos - da introdução do princípio do conceito utilizador-pagador, reconhecendo que 705 milhões euros anuais em portagens são orçamentalmente insustentáveis sem o agravamento correspondente de impostos.

A demagocia e hipocrisia de Sócrates está bem à vista.: «when the going gets tough, the tough gets going!». Nem mais...aplica-se que nem uma luva !

(António Ruivo)
 


RETRATOS DO TRABALHO EM BEIJING, CHINA



Trabalho marcial em Pequim, Outubro de 2006

(Luis Azevedo Rodrigues)

24.10.06
 


LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 24 de Outubro de 2006


Tinha acabado de escrever uma nota para a Sábado sobre a falência crítica de muita comunicação social face à manipulação oriunda do governo e do Primeiro-Ministro, de maior gravidade nos órgãos públicos como a RTP, quando vejo os noticiários das 13 horas da RTP e da SIC. Há sempre quem, quando se critica o governo, peça muitas provas que noutras circunstâncias acha desnecessárias. Aqui vai mais uma: o tratamento da intervenção do Primeiro-Ministro no Fórum das PME pela RTP e pela SIC.

Na RTP, engole-se sem pestanejar o modo como o governo todos os dias (como Chavez, Sócrates actua todos os dias na sua televisão) arranja uns minutos de propaganda - Sócrates a anunciar medidas, solitário face a uma plateia atenta, veneradora e obrigada. O papel do jornalista nesta peça, em que é tão evidente que o discurso que passa é só propaganda (este caso é tão explícito que não oferece dúvidas), é repetir em seguida o que aquele disse. O Primeiro-Ministro lá está ao fundo, a cumprimentar uns notáveis, enquanto a propaganda ganha uma nova dimensão ao ser repetida pela voz do jornalista. Nem uma pergunta, nem uma curiosidade, nem nada. O homem entrou vestido de redoma e vai-se embora de redoma vestido, que a RTP acha bem. Na SIC, o jornalista bem tenta perguntar ao Primeiro-Ministro sobre a greve anunciada da função pública e sobre as notícias do incumprimento da lei das finanças partidárias (a ele que é o secretário-geral do PS), e ele foge protegido por uma pequena multidão em silêncio, virando as costas.

Diferenças.
*
Concordando inteiramente com o teor do que escreve sobre o (não)desempenho profissional dos jornalistas da RTP face ao Governo e à sua máquina de propaganda, e particularmente perante a “vaca-sagrada” que é hoje o Primeiro-Ministro para muitos meios de comunicação social, permita-me que lhe faça notar que a comparação com o Sr. Chávez da Venezuela é excessiva. Todos os Domingos, durante 6 a 8 horas, o homem tem direito a um programa televisivo na maior cadeia de TV daquele país (“Hola Presidente”, ou algo parecido), onde em directo o homem perora sobre o mundo, os inimigos, os traidores, a economia (maravilhosa), os EUA (imperialistas) a vida do pai, a história da mãe, a qualidade da colheita de laranjas deste ano e, de passagem, sobre a sua extraordinária personalidade de estadista. Penso que ainda não chegámos a esse ponto. Julgo, aliás, que não chegaremos. Temos em Portugal, felizmente, mecanismos formais - e sobretudo informais, como a opinião escrita, os blogues, etc. - que vão estabelecendo limites, precários é certo, mas social e culturalmente enraizados, que nos afastaram definitivamente dessa espécie de “Conversa em Família” populista, um anacronismo até no contexto latino-americano, que é o estilo e a essência (fundem-se, na verdade) do oligarca venezuelano.

(Manuel Margarido)

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Já que nele insiste, falemos então desse tema que lhe é tão caro: a governamentalição. Ou, neste caso, da "camaralização". Aqui há umas semanas, a SIC, montou arraiais na Avenida da Liberdade durante, pelo menos, um dia inteiro, por ocasião do seu aniversário, ficando essa via interrompida. Questiono com que direito um privado toma para si uma avenida importante da capital. E mais: Pode-se arrendar uma avenida? Onde está o preçário das avenidas de Lisboa (espero que aos dias de semana seja mais caro...)? Posso eu, no meu aniversário, arrendar a Rua da Betesga ao Rossio? A TVI também pode ocupar as avenidas de Lisboa (por falar em 'okupas'...)? Como se isto não fosse ridículo, junta-se o facto de a sede da SIC ser noutro concelho... Quando vi isto, só me ocorreu a filmagem de um certo aperto de mão recusado. Proponho o seguinte movimento para a blogosfera: Queremos o preçário das avenidas de Lisboa!

(Eduardo Proença)

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Não sei se reparou, mas na peça do jornal da tarde da RTP de 23 de Outubro, sobre a revolta húngara de 1956 (que veio imediatamente a seguir à já referida peça da "extrema-direita" húngara) a palavra "comunista" não foi usada uma única vez. Um malabarismo lexical assinalável. Já o colega António Esteves Martins não está com rodeios: tudo o que não é socialista é de "extrema-direita".

(paulo salvador)
 


PARA UM DEBATE SOBRE A "RIVOLUÇÃO"



1. O ESTADO COMO ÁRBITRO DO GOSTO E DA QUALIDADE CULTURAL

Acta de reunião da Comissão de Apreciação do Concurso para Apoio a Projectos Pontuais no âmbito das Actividades Teatrais de Carácter Profissional, de 11 de Abril de 2006:
"Entendeu ainda a comissão recomendar uma revisão da ponderação dos diversos critérios que são tidos em conta na classificação dos projectos. Com efeito, o regulamento actualmente me vigor contempla sete critérios dos quais três, apenas, com a classificação de 0 a 10, incidem sobre a qualidade e sustentabilidade artística dos projectos, correspondendo-lhe assim um total de trinta pontos (de cada membro) em 55 pontos atribuíveis. Os restantes quatro critérios incidem sobre aspectos que se prendem sobretudo com a vertente da produção executiva (públicos e comunicação) e com a vertente administrativa e financeira (orçamento, parcerias e apoios), sendo pontuados com um máximo de 25 pontos nos 55 pontos atribuíveis. Sem descurar a vertente da produção e da administração, entende a comissão que os aspectos artísticos deveriam contar com um peso de cerca de dois terços, ou seja, não 30, mas 40 pontos, reduzindo os outros quatro critérios para 20 pontos, ou seja, cerca de um terço. Caso contrário, o concurso traduz-se mais num concurso a projectos com boa produção e administração do que a projectos com elevada qualidade artística."
(Sublinhados meus.)

2. QUANDO OS "PÚBLICOS" NÃO SÃO TIDOS EM CONTA

Retomando o tema da programação cultural do País, e especialmente do Porto, e do 'completo "divórcio" entre a cultura subsidiada e o público', interessará talvez analisar alguns números sobre os espectáculos musicais previstos para o mês de Outubro, nesta cidade.

Somando os espectáculos musicais do Coliseu do Porto, Casa da Música (apenas Sala Suggia, a principal), Rivoli Teatro Municipal e Teatro do Campo Alegre, temos que nenhum dos grupos actuantes está no top semanal da Associação Fonográfica Portuguesa, apenas 3 deles podem ser considerados "mainstream" (por muito discutível que seja a definição, são apenas estes os grupos conhecidos pela generalidade do público) e o conjunto Música Clássica + Música Barroca representa 48% do total da programação, sendo ainda que estão previstos mais espectáculos de música popular brasileira do que de pop/rock português.

O problema não está em haver um número elevado de espectáculos de música clássica, e uma oferta suficiente de jazz e música barroca, até porque a sua qualidade é inquestionável, com protagonistas como a Orquestra Nacional do Porto. O problema está no desequilíbrio entre a programação tendencialmente mais elitista e aquela que é mais comercial, mais "mainstream", desequilíbrio este muito provavelmente explicado pelo rótulo de "cultura menor" que é colado a tudo aquilo quanto vende um número significativo de CDs.

Não havendo na cidade do Porto salas de espectáculo de dimensão significativa para além das enumeradas, não seria de esperar que, pelo menos essas, servissem também para criar utilidade para uma porção significativa do público portuense, em lugar de o fazerem apenas para minorias? Não será isto, a ausência de uma programação atractiva para as massas, uma razão maior para o progressivo esvaziamento do centro da cidade, que agora tanto se discute?

(Artur Vieira)

*

Acredito que este seja apenas mais uma reacção aos acontecimentos que se deram no Porto. Mas penso que nunca são amais.

Neste processo todo que está a ser a privatização da gestão e programação do Rivoli e a sua contestação há muito sumo a tirar.

1-Começando pelas resoluções tomadas.
Desde a criação da Culturporto que o Rivoli se aproximou muito da população porque havia espaço para todo o tipo de espectáculos. Não havia portanto uma exclusividade para apresentações de pequenos grupos ou elites das artes.
Rui Rio quando "entrou" para a CMP consegue, devagar, ir tirando poderes à Culturporto a todos os níveis: financeiros, de decisão e políticos. Consegue, como resultado, tornar o Rivoli numa sala sem programação que só à pouco tempo, com casos flagrantes pela sua dimensão como o fim do Festival de Jazz, o fim do Festival de Marionetas (que finalmente ressurgiu) e os problemas criados ao Fantasporto, se tornou claro!
Tendo-se tornado o Rivoli numa sala sem possibilidades de programação é fácil entender a privatização do teatro para que se consiga encher a casa. Porque é também fácil pensar que uma sala cheia é o resultado imediatamente pretendido (assunto que retomarei mais à frente).
Quando um grupo de pessoas ligado às artes do espectáculo se manifesta, da forma que entendeu melhor (podemos não a entender como melhor, é certo) para que consiga voz, o que se passa então? O presidente toma (continua com) uma posição altiva e remete-se ao silencio nunca prestando declarações – posição que salienta ainda mais a ausência de discussão sobre o assunto ANTES da tomada de decisão da privatização apostando na segurança que a maioria lhe dá. No meu entender uma prova de abuso de poder. O grupo não se fecha no Rivoli mas como não sai é fechado lá dentro e o corpo de seguranças é duplicado (para quê? Com medo de destruição da casa, ou para intimidação? Não sei.). É-lhes dada a responsabilização do encerramento das salas de espectáculo assim como do café e do café concerto, que foi claramente recusada. O grupo fechado nunca tentou impedir o funcionamento do Rivoli e abertamente diz que se podem dar os espectáculos. Luís Represas e a Lions Club da Boavista (a organizadora do concerto de beneficência) não afastaram a hipótese de realizar o concerto, sendo da câmara a responsabilidade de mudar o evento para a Casa da Música.
Mais tarde a câmara cria aquilo a que chamo um cerco medieval, literalmente. Corta o acesso do grupo com o exterior fechando as portas de vidro – até a única frincha de uma porta que fechava mal foi mandada apertar – e a electricidade. Resultado pretendido: era muito difícil a comunicação directa e as baterias dos portáteis e telemóveis acabaram, o isolamento era total. Mais tarde deixa de ser possível passar comida pela porta dos artistas às horas antes definidas cortando depois a agua. Resultado pretendido: a falta de condições de sobrevivência mínimos que dificultassem a manutenção no espaço. (Mas, pergunto-me a pergunta banal por não me lembrar de outra, o que é a democracia afinal e em que ano é que vivemos?). O processo continua e provavelmente novos episódios surgirão.
À parte o Rivoli vemos a CMP, ainda antes deste episódio, legislar ou decretar que qualquer entidade que receba subsídios da câmara não poderá fazer críticas ou afirmações públicas que a ponham em causa.
Penso que não é difícil entender a preocupação que é ter a governar quem toma estas atitudes, e penso que é grave deixar que se tomem decisões desta importância exclusivamente por uma pessoa assim.
Não será ainda legitimo que pessoas ligadas às artes do espectáculo, que trabalham, vivem e pensam na área tenham direito a exigir participação na decisão do futuro de um espaço público? Penso que ninguém, mais do que eles, tem esse direito. Não serão também pessoas das artes do espectáculo credíveis nesse assunto?

2- O que implica e o que se perde com a privatização.
Pensar que a câmara tem gastos com o Rivoli insuportáveis numa altura de contenção e que a "programação atractiva para as massa" vai oferecer a um público maior o que ele quer, leva-nos sem dúvidas a pensar que este é o melhor caminho.
Digo, desde já, que posso estar muito errado, mas, aprofundando um bocado mais o assunto, estes valores podem pesar menos.

Com uma entidade privada a gerir o Rivoli, esta vai querer lucros, é óbvio. Para tal ela já não conta com despesas de aluguer do espaço e de todo o equipamento necessário nem com a agua, a luz, a limpeza, a manutenção e penso que os funcionários pagos pela câmara. Os lucros virão do maior número de pessoas que conseguirão chamar aos seus espectáculos. Já sabemos que para isso tem que haver uma programação que lhes agrade. As artes do palco entram assim no mesmo caminho que a televisão e entramos na discussão que esta criou há muito tempo. A programação está com uma qualidade miserável exclusivamente pela procura de audiências? Será que a qualidade de um programa deixa de ser má quando é "atractiva para as massas"?
Estas e muitas outras perguntas podem formar uma reflexão muito próxima daquela que deve ser feita ao privatizar o Rivoli.
Eu pessoalmente penso que a qualidade da programação televisiva está má devido à procura de audiências e que o facto de um programa ser apreciado por um grande publico não faz dele um bom programa.

Penso também que um serviço publico de artes do espectáculo, ao contrario de um serviço privado, por se afirmar de todos (embora desacredite muito) é um serviço que me permite exigir qualidade e responsabilidades. É um espaço que permite a criação de eventos de todos os tipos e que tem o dever de agradar também às minorias.
Os grupos pequenos podem ser: um grupo que utiliza uma linguagem própria com actividades vulgarmente conhecidas como de difícil compreensão, por isso de um publico de minorias (que geralmente são tentativas da tão afamada quebra de limites ou exploração máxima da área, e expansão de conhecimento que romanticamente se proclamam de vanguardas que com ou sem sucesso são muito importantes); um grupo que está a crescer e precisa de plataformas de projecção; um grupo pequeno que, por reacção, não quer crescer; um grupo simplesmente pequeno.
Todos estes grupos têm valor e são parte de uma máquina de criação que não é exclusiva das grandes produtoras, portanto com direito e dever à sobrevivência. Têm por isso o mesmo direito de exigir do teatro que é municipal uma gestão municipal e sem vista exclusiva nos lucros.

Entendo ainda que o investimento na cultura deve ser a fundo perdido (sem prever retorno de capital, já que existem outros retornos) assim como nas ciências humanas. Os gastos suportados pela CMP no Rivoli são gastos que devem ter em vista um crescimento cultural da população e um enriquecimento do conhecimento. O investimento na cultura não se trata apenas de gastos no entretenimento.

(Nuno Guedes)

*

Relativamente à reacção do Sr. Hélder Sousa ao meu apontamento sobre o desequilíbrio da programação musical da cidade do Porto, tenho a referir o seguinte:

1. É irrelevante para a discussão saber quem gere as salas. Quer seja a CMP, o Ministério da Cultura, a FCT, a Associação dos Amigos do Coliseu, o relevante aqui é analisar a forma como a programação é feita e, no caso concreto do meu texto, o elitismo que lhe está subjacente.

2. O Rivoli Teatro Municipal, não sendo uma sala de dimensões comparáveis ao Coliseu ou mesmo à Casa da Música, é já utilizado para eventos de massas, como algumas peças de teatro, o Fantasporto, e, esporadicamente, alguns concertos, como o que estava previsto de Luís Represas.

3. O Teatro do Campo Alegre, uma sala que, segundo palavras do leitor, "não está de todo preparada para concertos", recebeu, a 18 do corrente, a música folk de Paddy B & Celtic Express.

4. Concordo que os números que refiro pouco acrescentam à discussão, uma vez que não é novidade para ninguém a forma elitista como estão programadas as salas de espectáculos do Porto. No entanto, servem para reforçar essa mesma noção: no Porto, não há programação musical que crie utilidade real para a maioria dos seus habitantes.

5. Sobre a alegada 'vocação' da Casa da Música para se dedicar, apenas e somente, à divulgação da música erudita: é razoável que uma sala daquela dimensão, tendo custado à cidade e ao País aquilo que custou, seja utilizada apenas para um fim que beneficia, e bem, pequenas faixas da sociedade, mas em nada beneficia, e mal, a esmagadora maioria da população da cidade e da área metropolitana?

6. Admitindo que os argumentos do Sr. Hélder Sousa sobre a vocação do Coliseu do Porto e da Casa da Música são legítimos (e não me parece que o sejam), a questão não deixa de se colocar, porém de outra forma: por que razão não existem no Porto salas direccionadas para uma cultura de massas, mas apenas para pequenos nichos de público?

(Artur Vieira)

*

A citação que faz do Sr. Artur Vieira, menciona 4 salas, das quais uma é explorada com um carácter fundamentalmente comercial (o Coliseu), uma é da responsabilidade da CMP, que, como sabe, está na origem de todo este debate e não tem características para ser palco de concertos para as massas (800 pessoas sentadas é a lotação máxima); outra é gerida por uma parceria entre a CMP e a Fundação Ciência e Desenvolvimento (Teatro do Campo Alegre), tem cerca de 400 lugares e não está de todo preparada para concertos. Quanto à Casa da Música, creio que pelas suas características se deverá dedicar mais à promoção e divulgação da música dita erudita porque essa não terá facilmente lugar em locais de exploração comercial, como o Coliseu, p. ex.Quero com isto dizer que o texto que transcreve, não acrescenta rigorosamente nada à discussão que pretende lançar.

(Hélder Sousa)

*
Em relação ao tema programação cultural queria só fazer ver uma vez que me encontro no interior e por aqui a cultura é pouca(felizmente vamos ter aqui por Castelo Branco dia 4 de Novembro um recital na Sé Catedral, com o coro Polofónoco da Lapa, Porto,a Orquestra Sine Nomine, quatro cantores solistas e o grupo Coral de Proença-a-Nova com os Maestros Felipe Veríssimo e Carlos Gama onde será interpretada a Missa de Requiem de Mozart)que nem a nossa televisão tem respeito pela mesma,veja-se o caso recente de um concerto de Maria João Pires que começou a ser transmitido no 2 canal por volta da 1h.40m de um salvo erro de 1 Domingo para Segunda feira (preparava-me eu para me deitar).

Quero terminar dizendo que espetaculos de musica na tv são raros(sejam de que estilo for) e quando dão são quase sempre ao Fim de Semana no canal 2,quase sempre depois da meia noite.Já nem falo de teatro pois nem vê-lo, fez mais serviço publico durante o Verão a tvi que passou teatro salvo engano uma vez por semana de madrugada que nossa a RTP.

(Hugo Cunha)

 


PARA SE COMPREENDER O PORTUGAL DE SALAZAR E O PORTUGAL QUE FEZ SALAZAR 10

Do boletim confidencial dactilografado da Direcção Geral dos Serviços de Censura à Imprensa - Boletim Diário de Registo e Justificação dos Cortes, secção "Questões de ordem moral", de 15 de Julho de 1935:



e foram 48 anos disto.
 


EARLY MORNING BLOGS

893 - A Connotation Of Infinity

a connotation of infinity
sharpens the temporal splendor of this night

when souls which have forgot frivolity
in lowliness,noting the fatal flight
of worlds whereto this earth’s a hurled dream

down eager avenues of lifelessness

consider for how much themselves shall gleam,
in the poised radiance of perpetualness.
When what’s in velvet beyond doomed thought

is like a woman amorous to be known;
and man,whose here is alway worse than naught,
feels the tremendous yonder for his own—

on such a night the sea through her blind miles

of crumbling silence seriously smiles

(E. E. Cummings)

*

Bom dia!

23.10.06
 


LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 23 de Outubro de 2006



Será que alguém explica aos redactores do telejornal das 13 horas da RTP que na Hungria não há só o governo (o do mentiroso socialista) e a "extrema-direita" e que a maioria dos manifestantes, lá porque atacam um governo socialista, não são "extrema-direita"?
“Alguém explica” ao inefável repórter da RTPN António Esteves Martins e seus colegas que uma manifestação pacífica não se faz com encapuçados a arremessar pedras contra as forças policiais? “Alguém explica” ao AEM & colegas que num Estado de Direito é necessário o uso da força e a intervenção policial para manter a ordem e o respeito pela lei quando ela é desrespeitada? “Alguém explica” aos ditos senhores jornalistas que a lei é desrespeitada quando, sob o pretexto da manifestação, se aproveita para lançar o caos e a desordem? Finalmente “alguém explica” aos senhores jornalistas que mesmo admitindo ter existido desproporção nos meios usados aquilo não tem nada a ver com a intervenção dos tanques soviéticos na Revolução Húngara? É que foi com essa mensagem que a notícia começou e essa foi a ideia pisada e repisada durante toda a reportagem. Eu sei que este tipo de comparação cai muito bem e dá uma certa emoção à estória. Em alguns casos revela muita ignorância, noutros má fé e desonestidade intelectual. Nesta linha já vi insuspeitos a comparar o 11 de Setembro com Hirochima ou os refugiados de Melilla com os “balseros” de Cuba…

(Helena Mota)
*

Será que alguém explica ao editorialista do Diário de Notícias que afirmou isto
A introdução de portagens nas Scut anunciada ontem pelo Governo é uma medida sensata, na medida em que corresponde à aplicação do modelo utilizador-pagador, ainda para mais num tempo de evidente escassez de recursos públicos. Regista-se, ainda, a intenção de o Governo se propor fazer cumprir o programa eleitoral com que o PS se apresentou às últimas eleições, no qual prometia manter as auto-estradas sem portagens apenas nas regiões com menores índices de desenvolvimento socioeconómico e naquelas em que não existem alternativas no sistema rodoviário. . (Sublinhados meus)
aquilo que um leitor do Abrupto explica com clareza:
O Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações divulgou os seus argumentos para a colocar portagens em algumas vias nacionais.
O curioso dos números apresentados (PIB per capita regional, Índice de poder de compra concelhio e tempo médio da melhor alternativa possível) é que eles já eram conhecidos há muito tempo. Mesmo antes do Governo entrar em funções.

1. A distribuição do PIB per capita regional é extremamente estável. Ou seja, as regiões que eram mais ricas em 2002, são, de grosso modo, as mesmas que são ricas hoje em dia. Por forma a comparar estes números habitualmente publicados pelo INE, repare-se que a imagem da esquerda foi publicada a 10 de Setembro de 2004 (ainda com António Guterres no poder). A da direita é a usada pelo Governo e consta do documento Retratos Territoriais 2004 (28 de Dezembro de 2005).

Não há grandes diferenças, apenas na zonas de Lisboa que sofreram uma mudança de conceito.

2. O Estudo sobre o Poder de Compra Concelhio 2004 foi publicado a 24 de Janeiro de 2005 (antes do Governo entrar em funções).

3. Por fim, o critério tempo, só se alteraria se tivessem sido construídas novas vias de acesso relevantes. O que não aconteceu.

Porque se esperou tanto tempo para fazer as contas? Os números sempre apontaram para o mesmo lado…

(Filipe Charters de Azevedo)
 


NUNCA É TARDE PARA APRENDER:
MAMBO JAMBO, POESIA, FEMINISMO, TROCAS E MEINKAMPF LOOK

Break, Blow, Burn: Camille Paglia Reads Forty-Three of the World's Best PoemsCamille Paglia é um típico produto da Universidade americana. A Universidade americana não dá só MITs dá também alguns dos melhores departamentos literários do mundo, sendo os outros igualmente anglo-saxónicos. Mesmo quando há muito mambo-jambo francês nas universidades americanas, e o estruturalismo mais Derrida, Foucault, Lacan e Deleuze invadiram a academia literária, não parecem tão franceses if you know what I mean… Paglia tinha tudo para ser desta escola, a que somava as inconveniências da persona pública, mas o fundo, como era sólido, vem ao de cima. A mulher-harpia está lá, com a mistura de generalizações provocadoras e cénicas que dão público, mas também está a melhor escola, uma atenção à leitura do texto, um entusiasmo culto pela palavra e o seu arranque do meio das outras palavras para dar origem a um poema.

Em Break, Blow, Burn, a aluna de Bloom defronta-se com o cânone, com a necessidade do cânone:
At this time of foreboding about the future of Western culture, it is crucial to identify and preserve our finest artifacts. Canons are always in flux, but canon formation is a critic’s obligation. What lasts, and why? Custodianship, not deconstruction, should be the mission and goal of the humanities.
Cá está a frase-chave: “Custodianship, not deconstruction, should be the mission and goal of the humanities.” Longe dos franceses, perto da “literary education” de tradição anglo-saxónica. Simplifico, como é óbvio. Não é que Paglia não mergulhe fundo nas fontes do mambo-jambo, em particular numa leitura psicanalítica agressiva tão ao gosto discursivo da crítica francesa, mas fá-lo respeitando mais o valor das palavras originais do que perdendo-se no próprio discurso da crítica.

Fiel ao texto, perto do texto, presa pelo texto, não pela análise do texto. Break, Blow, Burn, título pagliano, é uma análise de 43 dos “melhores poemas do mundo”. Paglia explica as razões pelas quais só escolheu poemas escritos em inglês, e as razões são aceitáveis para evitar que o seu texto, rasando os poemas por perto, se enredasse nos problemas da tradução. É verdade que alguns dos 43 poemas estão longe de ser os “melhores poemas do mundo”, mas isso é pouco importante porque servem a consistência da leitura idiossincrática de Paglia.

Dois exemplos em que Paglia brilha com a sua luz própria, ao mesmo tempo Paglia, a feminista e Paglia, a crítica: os comentários ao poema de William Carlos Williams This is Just to Say (que já apareceu num Early Morning Blogs) e Daddy de Sylvia Plath (que nunca apareceria num Early Morning Blogs, porque não se alimenta o inimigo, a filha do "daddy"). O poema de William Carlos Williams parece incomentável, na sua absoluta simplicidade, mas Paglia mostra a complexidade, o mundo denso de relações entre os sexos, o espaço doméstico, a proposta do poema, a sua chantagem afectiva, a sua troca invisível de favores e serviços: “hence the “delicious” fruitness of the final images has the tactile lushness of a kiss”.

Em Daddy, que Paglia considera um dos poemas fundamentais do século XX, e é capaz de ter razão (não sei bem julgar porque quando reli o poema neste livro ele soou-me mais “fundamental” que antes, mas tinha 160 páginas de Paglia por trás…), poema, autora e leitora encaixam tão perfeitamente que estas páginas são as que mais transportam um pathos comum. A raiva pura que emana do poema, as suas injunções insultuosas
I made a model of you,
A man in black with a Meinkampf look
ou
Every woman adores a Fascist,
The boot in the face, the brute
Brute heart of a brute like you
até ao final
Daddy, daddy, you bastard, I’m through.
servem às mil maravilhas para Paglia mostrar o melhor e o pior da sua análise, a densidade do significado (este “bastard” ainda tão pouco vulgar na boca de uma mulher no ano em que foi escrito) , o mergulhar do poema em todas as histórias fundadoras da psicanálise, como num catálogo freudiano dos complexos, e até o mau gosto kitsch da comparação final “I nominate Sylvia Plath as the first female rocker”.

Se há qualquer coisa semelhante a um cordão umbilical paterno, o poema corta-o, mas como Paglia nota, quem o corta diante da rapariguinha que ama/odeia o pai, infantilizado no “Daddy” é o próprio pai, o agressor em acto, aquele para quem a força está do lado do Homem e para quem todas as mulheres serão sempre o objecto da violência sexual: “Daddy, daddy, you bastard, I’m through”. Estava. Meteu a cabeça num fogão, na cozinha, lugar da mulheres, como nota Paglia. Parece um quadro de Paula Rego, é o mesmo mundo.

Está lido.

*

Faço assim a minha estreia neste espaço a propósito do seu tópico sobre o último livro de Camille Paglia, dado que a minha experiência recente nos departamentos literários americanos não podia ter sido mais dissonante daquilo que escreve sobre a sua "excelência". Fui durante o ano de 2005 uma visiting scholar junto do Departamento de Literatura Comparada na Universidade de Yale e não posso deixar de manifestar o meu profundo desagrado pelo que lá assisti.

Ao contrário do que sugere, as Humanidades americanas estão completamente hegemonizadas pelos autores do "pós-estruturalismo" francês (diga-se que isto já nem em França acontece, dado que lá agora dominam as análises "sistémicas", inspiradas em Pierre Bourdieu ou Niklas Luhmann), de tal modo que são rejeitadas à partida todas as abordagens que não se basearem no eixo Lyotard/Derrida/Deleuze/Foucault ou aparentadas, como os estudos "culturais", "de género" ou "pós-coloniais". Existe uma enorme diferença entre as liberdades concedidas a uma professora universitária como uma carreira consolidada (é o caso de Camille Paglia, e nem ela escapa a um determinado tipo de observações absolutamente gratuitas) e as restrições extremas colocadas aos scholars mais desconhecidos. Por outro lado, ao contrário do que escreve no seu tópico, os estudos literários nas universidades americanos são particularmente theory-centered, de tal modo que a esmagadora maioria dos artigos que os pós-graduandos entregam no final dos semestres incidem sobre os problemas do "discurso da crítica" e não sobre as "palavras originais" do texto.

Para além destes tabus metodológicos, existem outros que se me afiguram ainda mais difíceis de compreender: constatei, por exemplo, com surpresa que as obras incluídas nos programas eram estudadas com base nas suas traduções em Inglês e que a consulta do texto original era quase sempre desencorajada. Poderia apontar ainda mais problemas, mas não quero ser fastidiosa.

Os departamentos literários americanos não são excepção à ameaça de extinção gradual que pesa sobre estes departamentos nas universidades do mundo inteiro. É visível, pelo número de publicações e de alunos inscritos, que os Estudos Literários são neste momento uma disciplina universitária em clara decadência, cujo futuro é, para ser eufemista, sombrio. É com pesar que o digo (porque esta é a minha "camisola"), mas é uma verdade que entra pelos olhos dentro, e uma boa parte da responsabilidade por este estado de coisas não deve deixar de ser imputada às universidades americanas.

É verdade que cada um é livre de ter o juízo que quiser sobre a qualidade do ensino das Humanidades nas universidades americanas, e não creio que a minha opinião vá mudar a sua (ou a dos outros leitores). Mas fique claro que "nem tudo o que luz é ouro".

(Regina Lopes)
 


EARLY MORNING BLOGS

892 - La pierre voudrait se soustraire aux lois de la pesanteur? Impossible.

J'établirai dans quelques lignes comment Maldoror fut bon pendant ses premières années, où il vécut heureux; c'est fait. Il s'aperçut ensuite qu'il était né méchant: fatalité extraordinaire! Il cacha son caractère tant qu'il put, pendant un grand nombre d'années; mais, à la fin, à cause de cette concentration qui ne lui était pas naturelle, chaque jour le sang lui montait à la tête; jusqu'à ce que, ne pouvant plus supporter une pareille vie, il se jeta résolûment dans la carrière du mal... atmosphère douce! Qui l'aurait dit! lorsqu'il embrassait un petit enfant, au visage rose, il aurait voulu lui enlever ses joues avec un rasoir, et il l'aurait fait très-souvent, si Justice, avec son long cortége de châtiments, ne l'en eût chaque fois empêché. Il n'était pas menteur, il avouait la vérité et disait qu'il était cruel. Humains, avez-vous entendu? il ose le redire avec cette plume qui tremble! Ainsi donc, il est une puissance plus forte que la volonté... Malédiction! La pierre voudrait se soustraire aux lois de la pesanteur? Impossible. Impossible, si le mal voulait s'allier avec le bien.

(Lautréamont, Chants de Maldoror)

*

Bom dia!

22.10.06
 


PARA SE COMPREENDER O PORTUGAL DE SALAZAR E O PORTUGAL QUE FEZ SALAZAR 9

Do boletim confidencial dactilografado da Direcção Geral dos Serviços de Censura à Imprensa - Boletim Diário de Registo e Justificação dos Cortes, secção "Questões de ordem moral", de 11 de Julho de 1935:



 


RETRATOS DO TRABALHO NO NORTE DE PORTUGAL



Peles de cabra a secar.

(Artur Pastor)
 


EARLY MORNING BLOGS

891 - Les mauvais artisans

Ce sont, dans les vingt-huit maisons du Ciel ; la Navette étoilée qui jamais n’a tissé de soie ;

Le Taureau constellé, corde au cou, et qui ne peut traîner sa voiture ;

Le Filet myriadaire si bien fait pour coiffer les lièvres et qui n'en prend jamais ;

Le Van qui ne vanne pas ; la Cuiller sans usage même pour mesurer l'huile !

Et le peuple des artisans terrestres accuse les célestes d'imposture et de nullité.

Le poète dit : Ils rayonnent.

(Victor Segalen)

*

Bom dia!


21.10.06
 


NUNCA É TARDE PARA APRENDER: A BIBLIOTECA DE HITLER

Ambrus Miskolczy, Hitler's Library

Não se sabe muito bem que livros Hitler leu e tinha na sua biblioteca. Apenas uma parte foi recuperada numa mina de sal perto de Berchtesgaden. Outra, sabe-se que se perdeu com a destruição da Chancelaria do Reich. Os livros que sobraram estão na secção de livros raros da Biblioteca do Congresso numa colecção em que estão misturadas várias bibliotecas privadas de altos dignitários nazis. Alguns dos livros têm o ex-libris de Hitler e anotações que lhe podem ser atribuídas, mas são muito poucos aqueles de que há a certeza de ter lido completamente, ou folheado com atenção. Mas o conjunto da biblioteca tem um aspecto interessante: a grande quantidade de obras pseudo-científicas e de ocultismo. Este aspecto do interesse de Hitler e de outros dirigentes nazis pelo oculto é bem conhecido mas, quando se vê à distância a lista dos seus livros, impressiona a mescla indiscriminada de panfletos, bizarras teorias alternativas, opúsculos de absurdas teorias sobre história, psicologia humana, medicina, e, acima de tudo, a raça. Ora, esta biblioteca, típica de uma certa forma de autodidactismo básico, foi feita no preciso momento em que o cientismo progressivista era dominante e a ciência ganhava um fôlego especial com a obra de Darwin, Einstein, a física quântica, a genética mendeliana, quase todas as grandes teorias que sustentam a ciência contemporânea. Esta sub-literatura, afim das teorias da conspiração actuais, era lida por pessoas que não tinham muita formação e escolaridade, mas que queriam ter a "ciência" do seu lado, uma "ciência" que não precisava de ser muito complexa e era uma projecção da sua vontade e ideias sobre sociedade e cultura.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
O PROBLEMA É DE OUTRA NATUREZA


Em comunicado oficial do Conselho de Ministros de 19 de Outubro, publicado no Portal do Governo (uma página meio informativa meio propagandística da acção governativa), foi anunciada a aprovação do novo Estatuto do Gestor Público e da nova Lei Orgânica do Banco de Portugal.

Relativamente ao primeiro diploma, escreve o comunicado: "Eliminam-se as regalias e benefícios respeitantes a planos complementares de reforma". Quanto ao segundo, destaca-se "a previsão expressa de que aos membros do conselho de administração do Banco de Portugal [passará a ser] subsidiariamente aplicável o regime previsto no Regulamento do Gestor Público em tudo o que não for previsto na Lei Orgânica do Banco de Portugal".

Mais papistas do que o Papa, os telejornais da RTP de anteontem à noite e de ontem de manhã (pelo menos - não vi os outros) proclamam eufóricos: "Governo acaba com as reformas milionárias no Banco de Portugal". Serão necessárias palavras adicionais? Será necessário explicar aos jornalistas da RTP que a expressão "reformas milionárias" - com a sua carga não neutra e manifestamente qualificativa - não é do universo da informação, mas do universo da propaganda?

Será necessário explicar-lhes que o valor das pensões de reforma é indexado ao valor das remunerações auferidas e que, no caso dos administradores do Banco de Portugal (com salários necessariamente elevados, por força das responsabilidades assumidas), não foi nunca o valor da suas reformas que esteve em causa, mas os critérios excepcionalmente ligeiros da constituição do respectivo direito?

Não, não vale. Nenhum jornalista estagiário ignora estas evidências. O problema é de outra natureza.

(António Cardoso da Conceição)

*
Se me é permitida a resposta a José "Von" Barata, esclareceria que o meu comentário inicial era sobre a informação na RTP e não sobre as remunerações dos administradores do Banco Portugal. Acresce que o seu comentário ao meu enferma da corrente falácia conhecida como do "Modus Ponens". Eu disse que, pela responsabilidade que tem, um administrador do Banco de Portugal tem obrigatoriamente que auferir uma remuneração elevada. Não disse nunca que, a contrario, outras cargos e funções devem ser baixamente remunerados. Não me pronunciei sobre o assunto.

(António Cardoso da Conceição)

*

Julgo que seria muito pedagógico se todos os anúncios oficiais de «fim dos privilégios e mordomias de (...)» incluíssem uma pequena nota de rodapé dizendo, no essencial: «Esta disposição destina-se a acabar com a actual injustiça, da responsabilidade do Sr. Ministro (...), no ano (...), em que era Primeiro Ministro (...)».

(C. Medina Ribeiro)

*

Se por força das tarefas essenciais à vida quotidiana os empregados da recolha do lixo, os enfermeiros das urgências hospitalares ou os condutores de transportes públicos exigissem salários excepcionalmente elevados e consequentemente reformas indexadas a essas remunerações? Ou a responsabilidade assumida na limpeza, na saúde e no transporte dos cidadãos não tem a mesma importância que a administração bancária?

(José "Von" Barata)
 


PARA SE COMPREENDER O PORTUGAL DE SALAZAR E O PORTUGAL QUE FEZ SALAZAR 8

Do boletim confidencial dactilografado da Direcção Geral dos Serviços de Censura à Imprensa - Boletim Diário de Registo e Justificação dos Cortes, secção "Propaganda e combate", de 29 de Junho de 1935:
 


EARLY MORNING BLOGS

860 - Peter, who was very naughty

Once upon a time there were four little Rabbits, and their names were
-- Flopsy,
---....Mopsy,
------.....Cotton-tail,
-----------..and Peter.

They lived with their Mother in a sand-bank, underneath the root of a very big fir-tree.

"Now, my dears," said old Mrs. Rabbit one morning, "you may go into the fields or down the lane, but don't go into Mr. McGregor's garden: your Father had an accident there; he was put in a pie by Mrs. McGregor." "Now run along, and don't get into mischief. I am going out."

Then old Mrs. Rabbit took a basket and her umbrella, and went through the wood to the baker's. She bought a loaf of brown bread and five currant buns. Flopsy, Mopsy, and Cotton-tail, who were good little bunnies, went down the lane to gather blackberries;

But Peter, who was very naughty, ran straight away to Mr. McGregor's garden, and squeezed under the gate!

(Beatrix Potter)

*

Bom dia!

20.10.06
 


RETRATOS DO TRABALHO NA NAZARÉ. PORTUGAL



A rapariga do cesto.

(Artur Pastor)
 


PARA SE COMPREENDER O PORTUGAL DE SALAZAR E O PORTUGAL QUE FEZ SALAZAR 7

Do boletim confidencial dactilografado da Direcção Geral dos Serviços de Censura à Imprensa - Boletim Diário de Registo e Justificação dos Cortes, secção "Questões não classificadas", de 25 de Junho de 1935:

 


LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 20 de Outubro de 2006


No Público de hoje dizia Francisco Alves, o director da "Rivolução": "Fomos tratados de forma pidesca, com requintes de desumanidade. Mas se somos os perigosos delinquentes que nos querem fazer parecer, por que é que fizeram isto às 6h00 da manhã, nas costas da opinião pública e dos jornalistas?". Uma daquelas frases que dizem tudo: primeiro, que não sabem o que foi a PIDE; segundo, que não sabem o que é uma "desumanidade"; terceiro, que o que lhes correu mal foi não estar lá a televisão nem os jornalistas para mostrarem as suas qualidades de actores. As duas primeiras, revelam mau teatro, um branqueamento da PIDE insultuoso para quem sabe o que é a "forma pidesca" de tratar alguém. A terceira, a obsessão pela visibilidade televisiva como maneira de transpor o enorme fracasso de adesão à causa que torna irónicas todas as alusões à "opinião pública". Mas há um agradecimento a fazer ao Teatro Plástico: deram o pior golpe à "cultura" subsidiada de que me recordo nos últimos tempos. A "opinião pública" felizmente percebeu-os.
 


A "RIVOLUÇÃO" DOS NOSSOS DIAS

IMG_4188Já que não há revolução, o Bloco de Esquerda dedica-se à "Rivolição", a ocupação do Rivoli no Porto, por um grupo de "artistas" ligados ao Teatro Plástico, contra a "privatização" da sala.

[À data em que escrevo, a situação é a seguinte: os do Plástico permanecem dentro do teatro, pouco mais do que 20 pessoas, e cá fora, após apelos sucessivos e apesar da grande cobertura televisiva, estão mais umas dezenas, não chegando o total a cerca de 50. O número de pessoas é escassíssimo. Num comunicado pungente, como se estivessem em prisão maior, e cercados por um exército, os ocupantes do Plástico comunicaram que estão impedidos de "comunicar" por uma porta de vidro e que o ar condicionado foi posto no frio, uma violência inominável do "sr. Rui Rio". O município colocou um processo-crime por ocupação ilegal de instalação, que já obrigou a mudar um concerto de beneficiência para a Casa da Música. À data em que escrevo, uma série de notícias contraditórias refere ou a possibilidade de a ministra da Cultura visitar os ocupantes ou pelo menos recebê-los, tendo a própria já feito declarações públicas de apoio inequívoco que, vindas de um membro dum governo democrático, são pelo menos completamente absurdas. Aconteça o que acontecer, o que já se está a passar permite discutir o significado da "Rivolução" muito para além das peripécias folclóricas da sua dúzia de intervenientes. No entanto, tendo em conta que isto é muito volátil, pode tudo estar mudado quando o artigo sair.]
[NOTA: Sobre as incongruências, contradições, ditos. desditos e não-ditos da Ministra da Cultura ver BLOGUITICA.]
Há nesta "Rivolução" várias coisas que têm a ver com a política local, mas que reflectem problemas da relação entre a cultura e o Estado. No Porto é pior, mas no resto do país é o mesmo com outra dimensão. Os "rivoltosos" representam uma face visível da orfandade que no Porto atingiu uma pequena multidão de "agentes culturais" a quem o Porto, Capital da Cultura e a política "cultural" da municipalidade socialista tinha enchido de dinheiro, subsídios e "prestígio". Essa orfandade atinge uma elite cultural subsidiada numerosa, que alimenta uma nostalgia activa dos bons velhos tempos do binómio futebol-"cultura" de Fernando Gomes. Milhões de euros foram gastos em animação "cultural" nos anos fartos e agora, como veio um tempo de vacas magras e um rebound com a gestão severa de Rui Rio, o autarca "contabilista" que privilegia as despesas sociais, temos a "Rivolução". Repito mais uma vez aquilo que devia ser uma evidência e é uma ocultação: hoje, a "cultura" é o meio mais eficaz para obter propaganda. Desde Malraux e da sua reencarnação em Lang, os governantes mais iluminados perceberam que, investindo na "cultura", essencialmente na "animação cultural", obtêm boa imprensa, legitimidade, figuras de cartaz e "nome". É caro, mas é eficaz, porque tem a enorme vantagem de proteger a propaganda com a intangibilidade da "cultura", que ninguém contesta nem discute, porque a criatividade está acima do debate vulgar da política. Foi esta a política de Santana Lopes, com o teatro e a de Carrilho com as "vanguardas", variando nas clientelas e nos gostos, mas obtendo uma corte fiel e agradecida, sempre disponível para dar o nome e a face em campanhas. Viu-se na campanha das legislativas de Santana Lopes e na autárquica de Carrilho.

No Porto, como em Lisboa e um pouco por todo o lado, à medida que o Estado se foi tornando mecenas, depois produtor-empregador e, por fim, criativo-empregador, foram destruídas todas as iniciativas autónomas, que não eram dependentes dos subsídios, mas sim do interesse do público ou da actividade empresarial no sector. Abra-se um jornal da década anterior ao 25 de Abril e veja-se a página de espectáculos, cinema e teatro, para se perceber a diferença radical. No Porto, nos últimos 20 anos antes do 25 de Abril, o "povo" dispunha de espectáculos de teatro, quer "sério", quer de revista, com a vinda regular das companhias de teatro de Lisboa ao Rivoli e ao Sá da Bandeira. Mais raramente havia ópera, é certo que óperas mais "fáceis" como O Barbeiro de Sevilha, o Rigoletto ou a Cavalaria Rusticana, mas era ópera e os espectáculos conheciam enchentes. A maioria destas iniciativas era de empresários do teatro e a presença do Estado fazia-se sentir essencialmente através da FNAT e da Emissora Nacional que organizavam espectáculos populares e baratos. Havia um défice face a Lisboa, mas não era o deserto que hoje se pensa.

As elites da cidade pagavam e podiam pagar, através de quotizações, preço dos bilhetes e de mecenato, toda uma rede de instituições culturais privadas: o Cineclube do Porto, a Juventude Musical, o Teatro Experimental, que estavam longe de ser únicas. Clubes como os Fenianos e o Ateneu patrocinavam actividades culturais. O TEP era um excelente exemplo de uma iniciativa portuense, apoiada por médicos, empresários, comerciantes, advogados e arquitectos, com o melhor reportório contemporâneo e clássico. Tinha encenadores profissionais e actores profissionais e, desde a Morte de Um Caixeiro Viajante de Miller à Yerma de Lorca, do Morgado de Fafe Amoroso de Camilo a Quem Tem Medo de Virginia Wolf de Albee, tudo por lá passou.

Muitas destas iniciativas, o TEP, o Cineclube, por exemplo tinham a ver com gente da oposição e conheciam perseguições da censura e da polícia, que nunca foram capazes de os matar. Foi após o 25 de Abril que desapareceram, ficando apenas uma Árvore em crise, como sobrevivência deste mundo cultural autónomo e que existia quase sem subsídios. O mundo mudou e hoje este modelo revela-se incapaz de suportar consumos culturais mais democratizados e públicos mais vastos? Duvido, duvido muito que seja esta a maneira correcta de colocar a questão que se destina a justificar o que existe... porque existe.

Os partidários da "Rivolução" explicam a sua iniciativa num dos textos mais significativos do modo como a "cultura" subsidiada se vê a si própria:
"- Que nos sejam dadas garantias de que o Rivoli - Teatro Municipal não será gerido e programado em função da maior ou menor rentabilidade dos objectos que aqui se produzem e/ou difundem, da submissão declarada ou velada aos interesses e desígnios do executivo da CMP, da visibilidade mediática, da pretensa acessibilidade;

- Que nos sejam dadas garantias de que os núcleos de produção da cidade do Porto, emtodos os domínios da criação, terão acesso e lugar no seu teatro municipal, sem prévia censura política e segundo critérios que visem tão-só a manutenção de uma programação de qualidade, isto é - de objectos exigentes para consigo mesmos e para comopúblico a que se destinam;

- Que nos sejam dadas garantias de que a direcção do Rivoli - Teatro Municipal pugnará pela formação contínua do público, desenvolvendo, de todas as maneiras e por todos os meios, acções que visem transformar em bens comuns os objectos produzidos e/ou difundidos na e pela casa, seguindo nomeadamente o singelo critério de que um produto artístico, é um objecto que confronta o seu destinatário com o inesperado, o inaudito, o alargar dos horizontes, o derrubar das fronteiras do possível."
[NOTA: transcrevo aqui uma parte maior do texto que por razôes de espaço não foi incluída no Pùblico. Os textos originais e fotografias aqui reproduzidos estão no blogue No Teatro Rivoli.]
O objectivo deste caderno reivindicativo não é protestar contra qualquer censura existente - é impedir a gestão privada do Rivoli para assegurar que o dinheiro público flua sem custo nem critério, garantir emprego e subsídios sem que nunca ninguém se atreva a contestar a sua qualidade "artística" e os seus resultados e, muito menos, o terem ou não espectadores. Isso só o próprio Teatro Plástico pode julgar, porque "uma programação de qualidade" dá origem a "objectos exigentes para consigo mesmos e para com o público a que se destinam". Reparem no preciosismo que mostra como esta gente sabe muito bem o que está a dizer: não é o público, mas "o público a que se destinam", ou seja, outros grandes artistas com a dimensão estética dos membros do Teatro Plástico.

O Teatro Plástico acaba de apresentar uma semana de "objectos", deliciosa linguagem, no Rivoli com uma média de 30 espectadores, numa sala que custa 11 milhões de euros ao município e cujas receitas de bilheteira pagam apenas 6 por cento dos custos. No caso do Teatro Plástico nem isso. O Teatro Plástico duvida muito justamente que o operador que ganhar o concurso para gerir a programação do Rivoli aceite pagar estes custos fabulosos e quererá "gerir (...) em função da maior (...) rentabilidade dos objectos", não sendo indiferente à "pretensa acessibilidade" que, com toda arrogância do mundo, o Plástico não quer que seja tida em conta.
[Um exemplo típico da estética e do gosto dos "ocupantes" pode encontrar-se neste "poema"

Amigo OCUPANTE de fora
Tu que sorris tão-só e passas, desaparecendo noutra multidão
Tu que ficaste a casa a tomar conta das horas que passam
Tu que te quedas a falar como se o mundo parasse à nossa porta
Tu que trazes a família a passear e todos aproveitam para um banho de luta
Tu que passas maçãs pelas grades e de paraíso nos alimentas
Tu que ainda não nos percebeste mas queres a todo o custo perceber
Tu que bebeste à nossa saúde e assim nos embriagaste à distância
Tu que tinhas a barriga maior que os olhos e a ofereceste para nos carregar
Tu a quem o trabalho humilha e nos deste tuas poucas horas de ócio
Tu que trouxeste a bandeira no bolso e a trocaste por duas horas de troca
Tu que nem tanto ao mar nem tanto à terra e agora somente tempestade
Tu que vento semeias e vento colhes para que o ar se respire
Tu que saíste aperaltada e voltaste desfeita como que acabada de nascer
Tu que vieste ao engano e voltaste mais verdadeiro
Tu que trouxeste as tuas sobras de esperança e eram um banquete
Tu que quiseste a noite branca e de manhã choravas por mais
Tu que em vale de lençóis nos concedeste vidas nunca vividas
Tu e tu e tu e tu e tu e tu e tu e tu e tu e tu e tu e tu
Ocupa a rua como nós ocupámos este nosso teatro
Pinta a manta e a macaca pinta a negro pinta o sete pinta-te a ti e aos outros
Canta para o mal espantar para acordar animar embalar protestar discordar
Toca o sino e a trompete toca tambor clarinete toca a caixa e troca o mundo
Dança a roda dança a salsa dança o tango dança a valsa baila gira salta pula
Faz figas e faz de conta faz a sério ou a brincar faz mais para o mundo mudar
Troca tintas troca passos troca cartas troca abraços troca cromos e heróis
E, pelo meio, vem até trocar umas ideias, impressões, sensações connosco
Até já, até sempre
O Grupo de Ocupantes do Rivoli Teatro Municipal. ]
O problema de tudo isto tem a ver com o completo divórcio entre a "cultura" subsidiada e o público, que gera um establishment cultural de muito má qualidade, caro e solipsista, que existe apenas para si próprio e fora de quaisquer critérios que avaliem o uso de dinheiros públicos. Sem crítica, que não existe, e sem público, a quem estes "objectos" nada dizem, a grupos como o Plástico resta apenas o espectáculo tonitruante da defesa do subsídio contra o papão dos ignaros "privados", através de acções para as televisões, a forma moderna de fanfarra. Estão a defender o seu, exigindo continuara a gastar o nosso. Mas não é isso a "rivolução dos nossos dias?

(No Público de 19 de Outubro de 2006)
 


EARLY MORNING BLOGS

889 - The Enthusiastic Elephant

e

The Enthusiastic Elephant,
who ferried himself across the water with the
Kitchen Poker and a New pair of Ear-rings.

(Edward Lear)

*

Bom dia!

19.10.06
 


RETRATOS DO TRABALHO EM PORTUGAL



Moliceiros.

(Artut Pastor)
 


RETRATOS DO TRABALHO NO PORTO, PORTUGAL



Retratos do trabalho de remoção de um camião acidentado na A3 (ao quilómetro 15). Foi hoje à tarde, por volta das 4 horas. O trânsito foi cortado naquela auto-estrada no sentido Porto Braga. O Porto, com isto e com a chuva que resolveu cair, tornou-se (mais) caótico!

(Isabel Martinho)
 


LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 19 de Outubro de 2006



A única coisa a que assisti na "Rivolução" que, de perto ou de longe, tem a ver com a arte dramática foi o "teatro" que o director do Plástico fez após a expulsão dos ocupantes pela polícia. Ele era a "brutal carga policial", ele era ser acordado por "lanternas", ele era, acima de tudo, essa enorme violência disto ser feito às seis da manhã, sem ser diante das câmaras de televisão.
 


PARA SE COMPREENDER O PORTUGAL DE SALAZAR E O PORTUGAL QUE FEZ SALAZAR 6

Do boletim confidencial dactilografado da Direcção Geral dos Serviços de Censura à Imprensa - Boletim Diário de Registo e Justificação dos Cortes, secção "Questões de ordem moral", de 22 de Junho de 1935:



*
O comentário é um pouco lateral ao lado sociológico da análise que o Boletim Diário de Registo e Justificação dos Cortes pode suscitar.

Deixo apenas a impressão de que, sem censura, a imprensa durante o Estado Novo não seria muito diferente da dos nossos dias. Crime, trocadilhos brejeiros, ataques pessoais, exploração das desgraças alheias (das classes baixas)... a paleta completa.

Não quero com isto concluir que antigamente é que era bom. Leva-me é a concluir que a imprensa livre é mesmo assim e gerará sempre produtos tabloid, para os quais existirá sempre um público fiel, não necessariamente, em meu entender, das classes mais desfavorecidas.

O problema não reside na relação imprensa livre vs censura, mas antes na imprensa livre vs manipulável, ou de uma forma mais geral, informação vs marketing.

Num ambiente informativo com censura podemos sempre acreditar que nos estão a contar a verdade embora seja de elementar bom senso considerar, que a mesma é, no mínimo parcial (se quisermos é a verdade oficial no sentido burocrático do termo). Mas o mesmo é verdade quando existe liberdade para se publicar tudo e mais alguma coisa. Mais do que em âmbiente censurado, a informação livre exige escrutínio público, qualidade de serviço e crítica sistemática.

Ora aquilo que mais me chateia nos jornalistas em Portugal é terem assumido e interiorizado a impossibilidade de serem objecto de critica, sob o argumento de que sempre que se critica um jornalista se está a exercer censura, o que não é de todo verdade. É neste ambiente de inimputabilidade que cresce o marketing e definha a informação, visto nele ser possível fazer passar a mais escandalosa propaganda por rigor, objectividade e isenção.

Tal como na política, na guerra, na justiça, em relação aos políticos, generais e juízes, também a informação pública é um assunto demasiado sério para ser deixado nas mãos dos jornalistas.

(Mário Almeida)
 


EARLY MORNING BLOGS

888 - .... never once considering how in the world she was to get out again.

Alice was beginning to get very tired of sitting by her sister on the bank, and of having nothing to do: once or twice she had peeped into the book her sister was reading, but it had no pictures or conversations in it, 'and what is the use of a book,' thought Alice 'without pictures or conversation?'

So she was considering in her own mind (as well as she could, for the hot day made her feel very sleepy and stupid), whether the pleasure of making a daisy-chain would be worth the trouble of getting up and picking the daisies, when suddenly a White Rabbit with pink eyes ran close by her.

There was nothing so very remarkable in that; nor did Alice think it so very much out of the way to hear the Rabbit say to itself, 'Oh dear! Oh dear! I shall be late!' (when she thought it over afterwards, it occurred to her that she ought to have wondered at this, but at the time it all seemed quite natural); but when the Rabbit actually took a watch out of its waistcoat-pocket, and looked at it, and then hurried on, Alice started to her feet, for it flashed across her mind that she had never before seen a rabbit with either a waistcoat-pocket, or a watch to take out of it, and burning with curiosity, she ran across the field after it, and fortunately was just in time to see it pop down a large rabbit-hole under the hedge.

In another moment down went Alice after it, never once considering how in the world she was to get out again.

(Lewis Carroll)

*

Bom dia!

18.10.06
 


RETRATOS DO TRABALHO PASSADO / PRESENTE, PORTUGAL



(Artur Pastor)

17.10.06
 


INTENDÊNCIA

Actualizada a nota O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: MAIS CENSURA.
 


LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 17 de Outubro de 2006


Hoje vai ser um dia muito interessante para perceber a governamentalização da RTP. Eles sabem que eu sei que eles sabem que é assim.

*


A experiência do blogue do Público sobre os eventos do Rivoli é interessante de seguir, não só pelo ineditismo nacional, como pelos problemas que suscita a sua elaboração e manutenção. Parecia-me evidente, como o devia ser para quem conhece o modo como funciona a rede e os blogues, que a fórmula inicial de entrada livre sem moderação ia dar torto. Passada uma noite, foi o que se verificou e o blogue teve que mudar as regras. Só que eu leio o comunicado do Director do Público.pt e fico sem perceber quais são as novas regras:
"De forma a facilitar a leitura da situação foram criados dois “utilizadores virtuais”: um chamado Dentro do Rivoli, que se pretendia que reunisse as posições dos ocupantes do Teatro (ainda que cada post devesse ter, além dessa assinatura, uma identificação individual) e outro “utilizador virtual” chamado Fora do Rivoli, que deveria reunir as posições do público em geral.

A vantagem de criar identidades virtuais como estas e de lhes dar privilégios de membro do blog é a visibilidade dos posts – ao invés dos comentários, que apenas estão acessíveis se se clicar num link.

A desvantagem é que, ao conceder esses privilégios, se concede também a esse “utilizador virtual” a capacidade de alterar os “seus” posts – entenda-se: posts do mesmo “utilizador virtual”, que podem ser de facto de um outro utilizador individual.

Quisemos experimentar o sistema para garantir a visibilidade das mensagens de todos e por uma questão de equidade, apesar dos seus riscos, mas o que podia acontecer aconteceu: houve posts apagados ou alterados por utilizadores menos escrupulosos e com menor sentido da intervenção cívica e do debate público.

Decidimos assim anular o utilizador “Fora do Rivoli” e permitir aos visitantes deste blog apenas o recurso ao comentário dos posts de outrem."
Quem é o "outrem"? Eu compreendo que do ponto de vista jornalístico o que escrevem os de "dentro" é mais importante para a construção da notícia do que o que escrevem os de "fora", mas num blogue essa hierarquia não tem sentido, tanto mais que o blogue não tem origem nos de "dentro". Até por suscitar estas questões, a experiência é interessante: saber se o blogue de um jornal se comporta como um verdadeiro blogue ou como um instrumento para "pescar" notícias para o jornal, o que aliás é perfeitamente legítimo.

Já agora, ninguém sugeriu no Público que se fizesse um blogue para cobrir a manifestação de setenta mil pessoas que atravessou Lisboa, ou a greve dos professores em curso, eventos muito mais relevantes, embora menos "na moda", do que a "Rivolução"? E já agora não seria interessante saber que relações têm os ocupantes com a "cultura" subsidiada?

*
Interessantíssima, a reportagem esta manhã da TSF:
Dizia o locutor com aquele habitual ar de isenção mal disfarçado:
“A Câmara do Porto já deu os primeiros sinais de intervenção: cortou a electricidade na zona do Rivoli.”
E, na passada, sem reparar (?) no absurdo:
“Outra medida foi a de ligar o ar condicionado no máximo, havendo alguns dos ocupantes do Rivoli já com sinais de constipação”.
As novas tecnologias são fantásticas. O ar condicionado trabalha sem electricidade, e é telecomandado a partir da Câmara !

(Fernando Gomes da Costa)

*

Estou boquiaberto com a invasão do Rivoli, designadamente com o destaque merecido; Mas não é só na imprensa, é no Abrupto. A ver se entendo...

Pergunta e bem julgo eu, se um praticamente não evento com 40 pessoas teria tanto destaque se não fosse de maioria BE; por razões ao que me parece, ao nível de "tentar apanhar o comboio", "estar na linha da frente", "na vanguarda tecnológica", "na moda" e outras sabe-se lá quais, uma instituição como o Público, resolve lavrar uma coisa derivativa a que chamaram blogue. E acha que é uma novidade a saudar?
Só se for por corporativismo blogosférico ou outro.
Um blogue criado nestes moldes, sobre um assunto ao nível do traque, com aspecto e conteúdo a condizer, só se for para anedotário histórico da internet lusitana daqui a meia-dúzia de anos.
E também não acho bem uma instituição como o Público, alojar blogues
(?) no Blogger, um sinal mais que evidente de amadorismo atroz. Os responsáveis do Guardian, Times, International Herald Tribune, Washington Post, New York Times, El Mundo, Libération, Le Monde...
acham o mesmo.
O jornal português cria as obras no Blogger, às três pancadas, não se dando sequer ao trabalho de traduzir o "template" -- é uma vergonha.
Dizer "um blog do Público.pt", não é sinal que tudo se deve perdoar, mas que tudo se deve exigir.
Quanto ao ineditismo nacional e os problemas que suscita na sua
elaboração(?) e manutenção, faz-me lembrar um blog, esse sim muito bom, chamado "Uninnovate". É que não se entende onde quer chegar, caro Dr. Pacheco Pereira. A ideia é má, o facto de ser do Público e se chamar "blogue" não faz dela boa, não compete com nada, concorre com coisa nenhuma e se não fosse o Abrupto, tinha dois visitantes, o "fora" e o "dentro".

(José Rui Fernandes)
*

O Prós e Contras de ontem foi um programa de televisão notável, sobre o qual se poderia escrever um livro. Um livro sobre Portugal.

Breves notas sobre o debate que comentarei mais em detalhe noutro sítio: Por estranho que possa parecer, fruto também dos nossos preconceitos, os autarcas saíram-se muito melhor do que o Ministro António Costa, apoiado por Saldanha Sanches. Muito, muito melhor. A começar pelo que não se esperava que acontecesse: mostraram um grande domínio da realidade, um muito bom conhecimento dos mecanismos perversos da nova legislação, uma grande capacidade argumentativa e foram ... muito menos demagógicos do que o Ministro. António Costa foi de uma agressividade malcriada, roçando o insulto, autoritário e demagógico até ao limite. Fernando Ruas comportou-se com uma enorme delicadeza de trato face aos golpes baixos do Ministro, aos quais não era alheio um desprezo intelectual pelos seus interlocutores. E de "classe", diriam os marxistas, face a um Portugal a que ele claramente se acha superior. Por muito sofisticado que queira ser esqueceu-se de uma regra que funciona magnificamente em televisão: aqueles homens alguns rudes, outros tímidos, transmitiram muito melhor um sentimento de "dedicação" ao seu "povo" do que o governante, que se ria deles.

A maior parte das suas intervenções tem o toque do propagandista, a repetição até ao limite dos chavões de propaganda que ele quer fazer "passar". Confrontado com dados concretos, a começar pela acusação directa de ser responsável por casos de manipulação informativa, fugiu sempre incomodado, confirmando diante de todos a veracidade das acusações. Viu os seus números confrontados com acusações indesmentíveis, mas mesmo assim repetia-os sempre, de novo, para os fazer "passar". Esteve sempre a falar para fora, para a audiência, indiferente aos seus interlocutores que falavam para ele. Se isto se podia compreender em termos de eficácia propagandística, perdeu o efeito face ao autismo que revelava e, de novo, ao ostensivo desprezo pelos interlocutores.

Um desastre. O muito eficaz gabinete de imprensa de Costa vai ter que trabalhar muito para remediar os estragos.

*
De há muito que sou seu ouvinte nas suas intervenções públicas, embora não me situo na sua área política e, muitas vezes estou em desacordo com as suas opiniões. Mas, o meu desacordo em relação ao texto que escreveu sobre o tema em epígrafe é de tal ordem que me leva a enviar-lhe estes comentários:

• Elogia o comportamento da maioria dos autarcas esquecendo que por diversas vezes a moderadora viu-se na necessidade de os repreender e chegou mesmo a ameaçá-los com a saída da sala.

• Do seu pondo de vista os representantes da Associação dos Municípios tiveram um comportamento muito qualificado defendendo muito concreta e correctamente os seus pontos de vista. A minha avaliação é completamente o oposto. Os autarcas limitaram-se a reproduzir um conjunto de acusações, receios e conjecturas, sem qualquer demonstração baseada em dados concretos que pudessem apoiar as suas afirmações.

• Pelo contrário, o Ministro António Costa apoiou a suas afirmações com dados, refutando sistematicamente as afirmações/acusações apresentadas pelos seus oponentes.

• Na verdade, a questão de fundo como diz Vital Moreira na Causa Nossa é a seguinte:

“Sempre que um sector profissional ou uma corporação se sentem ameaçados nos seus interesses por uma reforma, logo vem a ladaínha de que "as reformas só se podem fazer com os interessados".
Trata-se, porém, de uma contradição nos termos. Como é que se pode implementar uma reforma "com os interessados", se a única coisa que os interessados querem é justamente manter o "status quo"!? É evidente que as mudanças que implicam perda de regalias ou privilégios só se podem fazer contra os interessados...”

(Carlos da Silva Simão)

*

Para já digo que sou simpatizante do PS, mas não uso "freio" e sei ver quando as coisas correm mal (caso do ministro da Economia sobre o "fim da crise"). Mas realmente os assuntos, notícias ou debates podem provocar opiniões tão distantes entre quem as(os) analisa que custa a crer que estiveram a ver/ouvir o mesmo.

No frente a frente entre António Costa e Fernando Ruas, vi de um lado um governante que se preparou com dados concretos sobre a LFL, as muitas vantagens apresentadas e as poucas ou nenhumas desvantagens que encontra. É verdade, com alguma sobranceria, dirigiu-se aos paineleiros do lado contrário.

O certo, é que por parte do líder da ANMP, Fernando Ruas, muito poucos foram os argumentos válidos e demasiado os intuitos políticos e populares (populistas); os chavões do "enfrentar das populações diariamente" , de que os autarcas não eram mentecaptos quando uma esmagadora maioria está contra a LFL. Uma forma de vitimização que já não colhe, entre os que pensam um bocadinho.

De um lado, vi um ministro a afirmar que os autarcas, tal como o Estado central e os portugueses, estão a ser sujeitos a medidas muito restrivas. Um esforço a que os municípios não se querem juntar. Como foi bem dito, os municípios não reclamam mais autonomia. Querem sim continuar a depender do Orçamento de Estado para fazerem as obras necessárias e as acessórias, mas com mais dinheiro nos cofres.

Pena foi que o presidente da ANMP, agora a trepar paredes acima pela LFL que o Governo leva por diante, andasse praticamente mudo ao tempo da Dra. Ferreira Leite, quando começaram os primeiros cortes e a LFL começou a não ser cumprida. Assim se perde a credibilidade...seja qual for o político.

Quanto ao facto de o Dr. ter notado um desprezo intelectual do ministro pelos pelos seus interlocutores, não se esqueça das intervenções públicas que v/exa. costuma protagonizar. Lembra-se de alguma vez ter dado o braço a torcer? Que me recorde, nenhuma...

(Ricardo C.)

*

Há anos que o vemos defender a necessidade de reformas no Estado para acabar com o desperdício, a inércia e a má utilização dos dinheiros públicos. É a sua conhecida posição crítica face ao Modelo Social Europeu que, desde o rendimento mínimo garantido português, até ao modelo assistencial dos banlieue de Paris, lhe têm servido para o fustigar. Diga-se em abono da verdade que, em coerência, sempre defendeu isto quer seja com governos do PS quer com governos do PSD. Há, todavia, nesta linha de pensamento doutrinário uma excepção que resulta sempre das suas análises - o Dr. António Costa, Ministro de Estado e da Administração Interna.
De facto, quando se trata da análise de políticas públicas que são ou foram da competência de António Costa, o que lhe interessa assinalar nunca é o mérito ou o valor das mesmas, mas sempre um suposto elemento obscuro e sinistro que subjaz por detrás das mesmas. Senão vejamos: Se há utilização indevida de escutas telefónicas na investigação de crimes, a culpa é de António Costa que as moldou na Lei; Se há um combate mais eficaz aos incêndios, através de maior racionalidade e economia de meios, isso não interessa nada porque a responsabilidade, pelo melhor e pelo pior, é apenas da natureza; Se um presidente de câmara afirma, perante milhões de espectadores, que não está de acordo com a amortização obrigatória de dívidas que ele próprio contraiu, a si, o que interessa realçar, é o sorriso do ministro, "malandro, não sente a dedicação às populações"; Se António Costa dá ênfase e acentua a manutenção do mesmo volume de transferências financeiras do orçamento de Estado para as autarquias, o que está ali é apenas "arrogância e superioridade moral"; Se perante essa evidência os autarcas, ainda assim, ameaçam com cortes em serviços essenciais à população, tratam-se apenas e tão só notícias fabricadas pelo ministro e nem sequer uma palavra sobre chantagem e resgate do estado perante poderes fácticos (como tanto gosta de assinalar noutras ocasiões). E os exemplos são intermináveis!
Apesar de ainda ser jovem, acompanho o seu pensamento há muitos anos, desde o tempo em que deu rosto a brilhantes análises políticas na última página do Jornal de Notícias do Porto, no início dos anos oitenta, passando pelos textos que, com João Carlos Espada, assinala a sua passagem do pensamento totalitário à democracia, às polémicas que estiveram na base do nascimento do Clube de Esquerda Liberal e por aí fora...Sempre me habituei a ver coerência no seu pensamento político, concordando uma vezes, discordando outras, mas sempre coerente. É por isso que como leitor e cidadão que lê e reflecte sobre o que diz e escreve, tenho o direito de perguntar porque é que quando se trata de António Costa as suas análises deixam de ser políticas e passam a ser uma espécie de "crónicas sociais da política". Dito de outro modo, porque é que quando se trata de António Costa em vez do José Pacheco Pereira de "1984 - A Esquerda Face ao Totalitarismo" nos aparece o Carlos Castro das "Crónicas de Mal Dizer"?
É apenas embirração pessoal?

(João Paulo Pedrosa)

PS - gostava, embora sem esperança, que este comentário fosse publicado na habitual rubrica "o abrupto feito pelos seus leitores"

*

O debate, de facto, não foi muito instrutivo… houve muito ruído de fundo, da plateia. Se calhar, talvez propositado, não sei.
Em todo o caso, pareceu-me sintomático que o Presidente da ANM e o seu acompanhante de Ílhavo se tivessem mostrado muito agastados com as declarações de Saldanha Sanches sobre as … clientelas e as responsabilidades das autarquias decorrentes da cobrança de impostos. Já agora: as autarquias são as entidades que pagam menos emolumentos (relativamente a todas a outras) pelas auditorias do Tribunal de Contas! Porquê as queixas?
Concordo consigo no que respeita à demagogia do Ministro … mas, e o que dizer do populismo de Macário Correia quanto ao facto de estar ali (no estúdio, em Lisboa) à uma e tal da manhã e, no dia seguinte, ter de estar às nove horas na CM a atender as pessoas…desde quando os Presidentes de Câmara atendem pessoas directamente às nove da manhã?
Confesso que não tenho a certeza sobre quem tem razão, embora me incline (espero não cair) para o lado da proposta do Governo
Não me esqueço, de resto, do seu combate a favor da transparência dos cargos políticos e da independência dos titulares de lugares políticos (recordo os tempos a seguir a Cavaco Silva e ao seu combate com Fernando Nogueira), sobretudo da forma como V. defendia essa independência. Ainda hoje a subscrevo, apesar de não ser eleitor do seu Partido.
Devo dizer-lhe, aliás, que tenho da gestão do seu amigo Rui Rio uma opinião favorável; desde logo, por uma posição de resistência aos lobby (escrevo à antiga) do futebol, no primeiro mandato; depois, como se tem visto nas últimas horas, em relação aos Okupas do Rivoli… e não só. Devo esclarecer que não sou eleitor do PSD, mas que me preocupo com o estado do País e, principalmente, com as manobras comunicacionais do Poder…

(Pedro Pimentel)

*

Sou um seu leitor e ouvidor regular e penso que atento. Como imaginará umas vezes discordo das susa opiniões outras vezes concordo.
Esta sua crónica sobre o ministro António Costa no "Prós e Contras" veio confirmar uma sensação que se vem arrastando há já algum tempo, quando o leio ou ouço.
Passo a explicar essa sensação . é a de que o Pacheco Pereira está a ficar muito "preso" crítica da forma não se pronunciando sobre o conteúdo.
Falando só deste caso gostaria ( ou estaria mais interessado ) em saber se está de acordo com a a proposta de lei da Finanaças Locais. Se ela melhora ou não a actual situação. E se não...quais são as suas sugestões ?
A sensação ( mais uma !) que tenho sobre os actuais debates sobre as prpostas governamentais ( todas ou quase ) é de que :
1º - Todos estão de acordo que a situação ( no ensino, na justiça, nas autarquias, etc, etc ) está mal.
2º - Todos ( aqui diria quase ! 9 estão de acordo que é preciso reformar e mudar um certo número de coisas.
3º - Mas quando se vai mudar...está quieto ó mau ! Mais vale ficar quietinho. Ou então o ministro (a) A ou B está a ser bruto e mal educado !!!

Sei que é um espírito reformador e que denuncia muitas situações que outros não têm a capacidade ou a coragem para denunciar, mas ( há sempre um mas ) quando chega a hora de agir parece-me que está a ficar "preso de movimentos" !

Possivelmente conhecerá a famosa frase muito usada no mundo da gestão empresarial : " Pior que uma má decisão é nenhuma decisão ! "

E termino contando uma história que se passou comigo quando trabalhava numa empresa americana de consultadoria de redução de custos. A companhia tinha uma série se SOP ( System Operating Procedures ), ou seja de regras operacionais que eram explicitadas a cada consultor no momento da admissão ( e davam-nos depois a respectiva versão impressa ). Nas reuniões da empresa e sempre que o Presidente estava presente havia muitos de nós que se "revoltavam" contra muitos dos SOP's. Ao que o Presidente dizia sempre :
" Meus caros ainda bem que têm ideias novas. Fico à espera que sistematizem as vossas sugestões e me proponham as alterações desejadas. Até lá continuam em vigor as actuais SOP !"
Nos 4 anos que lá trabalhei nunca ninguém acabou por apresentar novos procedimentos.

Na actual situação política do país parece que alguém começou a apresentar novos procedimentos ( eventualmente insuficientes, eventualmente com erros e defeitos ) e vai daí é ver e ouvir a oposição ( partidos e sindicatos ) a gritarem : Vá estejam quietos ! Não se altere nada !!!

(António Monteiro Pais)
 


PARA SE COMPREENDER O PORTUGAL DE SALAZAR E O PORTUGAL QUE FEZ SALAZAR 5

Do boletim confidencial dactilografado da Direcção Geral dos Serviços de Censura à Imprensa - Boletim Diário de Registo e Justificação dos Cortes , secções "Questões de ordem religiosa" e "Questões de ordem moral", de 19 de Junho de 1935:

 


EARLY MORNING BLOGS

887 - An old person of Hove

There was an old person of Hove,
Who frequented the depths of a grove;
Where he studied his books,
With the wrens and the rooks,
That tranquil old person of Hove.

(Edward Lear)

*

Bom dia!


16.10.06
 


LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 16 de Outubro de 2006


Uma novidade a saudar: um blogue ligado a um jornal, o Público, acompanha em tempo real um evento - o "caso" do Rivoli. Não é um grande "caso", mas a iniciativa é muito positiva porque a blogosfera precisa de competição e este tipo de iniciativas aumenta a concorrência. Acrescento apenas ao que escrevi em baixo: "Será que se eu juntar quarenta pessoas para protestar... o Público também faz logo um blogue?"

*

Os Frescos escolhem sempre bem as ligações que sugerem. Não é muito comum manter um equilibrio deste tipo na blogosfera.

*

Será que se eu juntar quarenta pessoas para protestar (e garanto que não preciso sequer de um partido), contra a televisão pública ou a "cultura" subsidiada, por exemplo, o evento passa em todos os telejornais com tanto tempo como os protestantes (a maioria do Bloco de Esquerda) junto do Rivoli, com directos e entrevistas, tenho o ministro respectivo logo disposto a receber-me, sou tratado com benevolência como "povo" genuíno e ninguém me tira de dentro do estúdio principal, caso o ocupe impedindo a emissão? Duvido.

*

Já deve ter reparado que hoje, dia 16 de Outubro, o Governo manifestou um notável exercício de double speak. No primeiro caso os pais de uma escola pública em Sete Rios, Lisboa fecharam a cadeado a escola pois para 300 alunos existem apenas duas auxiliares de acção educativa. A DREL classificou o facto de "terrorista" e mandou a polícia repôr a ordem. Também hoje, no Porto, um grupo de gente ligada ao teatro ocupou o Teatro Rivoli que é tutelado pelo município. A Ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, afirmou tratar-se de uma "original e inovadora forma de luta" e até ofereceu os seus bons ofícios para "mediar" o conflito com a Câmara do Porto.
É claro que se a Câmara do Porto fosse gerida pelo PS este último acto também seria "terrorismo", parece-me que como para bater em Rui Rio, e não sendo caso virgem, a ministra que por acaso também é do Porto prefere falar em originalidade e inovação das formas de luta.

Típico Double-speak.

(António José Ferreira, Barreiro.)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: A INVASÃO DAS MIMOSAS



Esta fotografia é um retrato muito verdadeiro do que está a acontecer em todo o parque nacional da Peneda-Gerês. Como se pode observar, as mimosas (arbustos da família das Acácias) ganham dia após dia terreno às espécies autóctones, devastando importantes encostas e expulsando fauna e flora única no país. São uma praga pior que os eucaliptos porque não só secam o chão como é quase impossível fazê-las desaparercer. Esta encosta perto do campo de futebol da Pereira mesmo em frente à vila do Gerês foi limpa há cerca de três anos, mas como se pode ver tudo voltou ao normal, sendo possível observar mesmo a barreira que separa as mimosas dos pinheiros, barreira essa que diminui dia após dia.

(José Borges)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
O ENGRAÇADISMO CHEGOU AO GOOGLE



Não será com certeza por insensibilidade, mas esta falta de cuidado, faz impressão.

(Gil Coelho)

*
Reparei que reproduziu um texto de um leitor seu sobre aparecer no Google News, na secção entretenimento, notícias sobre incêndios. O sistema é totalmente automatizado, e não permite intervenção humana. Mesmo que os funcionários do Google quisessem, isso não ia ser alterado manualmente. O sistema é imperfeito, e procura pela coincidência de keywords, aferir automaticamente em que local ou categoria cabem as notícias. Às vezes falha. Antes isso que a manipulação humana das notícias ou de onde elas devem caber.

(Luís)
 


RETRATOS DO TRABALHO NO PASSADO, PORTUGAL



(Artur Pastor)
 


PARA SE COMPREENDER O PORTUGAL DE SALAZAR E O PORTUGAL QUE FEZ SALAZAR 4

Do boletim confidencial dactilografado da Direcção Geral dos Serviços de Censura à Imprensa - Boletim Diário de Registo e Justificação dos Cortes , secções "Ministério da Justiça", "Secretariado da Propaganda Nacional" e "Questões de ordem moral", de 12 de Junho de 1935:

 


EARLY MORNING BLOGS

886 -... dirige tes talons en arrière et non en avant.

Plût au ciel que le lecteur, enhardi et devenu momentanément féroce comme ce qu'il lit, trouve, sans se désorienter, son chemin abrupt et sauvage, à travers les marécages désolés de ces pages sombres et pleines de poison; car, à moins qu'il n'apporte dans sa lecture une logique rigoureuse et une tension d'esprit égale au moins à sa défiance, les émanations mortelles de ce livre imbiberont son âme comme l'eau le sucre. Il n'est pas bon que tout le monde lise les pages qui vont suivre ; quelques-uns seuls savoureront ce fruit amer sans danger. Par conséquent, âme timide, avant de pénétrer plus loin dans de pareilles landes inexplorées, dirige tes talons en arrière et non en avant.

(Lautréamont, Les Chants de Maldoror)

*

Bom dia!

15.10.06
 


RETRATOS DO TRABALHO NO PASSADO, PORTUGAL



(Artur Pastor)

A propósito de uma exposição da obra de Artur Pastor no Museu do Pão em Seia, com temas relacionados com o pão, foi-me enviada pelo seu filho uma série de fotografias que retratam aspectos do trabalho e que serão publicadas no Abrupto. Como se pode ver, essas fotografias são de uma qualidade excepcional e chamam a atenção para "o seu espólio, composto por mais de 50.000 fotografias, (...) adquirido pela Câmara Municipal de Lisboa em Outubro de 2001" e ainda insuficientemente divulgado. Segundo Artur Pastor (filho) "há uma exposição já finalizada, impressões e textos, pelo serviços do arquivo fotográfico municipal, a guardar melhores ventos de vontade cultural por parte da autarquia." Espera-se que tais "ventos" soprem depressa, muito depressa.
 


RETRATOS DO TRABALHO EM PORTO GALINHAS- PERNAMBUCO, BRASIL



(...) tirada há uns meses na praia de Porto de Galinhas, Estado de Pernambuco, Brasil. Nela se vê um vendedor ambulante de CD's de música que, sob um calor tórrido, percorre com o seu aparelho móvel a praia de Porto de Galinhas. E numa praia que é frequentada por bastantes turistas portugueses não seria de todo má ideia a venda também de livros...

(E. Vieira Novo)

*

Acerca do TRABALHO EM PORTO GALINHAS, diz E. Vieira Novo que «numa praia que é frequentada por bastantes turistas portugueses não seria de todo má ideia a venda também de livros...» mas não sei se terá razão, e explico porquê:

Este ano, como nos anteriores, pude observar em várias praias que mais de metade dos estrangeiros estavam a ler livros - e, dos restantes, muitos estavam a ler jornais. Quanto aos portugueses: quando muito, alguns - poucos - entretinham-se com jornais desportivos e revistas de fofocas.

Em Lagos, inclusivamente, aconteceu-me o seguinte: tendo sabido que acabara de sair o livro «Notas sobre um país grande», de Bill Bryson, dirigi-me à «Loja do Livro» para o comprar. Como não o tinham, pedi que o mandassem vir.

- Tem muita pressa? - foi a resposta/pergunta.

- Hoje é segunda-feira, posso esperar até sexta-feira - respondi.

- Não dá. O melhor é ir comprá-lo a Portimão.

Perguntei então se não havia mais nenhuma livraria em Lagos. Não há, pelo que acabei por comprar o livro em Lisboa.

(C. Medina Ribeiro)

 


PARA SE COMPREENDER O PORTUGAL DE SALAZAR E O PORTUGAL QUE FEZ SALAZAR 3

Do boletim confidencial dactilografado da Direcção Geral dos Serviços de Censura à Imprensa - Boletim Diário de Registo e Justificação dos Cortes , secção "Questões de ordem moral", de Junho de 1935:



*
Estes boletins da Direcção-Geral dos Serviços de Censura em que podemos ver os casos concretos daquilo que todos sabemos que existia, em que vemos o "making-off" têm sido uma real iluminação. As decisões sobre o que é moral ou imoral intrigam, pois após a leitura destes excertos, sou levada a crer que há uma extraordinária arbitrariedade em tudo, mais do que uma deliberada reflexão sustentada teoricamente por uma precisa ideologia ou filosofia onde se baseassem os conceitos moralidade/imoralidade. Talvez esta forma algo informal, apesar de bem intuída e apreendida, e em sintonia com a "moral" do regime tenha tido os seus perigos pela dificuldade em ser identificada e combatida. É insidiosa e melíflua. Tal como a deliberada ocultação de factos, nomeadamente crimes, ocorridos, que venham abalar a crença de uma vida de "bons costumes". Apesar de saber da existência da censura, fico realmente chocada, pela abrangência e pelos seus tentáculos. É mais difícil perceber a forma como o nosso "viver" foi sendo moldado à imagem de uma falsa mansidão, e a extensão (mesmo temporal) dos efeitos desse fazer, do que perceber a censura, por exemplo, no meio artístico.

(J.)
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: VIAJAR A ESTA LUZ



de Orion, com seu pequeno cavalo, o seu homem a correr, as chamas de um certo inferno, e as mil e uma coisas que o nosso olhar permite ver. Viajar a esta luz, pelo menos uma vez.
 


EARLY MORNING BLOGS

885 -Those Winter Sundays

Sundays too my father got up early
and put his clothes on in the blueblack cold,
then with cracked hands that ached
from labor in the weekday weather made
banked fires blaze. No one ever thanked him.

I'd wake and hear the cold splintering, breaking.
When the rooms were warm, he'd call,
and slowly I would rise and dress,
fearing the chronic angers of that house,

Speaking indifferently to him,
who had driven out the cold
and polished my good shoes as well.
What did I know, what did I know
of love's austere and lonely offices?

(Robert Hayden)

*

Bom dia!

14.10.06
 


INTENDÊNCIA

Actualizadas as notas O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: MAIS CENSURA e POR QUE RAZÃO A DEMOCRACIA TEM MEDO DE SALAZAR? Versão 2.0.
 


NUNCA É TARDE PARA APRENDER: OS MALEFÍCIOS DA LEITURA

http://www.universal.pt/scripts/hlp/mm/FHLP173_z.JPG A poderosa razão que o lavrador Roberto Rodrigues opunha para não mandar ensinar a ler o filho, era — que ele pai também não sabia ler, e mais arranjava lindamente a sua vida. Esta vinha a ser a razão capital, reforçada por outras subalternas e praticamente bastante persuasivas.

— Se o rapaz souber ler — argumentava triunfantemente o idiota — assim que chegar a idade, às duas por três, fazem-no jurado, regedor, camarista, juiz ordinário, juiz de paz, juiz eleito. São favas contadas. Depois, enquanto ele vai à audiência ou à Câmara, a Cabeçais, daqui uma légua, os criados e os jornaleiros ferram-se a dormir a sesta de cangalhas à sombra dos carvalhos, e o arado fica também a dormir no rego. E ademais, isto de saber ler é meio caminho andado para asno e vadio.

E citava exemplos, personalizando meia dúzia de brejeiros que sabiam ler e eram mais asnos e vadios que os analfabetos.


(Camilo Castelo Branco, Vulcões de Lama)
 


RETRATOS DO TRABALHO EM TÓQUIO, JAPÃO





Vidente Japonês que lê a sina (em Inglês ou Japonês) com a ajuda de fato, gravata e computador. Aos Domingos no parque de Ueno, Tóquio.

(Antonio Rebordão)
 


PARA SE COMPREENDER O PORTUGAL DE SALAZAR E O PORTUGAL QUE FEZ SALAZAR 2

Do boletim confidencial dactilografado da Direcção Geral dos Serviços de Censura à Imprensa - Boletim Diário de Registo e Justificação dos Cortes , secção "Questões de ordem moral", 10 de Junho de 1935:

 


EARLY MORNING BLOGS

885 - Home

I didn't know I was grateful
for such late-autumn
bent-up cornfields

yellow in the after-harvest
sun before the
cold plow turns it all over

into never.
I didn't know
I would enter this music

that translates the world
back into dirt fields
that have always called to me

as if I were a thing
come from the dirt,
like a tuber,

or like a needful boy. End
Lonely days, I believe. End the exiled
and unraveling strangeness.

(Bruce Weigl)

*

Bom dia!

13.10.06
 


RETRATOS DO TRABALHO EM LISBOA, PORTUGAL



Trabalho " invisível " nos areoportos, a limpeza dos aviões, feita por trabalhadoras contratadas a empresas "especializadas ". Uma breve pausa antes da limpeza do avião.

(Joaquim Antunes)
 


COISAS SIMPLES



(Giorgio Morandi)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: O ENGRAÇADISMO CHEGOU AO GOOGLE



Novos conceitos de entretenimento, no Google, Portugal, hoje.

(Gil Coelho)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: MAIS CENSURA



Não tem nada a ver com Salazar, mas já que no Abrupto se fala de censura, gostaria de relembrar aqui uma lei que a Assembleia Nacional francesa aprovou ontem: a partir de hoje, e caso a dita lei siga o seu percurso até à aprovação final, qualquer cidadão francês que negue a existência do genocídio arménio, cometido pelos otomanos, poderá ser pesadamente multado ou até preso.

Numa altura em que mais do que nunca é necessário que a Europa demonstre o orgulho que tem, ou deveria ter, na aquisição que se deseja definitiva de uma total liberdade de expressão, a Assembleia francesa resolveu dar este presente a quem a ela não está habituado e nem deseja estar. Estou certo de que o presente será devidamente apreciado.

É mais uma vitória do "políticamente correcto" (neste caso também eleitoralmente conveniente) em direcção a uma censura que se acha virtuosa por supostamente defender causas humanistas. E sem sequer perceber (ou não querendo) que fazer esta lei para o genocídio arménio e não fazer para todos os outros que se passaram e passam pelo nosso planeta, é de uma incoerência total; e que, se se quiser ser coerente a lei terá de ser contra o negacionismo de todo e qualquer genocídio; e, se for esse o caso, em quantos anos prescreve o crime? é que ainda há muita gente viva que negou durante muito tempo os crimes de Estaline. A não ser que não sejam genocídio...

(João Tinoco)

*
Não resisto a comentar a questão do reconhecimento do genocídio arménio:

O que não faz sentido nesta questão toda, para além de várias pisadas à liberdade de expressão, é o facto de se querer pretender que existe uma memória colectiva institucionalizada. Que existe uma memória colectiva, mais ou menos consensual, característica, ainda que miscível e osmótica, para cada bloco cultural-geográfico, é defensável. Agora que sentido faz uma memória colectiva institucional, expressa na lei, dependente da discricionariedade de quem detém o voto no momento? Quanto vale para a História? Quanto vale para os direitos humanos? Aquilo que vale compensa o que se perde, ou é descabido pôr a questão neste termos? Não será uma questão cuja peritagem deve ser deixada exclusivamente, a quem reconhecidamente a estuda em toda a sua complexidade, os historiadores? E que mesmo assim possa ser discutida livremente por todos?

Se a assembleia francesa não tem a noção disto, está muito mal, se tem a noção e mesmo assim é preferível ganhar votos junto da população de origem arménia e dificultar a entrada da Turquia na UE, a preservar liberdades de expressão, não sei se não está pior.

(Jorge Gomes)

*

Àqueles seus leitores que atribuem a "motivos eleitoralistas" a aprovação pela Assembleia Nacional Francesa de uma Lei visando penalizar a negação do genocídio dos arménios durante a I Guerra Mundial, somente perguntaria:

os franceses de descendência turca não constituem um "franja eleitoral" muito superior aos 80,000 arménios ou seus descendentes aí residentes?...

(Jorge Freitas)
 


PARA SE COMPREENDER O PORTUGAL DE SALAZAR E O PORTUGAL QUE FEZ SALAZAR 1

Já que se está a discutir a questão de Salazar como "grande português", o que ele fez e o que ele deixou de herança, vale a pena combater a falta de memória (e de saber...) que domina o nosso espaço público, publicando alguns documentos originais e inéditos sobre o principal mecanismo de conformidade do Estado Novo, a censura. A censura definia como se podia pensar e quais os limites ao que se podia dizer. E a PIDE assegurava que uma atmosfera de medo estava presente nesses limites. A combinação foi particularmente eficaz e teve longo tempo para se consolidar e "formatar" tudo. Não tem comparação com nenhum país europeu do século XX quer na forma, quer no conteúdo e talvez apenas na continuidade possa ser comparada à URSS.

Os exemplos que publicarei no Abrupto terão origem no boletim confidencial dactilografado da Direcção Geral dos Serviços de Censura à Imprensa - Boletim Diário de Registo e Justificação dos Cortes e serão por regra apenas da secção "Questões de ordem moral". O exemplo de hoje é de 31 de Agosto de 1935:

 


POR QUE RAZÃO A DEMOCRACIA TEM MEDO DE SALAZAR?
Versão2.0

A RTP vai realizar uma espécie de concurso reality show intitulado Os Grandes Portugueses, que inclui como prato principal a escolha pelo voto dos "portugueses" da personalidade preferida de toda a nossa história. Coloquei entre aspas os "portugueses", porque do que aqui se trata é dessa interessante figura televisiva, criada por Teresa Guilherme no programa Big Brother para designar aqueles portugueses que estavam dispostos a telefonar, numa chamada, naturalmente com valor acrescentado, a escolher a personagem da "casa" que iriam pôr fora. Os "portugueses" telefonistas ou internetianos são o subgrupo activo das "audiências" e funcionam nesta espécie de teatro mediático do real que são os reality shows como a personificação simbólica do povo.

Para ajudar os "portugueses" na sua escolha a RTP preparou uma "lista de sugestões" que incluía nomes que só com absoluta surpresa e estupor poderiam passar por personalidades centrais da nossa história milenária: Adriano Correia de Oliveira, Ana de Castro Osório, Catarina Eufémia, Durão Barroso, Gageiro, Fernando Nobre, Joaquim de Almeida, para além do lote na moda de futebolistas e treinadores. Não sei bem o que passa pela cabeça de alguém que possa achar que o português mais importante de sempre seja o actor Joaquim de Almeida, suspeito aliás que nem sequer o próprio Joaquim de Almeida o achará.

Mas a lista de sugestões é muito interessante também nas suas omissões, sendo uma gritante de significado. Na versão original da lista não vem António de Oliveira Salazar, o que imediatamente suscitou protestos nessa parte muito viva e atenta da comunicação, que são os blogues. A lista foi entretanto corrigida, com a inclusão de Salazar, mas a ausência inicial só pode ter sido de natureza censória e não um lapso. Alguém achou que colocar lá o nome de Salazar ou podia gerar polémica, ou podia levar a uma votação incómoda na personagem, o que se entendeu que colocaria o programa em apuros. Quer num caso quer noutro, os malefícios do politicamente correcto são evidentes, porque uma lista deste tipo sem Salazar não tem pés nem cabeça.
A "biografia" de Salazar que foi posta em linha na lista das personalidades para corrigir a omissão inicial só confirma e reforça a interpretação das razões que levaram à censura. Mal feita e opinativa, só tem como objectivo evidente induzir ao não voto em Salazar com adjectivos e frases fortes:

Dirigiu, de forma ditatorial, os destinos do País durante quatro décadas. Foi ministro das Finanças, Presidente do Conselho de Ministros, fundador e chefe do partido da União Nacional. Afastou todos os que tentaram destituí-lo do cargo. Instituiu, de forma brutal, a censura e a polícia política. Criou dois movimentos paramilitares: a Legião e a Mocidade Portuguesas. Mas equilibrou as finanças públicas, criou as condições para o desenvolvimento económico, mesmo que controlado, e conseguiu que Portugal não fosse envolvido na Segunda Guerra Mundial. Separou os poderes do Estado e da Igreja. Figura controversa, marcou sem dúvida a história do País.


O que é interessante é que até aqui os restos do salazarismo são evidentes. Aquele "mas" diz mais sobre a permanência dos quadros mentais do salazarismo do que tudo o resto. O resto é errado ou impreciso: como por exemplo dizer-se de Salazar que "criou as condições para o desenvolvimento económico" e o silêncio completo quanto à política e à guerra colonial. Quanto à censura e à polícia política, ambas já existiam na Primeira República, só que ganharam outra dimensão e continuidade no Estado Novo.

É interessante de ver que, mais de 30 anos após o fim do regime ditatorial do Estado Novo, a democracia ainda lida mal com a figura de Salazar, uma espécie de questão não resolvida. Para quase todos os "democratas" de antes de 25 de Abril, a maioria dos quais não eram democratas mas comunistas, não há nenhuma ambiguidade com Salazar, mas para os democratas de depois do 25 de Abril subsiste uma lembrança, uma nostalgia, uma memória, com a qual lidam mal, ou não lidam à vontade. Para os primeiros, o salazarismo, o regime e o seu mentor, foi uma experiência de "vida", eles "viveram" Salazar e sabem o que isso significava: polícia política, violência, censura, ausência de liberdades públicas, atraso e miséria do país e, por último, guerra. Sabem também sem ambiguidades que, protegidas pelas instituições do regime como a censura, existia corrupção, nepotismo, muita pobreza, ignorância e isolamento arrogante, e por isso não são sensíveis a qualquer forma de saudades de Salazar. Mas a verdade é que não conseguiram com eficácia transmitir esse sentimento, tornando-o num adquirido que facilmente se normalizasse com o tempo.

Houve três razões para isso acontecer: a primeira, o facto de o número de portugueses que fizeram oposição activa ao regime serem poucos; a segunda é o facto de o envolvimento dos sectores mais prestigiados e combativos da oposição no PREC lhes retirar a legitimidade política; a terceira, o facto de o peso de muitas instituições salazaristas continuar intacto e a reproduzir-se em muitos "costumes" democráticos.

O primeiro dos factores é evidente para todos os que conhecem a oposição; sabem que esta só teve um ou dois momentos de real convergência com a nação, no fim da Segunda Guerra e na campanha de Delgado. Ambos eram resultado de factores externos, num caso a vitória militar dos Aliados, noutro a personalidade populista de Delgado, que se impôs tanto à oposição que não o desejava, como ao regime que acabou por matá-lo. Este primeiro factor, a escassez de pessoas activamente oposicionistas, não pode no entanto ser levado muito longe, ao contrário do que algumas vezes os defensores do salazarismo pensam - tal não significa que houvesse um consenso ou uma maioria pelo regime. Os dias seguintes ao 25 de Abril, pesem todas as manipulações, revelaram um genuíno ímpeto de libertação, uma alegria pelo fim de um regime que não suscitava qualquer simpatia.

O segundo factor, o envolvimento nos excessos do PREC, debilitou seriamente a legitimidade política da oposição, salvo de uma pequena minoria de socialistas e liberais que, exactamente por isso, acabou por, a prazo, dominar os primeiros anos de democracia e vencer o PCP. Enquanto na transição espanhola foram os excessos passados na Guerra Civil que voltaram para assombrar o PCE, em Portugal, o PCP e os esquerdistas que acompanharam o seu projecto revelaram que uma parte da luta contra o regime de Salazar não era uma luta pela liberdade e a democracia, mas sim pelo totalitarismo comunista. À luz do PREC, do PREC real e do PREC imaginário, surgiu uma equivalência entre meia dúzia de dias de prisão ilegal pelo Copcon com 48 anos de tortura e prisões de anos e anos, o que é, de todo, absurdo, mas o PREC fez nascer uma democracia manca, que demorou muito a endireitar-se.

Por último, há uma razão muito simples, que ninguém quer admitir, e que tem a ver com a permanência nos valores mentais, nos hábitos da nossa democracia, dos quadros do Portugal de Salazar. Valores como o "respeitinho", a hipocrisia pública, a retórica antipolítica, a tentação de considerar que o suprapartidário é bom, a obsessão pelo "consenso", o medo da controvérsia, a cunha e a clientela, mesmo a corrupção pequena, a falta de espírito crítico desde as artes e letras até à imprensa e Igreja, tudo vem do quadro do salazarismo e reprodu-lo. O medo do conflito, essa tenebrosa herança de 48 anos de censura, permanece embrenhado na vida política da democracia e isso dá vida à nostalgia da pasmaceira vigiada de Salazar.
Já várias vezes o escrevi, a censura foi um instrumento decisivo de conformidade psicológica, cultural e social muito mais poderoso do que político. A título de exemplo, alguns cortes da censura de 13 de Julho de 1935:






Por tudo isto não espanta a censura do nome de Salazar, por medo de um resultado inconveniente num programa da "televisão pública" da democracia (ela própria fundada por Salazar), como não me espantaria que Salazar pudesse ganhar o concurso. Vejo nisso poucos inconvenientes e até vantagens. Para além do aspecto catártico, talvez isso suscitasse uma discussão a sério do que significou Salazar na nossa história do século XX onde ele é a personagem principal, goste-se ou não. Uma das cegueiras desta censura é não ver que o salazarismo explícito é bem menos importante que o salazarismo implícito, mais importante e perigoso para a democracia.

Pouco se me dá que os "portugueses", que, insisto, não são os portugueses, votem no senhor presidente do Conselho num concurso televisivo. Salazar, ele mesmo, se estivesse vivo e regressasse do Brasil uns anos depois do 25 de Abril, não ganharia nenhuma eleição no Portugal de hoje e teria tantos votos como o general Kaúlza de Arriaga. O que me interessa é recensear que atitudes, nostalgias, hábitos, costumes, práticas, que ninguém associa a Salazar, mas vêm directamente dele e do Estado Novo, continuam vivos, adoecendo a nossa democracia. Isso sim, é importante.

(No Público de 12 de Outubro de 2006, acrescentado e anotado.)

*

Concordo inteiramente com a análise que fez ao "Mas". Podia-se acrescentar:
- Salazar nunca leu Keynes; foi sempre mais a favor de orçamentos equilibrados.
- Salazar não criou nada que se parecesse com o Estado de Bem Estar que desenvolveu a Europa de 1945 a 1973; por isso a situação social era a que era em 1974;
- Salazar recusou o Plano Marshall;
- Salazar desbaratou o dinheiro do volframio;
- Salazar criou condições para uma emigração massiva para a Europa nos anos 60;
- Salazar não deu o poder a Delgado e levou-nos à Guerra Colonial.
Etc.

(Eduardo Tomé)

*

(...) já reparou que a frase que o Público retirou do seu texto para servir de legenda à foto de Salazar e companheiros é uma escolha SINTOMÁTICA daquilo mesmo que o senhor denuncia no artigo: o incómodo irritado e “preconceituoso” em relação ao ditador?

(Carlos David Botelho)

*

Ainda me lembro do COPCON a carregar sobre mim aquando da manifestação para a libertação do Arnaldo de Matos. Pouco diferiu daquela em que na Faculdade de Ciências, no fim dos anos sessenta, me levaram a saltar pela janela, quando a PIDE entrou para calar o Zeca Afonso...

Se os 30 anos de democracia podem causar essa nostalgia no povo, aos políticos que a vem construindo se deve. Parte da culpa cabe ao Pacheco Pereira. Que em lugar de se preocupar com uma Fundamentação Social Democrata Democrata se preocupou mais com a história do Dr.Cunhal. (desabafo)

Depois da estratificação e reposição do comunismo no seu devido lugar (num museu, obviamente, sem desrespeito para aqueles que ideologicamente e por convicção no seu tempo, foram lutando, com tudo, inclusivé a vida, por aquilo que acreditaram ser melhor para o povo -ou para uma classe do povo), penso ser mais importante a procura do Caminho e bem que dele carecemos. Não podemos ficar só com a memória das caravelas. Há que repensar o futuro e olhar a Ciência de frente. É que na ausência de uma filosofia objectivamente social democrata (que susbstitua a imanente procura do Homam por uma sociedade melhor) ou na ausência de valores filosóficos, ao Fado, Futebol e Fátima juntou-se a Telenovela. Com o branqueamento das ideias de programas como o Big Brother ou tipo Fiel e Infiel e afins, só pode resultar a passividade que muitas vezes descamba no regresso ao passado quando a crise financeira é persistente e a vida continuamente difícil. Repito : A culpa tem sido dos políticos pós 25 de Abril.

Compreendo que Portugal não se iniciou numa democracia pura, mas antes tentou conformar o assalto do comunismo ao poder. E que as quintinhas persistem nas corporações da resistência. Mas tantos anos depois, que vemos ainda? Uma democracia sem valores de Justiça e que a deixou afundar, até perder a sua expressão, (com alguns rasgos penais para calar a voz do povo). Do desastre de Camarate o que resultou ? Prescrição. De facto este Instituto Juridico, que caminha como a sombra da Justiça, perseguindo-a, não tem sido mais que o obscurantismo da memória, numa aparente tolerância provida pelo tempo que mais não esconde que a incapacidade dos políticos de adequar o Sistema Judicial à resposta atempada e célere que a Constituição e o Direito Natural obrigam, mas que não respeitam..

Mas ninguém parece estar interessado de fundo, a resolvê-la. (...)

(Alberto Pontes)

*

Agora que acabei de dar uma aula e estou com mais tempo, gostaria de lhe manifestar a minha concordância geral com o seu artigo, excepto num ponto: a sua referência branqueadora às “meias dúzias de dias prisão do PREC”. Trata-se, a meu ver, de um erro típico de perspectiva histórica.
Com efeito, se considerarmos o que acabaram por de facto ser as prisões do PREC, é verdade que não passaram de “meia dúzia de dias de prisão”. Ou mais exactamente, ano e meio; mas sem torturas nem violência física.
Porém, daí não pode resultar nenhuma atenuante para os revolucionários do PREC, por que se essas prisões foram assim suaves não foi graças a eles, mas sim graças à contra-revolução democrática que os derrotou!
Na verdade, os revolucionários do PREC não tencionavam ser menos brandos para com os presos políticos da época do que fora Salazar, e é conveniente recordar os seus contantes protestos de então contra “as condições de chocante privilégio” em que estavam os presos sob tutela militar, pelo simples facto de não estarem nem sujeitos a trabalhos forçados nem a condições de cela fechada. Para já não mencionar que tencionavam aplicar, caso a revolução vencesse, os conceitos de “justiça popular” que tiveram em Cuba um bom exemplo do que significavam.
É por isso que os revolucionários do PREC ficaram na memória colectiva do povo como não melhores que os salazaristas. Por isso, pelos quinze mil despedimentos por razões políticas e pela sanha persecutória que mostraram para com os outros.
Se não foram mais longe, não foi graças a si próprios mas sim a quem os derrotou no “Verão quente” e no contra-golpe de 25 de Novembro de 1975.
É um exercício de manipulação da História esse que agora fazem de, na linha geral de se branquearem de “lutadores pela liberdade”, tentarem recuperar esse bom final que os PREC teve como devendo-lhes alguma coisa! Eu sei que você sabe isto, JPP. Mas parece-me que a sua memória também já está contaminada por esses democratas “reciclados”...

(Pinto de Sá)

*

Obviamente um reality show não é sitio próprio p/ se debater história. Estamos mais em presença de figuras mediaticas (não vejo a importância histórica de Quim Almeida ou Luís Figo)do que históricas. Talvez por isso mesmo não vejo porque não por nelas Salazar ou Adolfo (na versão alemã) ou Estaline (na versão Russa) ou Franco (na versão Espanhola)ou MUssolini (versão Italiana).
Para o bem e para o mal (mais p/ o mal claro) fazem parte da história e são referências p/ os respectivos povos e mesmo internacionais. São mediaticas.
Não conviver c/ elas é estalinismo puro, isto é, é querer rever a história e apagar os maus das fotografias (mesmo s/Photoshop Estaline fazia-o eximiamente como se sabe).

Aproveitando a ocasião, e sem querer lavar a história, para fazer um desafio.
Pergunta-se “o que seria Portugal se Salazar não tivesse existido?” Os 30 anos que o antecederam foram uma balburdia entre o fim da monarquia (com um rei a dizer a majestática frase “esta choldra é ingovernável”) e uma 1ª república que não foi um primor de democracia. Entre Sidonismos, deportações e um país falido onde havia fome e racionamento de bens essenciais a necessidade de por ordem na casa era obvia. Tal como ninguém considera Afonso Henriques um humanista (hoje seria considerado um dos causadores do terrorismo Islâmico) nem D João II ou o Marquês de Pombal democratas mas reconhece-lhes os méritos e o estatuto histórico, está na altura se de fazer o mesmo a Salazar.
Por muito que nos custe em 1926 o país não tinha condições económicas e sociais para se democratizar. Como exemplo, basta lembrar que um dos muitos ocupantes do Palácio de Belém até 1926 era um assumido pedófilo e não viu a sua carreira política prejudicada por isso. E ninguém, tirando umas “alminhas c/ boa memória” como Vasco P. Valente, se escandalizou quando Jorge Sampaio escolheu como ultimo acto do seu mandato uma viagem a Argel expressamente p/ homenagear tão democrática figura. A estabilização económica e social à força trazida por Salazar foi um mal necessário p/ o país sobreviver nessas condições. Se Salazar tivesse tido a visão de preparar a democratização do país após o fim da 2ª Guerra Mundial, aderido ao plano Marshall e saído em meados dos anos 50 seria hoje um herói nacional. A sua falta de visão transformou-o numa figura mal querida, fez esquecer o trabalho necessário feito e atrasou o país 30 anos. E pior que tudo incutiu em muita boa gente uma atitude de pasmaceira, horror ao conflito, mais importância ao estatuto do que ao mérito e imobilismo que ainda hoje está impregnada na nossa sociedade e na nossa democracia. E esta “pesada herança” prejudica-nos muito mais e ao nosso futuro que a memória da “longa noite fascista”. E continua presente nos comportamentos, mesmo privados ou não politicos, de muita gente. Termino c/ mais uma pergunta “como conseguiu a longa noite fascista durar 50 anos quando todos queriam a luz do dia democrático?” Foi só porque a PIDE assusatava muito?
Duvido. Comparado c/ outras ditaduras a de Salazar até terá sido bastante "suave", mas não pode ser branqueada por causa disso, mas tem de ser enquadrada no respectivo tempo economico, social e político do país em que se fundou e em que durou quase 50 anos (conseguiu sobreviver vários anos à morte mental e física do seu fundador, porquê?).

(Miguel Sebastião)

*

Acho que o problema mal resolvido com Salazar prende-se ao facto de o dito (problema) ter sido resolvido por uma cadeira e não pela mão lusitana. Fosse-o como foi o regicídio (e não se entenda que o apoio) e acho que a democracia há muito lidaria melhor com a existência da figura. Assim ainda vai demorar uns anos. Pelo menos até que estejam sepultados todos os que podem falar dele sem ser por interposta pessoa

(Nuno Magalhães)

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(...) sugerir-lhe uma visita ao site , onde se revelam os resultados alcançados por diversas personalidades nas várias versões nacionais do programa televisivo cujo modelo a RTP importa. No Reino Unido, por exemplo, vemos a Princesa Diana à frente de Darwin, Shakespeare e até do genial Newton! Nos EUA, Elvis Presley e Oprah Winfrey precedem Frankin D. Roosevelt.

A memória de um povo parece estar sempre condicionada ao politicamente correcto de cada momento da História e aos valores dos "vencedores". Não existe nada de mais subversivo do que alguém ter a ousadia de tentar "encontrar a terceira margem do rio" e colocar em causa os unanimismos, que - para mim - são sempre suspeitos. Salazar está bem vivo no pensamento, na prática e nos gestos dos políticos portugueses, em especial nos da nova geração. Um vislumbre pelo que se passa na maioria das autarquias resulta numa reprise do filme de terror que foi o Estado Novo. E não há partido imune a este cromossoma do Estado Novo. O "salazarismo implícito" - como tão bem referiu - parece encravado no código genético de cada português, talvez mais ainda naqueles que com maior alarde proclamam cobras e lagartos contra o velho ditador. E o fim da censura não é sinónimo de liberdade de Imprensa. Se antes se impedia que os jornais publicassem o inconveniente, agora garante-se - até pelos meios mais sórdidos - que apenas publiquem o conveniente.

(Carlos Robalo)

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Devo começar por dizer que só por falácia se pode comparar Salazar com Hitler ou Pol Pot. Aliás, sobretudo por falácia porque é assim que a nossa memória colectiva representa Salazar, ou seja, através de uma falácia de raciocínio desconcertante.

Vamos ver se nos entendemos. Eu não vivi nos tempos do Estado Novo mas parece-me que esses tempos se tornaram, de alguma forma, numa espécie de alibi para os falhanços do projecto democrático pós-25 de Abril. É que Salazar passou a ter culpa de tudo. E eu, sendo por natureza um neurótico, desconfio sempre destas perturbações da personalidade que culpam os outros mas que nunca desculpam. Por outro lado, em termos historiográficos não deixa de ser interessante que a manipulação para uma história oficial do Estado Novo tenha dado lugar a uma manipulação deliberada para uma história oficial do regime democrático que através da anulação do passado nos quer fazer crer que agora, sim, é que estamos bem. E tudo isto tem consequências muito graves para a nossa democracia.

Concordo em parte com o José Pacheco Pereira (JPP) quando diz que o que interessa «é recensear que atitudes, nostalgias, hábitos, costumes, práticas, que ninguém associa a Salazar, mas vêm directamente dele e do Estado Novo, continuam vivos, adoecendo a nossa democracia». E digo em parte porque também é verdade que hoje, como sempre, há por aí muitos potenciais ditadores que só não o são por falta de circunstância. Ou seja, nem tudo vem directamente de Salazar e do Estado Novo. Há tiques considerados típicos da ditadura que são transversais no tempo e no espaço. Antes e após o Estado Novo. Talvez o mais evidente, o mais implícito e sobre o qual se tornou politicamente incorrecto falar é o tique da censura. É claro que sintetizada numa nova fórmula ela faz parte do nosso quotidiano. E até arrisco a dizer (até porque não é um risco muito grande) que muito mais perigosa do que a censura do Estado Novo. Acima de tudo porque passámos a ter dentro da nossa cabeça os tais homenzinhos de fato e gravata (qual consciência!) a fazer-nos lembrar os tais valores do "respeitinho" e do politicamente correcto, da hipocrisia pública e da retórica antipolítica. A censura, como diz o JPP, «foi um instrumento decisivo de conformidade psicológica, cultural e social muito mais poderoso do que político». É absolutamente verdade. Ainda hoje, sobretudo hoje, é assim que funciona. E todos nós sabemos disso porque todos nós temos histórias para contar. Vejamos um exemplo: há uns tempos, uma amiga minha que trabalha num hospital veterinário de uma faculdade pública contou-me que o pessoal da cirurgia anestesiou um animal mas que depois não pode prosseguir porque alguém tinha roubado o kit cirúrgico (daqueles de especialidade e caríssimos) e, portanto, teve de ser cancelada. Inventou-se uma história para disfarçar o embaraço e marcou-se a cirurgia para outro dia. Pior. A história terminou mesmo por aqui pois parece que é normal! Depois de tudo isto, que me foi contado num tom de voz muito circunscrito, quando eu lhe disse que ia escrever sobre isso ela disse-me, muito ofendida e incomodada: oh, nunca mais te conto nada!

Para terminar, quanto ao concurso, há alguns aspectos a ter em conta. É verdade que o perfil de público da RTP não é exactamente o mesmo da SIC ou da TVI (ou seja, de facto não são os portugueses mas sim os "portugueses"). Isto irá condicionar decisivamente as escolhas. Por outro lado, parece-me manifestamente insensato pedir aos "portugueses" que escolham entre Vasco da Gama e Luís Figo. Esqueçamos por enquanto o facto de Manuel Alegre ter cantado Figo como o novo Vasco da Gama e vejamos o seguinte: nenhum destes "portugueses" conheceu Vasco da Gama. Apenas sabem que foi um grande navegador que realizou a primeira viagem marítima para a Índia nos finais do século XV. É o que aprendem no ciclo preparatório. Por outro lado, todos os portugueses, ou quase todos, conhecem Luís Figo, um craque do futebol que nasceu em 1972 (cinco séculos depois de Vasco da Gama) e que delicia o país com as suas habilidades, ora não fosse este rectângulo uma futebolândia. Haverá consciência suficiente para a escolha não ser tão apaixonada? Eu não acredito. E por isso é que acho que este programa é uma imbecilidade.

(Ricardo S. Reis dos Santos)

*

Ao leitor Vasconcelos, que pergunta se será de relevar o papel dos ditadores na História, perguntaria duas coisas:
1) que pensa da importância do Marquês de Pombal e de D. João II na nossa história?
2) Acha realmente que Salazar foi um político do tipo de Hitler, Estaline ou Pol Pot?
Não que eu pense que Salazar é comparável a D. João II ou ao Marquês, mas a questão é de princípio. Mais afim seria compará-lo a Mazarino ou a Richelieu...

(Pinto de Sá)

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A questão colocada pelo leitor Luis Vasconcelos Guimarães sobre a inclusão de ditadores em listas de “grandes”, parece-me ser uma falsa questão. Teria razão de ser a questão se a lista fosse uma lista de “bons”. Não tenho dúvidas de que Mao, Hitler e Staline são grandes. Grandes mas maus (e Mao com toda a propriedade, inclusivamente a onomástica.)

(RM)

*

1) Parece-lhe que numa sondagem feita na Alemanha ou em Itália ou em Espanha, sobre os "grandes" cidadãos desses países, deveriam ser incluídos os respectivos três ditadores dos anos 30/40? E que dizer, por exemplo, de Estaline, Pol Pot ou Mao?

Isto é - e pergunto com curiosidade e sem provocação - será Salazar um "grande" (sentido abonatório) português, ou um "influente" (sentido neutro) português? Penso que é importante fazer esta distinção de conceitos.

E os outros ditadores de que falo acima, o que são nos seus países? "Influentes" por certo. Mas "grandes"? Com tanto sangue nas mãos?

Em suma: Será um ditador, seja qual for a sua influência histórica e a sua obra construída, passível de ser considerado um "grande" cidadão de um país?

2) Se sim, até que nível de "ditatorialidade" (chamemos-lhe assim) poderá um ditador ser incluído? Ou seja, se defende a inclusão de Salazar na lista dos grandes portugueses, até que ponto iria na defesa dos outros ditadores? Chegaria ao ponto de considerar Hitler um dos possíveis "grandes" alemães? E Pol Pot no Cambodja? Se incluísse alguns destes mas não incluisse outros, qual o critério de considerar uns "grandes" no seu país e outros não? O número de pessoas que foram assassinadas sob os seus regimes?

(Luís Vasconcelos Guimarães)
 


EARLY MORNING BLOGS

885 - La libertad, Sancho ...

Cuando don Quijote se vio en la campaña rasa, libre y desembarazado de los requiebros de Altisidora, le pareció que estaba en su centro y que los espíritus se le renovaban para proseguir de nuevo el asumpto de sus caballerías , y volviéndose a Sancho le dijo:

—La libertad, Sancho, es uno de los más preciosos dones que a los hombres dieron los cielos; con ella no pueden igualarse los tesoros que encierra la tierra ni el mar encubre; por la libertad así como por la honra se puede y debe aventurar la vida, y, por el contrario, el cautiverio es el mayor mal que puede venir a los hombres . Digo esto, Sancho, porque bien has visto el regalo, la abundancia que en este castillo que dejamos hemos tenido; pues en mitad de aquellos banquetes sazonados y de aquellas bebidas de nieve me parecía a mí que estaba metido entre las estrechezas de la hambre, porque no lo gozaba con la libertad que lo gozara si fueran míos, que las obligaciones de las recompensas de los beneficios y mercedes recebidas son ataduras que no dejan campear al ánimo libre . ¡Venturoso aquel a quien el cielo dio un pedazo de pan sin que le quede obligación de agradecerlo a otro que al mismo cielo !

—Con todo eso —dijo Sancho— que vuesa merced me ha dicho, no es bien que se quede sin agradecimiento de nuestra parte docientos escudos de oro que en una bolsilla me dio el mayordomo del duque, que como píctima y confortativo la llevo puesta sobre el corazón , para lo que se ofreciere, que no siempre hemos de hallar castillos donde nos regalen, que tal vez toparemos con algunas ventas donde nos apaleen.

En estos y otros razonamientos iban los andantes, caballero y escudero ...

(Cervantes, Dom Quixote)

*

Bom dia!

12.10.06
 


The image “http://www.automatesintelligents.com/actu/images/2003/fev/kasparov.jpg” cannot be displayed, because it contains errors.JOGANDO COM GARY KASPAROV

e perdendo.

Mas Kasparov, que já deve ter jogado milhares de jogos, tem uma espécie de tique: antes de começar o jogo, roda as peças do xadrez com as duas mãos simetricamente, como se se apoiasse nas peças. Fez isto nos vinte tabuleiros, muitas vezes nos peões, torres e bispos, pelo que não é a orientação das peças (como nos cavalos) que estava arrumar.

Na jogada que virou o "meu" jogo, Kasparov bateu a peça com mais força, como se dissesse, "acabou". E acabou mesmo. Havia alegria e uma espécie de grito de guerra naquele golpe. O homem pode ser profissional até à medula, mas gosta mesmo de ganhar. Ainda bem, assim dá gosto jogar.

Recordando-se dos tempos em que era considerado um dos melhores "investigadores" de xadrez, um conhecedor profundo de jogos e jogadas, lembrou o trabalho que tinha a recortar artigos de jornais e revistas com os jogos. Agora "faz-se tudo no computador", "há menos trabalho".

Era inevitável. É Portugal e mesmo na mais tecnológica das assistências tinha que vir o Mourinho. Kasparov não o tem em boa conta: "quando se tem recursos ilimitados não custa ganhar" e acrescentou "os recursos ilimitados do Chelsea que são roubados ao meu país".
*













(...) Poderia intitular-se: "Retratos do trabalho no Centro de Congressos do Estoril, Portugal", com a seguinte legenda azul: «O tique de Kasparov, "rodando as peças do xadrez com as duas mãos simetricamente", ao iniciar uma simultânea com vinte xadrezistas amadores portugueses (isto é: que nunca alcançaram o patamar dos 2000 pontos de ELO). O resultado, previsível, foi de 20 vitórias para o ex-campeão do mundo e nem sequer um empate para amostra.»


(José Mário Silva)

*

Injustiça, (...) , injustiça. Eu sei que você não é muito dado a estas coisas da bola, mas Mourinho já tinha ganho tudo no FCP com recursos escassos e jogadores de "refugo" (em termos de valor de mercado, claro está) que valorizou. E o Real Madrid? Gastou milhões em superestrelas e nada ganhou. Mourinho, que também tem os seus defeitos, é um "revolucionário" na gestão das equipas e um exemplo de competitividade que deveria ser olhado com mais atenção aqui no Portugal da inveja e dos "pequeninos". Aconselha-se a leitura de "Mourinho, Porquê Tantas Vitórias" escrito por quatro licenciados em desporto e editado pela Gradiva. Está lá tudo. Basta extrapolar para outras áreas.

(João Cília)
 


RETRATOS DO TRABALHO NA COSTA DA CAPARICA, PORTUGAL



... hoje às 16:30 na Costa da Caparica (...) os pescadores devolvem ao mar o peixe com menos interesse comercial, neste caso a cavala, para gáudio das gaivotas num ritual que se repete todos os dias.

(Santos Pereira)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: MAIS UMA LEI DA TRETA?



Já que perguntar não ofende: quantas pessoas foram multadas, este ano, por terem ido ao banho indevidamente nas praias onde estavam hasteadas as bandeiras de proibição?

(C. Medina Ribeiro)

10.10.06
 


RETRATOS DO TRABALHO EM OLHÃO, PORTUGAL



O bagageiro dos barcos que fazem a ligação entre Olhão e as ilhas a largo - Armona, Farol e Culatra ajuda os passageiros a colocar os sacos das compras no "telhado" do barco.

(Luis Cunha)
 


LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 10 de Outubro de 2006


Mais uma para a era dos engraçadinhos (vinda do Canadá, sem acentos)
Estava eu no Sabado de manha a ver a SIC Internacional, quando deparo com um programa chamado Extase, e’ basicamente composto por um bando de engracadinhos, armados em espertos que falam com algumas celebridades, enfim tudo muito parvinho do meu pontos de vista, mas suponho que haja pessoas interessadas neste tipo de programas.

O pior foi que este Sabado, um desses engracadinhos estava no Terreiro do Paco a fazer entrevistas a algumas raparigas que por ali passavam. Ele chamava-as, elas reconheciam-no da TV e iam falar com ele, como se de uma vulgar entrevista se tratasse. O pior foi que este idiota a certa altura punha ostensivamente a sua mao no rabo das meninas, tudo isto dizia ele depois, era para “os apanhados”. Que tipo de apanhados sao estes? Sera’ que eu estou a ver bem? (pensei eu) Como e’ que uma coisa destas passa o escrutinio da SIC?
Como e’ tudo isto possivel?

Este tipo ria-se a bandeiras despregadas da sua piada parvinha. Sera’ isto um reflexo da nossa sociedade machista? Porque deixe-me que lhe diga se uma coisa destas acontecesse nos EUA, este tipo estaria provavelmente preso por assedio sexual, e a TV seria multada em varios milhoes de dolares.

(Carlos Carvalho)
*

Restos de um LENDO/VENDO/ OUVINDO de há alguns dias:
Sobre a crescente politização dos telejornais da estação pública é digo de nota o tempo que o jornal 2: da passada sexta-feira dedicou a acções do governo: sem muita precisão, os primeiros 15 a 20 minutos forão dedicados quase inteiramente a anúncios governamentais de vários sectores ou sobre o prórpio PS. Apercebi-me desta situação quando uma notícia, onde o primeiro-ministro discursava, teve uma duração bem superior ao normal apanhado de frases que é costume fazer-se, mas antes parecia que iriam transmitir o discurso na íntegra e onde certamente por dois minutos (bastante tempo em televisão e num noticiário) o discurso foi transmitido sem interrupção. Nunca senti tão claramente um excesso de notícias sobre o PS relativamente à importância das próprias notícias como neste noticiário.

(Romeu Duarte)

Só agora li os textos sobre a manifestação dos professores e a cobertura da RTP a esta. Não vou fazer de advogado de defesa da RTP, até porque abomino esta RTP, mas neste caso específico não consigo concordar com os diferentes textos. A RTP não passou a notícia logo na abertura do telejornal, mas passou bem perto das 20h e com cabeçalhos como "Maior manifestação dos professores desde o 25 de Abril". A SIC noticiou a manifestação bem para lá das 20h30 e, esta sim, sem grande destaque. O serviço público de televisão está mau.
Mas neste caso não vejo razões de queixa. Mas pelo que leio no Abrupto a RTP já é quase como que um "ódio de estimação" não?

(Jorge S. Paupério)
 


RETRATOS DO TRABALHO NO PASSADO, MOÇAMBIQUE, PORTUGAL



... fotografia da minha mãe nas suas funções de secretária/ dactilógrafa em Moçambique, Lourenço Marques, nos anos sessenta. Tudo nesta foto nos remete para um tempo de que nos lembramos ainda: a máquina de escrever, a folha de stencil. Hoje teria um teclado e um monitor.

(Madalena Santos)
 


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884 - Fazer pouco fruto a palavra de Deus no Mundo ...

Fazer pouco fruto a palavra de Deus no Mundo, pode proceder de um de três princípios: ou da parte do pregador, ou da parte do ouvinte, ou da parte de Deus. Para uma alma se converter por meio de um sermão, há-de haver três concursos: há-de concorrer o pregador com a doutrina, persuadindo; há-de concorrer o ouvinte com o entendimento, percebendo; há-de concorrer Deus com a graça, alumiando. Para um homem se ver a si mesmo, são necessárias três coisas: olhos, espelho e luz. Se tem espelho e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se tem espelho e olhos, e é de noite, não se pode ver por falta de luz. Logo, há mister luz, há mister espelho e há mister olhos. Que coisa é a conversão de uma alma, senão entrar um homem dentro em si e ver-se a si mesmo? Para esta vista são necessários olhos, é necessária luz e é necessário espelho. O pregador concorre com o espelho, que é a doutrina; Deus concorre com a luz, que é a graça; o homem concorre com os olhos, que é o conhecimento. Ora suposto que a conversão das almas por meio da pregação depende destes três concursos: de Deus, do pregador e do ouvinte, por qual deles devemos entender que falta? Por parte do ouvinte, ou por parte do pregador, ou por parte de Deus?

(Padre António Vieira)

*

Bom dia!

9.10.06
 


RETRATOS DO TRABALHO EM MIRAMAR, PORTUGAL



Fotógrafo na praia.

(Gil Coelho)
 


MAIS UMA CORRIDA. MAIS UMA VIAGEM


a terminar.

8.10.06
 


RETRATOS DO TRABALHO NA PRAIA - SANTIAGO, CABO VERDE



São sete da manhã no Mercado do Plateau na cidade da Praia, Ilha de Santiago, Cabo Verde

(Nuno Castela Canilho)
 


LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 8 de Outubro de 2006


Quem já viu vários ciclos políticos sabe que uma das características da parte socialista do ciclo é que nunca a questão da manipulação dos órgãos de comunicação é considerada relevante para ser tratada pelos órgãos de comunicação. "Relevante" não significa uma ou outra notícia dispersa, mas sim um interesse permanente, preocupado, contínuo, investigativo. Como o que existiu no tempo do Governo Santana Lopes e das suas "centrais de comunicação" e bem. Como o que actualmente se exige com um governo maioritário, com longo tempo de decisões sobre toda a comunicação social, podendo moldar o sector, escolher provedores e "reguladores", definir direcções, nomear directores, demitir responsáveis, ou seja, mandar na comunicação social

*

Veja-se Eduardo Cintra Torres hoje no Público:
"A blogosfera protestou: o Telejornal de 5 de Outubro remeteu para segunda linha o discurso de Cavaco Silva e a manifestação de professores. De facto, o jornal da RTP dedicou os primeiros 15m29s a um sequestro num banco em Setúbal; seguiu-se o aumento das taxas de juro; só aos 22 minutos do noticiário veio a maior manifestação de professores de sempre, que teve direito a 2m32s, isto é, metade do futebol e o mesmo que os 50 anos dos livros da Anita. O discurso do Presidente e a abertura do Palácio de Belém tiveram direito a 7m23s, mas só depois da primeira meia hora de Telejornal. Os protestos da blogosfera são correctos, porque o Telejornal deveria ser a janela do serviço público informativo. (...) Com uma blogosfera activa, torna-se mais difícil aos poderes e aos que vergam às pressões nos media tradicionais fazer passar propaganda e malabarismos informativos. Esta atitude activa da blogosfera é tanto mais importante quanto uma parte significativa da imprensa tradicional se alheia, incrivelmente, deste tipo de análise, fazendo um jornalismo sobre TV muito desviado da realidade: nas últimas semanas, recebi duas dúzias de telefonemas de jornalistas de outros media interessados em saber, ou sobre a minha carteira profissional de jornalista, ou a minha opinião sobre os Morangos, Floribella, Jura, "guerra" SIC-TVI... mas nada sobre o condicionamento político da informação - que é um tema de interesse activo para quem lê jornais, como se vê pela blogosfera."
 


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883 - Dust in the Eyes

If, as they say, some dust thrown in my eyes
Will keep my talk from getting overwise,
I'm not the one for putting off the proof.
Let it be overwhelming, off a roof
And round a corner, blizzard snow for dust,
And blind me to a standstill if it must.

(Robert Lee Frost)

*

Bom dia!

7.10.06
 


VER A NOITE



Noite desigual. Agora.

(RM)
 


COISAS DA SÁBADO: VERDADE E POLÍTICA

http://newsimg.bbc.co.uk/media/images/41548000/jpg/_41548116_gyurafp203b.jpgO Primeiro-Ministro húngaro num momento de catarse resolveu dizer que mentira aos seus concidadãos para ganhar eleições. Os seus eleitores, num momento de catarse, resolveram dizer que tinham acreditado nas mentiras e que se sentiam agora enganados pelo que querem o homem na rua. Todos os dilemas da política moderna nas democracias estão aqui presentes. Sem mentir, os políticos não ganham eleições, por regra. As excepções confirmam a regra. Sem serem voluntariamente enganados os eleitores não votam em ninguém. Vou acaso votar em alguém que me diz, na miséria em que eu estou, que vou ter que trabalhar mais, ou ganhar menos e não ter esperança tão cedo de a deixar? Nem pensar nisso, vou votar mas é no que parece saído da televisão, bem falante, bem parecido, que me acaricia o ouvido com o que eu quero ouvir. Que faz todas as rábulas do que eu desejo: se vivo em tempos inseguros, quero um duro e firme com o crime, se vivo num túnel, quero um que me fale do fim do túnel e da sua luz radiosa. Eu sei que ele me mente que é só teatro, mas é desse teatro que eu gosto, não me quebrem a ilusão, esse doce enlevo. Vai para a rua ó mentiroso húngaro!
 


BIBLIOFILIA: QUANDO O MUNDO ERA SIMPLES



e pouco politicamente correcto.
 


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882 - ...nobody answers this bell!


There was an Old Man who said, 'Well!
Will nobody answer this bell?
I have pulled day and night,
Till my hair has grown white,
But nobody answers this bell!'

(Edward Lear)

*

Bom dia!


6.10.06
 


O FUTEBOL COMO REPOSITÓRIO DOS BONS COSTUMES

http://www.apostolado.info/fotos/grandes/bola.gif
A última coisa que sou é um moralista e muito menos alguém que pense que as sociedades são assépticas, ou sequer que devam ser assépticas. Deve ser tenebroso viver num mundo inteiramente ordenado por curadores da moral pública, numa espécie de Singapura gigantesca policiada por patrulhas do vício, embora o crescente papel dos defensores da sharia vá nesse caminho e a cobardia ocidental lhes abra a porta. Mas exactamente por não ser moralista é que vejo com curiosidade entomológica (sim, de entomologia, "a ciência que estuda os artrópodes sob o aspecto morfológico e biológico e a sua relação com os outros seres vivos") o modo como na sociedade portuguesa as pessoas se relacionam com o futebol. E o modo como este fornece "exemplos de vida", propaganda pelos factos, modelos de comportamentos morais. Bons exemplos, não por serem bons, mas por serem eficazes.

Preciso duas coisas, neste terreno armadilhado com ácido fórmico: não é só em Portugal mas também noutros países, com graus diferentes conforme os mecanismos de socialização distintos, e não se aplica a toda a gente, mas à maioria da gente. Mais uma prevenção por causa do mesmo ácido: o fornecimento de exemplos sociais de malfeitorias não se limita ao futebol, também os políticos, as profissões liberais, os ricos, o jet set, os jornalistas, os artistas de variedades, etc., etc., contribuem. Só que o anátema social que de imediato os atinge é duro e fulminante, o que ainda torna mais reveladora a complacência com o futebol.

Este aspecto de "propaganda pelo exemplo", como diriam os anarquistas, é muito interessante, porque, numa sociedade com uma moral pública feita de bons costumes e respeitinho, ninguém se importa com os desmandos vindos desse exemplo de virtudes que é o mundo do futebol. Exactamente por não ser moralista - repito pela terceira vez - é que o que me parece revelador é a hipocrisia que esta atitude mostra e a forma como a circulação social dessa hipocrisia mostra a superficialidade desses bons costumes: dêem-lhes um campo de futebol, uma discussão de café, uma entrevista televisiva, uma chamada telefónica a fazer umas certas combinações, uma noitada de alterne, horas e horas a fio de conversa no emprego, um megafone na Internet, uma excitação de cachecol e lá vai a boa educação, a moralidade cristã, a cartilha do João de Deus, a prelecção da missa ao domingo, e só ficam os urros colectivos e a suave música tribal do "ó Pinto da Costa vai para o c..." (que no Público não se escrevem obscenidades).

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/1/18/MattiParkkonen_chimpanze1.jpg/180px-MattiParkkonen_chimpanze1.jpgO noticiário nacional é revelador e uma consulta rápida a essa parte dos jornais pulula de casos virtuosos. Prova um: o Manchester United processou o Benfica, porque, quando os seus jogadores negros apareciam, as bancadas desatavam a gritar umas coisas com us, com a boca atirada para cima e o beiço grosso, que os adeptos aprenderam com os macacos. Percebe-se: macacos nas bancadas num diálogo multicultural com os macacos no relvado. Esta dos macacos já eu vi num dos raros jogos de futebol a que assisti, confesso que a sua maioria em campanhas eleitorais, eis o tributo que o vício paga à virtude, e de clubes de pequena dimensão. Num desses jogos, começaram os macacos sincopados a urrar e eu, que não sabia o que era aquilo, perguntei, penso que ao Hermínio Loureiro, o que é que se passava, se era o hino do clube, e ele, com infinita paciência, explicou-me. O Benfica ficou naturalmente indignado com tão vil acusação e nega que haja racismo entre os seus adeptos, tudo gente que paga as quotas ao SOS Racismo, e presumo que o Manchester também não é um poço de virtudes.
http://www.artnet.com/artwork_images_287_117714_Carol-Anthony.jpg
Adiante, que não faltam exemplos nas fabulosas escutas do Apito Dourado que parece que servem para tudo menos para levar a tribunal os nelas implicados. Prova dois: esta semana ouvi na televisão mais um virtuoso exemplo de um clube que para agradecer aos árbitros os bons serviços prestados lhes garantia "fruta", ou melhor, "fruta para a noite". Mais uma vez me surpreendi pela indigência do nosso futebol que paga um bom resultado apenas com fruta, embora possa pressupor que fruta nocturna deva ser mais rara. Uma pesquisa na Internet sobre o que era essa "fruta nocturna" não deu resultados, pelo que o Google ainda está para apanhar as subtilezas das prendas aos árbitros portugueses. Há um Night Fruit Café, um Starry Night Fruit Cake. Há uma recomendação de que não se deve comer uma Night Fruit Pie antes de se ser operado, o que me parece recomendável, mas nada que explique o sucedido. Ainda me inclinei, metaforicamente claro, a favor da bebida, porque parece que o presidente Pinto da Costa teria sido consultado ou teria perguntado se queriam "café com leite, com muito leite ou mais café".
Podia também ser um caramelo, um doce, uma pastilha, visto que alguém escutado diz ao outro escutado, o presidente, que um árbitro estaria "à espera de um rebuçadinho", ao que lhe foi respondido "pois está-lhe garantido". Aqui está um retalho da vida desportiva ímpar de virtudes frugais. Basta um "rebuçadinho". Só intelectuais maldosos ou apoiantes do presidente do Benfica é que falam da corrupção no desporto.

Afinal, o Record funcionou como aqueles malvados que nos dizem cedo de mais que não há Pai Natal e informou-me da minha angustiante ignorância, tornando prosaica a procura da "fruta nocturna", explicando que o pagamento aos árbitros era feito através de "serviços sexuais com prostitutas", o que alargou a minha noção de serviço público e me elucidou ainda mais sobre o fascinante mundo dos "rebuçadinhos".

Eu sei que isto é chover no molhado. Há altíssima probabilidade de os meus leitores - sim o PÚBLICO é lido por gente normal e não por especialistas em Duns Scoto (embora na semana do discurso papal tivesse as minhas dúvidas) - conhecerem estas e mil e uma outras histórias e terem-se já divertido e encolhido os ombros com elas. É esse encolher dos ombros (pensando bem, hoje que eu estou a encher este artigo de metadiscursos protegidos por vírgulas, parêntesis e travessões, o que é isso de encolher os ombros face à riquíssima linguagem gestual dos jogos de futebol...) que me interessa: ver pais cuidadosos com a educação dos seus filhos, que não lhes permitem um palavrão, ululantes nos estádios mais os herdeiros; raparigas finas nos salões a tornarem-se raparigas grossas nos estádios; gente que não conhece, nem quer conhecer o vizinho e que só se dá com os seus eleitos a confraternizarem com a cerveja convencidos que estão entre os apaches a dançar com os lobos. Chegam ao futebol e vale tudo, a começar pelos olhos.

Os amadores ilustrados pelo intelecto dirão que isto é que revela a "força do futebol" e eu acrescento "e a fragilidade da nossa comunidade, mais a hipocrisia da nossa sociedade". Essa da hipocrisia move-me mais do que a "fruta nocturna" ou os us, porque num país católico, apostólico, romano, na cauda da Europa, e com uma nostalgia mítica do passado, faz estragos consideráveis e comunica com outros pecados sociais que acho mais sinistros, a começar pela inveja socializada e a defesa activa da mediocridade.

Eu sei que a sociologia, a antropologia, a psicologia de massas, a psicanálise social, a etologia dos primatas, a endocrinologia, e muitas mais áreas científicas explicam tudo. Mas um pouco mais consciência da hipocrisia social activa que o futebol propicia teria certamente a virtude de tornar a sociedade mais genuinamente tolerante, o que ela é pouco e... menos moralista. Eu bem vos disse, agora aqui pela quarta vez, que não sou moralista.

(No Público de 5 de Outubro de 2006)
 


LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 6 de Outubro de 2006


O modo como a manifestação dos professores foi tratada mostra a fragilidade do nosso jornalismo, que tem muita dificuldade em sair do habitual, em perceber o que é diferente, para além das legítimas dúvidas sobre a governamentalização da RTP que suscita. A manifestação dos professores não foi apenas uma manifestação bem sucedida para os sindicatos, não foi apenas a "maior" manifestação dos professores, foi um elemento qualitativamente novo na análise da situação do nosso ensino.

Mereceria que se lhe estivesse mais atento porque mostra uma ruptura entre os professores e o Ministério sem precedentes e que não pode deixar de ter consequências sobre o que se passa nas escolas. Mereceria um comentário mais qualificado, fora do tradicional conflito sindical, mereceria que se tentasse perceber porque razão o Ministério alienou nas escolas a parte mais qualificada dos professores que podiam ser o suporte de muitas das reformas que têm vindo a ser propostas e que são vitalmente necessárias. Mostra o preço do estilo do governo de tentar fazer reformas atacando os grupos profissionais no seu conjunto pelos seus "privilégios", o que no caso dos professores foi fatal.

Os professores são uma profissão muito especial, com grandes fracturas internas, muito maus hábitos mas também um dos ambientes de trabalho mais árduos que se possa imaginar, tendo que defrontar problemas sociais, familiares, culturais, para que não tem meios nem qualificações, para que nem sequer é suposto que escola tenha eficácia. Mas há uma minoria de professores, uma minoria porque a profissão está muito degradada, que se dedica de forma quase "vocacional" ao ensino e esses desejavam há muito algumas das reformas que o Ministério se propõe fazer. Sucede que esses professores também sabem bem demais o papel negativo que o Ministério sempre teve e as enormes responsabilidades do aparelho burocrático-sindical que o domina. Revoltaram-se por passarem a bodes expiatórios de uma situação que sempre combateram, sem qualquer assunção de responsabilidades próprias do Ministério. Alguns pela primeira vez foram ontem a uma manifestação sindical.

Boa tarde, sou um jovem desempregado de 29 anos e senti-me indignado ontem, pois vi o péssimo telejornal transmitido pela RTP1(casa que eu tinha em consideação).Surge-me dizer que estou tentado á acreditar nas palavras de
Cintra torres, em relação á governamentalização do telejornal. Que todo
e qualquer governante se sirva do serviço publico para dar a conhecer o que pretende para o pais tudo bem, agora que praticamente se ignore os protestos, no caso de professores, está mal.Na Sic além da nossa manifestação até apareceu uma na Grecia, na rtp penso que esta nem foi mencionada.

Aqui por casa somos todos professores e estamos profundamente desiludidos com este ministério. Podemos dizer que o serviço publico melhorou deste que estão este senhores a mandar(veja-se o caso recente do progrma sobre lingua português, ou programa d reportagens que ecentemente emitiu uma sobre violência dos alunos sobre os professores),menos o telejornal claro.O caso dos professores é apenas a ponta do iceberg.

Façam-me um favor toca a congestionar o mail do provedor sobre este assunto.Penso que vou passar a ver mais o telejornal da Sic.

(Hugo Cunha)

*

Foi muito oportuna a ida do Secretário de Estado ao Canal Dois, ao telejornal, onde uma vez mais tratou o problema dos professores como se estivesse a tratar de birras de crianças e a explicar-lhes que quando uns se portam mal, todos são castigados.
Isto é algo que eu não entendo nesta equipa ministerial. Nunca o professor foi tão humilhado e a ressalva dos competentes e dedicados não tem qualquer tipo de efeito balsâmico na ferida da humilhação.

Mas o pior estaria para a acontecer, quando em pleno dever de informar o espectador sobre o que tinha acontecido, ou estava ainda a acontecer, nas ruas de Lisboa, numa manifestação espantosamente participada, a notícia dos professores foi breve e rapidamente substituída pela repetição de um excerto da entrevista dada na véspera, exactamente no tema ECD, em que o Sr. Secretário de estado repisa a teoria do ME.

Fica esquecida a questão do desemprego dos professores profissionalizados que esperam por contratações cíclicas que não têm nem dia nem hora para serem publicadas na internet? Este desemprego contribui para a existência de seres humanos cada vez mais infelizes do ponto de vista pessoal e social. E este governo devia ter preocupações com as pessoas. Que socialismo é este? Os alunos são gente e os professores são gente. Obrigada por lerem a minha indignação!

(Madalena Santos, professora do Ensino Básico, 54 anos de idade, 31 de profissão)

*

1. A minha mãe é professora há 34 anos. Pela primeira vez foi a uma manisfestação. A manifestação dos professores. Ela é uma pessoa completamente despolitizada.Despolitizada entenda-se :raramente vota , nunca militou em partidos e/ou sindicatos e quando falam em politica na Tv , muda logo de canal.
Quando chegou a casa , vinha com uma bandeira na mão e a primeira coisa que fez , foi guardar a dita cuja , como que dizendo " Quero guardar uma recordação deste dia".
Como ela , outros se lhe juntaram na manifestação , que claramente não foi só apenas uma manifestação dos sindicatos e seus compagnons de route . Foi um largo contigente de professores que desceu a Lisboa. E foi isso que a RTP omitiu.

2.Imaginemos um Gestor. No primeiro dia , quando chega à sua nova Empresa , a primeira medida que faz é chamar os Trabalhadores para uma reunião.
Expõe-lhes os seus planos e objectivos e no final da reunião , remata a mesma dizendo :"Estes são os meus planos e objectivos. Sei que voçês são uns incompetentes, mas os objectivos tem de ser alcançados!Agora mãos à obra!".Logicamente que a motivação e a produtividade dos trabalhadores não será elevado.Agora substitua-se Gestor por "Ministra da Educação", Empresa por "Ministério da Educação" e Trabalhadores por "Professores."No contexto actual , a situação não muda muito..

3.Aquando da já longínqua (quase dois anos..) campanha eleitoral , em Portugal descobriu-se que existe um pais chamado Finlândia , que por "acaso" é bastante desenvolvido .O que motivou uma visita de José Socrates, já indigitado Primeiro Ministro , para conhecer in loco este fenómeno. Uma das conclusões , foi que , supresa das supresas , uma das razões para o sucesso Finlandês passava por uma forte aposta da educação.
Lembro-me que nessa visita , quando entrevistavam professores Finlandeses , todos eles frisavam o facto de , por via da sua profissão , serem pessoas bastante respeitadas na comunidade e a sua opinião ser ouvida atentamente.Será que isso sucede em Portugal?Acho que não...

(João Melo)

*

O problema político da educação é muito mais sério do que pode parecer. Era altura de a comunicação social (e o sistema político) deixarem de tratar o assunto como «pano de fundo» da vida cívica. Ele merece lugar central. Incido em dois aspectos estranhamente ignorados e que, se se passassem noutro sector, já teriam chamado a atenção dos analistas políticos: (i) o mesmo PS que bate no peito a favor das quotas para as mulheres ao nível da representatividade política, ataca sem pudor o sector da educação, caso singular em Portugal (talvez acompanhado pelo da saúde) de valorização e dignificação social das mulheres que se afirmaram em pé de igualdade face ao género oposto «sem favores»; (ii) se o maior problema da estrutura social portuguesa é o fosso a tender para o terceiro-mundismo entre as elites e o «resto», uma almofada de classe média (mais média-baixa) que o Estado Democrático impulsionou está em vias de ser estreitada a um terço, se tomarmos como referência a proposta de Estatuto da Carreira Docente e tendo em conta os efeitos de modelação social associados às decisões estratégicas do Estado.

Que o Eng.º José Sócrates e os contabilistas-gestores-propagandistas que o acompanham sejam ignorantes nessas matérias, o mesmo não é aceitável vindo da socióloga Maria de Lurdes Rodrigues. Se a última para progredir na carreira fosse sujeita a um exame sobre a relação entre estrutura social e estabilidade política, estava rotundamente chumbada. Nem sequer parece ter percebido que a maioria absoluta não é eterna e a ressaca, com tal herança governativa, será um tiro no pé da estabilidade do sistema político democrático. Como o processo está a ser conduzido no plano político, onde muitos sonham com reformas na estrutura do Estado, daqui a uma década provavelmente encontrarão uma fragmentação estéril no tecido social e uma administração pública um pouco mais leve nos custos, mas muito mais ineficaz para os que mais precisam em sectores estruturais (segurança social, saúde e educação) e a persistência de um sector privado referenciado na mão-de-obra barata. Depois não valerá a pena voltar a chorar a estruturante desigualdade social de um país bipolar, que não sabe ser moderado, no qual desde 2005 os novos «capitães» tentaram uma revolução de Abril ao contrário, em vez de encetarem um processo reformista inteligente, honesto, ponderado, solidamente negociado e socialmente diluído.

A reacção de corpos profissionais como o dos professores simboliza muito mais para o sistema político do que a simples reacção absurda de pessoas bem instaladas que procuram a mera conservação de direitos adquiridos tornados ilegítimos pela propaganda governativa.


(Gabriel Mithá Ribeiro)
*

Sobre monstros, geometria, os gatinhos e o ET - ou de como é fácil levarem-nos pela certa. Basta ter grandes olhos, nariz curto...

*

Em continuação de ontem:
Não podia estar mais de acordo com os comentários relativos aos critérios noticiosos da RTP. Como é que se explica que notícias como o do sequestro de Setúbal tenha durado vinte minutos de entrevistas banais a transeuntes (sem que nada se passasse) e outras bem mais relevantes (Discurso do 5 de Outubro, Manifestação dos professores, etc...) tenham sido relegados para segundo plano? Isto para já não falar da duração do telejornal principal (mais de 1 hora!) cheio de banalidades futebolísticas (lesões, entrevistas a jogadores, sub-21, selecções diversas...). Basta ver os noticiários da BBC, Sky.News, TV5, CNN, para perceber as diferenças...

(Rui Mota )
 


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881 - Sur un hôte douteux



Ses disciples chantent : Il revient le Sauveur des hommes : Il vêt un autre habit de chair. L'étoile, tombée du plus haut ciel a fécondé la Vierge choisie. Et il va renaître parmi nous.

Temps bénis où la douleur recule ! Temps de gloire où la Roue de la Loi courant sur l'Empire conquis va traîner tous les êtres hors du monde illusoire.

*

L'Empereur dit : Qu'il revienne, et je le recevrai, et je l'accueillerai comme un hôte.

Comme un hôte petit, qu'on gratifie d'une petite audience, -- pour la coutume, -- et d'un repas et d'un habit et d'une perruque afin d'orner sa tête rase.

Comme un hôte douteux que l'on surveille ; que l'on reconduit bien vite là d'où il vient, pour qu'il ne soudoie personne.

*

Car l'Empire, qui est le monde sous le Ciel, n'est pas fait d'illusoire : le bonheur est le prix, seul, du bon gouvernement.

Que fut-il, celui qu'on annonce, le Bouddha, le Seigneur Fô ? Pas même un lettré poli,

Mais un barbare qui connut mal ses devoirs de sujet et devint le plus mauvais des fils.

(Victor Segalen)

*

Bom dia!

5.10.06
 


LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 5 de Outubro de 2006


Na RTP uma "grande" entrevista a Nobre Guedes cheia de banalidades. Uma coisa interessante: Nobre Guedes defende o retorno à tradicional estratégia do PP de Portas - dar-se bem com o PS, atacar o PSD.

*

Estou a ver o telejornal da RTP (5 de Outubro) e gostaria apenas de expressar a minha estupefacção relativamente às primeiras notícias do dia. São 20:19 e apenas foram tratados dois temas: o sequestro do dia anterior num banco e a subida das taxas de juro. Acho inqualificável as opções de quem tem define os critérios de escolha das notícias no telejornal da RTP. Hoje houve um discurso relevante do Sr. Presidente da República e (digo-lhe desde já que não sou professor) pelo que ouvi, porque ainda não vi, houve a maior manifestação de sempre de professores. Como é que é possível?

(João Paulo Neto)
 


BIBLIOFILIA: PARA O CENTENÁRIO DE HUMBERTO DELGADO



Um livro muito pouco conhecido de Humberto Delgado de 1944, o ano em que foi nomeado responsável pela aviação civil.
 


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880 -THE ANT



The ant has made himself illustrious
Through constant industry industrious.
So what?
Would you be calm and placid
If you were full of formic acid?

(Ogden Nash)

*

Bom dia!

3.10.06
 


LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 3 de Outubro de 2006


A Helena Matos cheia de razão no Blasfémias:
"É de anedotário o que se tem passado com as notícias sobre estas eleições no Brasil. Além de Lula sabem os leitores e telespectadores portugueses que existe a candidata Heloísa Helena. Quantas vezes se falou daquele obscurantissimo senhor que vai à segunda volta? E note-se que segundo nos é dito o incógnito vai à segunda volta apenas porque os ricos votaram nele e também porque os companheiros de Lula se deixaram apanhar nuns esquemas de corrupção (coisa confusa que nem vale a pena detalhar e que assim como assim é endémica e generalizada no Brasil)"
A caveira e tíbias é o símbolo dos produtos tóxicos.O grau de proselitismo político na nossa comunicação social está tão embrenhado, é tão denso e tão habitual, a começar pela questão "americano-bushista-israelo-palestiniana-iraquiana", que já é difícil imaginar como seriam as "notícias" sem ele. Seriam certamente mais notícias.

Exemplos: silêncios sobre o que se passa e é necessário fazer no Darfur, resultado de não se querer integrar o noticiário sudanês no contexto dos conflitos de origem islâmica; indiferença perante atentados como o de Mombai, também descontextualizado; conflitos húngaros entre o primeiro-ministro e a "extrema-direita", forma de diminuir a reacção contra um governante socialista; omissão do conteúdo do documento dos serviços secretos americanos publicado para mostrar como eram de má fé as fugas parcelares realizadas, etc., etc. Fecho rápido de assuntos, de tudo o que contraria as teses dominantes, ao mesmo tempo que se estica até ao limite tudo o que as reforça. É intencional? Muitas vezes nem sequer isso é. É como quem respira. Sempre o mesmo ar.
 


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879 - A Man Said To The Universe

A man said to the universe:
"Sir I exist!"
"However," replied the universe,
"The fact has not created in me
A sense of obligation."

(Stephen Crane)

*

Bom dia!

2.10.06
 


RETRATOS DO TRABALHO EM DUHRAM, REINO UNIDO



Diariamente este homem ajuda os alunos e pais de uma escola próxima a atravessar a rua numa passagem para peões.

(Fernando Baiao Dias)
 


LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 2 de Outubro de 2006


Novas paisagens. Esta nunca vi: um aerogerador incendiou-se. Está neste momento a arder.



*

Da mesma maneira que critiquei o seu "fecho", louvo agora a abertura do Público em linha com muito mais conteúdos disponíveis sem assinatura. Não é tudo, mas é um avanço. O jornal só pode ganhar, nós só podemos ganhar.

*

Como nos fala a memória? De um modo geral enganando-nos. Excelente iniciativa sobre os caminhos da memória e da história no Passado / Presente.
 


RETRATOS DO TRABALHO NO LOBITO, ANGOLA



No mercado do Lobito encontra-se todo o tipo de serviços.
Neste caso, um ‘improvisado’ salão de barbeiro.

(Carlos Guerreiro)
 


A FAVOR DA TURQUIA

http://www.essex.ac.uk/armedcon/images/country/headings/flags/turkey_flag_large.bmp

No dia 1 de Janeiro de 2007, mais dois países, a Roménia e a Bulgária, vão entrar na União Europeia. Ao mesmo tempo que confirmava esta data para o acesso dos dois países do Leste europeu, Durão Barroso adiou mais uma vez a esperança da Turquia de aceder em prazo razoável à União Europeia. As duas decisões são completamente contraditórias na sua lógica, a primeira certa mas cheia de ambiguidades, a segunda clara mas completamente errada.

Qualquer pessoa que conheça minimamente a Bulgária e a Roménia sabe de ciência certa que nenhuma das duas, mais a Roménia do que a Bulgária, está "preparada" para aceder à União Europeia, se os seus critérios de adesão fossem tomados a sério. A verdade é que já não o foram na última vaga de adesões, mas sim esticados até limites puramente formais para que, procedendo a rearranjos formais, alguns países pudessem entrar. As questões complexas que traduzem a história turbulenta do Centro e Leste da Europa, assim como a herança do comunismo permanecem longe de ser resolvidas. Algumas dessas questões, envolvendo nacionalidades, direitos de minorias, fronteiras contestadas, direitos individuais, independência do sistema judicial, sobrevivências de mecanismos totalitários de governo, menorização das oposições, desigual acesso aos meios do Estado, corrupção institucionalizada, com maior ou menor grau, existem em muitos países da antiga cortina de ferro. O que é que aconteceu à importante minoria russa na Letónia cujos direitos eram violados pela legislação sobre a língua e o emprego do Estado, discriminatória a favor dos falantes em letão? Este é apenas um exemplo dos muitos problemas a que se deu uma solução formal, para garantir a adesão, mas que efectivamente se varreram para debaixo do tapete. A Roménia e a Bulgária tem muitos destes problemas e mais alguns oriundos da maior pobreza relativa.

Apesar disto tudo, é positivo que a União Europeia inclua estes países no seu seio, dando-lhe mais oportunidades para prosperarem economicamente e funcionando como uma poderosa força de pressão para impedir os desmandos a que a herança do comunismo e os processos de transição, ou apenas o retornar de histórias nacionais antigas, poderiam levar. Só que me parece bem que se tenha consciência de que só entram, mesmo sem as condições cumpridas e ainda com um longo caminho pela frente, por puras razões geopolíticas.

Ao mesmo tempo convém abandonar a ilusão de que a sua entrada favorece a "integração" europeia, que de há muito está emperrada, em parte porque não se soube lidar com a realidade posterior à queda do muro de Berlim. Eu, do mal o menos: prefiro uma Europa mínima assente numa geopolítica da paz, que por sua vez assenta numa comunidade de bem-estar económico, do que Europa nenhuma. Ou seja, caminha-se para "unificar" a Europa e não para a "integrar". Também penso que valia a pena aos países fundadores da União, e que foram os seus motores, perceberem que a Europa que existe de facto é bem diferente da que se começou a fazer até Maastricht. Essa, a sua retórica vanguardista deitou-a a perder nos últimos dez anos e não volta tão cedo. E ou aceitam o que há, e trabalham a partir do que há, ou acabam por perder tudo.

Numa Europa mínima tem todo o sentido fazer entrar a Roménia e a Bulgária, mas se a Europa fosse "máxima", tivesse a unidade política, económica e social integrada que a utopia constitucional desejava, não teria. Quando se aceitou o alargamento apressado que culminou em 2004, decidiu-se por meras razões geopolíticas impedir que o Centro e Leste da Europa ficasse uma terra de ninguém entregue à pobreza, aos seus fantasmas do passado e à vizinhança perigosa de uma Rússia que Putin cada vez mais aproxima da política externa que foi a dos czares e a dos comunistas. E decidiu-se por essas razões porque já nessa altura se tornava evidente que a União Europeia não estava disposta a pagar o elevado preço de um processo de adesão a sério, mais lento, testado e caro, e isso se devia a que o impulso para um upgrade político era demasiado superficial, voluntarista e pouco adequado às realidades das políticas nacionais.

Depois, a um erro somaram-se muitos outros: a fuga em frente da Constituição europeia, a retórica da PESC, o gabanço de uma Europa mais economicamente desenvolvida que os EUA em 2010. E a assunção de uma política gaullista da Europa como superpotência destinada a contestar o palco mundial dos EUA. Tudo políticas profundamente erradas, que deixaram tornar o chamado "modelo social europeu" num mecanismo de bloqueio económico e social que gerou proteccionismo, que fracturaram o eixo transatlântico e que produziram uma política externa tão politicamente correcta como ineficaz. Hoje continuamos a não entender que a única Europa que funciona é a mínima e essa devia ser preservada antes que se estrague e que a "máxima" só traz caos e tensões, e nem sequer é hoje minimamente factível.

É por tudo isto que é um erro gravíssimo estar a criar dificuldades à adesão da Turquia nesta Europa mínima, a única que existe e funciona. A adesão da Turquia tem a mesma lógica da que vai aproximando a UE das fronteiras do continente, fazendo-a parar na Federação Russa, com a vantagem de a levar a outras fronteiras cuja instabilidade também afecta a Europa, as do Médio Oriente. É verdade que a Turquia tem graves problemas, alguns dos quais semelhantes aos de outros países no Leste europeu e outros que são uma sobrevivência da complexidade da sua história do século XX, em particular graves questões de direitos humanos relacionados com a questão curda. Mesmo para essa entrada numa Europa mínima, estes abusos devem ser controlados e eliminados, mas não se conhece outro dissuasor do que a manutenção da esperança da adesão na UE.

Depois há a vexata questão, a de ser um país maioritariamente muçulmano. É verdade, mas também é o único grande país muçulmano no mundo (em parte a Indonésia também) em que existe separação entre a religião e o Estado e este é laico, nalguns aspectos agressivamente laico. O nosso problema com a Turquia é que aquilo de que gostamos na Turquia, o Estado laico, assenta naquilo de que não gostamos, o papel constitucional do exército, herança das simpatias de Ataturk pelo nacionalismo de génese europeia e os totalitarismos dos anos 30. Uma revolução imposta a pulso de ferro, mas que criou um sistema de equilíbrios único.

Resolvidos esses problemas, há que lidar com a dimensão da Turquia de forma positiva, como benéfica para a paz da Europa. A Turquia não é um pequeno país, é uma potência regional, com uma área de influência que se estende das repúblicas centro-asiáticas até à China. E, para além disso, entra para a UE um dos poucos exércitos credíveis existentes na Europa. Também pode fazer diferença. Para a estabilidade da Europa, precisamos da Turquia e da Turquia do nosso lado. Pode ser até que a sua entrada na UE gere uma dinâmica mais favorável a uma retomada de um caminho político, mais lento, prudente e seguro. Exige-se senso e olhar grande sobre a geografia, a história e a política. Senão, damos por nossa iniciativa um eficaz passo para a "guerra de civilizações" que todos esconjuram, mas não praticam.

(No Público de 28 de Setembro de 2006)
 


EARLY MORNING BLOGS

878 - Spring Comes to Murray Hill

I sit in an office at 244 Madison Avenue
And say to myself You have a responsible job havenue?
Why then do you fritter away your time on this doggerel?
If you have a sore throat you can cure it by using a good goggeral,
If you have a sore foot you can get it fixed by a chiropodist,
And you can get your original sin removed by St. John the Bopodist,
Why then should this flocculent lassitude be incurable?
Kansas City, Kansas, proves that even Kansas City needn't always be Missourible.
Up up my soul! This inaction is abominable.
Perhaps it is the result of disturbances abdominable.
The pilgrims settled Massachusetts in 1620 when they landed on a stone hummock.
Maybe if they were here now they would settle my stomach.
Oh, if I only had the wings of a bird
Instead of being confined on Madison Avenue I could soar in a jiffy to Second or Third.

(Ogden Nash)

*

Bom dia!

1.10.06
 


INTENDÊNCIA

Actualizada a nota LENDO / VENDO / OUVINDO ÁTOMOS E BITS de 28 de Setembro de 2006.
 


RETRATOS DO TRABALHO EM LOBITO, ANGOLA



CUPAPATA é um serviço de táxis muito comum no sul de Angola. Não se encontra em Luanda.

(Carlos Guerreiro)

© José Pacheco Pereira
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