ABRUPTO |
correio para
jppereira@gmail.com
______________
|
30.6.06
INTENDÊNCIA Parece, sublinho, parece, que os problemas de migração dos computadores vão ser resolvidos, sem qualquer recurso à ajuda e assistência da HP. A solução veio-me dos leitores do Abrupto que já tinham tido que resolver problemas idênticos, também sem qualquer ajuda da HP, revelando sérias incompatibilidades da instalação original do software feita pelo fabricante. É uma solução trabalhosa e com outro tipo de dificuldades, mas que me parecem (talvez) mais fáceis de resolver. Seja como for, se acabar por ficar com o computador, este será o último HP que compro. Em breve darei pormenores. EARLY MORNING BLOGS 806 -"I bear a burden that might well try / Men that do all by rule" Two Songs Of A Fool (I) A speckled cat and a tame hare Eat at my hearthstone And sleep there; And both look up to me alone For learning and defence As I look up to Providence. I start out of my sleep to think Some day I may forget Their food and drink; Or, the house door left unshut, The hare may run till it's found The horn's sweet note and the tooth of the hound. I bear a burden that might well try Men that do all by rule, And what can I That am a wandering-witted fool But pray to God that He ease My great responsibilities? (William Butler Yeats) * Bom dia! 29.6.06
A ÚNICA OPOSIÇÃO POSSÍVEL É A LIBERAL Estamos num desses momentos em que mais é necessária política no espaço público, e o que acontece é o contrário, ela praticamente não existe, obscurecida por uma mistura anestesiante de circo, de conveniências, falsos consensos e maus hábitos do poder. Não havendo crítica nem alternância, gera-se um feito de obscuridade, não havendo ânimo crítico, o espaço público mirra. Os tempos que vivemos recordam-me, e a memória é uma maldição, de outro tempo recente muito semelhante: os primeiros anos do engenheiro Guterres. Nesses anos de glória, quando o engenheiro apesar de não ter maioria absoluta governava como se a tivesse, era um escândalo suscitar dúvidas, interrogações, críticas ao seu magnífico desempenho. Lembro-me de ter escrito então que me sentia uma espécie de ET quando mesmo os meus mais próximos me diziam que era impossível criticar Guterres. Havia dinheiro por todo o lado, a bolsa dava, a cada pequena esquina uma pequena fortuna, todos estavam felizes. Hoje sabemos que muitos dos erros trágicos, que se estão a pagar caro uma década depois, foram cometidos nessa altura, quando uma excepcional conjuntura favorável nos dava a última oportunidade de arrancar e a malbaratamos sem resultados. O governo de Guterres é hoje visto como a grande "oportunidade perdida", mas quem o percebeu e disse na altura? Contavam-se pelos dedos de uma só mão os críticos do engenheiro, isolados e ignorados, pelo mesmo "consenso" que hoje considera o seu governo um desastre. É assim e continuará a ser - em Portugal quando um consenso de rebanho, entre elites, políticos e jornalistas, se instala, tem muita força, abafa quase tudo. Hoje passa-se o mesmo, com a grande diferença que estamos em tempo de vacas magras e o Governo, em vez de nos prometer abundância, promete-nos dificuldades. É interessante verificar que é exactamente esta diferença que alicerça o consenso de hoje, com a mesma força acrítica do consenso do passado. O consenso assenta na ideia de que o país está mal e de que o Governo defronta esses males com coragem, pelo que merece o abater de todos os pendões. Muito pouca gente se pergunta se não era possível não apenas fazer melhor, mas fazer muito diferente e se essa diferença faz, afinal, toda a diferença. Banhados em milhares horas de circo e gladiadores, na anomia generalizada de todos a fazerem a sua vidinha como se nada fosse, e no escapismo, who cares? Como é que se chegou aqui? Pela combinação da vitória de duas pessoas, Manuela Ferreira Leite e José Sócrates. Num certo sentido, Manuel Ferreira Leite é a grande vencedora política da actualidade. Com a ironia habitual da história, para se ver a sua razão, foi necessária a sua queda e a do governo que se preparava para a afastar do cargo, por pensar que queria mais vida para além do défice. Também o governo que se lhe seguiu queria dar mais folga aos portugueses e descobriu uma "retoma" que nunca houve. Ambos, Durão Barroso e Santana Lopes, com o PSD profundo às palmas, queriam ver-se livre da "antipática" ministra que lhes dava cabo das sondagens. Mas Manuela Ferreira Leite tinha convencido os portugueses a aceitar sacrifícios para pôr a casa em ordem e, como estes desconfiavam das facilidades e da competência que Santana Lopes lhes prometia, foi procurar no outro lado, no PS. Sócrates apanhou a boleia desta ideia da necessidade de austeridade que o PS e ele próprio tanto tinham criticado. Ele começou a falar a linguagem apropriada ao sentimento da opinião pública que Manuela Ferreira Leite lhe tinha deixado. Como se apercebeu de imediato, isso tinha sucesso e ele conseguiu um consenso legitimador que se estende muito para além do PS. Com condições políticas excepcionais, maioria absoluta de um só partido, fragilidade extrema da oposição e agora um Presidente "cooperador", aproveitou com perfeição o "ar do tempo", revelando o seu estilo desde o primeiro minuto. O seu governo tem feito algumas coisas bem, mas não é o governo que serve para defrontar os problemas com que Portugal se defronta. Esta percepção reforça-se todos os dias e só a acefalia actual do espaço público tem deixado sem discussão medidas sobre medidas, sempre apresentadas, inclusive pela comunicação social, como inevitáveis. Eu, como já vi muitas coisas "inevitáveis" serem evitadas, como por exemplo a Constituição europeia, pouco me conformo com este ambiente de inevitabilidade. Pode-se, sobre o governo Sócrates, fazer dois tipos de críticas: ou dizer que faz bem mas faz pouco (que é a linha que de alguma maneira a própria Manuela Ferreira Leite sugeriu no congresso do PSD); ou entender que o que é necessário é fazer de outro modo, muito diferente. Só haverá verdadeira oposição quando se combinarem os dois termos, com preponderância do segundo. Os não socialistas esquecem-se muitas vezes de que Sócrates é socialista, ou seja, acredita no Estado como protector e corrector social, não concebe vida fora de um jacobinismo económico, social e cultural deslavado e modernizado, que é o socialismo dos dias de hoje. Acrescenta a isso um remake de positivismo cientista, crendo com deslumbramento que as tecnologias mudam a sociedade e não vice-versa, como se percebe no chamado "choque tecnológico", investindo-se em tecnologias de ponta sem se cuidar das literacias necessárias ao seu uso. O que Sócrates tem feito é defrontar a crise do Estado-providência propondo remédios que atrasam o seu colapso. Não o põe em causa, nem contesta a sua forma, concorda com ele por razões ideológicas. Várias vezes afirmou que essas medidas de austeridade têm como objectivo último garantir a "segurança social" para os portugueses e, com uma oposição que não contesta o essencial da sua atitude, faz o mal e a caramunha, ou seja, governa como governaram Barroso e Lopes e, mesmo aos olhos de muitos opositores do PS, com a vantagem de o fazer melhor do que os seus imediatos antecessores sociais-democratas. Ora, que eu saiba, não foi Deus que fez o Estado-providência, nem a História chegou ao fim com ele. Foram os homens, numa época, numa circunstância, em determinadas partes do mundo. Resultou, como todas as coisas na sociedade, de uma complexa interacção entre interesses e vontades, entre conflitos sociais e decisões políticas. Adequou-se às sociedades europeias do pós-guerra, geradas pelo Plano Marshall e pela integração europeia e beneficiando das circunstâncias excepcionais de não terem de fazer avultadas despesas militares, porque estavam cobertas pelo guarda-chuva nuclear americano. Só que esse mundo acabou e acabou de vez e poucas dúvidas me sobram de que, mantendo os seus fundamentos iniciais e programáticos, não se fará outra coisa do que gerir nas próximas décadas o empobrecimento e as tensões sociais em Portugal e na Europa, sempre presos nas mesmas políticas de esticar até ao limite o "modelo social", deixando para as gerações futuras uma herança cada vez mais ingerível. Há alternativas a esta política dos socialistas e elas podem ser socialmente muito mais justas do que as políticas actuais. As medidas de austeridade que o Governo está a tentar implementar, tímidas mas mesmo assim passos de gigante em relação aos governos anteriores, apenas adiam a crise estrutural do Estado-providência e têm custos muito mais gravosos para os mais pobres do que para os ricos. Mais: a seguir-se esta política, a crise tornar-se-á endémica e, com intervalos de pequenos surtos de prosperidade, continuar-se-á a ter de pedir novos sacrifícios e o problema de fundo permanecerá na mesma. Por isso, a prazo, o Estado-providência está condenado, pelas mesmas razões que lhe deram o sucesso. Não sobreviverá nem à globalização nem ao bem-estar adquirido, que não é reproduzível de geração para geração com a composição etária das sociedades ocidentais. Este é o custo de querer manter sistemas de segurança social universais que não têm outra razão de ser que não seja a ideologia do "modelo social europeu", que os socialistas consideram ser o último reduto do seu "socialismo". A reconfiguração do modelo do nosso Estado devia apenas garantir uma protecção social mínima para quem realmente a exige, limitar a esse mínimo de solidariedade social básica o carácter distributivo dos impostos, assim libertando para cada um a gestão da parte da sua "segurança" que está para além do mínimo garantido e para a economia recursos de que o Estado tem vindo a apropriar-se numa espiral cada vez maior. O que significa que a única oposição possível é a liberal. Sem este tipo de oposição, não há oposição a não ser a comunista e a do BE, que é uma variante da comunista. Só uma oposição liberal reformista e moderada pode mudar este estado de coisas. O consenso acéfalo dos dias de hoje é favorecido pela inexistência ou debilidade desta oposição. (No Público de hoje.) O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: ANUNCIA-SE, LEGISLA-SE, ...QUANDO SE PUDER FAZ-SE Hoje, o Diário da República, presenteia-nos com mais um choque tecnológico: Portaria n.º 657-A/2006 de 29 de Junho - Aprova o Regulamento do Registo Comercial Preâmbulo: “O Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, procedeu a uma profunda alteração do Código do Registo Comercial, designadamente com (…) a criação de condições para a plena utilização dos sistemas informáticos e a reformulação de actos e procedimentos internos. Simultaneamente, procedeu à revogação do Regulamento do Registo Comercial, pelo que se torna necessário aprovar uma nova regulamentação daquele Código, desenvolvendo as novas soluções nele previstas. Artigo 2.º Disposições transitórias 1 - Enquanto não se verificar a informatização do serviço de registo, são aplicáveis a este as disposições do Regulamento do Registo Comercial, aprovado pela Portaria n.º 883/89, de 13 de Outubro, que respeitem a livros, fichas e verbetes ou que pressuponham a sua existência.” Ou seja, a nova lei entrou em vigor, salvo nos seus aspectos principais, em que se aplica a legislação anterior. Continua-se a fazer tudo como dantes, porque não há condições materiais para implementar a lei. Primeiro anuncia-se e legisla-se. Se e quando se puder, faz-se. Dito, mas não feito. (Estamos a criar condições, dizem no preâmbulo ….) Valia a pena contabilizar os casos como este. Suspeito que íamos ter uma surpresa. (RM) RETRATOS DO TRABALHO EM MONTREAL, CANADÁ
(Ricardo Prata)
LENDO
VENDO OUVINDO ÁTOMOS E BITS de 29 de Junho de 2006 Continuam as palavras a revelar as posições. No noticiário da RTP1 sobre a manifestação da FRETILIN em Dili, várias interessantes distinções entre "nós" e "eles", inscritas na escolha das palavras. A favor de Xanana e contra o Governo são os "timorenses", a favor do Governo são "os apoiantes da FRETILIN". De um lado os "jovens", do outro os "manifestantes". Uns são contados para sugerir que são poucos e finitos; outros, nunca são contados para serem os "timorenses", a nação, o povo. INTENDÊNCIA O caminho para a devolução à origem (a FNAC) do HP Pavilion Dual core continua a passo acelerado. Pelo meio, ficam muitas horas de trabalho perdidas. A assistência da HP após uma longa navegação entre "prima 1 e "prima 2", remete-me para outro número de telefone. No segundo número, um técnico informa-me que é "normal" que não se possa instalar o Windows XP Professional, sobre o Home de origem, devido á configuração especial do software feita na fábrica. Excelente! Depois quando lhe digo que o computador bloqueia sempre que acede à Internet em banda larga, apesar de fazer a ligação, - que o seu irmão HP mais velho ao lado faz na perfeição -, diz que nunca soube da existência desse problema e que deve ser um problema com o modem da Telepac, o mesmo modem que deve existir em milhares de casas. Excelente! O computador liga, não liga? Liga, com alguma dificuldade depois dos bloqueios, mas liga. O software arranca normalmente, não arranca? Arranca, depois de ser reconfigurado de raiz n vezes. O computador liga à Internet não liga? Liga, e funciona entre trinta segundos e um minuto antes de bloquear exigindo ser desligado. Então o problema não é com a HP. PS. - Agradeço aos meus amigos leitores que me aconselham... a mudar para um Macintosh. EARLY MORNING BLOGS 805 - "La vieille crut qu'on la méprisait, et grommela quelques menaces entre ses dents." Il était une fois un Roi et une Reine, qui étaient si fâchés de n'avoir point d'enfants, si fâchés qu'on ne saurait dire. Ils allèrent à toutes les eaux du monde; voeux, pèlerinages, menues dévotions, tout fut mis en oeuvre, et rien n'y faisait. Enfin pourtant la Reine devint grosse, et accoucha d'une fille: on fit un beau Baptême; on donna pour Marraines à la petite Princesse toutes les Fées qu'on pût trouver dans le Pays (il s'en trouva sept), afin que chacune d'elles lui faisant un don, comme c'était la coutume des Fées en ce temps-là, la Princesse eût par ce moyen toutes les perfections imaginables. Après les cérémonies du Baptême toute la compagnie revint au Palais du Roi, où il y avait un grand festin pour les Fées. On mit devant chacune d'elles un couvert magnifique, avec un étui d'or massif, où il y avait une cuiller, une fourchette, et un couteau de fin or, garni de diamants et de rubis. Mais comme chacun prenait sa place à table, on vit entrer une vieille Fée qu'on n'avait point priée parce qu'il y avait plus de cinquante ans qu'elle n'était sortie d'une Tour et qu'on la croyait morte, ou enchantée. Le Roi lui fit donner un couvert, mais il n'y eut pas moyen de lui donner un étui d'or massif, comme aux autres, parce que l'on n'en avait fait faire que sept pour les sept Fées. La vieille crut qu'on la méprisait, et grommela quelques menaces entre ses dents. (Charles Perrault, La belle au bois dormant) * Bom dia! 28.6.06
COISAS SIMPLES
Jean-Léon Gérôme, Les pigeons INTENDÊNCIA Continuo enredado na tarefa, que devia ser simples e se torna cada vez mais complicada, de mudar de um computador para outro, ambos da mesma marca, HP. O meu primeiro encontro com a assistência técnica da HP foi prometedor: tudo o que funciona mal é, pelos vistos, suposto funcionar mal e eu devo resignar-me a essa realidade. Para um computador de topo de gama, é meio caminho andado para ser devolvido à procedência. Vamos ver se consigo evitar o outro meio do caminho, pelos meus meios. Darei notícias para prevenir os incautos. EARLY MORNING BLOGS 804 - IT SURE WAS PLEASANT TO SPEND A DAY IN THE COUNTRY Farm Implements and Rutabagas in a Landscape The first of the undecoded messages read: "Popeye sits in thunder, Unthought of. From that shoebox of an apartment, From livid curtain's hue, a tangram emerges: a country." Meanwhile the Sea Hag was relaxing on a green couch: "How pleasant To spend one's vacation en la casa de Popeye," she scratched Her cleft chin's solitary hair. She remembered spinach And was going to ask Wimpy if he had bought any spinach. "M'love," he intercepted, "the plains are decked out in thunder Today, and it shall be as you wish." He scratched The part of his head under his hat. The apartment Seemed to grow smaller. "But what if no pleasant Inspiration plunge us now to the stars? For this is my country." Suddenly they remembered how it was cheaper in the country. Wimpy was thoughtfully cutting open a number 2 can of spinach When the door opened and Swee'pea crept in. "How pleasant!" But Swee'pea looked morose. A note was pinned to his bib. "Thunder And tears are unavailing," it read. "Henceforth shall Popeye's apartment Be but remembered space, toxic or salubrious, whole or scratched." Olive came hurtling through the window; its geraniums scratched Her long thigh. "I have news!" she gasped. "Popeye, forced as you know to flee the country One musty gusty evening, by the schemes of his wizened, duplicate father, jealous of the apartment And all that it contains, myself and spinach In particular, heaves bolts of loving thunder At his own astonished becoming, rupturing the pleasant Arpeggio of our years. No more shall pleasant Rays of the sun refresh your sense of growing old, nor the scratched Tree-trunks and mossy foliage, only immaculate darkness and thunder." She grabbed Swee'pea. "I'm taking the brat to the country." "But you can't do that--he hasn't even finished his spinach," Urged the Sea Hag, looking fearfully around at the apartment. But Olive was already out of earshot. Now the apartment Succumbed to a strange new hush. "Actually it's quite pleasant Here," thought the Sea Hag. "If this is all we need fear from spinach Then I don't mind so much. Perhaps we could invite Alice the Goon over"--she scratched One dug pensively--"but Wimpy is such a country Bumpkin, always burping like that." Minute at first, the thunder Soon filled the apartment. It was domestic thunder, The color of spinach. Popeye chuckled and scratched His balls: it sure was pleasant to spend a day in the country. (John Ashbery) * Bom dia! 27.6.06
CORREIO / INTENDÊNCIA
Uma mudança de computador, com as habituais complicações, tem afectado o correio mais do que ele já estava com um infinito e irrecuperável atraso nas respostas. As minhas desculpas.
LENDO
VENDO OUVINDO ÁTOMOS E BITS de 27 de Junho de 2006 Os defensores do nosso omnipresente Estado devem estar contentes: conforme declarações do Secretário de Estado do Desporto à TSF uma das coisas de que cuida com desvelo o nosso Governo é escolher (neste caso manter) o selecionador nacional do futebol. É certamente uma questão de Estado... 26.6.06
COISAS DA SÁBADO: A FRAGMENTAÇÃO DE ESPANHA Existe uma velha máxima da nossa política externa que considera sempre positivas as dificuldades do poder central de Castela face às suas periferias bascas, catalãs e galegas. Qualquer reforço da unidade do estado espanhol é visto como perigoso para Portugal, a única “região” que ficaria de fora da pulsão centralizadora de Madrid e do seu olhar capcioso para um Portugal independente. Desde 1640 agradecemos à Catalunha o puro facto desta existir e assim nos ajudar também a existir. De Espanha, como todos sabemos, não vem nem bom vento, nem bom casamento. Sei tudo isto e … no entanto, não deixo de ver com preocupação a tendência para a fragmentação do estado espanhol que deu a semana passada outro passo com a aprovação referendária do novo estatuto da Catalunha. É um caminho perigoso, trilhado por Zapatero também no País Basco, abrindo as portas à negociação com a ETA terrorista. É daquelas coisas que hoje parecem pacíficas e benignas, mas que começam a revelar um caminho sem retorno para a independência da Catalunha e do Pais Basco, sob o olhar apaziguador, mas bem pouco espanhol, de Zapatero. Não será nos dias mais próximos, mas língua, impostos, polícias, órgãos de comunicação regionais e proximidades a outros lugares centrais que não Madrid, darão à Espanha dias quentes e isso não é bom para Portugal. * Lembro-me de ter lido no Abrupto, aquando duma visita a Budapeste,o seguinte comentário: "A descentração étnica, linguística, cultural e religiosa significa toda uma «história» por resolver (por exemplo, a importante população que fala húngaro e que ficou na Roménia, como se vê no mapa [...])" (Abrupto, 15.5.06) Tenho dificuldade em compreender a posição do Abrupto: por um lado, a aprovação referendária do novo estatuto da Catalunha é considerada "um caminho perigoso", por outro lado, os conflictos étnicos latentes na longínqua Transilvania representam "uma história por resolver". Tentar resolver essa história não seria um caminho perigoso ? Por quê ? Só porque a Espanha está mais perto ? Só porque eventuais "dias quentes" na Hungria e na Roménia não chegariam a ter influência em Portugal ? COISAS DA SÁBADO: XADREZ Nestas alturas de futebolite aguda, volto ao xadrez. Ouço os berros habituais ao longe, muito ao longe, com o “intelectualismo livresco” deste pobre autor que cometeu o crime de lesa-pátria de não saber quem era o Quaresma… Pois eu respondo aos berros anti-livrescos com o xadrez, venham cá pedir meças, num jogo onde nada se esconde, tudo se vê e não é possível fazer batota. Em poucos jogos é mais evidente o carácter, a psicologia do jogador, a sua agressividade ou calma, a sua racionalidade ou criatividade, a sua teimosia ou ousadia. Mas cuidado, porque o xadrez é, num certo sentido, o mais violento dos jogos. No tabuleiro, o que se passa é uma batalha e quem lá está são soldados, cavaleiros, oficiais, fortalezas e uma tenebrosa rainha, O rei é o penhor da soberania mas, por si, pode pouco. Está lá tudo, no silêncio, naquela aparente suspensão do mundo que torna os jogadores de xadrez figuras míticas, travando uma batalha épica, isolados no meio de um mundo que lhes passa ao lado. Introspectivo e sem a grande teatralização do espectáculo moderno de massas, o xadrez é ainda um dos pináculos das virtudes da inteligência matemática, posicional, territorial, táctica e estratégica. Valia a pena haver mais xadrez e muito menos futebol. Por um átomo do que estão a gastar no futebol, estado e privados, podiam colocar centenas de escolas a jogar xadrez, milhares de jovens e crianças a pensar com a cabeça e não com os pés. Fica o país melhor? Fica, fica. Não faz mal nenhum usar os neurónios. * Sem colocar em causa o ponto capital do seu artigo "Xadrez", devo dizer que não concordo consigo quando defende que o desporto a que o mesmo se refere é "um jogo onde nada se esconde, tudo se vê e não é possível fazer batota." De facto, já no tempo da União Soviética, Bobby Fisher - histórico jogador norte-americano - se queixava de que os soviéticos combinavam resultados entre si, de forma a terem maior disponibilidade mental para o derrotar. Tal facto levou-o mesmo a afirmar, em 1963, que não voltaria a participar em RETRATOS DO TRABALHO
P. S. Kroyer, Três Pescadores EARLY MORNING BLOGS 803 - THE BOND OF THE SEA The Nellie, a cruising yawl, swung to her anchor without a flutter of the sails, and was at rest. The flood had made, the wind was nearly calm, and being bound down the river, the only thing for it was to come to and wait for the turn of the tide. The sea-reach of the Thames stretched before us like the beginning of an interminable waterway. In the offing the sea and the sky were welded together without a joint, and in the luminous space the tanned sails of the barges drifting up with the tide seemed to stand still in red clusters of canvas sharply peaked, with gleams of varnished sprits. A haze rested on the low shores that ran out to sea in vanishing flatness. The air was dark above Gravesend, and farther back still seemed condensed into a mournful gloom, brooding motionless over the biggest, and the greatest, town on earth. The Director of Companies was our captain and our host. We four affectionately watched his back as he stood in the bows looking to seaward. On the whole river there was nothing that looked half so nautical. He resembled a pilot, which to a seaman is trustworthiness personified. It was difficult to realize his work was not out there in the luminous estuary, but behind him, within the brooding gloom. Between us there was, as I have already said somewhere, the bond of the sea. (Joseph Conrad, Heart of Darkness) * Bom dia! 25.6.06
LENDO
VENDO OUVINDO ÁTOMOS E BITS de 25 de Junho de 2006 Solidariedade na Futebolândia: estamos sempre muito preocupados com Timor, muito solidários, mas é só depois do futebol. Hoje, que há notícias importantes sobre Timor, em todos os noticiários dos canais de televisão, esperaram vinte minutos (na Sic a mais rápida), para aparecer. Antes disso havia a não-notícia: o espectáculo da bola antes da bola. É assim, prioridades. E a televisão pública deu o exemplo, continuou com o futebol já a SIC dava notícias. EARLY MORNING BLOGS 802 - "O HOMEM SÓ É SUPERIORMENTE FELIZ QUANDO É SUPERIORMENTE CIVILIZADO" Ora nesse tempo Jacinto concebera uma idéia... Este Príncipe concebera a idéia de que o “homem só é superiormente feliz quando é superiormente civilizado”. E pôr homem civilizado o meu camarada entendia aquele que, robustecendo a sua força pensante com todas as noções adquiridas desde Aristóteles, e multiplicando a potência corporal dos seus órgãos com todos os mecanismos inventados desde Terâmenes, criador da roda, se torna um magnífico Adão, quase onipotente, quase onisciente, e apto portanto a recolher dentro duma sociedade, e nos limites do Progresso (tal) como ele se comportava em 1875) todos os gozos e todos os proveitos que resultam de Saber e Poder... Pelo menos assim Jacinto formulava copiosamente a sua idéia, quando conversávamos de fins e destinos humanos, sorvendo bocks poeirentos, sob o toldo das cervejarias filosóficas, no Boulevard Saint-Michel. Este conceito de Jacinto impressionara os nossos camaradas de cenáculo, que tendo surgido para a vida intelectual, de 1866 a 1875, entre a batalha de Sadova e a batalha de Sedan e ouvindo constantemente, desde então, aos técnicos e aos filósofos, que fora a Espingarda-de-agulha que vencera em Sadova e fora o Mestre-de-escola quem vencera em Sedan, estavam largamente preparados a acreditar que a felicidade dos indivíduos, como a das nações, se realiza pelo ilimitado desenvolvimento da Mecânica e da erudição. Um desses moços mesmo, o nosso inventivo Jorge Carlande, reduzira a teoria de Jacinto, para lhe facilitar a circulação e lhe condensar o brilho, a uma forma algébrica: Suma ciência X Suma potência= Suma felicidade E durante dias, do Odeon à Sorbona, foi louvada pela mocidade positiva a Equação Metafísica de Jacinto. Para Jacinto, porém, o seu conceito não era meramente metafísico e lançado pelo gozo elegante de exercer a razão especulativa: - mas constituía uma regra, toda de realidade e de utilidade, determinando a conduta, modalizando a vida. E já a esse tempo, em concordância com o seu preceito – ele se surtira da Pequena Enciclopédia dos Conhecimentos Universais em setenta e cinco volumes e instalara, sobre os telhados do 202, num mirante envidraçado, um telescópio. Justamente com esse telescópio me tornou ele palpável a sua idéia, numa noite de Agosto, de mole e dormente calor. Nos céus remotos lampejavam relâmpagos lânguidos. Pela Avenida dos Campos Elísios, os fiacres rolavam para as frescuras do Bosque, lentos, abertos, cansados, transbordando de vestidos claros. - Aqui tens tu, Zé Fernandes (começou Jacinto, encostado à janela do mirante), a teoria que me governa, bem comprovada. (Eça de Queirós) * Bom dia! 24.6.06
LENDO
VENDO OUVINDO ÁTOMOS E BITS de 24 de Junho de 2006 O primeiro retrato, a nossa fragilidade na pedra, por uma mão (ou duas, ou três) com 27.000 anos. Não mudamos nada. * A RTP1 ontem transmitiu em directo o "S. João" do Porto. Mas para poder ter programa, o S. João da televisão não é o S. João do Porto. A televisão transmitiu uma festa organizada para ela própria e o fogo de artifício, mas nem uma coisa nem outra são o S. João do Porto. O S. João do Porto não se presta a passar na televisão, é uma festa única, absoluta e democrática como nada neste país. Na noite de S. João o Porto sai à rua, para estar na rua e andar na rua. Atrás daquelas festas para a televisão milhares e milhares de pessoas estão pura e simplesmente a andar pelas ruas e a bater na cabeça umas das outras com um alho-porro (cada vez menos) e com uns abomináveis martelos de plástico, que cada vez parecem ser maiores. Em quase todas as casas, ricas e pobres, depois do jantar, as famílias juntas, ou os jovens para um lado e os mais velhos para outro, fecham a casa e vêm para a rua. No S. João do Porto não há lugares centrais, não é uma festa dos bairros populares, é uma festa que se estende por toda a cidade, embora as Fontaínhas e a Ribeira fossem pólos de atracção. Mas eram apenas sítios onde havia alguma coisa mais do que a rua, nas Fontainhas uns carrosséis e farturas e na Ribeira uns bailes. Na Ribeira havia um baile, que penso único nos anos da ditadura, em que homens dançavam com homens e onde pontificava o célebre "Carlinhos da Sé". Os populares da Ribeira impediam qualquer provocação ou incidente, considerando que aquela noite era de todos e da liberdade de todos. Era a noite em que se podia fazer tudo e não havia polícia nas ruas. (Antes do 25 de Abril era também uma noite aproveitada para distribuir panfletos, a que a PIDE estava cada vez mais vigilante embora evitasse dar nas vistas porque com a multidão nada era seguro…). O ambiente democrático da rua, em que ninguém se livrava de levar com o alho na cabeça, e onde completos desconhecidos trocavam cumprimentos e piropos, revelava o carácter muito especial da única cidade verdadeiramente “burguesa” do país. Trabalhava duro durante o ano e depois tinha a sua Saturnalia, que tomava tão a sério como o trabalho. No Porto, não havia (e não há) essa coisa de “bairros populares” versus “avenidas novas”, nem nobres marialvas e fadistas que depois dos touros vão para as “casas de tabuinhas” conviver com apaches e severas, isto para usar os nomes antigos e poupar os ouvidos sensíveis. No Porto todos, menos os “ingleses” que nunca se viam, estavam na rua. Ora isso não cabe na televisão, só num IMAX e mesmo assim transborda. Já há uns anos que lá não estou no S. João. Espero que tudo continue assim. Espero. EARLY MORNING BLOGS 801 - CALL ME ISHMAEL Call me Ishmael. Some years ago- never mind how long precisely- having little or no money in my purse, and nothing particular to interest me on shore, I thought I would sail about a little and see the watery part of the world. It is a way I have of driving off the spleen and regulating the circulation. Whenever I find myself growing grim about the mouth; whenever it is a damp, drizzly November in my soul; whenever I find myself involuntarily pausing before coffin warehouses, and bringing up the rear of every funeral I meet; and especially whenever my hypos get such an upper hand of me, that it requires a strong moral principle to prevent me from deliberately stepping into the street, and methodically knocking people's hats off- then, I account it high time to get to sea as soon as I can. This is my substitute for pistol and ball. With a philosophical flourish Cato throws himself upon his sword; I quietly take to the ship. There is nothing surprising in this. If they but knew it, almost all men in their degree, some time or other, cherish very nearly the same feelings towards the ocean with me. (Herman Melville) * Bom dia! 23.6.06
LENDO
VENDO OUVINDO ÁTOMOS E BITS de 23 de Junho de 2006 (2ª série) Scary news: Confirmado primeiro caso de transmissão de gripe das aves entre seres humanos. 800 EARLY MORNING E OUTRAS EFEMÉRIDES O primeiro da série era assim: 4.7.03ou seja era o que é hoje o LENDO / VENDO / OUVINDO, uma revista de blogues. Depois tombou o "VALE A PENA" e ficou apenas o EARLY MORNING BLOGS, ambos sem negrito. A maioria dos blogues citados nos primeiros cinquenta EARLY MORNINGs já desapareceram, embora nalguns casos os seus autores tenham aberto outros, fechados de novo e aberto uma terceira vaga. A blogosfera era então muito diferente e estava a mudar muito depressa. O grande surto dos blogues era contemporâneo desta nota. Vinha de ser mais pequena, estava a democratizar-se. Era polémica, mas ainda era amável. Estava a tornar-se ácida tão rapidamente quanto se estava a democratizar. Nos EARLY MORNING BLOGs tentou acompanhar-se essas mudanças dando origem àquilo que se veio a chamar "metabloguismo". Recorde-se para a memória que o meta-bloguismo foi recebido com muita hostilidade, em particular pelos autores de blogues pioneiros. Exemplos de metabloguismo nos primeiros cinquenta EARLY MORNING BLOGs: 5 de Julho de 2003: EARLY MORNING BLOGS 2: O mundo continua lá fora e quanto mais vozes se ouvirem melhor. Eu sou um liberal, acredito na lei dos grandes números, na “mão invisível”. Há virtudes na cacofonia, cada voz a menos empobrece.No dia 13 de Setembro, no EARLY MORNING BLUES 39, já a negrito, publica-se o primeiro poema: Foram os “Early Morning Blues” que deram o nome aos “Early Morning Blogs”. Há vários e em várias versões. Aqui está uma dos The Monkees:e a fórmula foi-se consolidando. Ainda houve um EARLY MORNING BLOGS / BLUES 45, um EARLY MORNING BLOGS / BOOKS 47, um EARLY MORNING BLOGS / SONGS 48. Só bastante depois do cinquenta é que esta parte do Abrupto se tornou o que é hoje. "A poem a day keeps boredom at bay". (Devo a uma leitora de sempre a gentileza de ter feito uma antologia dos EARLY MORNINGS que me surpreendeu pelas diferenças - de "tom" , como se diz no Miniscente, o que nunca se repete -, embora não com as continuidades, porque eu sou da escola teimosa em matéria do pensamento e opinião.)
LENDO
VENDO OUVINDO ÁTOMOS E BITS de 23 de Junho de 2006 * Muito, muito interessante a análise e os exemplos (via Frescos) com que o (ou a? é masculino ou feminino?) Slate examina as críticas dos seus leitores e o problema de uma publicação na Rede corrigir junto da nota original, uma vez esta colocada num arquivo. O modo como no texto em linha se circula entre os tempos do presente e do passado, particularmente quando o passado é tornado presente por novos dados e pelas rectificações dos erros, ainda não está resolvido. Veja-se este exemplo de uma crítica de um leitor:
* Por falar em Timor, está na altura de os órgãos de comunicação social começarem a preparar outra ida e volta dos seus enviados. Até para se saber o que está lá a fazer a GNR, e que timorenses mandam nela, Xanana ou o governo do país. A não ser que tudo isso seja uma ficção e sejam as autoridades portuguesas a decidir quais os timorenses que têm legitimidade para dar ordens à GNR, ou seja, tomem partido. Então, nesse caso, um governo democrático (o nosso) devia ir à Assembleia explicar as suas opções, e uma oposição a sério devia exigi-las. A não ser assim temos que ler os jornais australianos para saber o papel de Portugal na crise de poder em Timor. * A doença dos títulos: "Timorenses solidários com Xanana". Todos? A maioria? A resposta certa é "alguns" que até podem ser muitos, os que são trazidos "em camiões e autocarros à capital timorense e juntaram-se às cerca de 700 pessoas que passaram a noite diante do Palácio do Governo." Mais do que isto, o jornalista não sabe e provavelmente não pode saber. EARLY MORNING BLOGS
800 Soneto Acusam-me de mágoa e desalento, como se toda a pena dos meus versos não fosse carne vossa, homens dispersos, e a minha dor a tua, pensamento. Hei-de cantar-vos a beleza um dia, quando a luz que não nego abrir o escuro da noite que nos cerca como um muro, e chegares a teus reinos, alegria. Entretanto, deixai que me não cale: até que o muro fenda, a treva estale, seja a tristeza o vinho da vingança. A minha voz de morte é a voz da luta: se quem confia a própria dor perscruta, maior glória tem em ter esperança. (Carlos de Oliveira) * Bom dia! 22.6.06
OS BLOGUES ANTES DOS BLOGUES
"Tenho o fragmento no sangue." (Cioran) A escrita que se encontra hoje nos blogues é velha como o tempo, embora o tempo pregue partidas, transformando as coisas noutras muito diferentes. O tempo é aquilo a que hoje se chama os "suportes", no caso da escrita na Rede, a forma dos blogues. Repito, a tecnologia do software em que assentam os blogues tem um papel ao moldar a sua forma. Vimos no artigo anterior como ela valoriza o presente, presentificando a escrita, obrigando-a à actualidade. Agora podemos ver como ela acentua aspectos da escrita: favorece o texto contido, aquilo que na linguagem da blogosfera se chama o "post curto". O "post curto" gera uma tensão sobre o espaço das palavras, acentua a utilização estética da frase, em combinação com o título e com outros elementos gráficos. O facto de os blogues poderem usar simultaneamente texto e imagens, sons e vídeo está a dar origem à primeira grande vaga de um novo tipo de textos, nascidos na Rede e para serem lidos na Rede. Os blogues revelam e geram novas normas de leitura na Rede que são distintas dos livros, acentuando a não-linearidade da leitura. Esta segue não apenas a frase, mas as ligações, ganha em espessura ao deslocar-se entre as diferentes páginas associadas pelo hipertexto ( mais em Hypertext). Move-se não apenas no texto, mas também pelas imagens e sons ligados ao texto, em detrimento da leitura sequencial, habitual no livro e nos jornais. A leitura num ecrã raras vezes anda para trás, tende a andar para o lado antes de andar para a frente. A escrita nos blogues é moldada por estas características físicas do novo texto electrónico e, no seu conjunto, está a ensinar a uma geração um novo cânone de leitura e escrita que poucos exploram conscientemente, mas que molda a todos. Ora nem todo o tipo de texto, nem todos os conteúdos se prestam a esta nova forma que despedaça legibilidades antigas a favor de novas. No "post curto" a escrita vai desde a mera frase com uma ligação, ou seja, uma porta, um caminho que nos leva para longe daquela página, daquele ecrã até à entrada diarística, impressionista ou faceta, até ao mini-ensaio, pouco mais do que o aforismo. É uma escrita que favorece, comunicando quer com os títulos de jornais, quer com o aforismo, a utilização de mecanismos poéticos, mas também humorísticos e sarcásticos. Nesse sentido os blogues caem sob a crítica que Lukács fazia aos textos de Nietzsche - a de serem, pela sua forma, naturalmente irracionalistas, valorizando a metáfora, a sedução estética, em detrimento da argumentação. Que textos têm esta qualidade de serem protoblogues? Toda a escrita moldada pelo tempo, ou pela "construção" da personagem (ou da obra) pelo tempo. Os diários, ou uma forma muito francesa de diários, os "cadernos". Mas também alguma correspondência e ensaios. Textos que colocados em blogues parecem ser escritos para blogues encontram-se no Para Além do Bem e do Mal de Nietzsche, em anotações de Kafka, nos "propos" de Alain, nos diários de Morand, nos "cadernos" de Camus, Valery e Cioran. Noutros casos, o tempo e a história "partiram" os textos originais, dando-lhe essa qualidade de escrita de blogues, como acontece com os fragmentos dos pré-socráticos, restos de textos mais compridos, de tratados e de livros. E muito do que encontramos em dicionários de citações, frases que vivem por si próprias, são matéria-prima de blogues. No plano gráfico, muitos "cadernos" de desenhos, a começar pelos desenhos de Leonardo da Vinci com anotações, muito dos moleskines de artistas, em que o esboço e o texto manuscrito se entrelaçam, alguma banda desenhada, alguns livros de viagens. A fotografia deu origem a fotoblogues, mas está longe de revelar as suas potencialidades na construção narrativa dos blogues, para onde transporta, em imagem, tudo o que valoriza o texto curto: a impressão, o fragmento da realidade, o "olhar" no tempo. No vídeo, o sketch, o pequeno filme caseiro do género dos "apanhados", alguns filmes publicitários. O som é o menos explorado nos blogues, mas a sua utilização, por exemplo no Kottke.org como complemento de viagem - o som dos semáforos de Singapura, o ruído de um mercado, o barulho de uma fábrica -, acentua a fragmentação da narrativa ou da ilustração que está no âmago da escrita dos blogues. Muito significativamente, todo este tipo de material é favorito na actividade de "cópia-colagem" que também a forma blogue e a Rede favorecem, apropriando-se cada um das citações, de textos e imagens que servem de reforço da sua identidade em linha. Nalgumas experiências com sucesso na blogosfera, diários foram colocados na Rede, como o de Samuel Pepys, que foi transformado num blogue, com o texto original e ligações, dando uma nova legibilidade ao texto original do século XVII. Seria possível fazer o mesmo com muitos "cadernos" de Cioran, Camus e Valery, muito diferentes entre si, mas todos passando o teste do blogue. O facto de, no caso de Cioran, este não ter a intenção de os divulgar e inclusive ter pedido para que fossem destruídos, não retira aos seus textos a pulsão fragmentária que os aproxima do registo dos blogues. Aliás, Cioran, autor dos Silogismos da Amargura é um cultor de uma forma de escrita muito adaptada ao "post curto". Valery passava o teste e os seus cadernos ganhariam muito com o uso de hipertexto e ligações. Um aspecto fundamental, nos cadernos de Valery, é a sua utilização como instrumento para a construção da obra, como meio de treinar o pensamento, mas também de o desenvolver, experimentar, testar, deixando-o aparecer sem a responsabilidade do ensaio final, do livro a publicar. Valery usava os seus cadernos, que escreveu ininterruptamente (no final eram cerca de 261 com 28.000 páginas), como um instrumento para pensar, fazendo uso não só da escrita, mas também do desenho, e escrevendo sobre tudo: arte, filosofia, poesia, matemática. E escreveu sobre como o "eu", como o "seu cogito" "funcionava", matéria de blogues, como se sabe. Camus é, de todos, quem, sem dúvidas, faria um blogue excepcional. A escrita, umas vezes mais tensa e outras mais solta, curta e imagética, intercalando fragmentos de diálogos, recordações de paisagens e de encontros, notas de leitura, revela o olhar de Camus sobre a sua geografia africana peculiar, a Argélia, e sobre os acontecimentos que está a viver. Os cadernos de Camus não só suportariam o formato do blogue, como ganhariam com a imagem na sua dimensão mediterrânica. Ganhariam também com o hipertexto, embora menos que Valery ou Cioran, que quase o exigem para serem devidamente lidos. Em todos os casos que referi, a legibilidade dos textos na actualidade ganharia com a forma blogue, pela representação mais perfeita do tempo que a Rede permite. Os cadernos de Camus são os que melhor se lêem, enquanto os de Valery e de Cioran só são legíveis, na sua forma livro, em antologias depuradas. O de Cioran tem centenas de páginas de um grosso volume e os de Valery estendem-se por dez volumes na edição da Gallimard. Mesmo em Portugal foram os únicos divulgados numa edição barata e popular, de há muito esgotada. Por tudo isto, valia a pena, e acabará com certeza por ser feito, o teste prático de colocar todas estas escritas na Rede usando modelos iguais ou próximos dos blogues. A blogosfera terá então ao seu lado Nietzsche, Valery, Camus, Cioran e tantos outros, como autores de blogues. (No Público.)
LENDO
VENDO OUVINDO ÁTOMOS E BITS de 22 de Junho de 2006 Eu bem sei que a vida está difícil para os jornais, mas o que é que leva o Público a pensar que dedicar as suas primeiras dezassete páginas ao futebol, antes de começar o jornal propriamente dito, lhe acrescenta alguma coisa que os seus leitores não encontram noutro lado? Quem é que vai comprar o Público para ler sobre futebol? E quem é que vai deixar de comprar o Público porque ele não embarca (não embarcava) no reino da Futebolândia? * Sobre as teorias da conspiração ver os "professores da paranoia".* Várias danças com pares e trios e quartetos muito especiais. Um usa muitos anéis, outro é muito frio, outro faz pela vida no meio dos grandes, outro respira uma atmosfera muito especial. EARLY MORNING BLOGS 799 Just Keep Quiet and Nobody Will Notice There is one thing that ought to be taught in all the colleges, Which is that people ought to be taught not to go around always making apologies. I don't mean the kind of apologies people make when they run over you or borrow five dollars or step on your feet, Because I think that is sort of sweet; No, I object to one kind of apology alone, Which is when people spend their time and yours apologizing for everything they own. You go to their house for a meal, And they apologize because the anchovies aren't caviar or the partridge is veal; They apologize privately for the crudeness of the other guests, And they apologzie publicly for their wife's housekeeping or their husband's jests; If they give you a book by Dickens they apologize because it isn't by Scott, And if they take you to the theater, they apologize for the acting and the dialogue and the plot; They contain more milk of human kindness than the most capacious dairy can, But if you are from out of town they apologize for everything local and if you are a foreigner they apologize for everything American. I dread these apologizers even as I am depicting them, I shudder as I think of the hours that must be spent in contradicting them, Because you are very rude if you let them emerge from an argument victorious, And when they say something of theirs is awful, it is your duty to convince them politely that it is magnificent and glorious, And what particularly bores me with them, Is that half the time you have to politely contradict them when you rudely agree with them, So I think there is one rule every host and hostess ought to keep with the comb and nail file and bicarbonate and aromatic spirits on a handy shelf, Which is don't spoil the denouement by telling the guests everything is terrible, but let them have the thrill of finding it out for themselves. (Ogden Nash) * Bom dia! 20.6.06
LENDO / VENDO /OUVINDO (BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES) (20 de Junho de 2006) "Ver" o Pólo Norte em tempo real: uma Web Cam num dos sítios mais bizarros da terra. Na realidade, no meio do mar. EARLY MORNING BLOGS 798 Enfin quelle apparence de pouvoir remplir tous les goûts si différents des hommes par un seul ouvrage de morale? Les uns cherchent des définitions, des divisions, des tables, et de la méthode: ils veulent qu'on leur explique ce que c'est que la vertu en général, et cette vertu en particulier; quelle différence se trouve entre la valeur, la force et la magnanimité; les vices extrêmes par le défaut ou par l'excès entre lesquels chaque vertu se trouve placée, et duquel de ces deux extrêmes elle emprunte davantage; toute autre doctrine ne leur plaît pas. Les autres, contents que l'on réduise les moeurs aux passions et que l'on explique celles-ci par le mouvement du sang, par celui des fibres et des artères, quittent un auteur de tout le reste. Il s'en trouve d'un troisième ordre qui, persuadés que toute doctrine des moeurs doit tendre à les réformer, à discerner les bonnes d'avec les mauvaises, et à démêler dans les hommes ce qu'il y a de vain, de faible et de ridicule, d'avec ce qu'ils peuvent avoir de bon, de sain et de louable, se plaisent infiniment dans la lecture des livres qui, supposant les principes physiques et moraux rebattus par les anciens et les modernes, se jettent d'abord dans leur application aux moeurs du temps, corrigent les hommes les uns par les autres, par ces images de choses qui leur sont si familières, et dont néanmoins ils ne s'avisaient pas de tirer leur instruction. Tel est le traité des Caractères des moeurs que nous a laissé Théophraste. (La Bruyère, Les caractères ou Les moeurs de ce siècle ) * Bom dia! 19.6.06
EARLY MORNING BLOGS 797 Me voici donc seul sur la terre, n'ayant plus de frère, de prochain, d'ami, de société que moi-même. Le plus sociable et le plus aimant des humains en a été proscrit par un accord unanime. Ils ont cherché dans les raffinements de leur haine quel tourment pouvait être le plus cruel à mon âme sensible, et ils ont brisé violemment tous les liens qui m'attachaient à eux. J'aurais aimé les hommes en dépit d'eux-mêmes. Ils n'ont pu qu'en cessant de l'être se dérober à mon affection. Les voilà donc étrangers, inconnus, nuls enfin pour moi puisqu'ils l'ont voulu. Mais moi, détaché d'eux et de tout, que suis-je moi-même? Voilà ce qui me reste à chercher. Malheureusement cette recherche doit être précédée d'un coup d'oeil sur ma position. C'est une idée par laquelle il faut nécessairement que je passe pour arriver d'eux à moi. (Jean-Jacques Rousseau, Les rêveries du promeneur solitaire) * Bom dia! 18.6.06
NUNCA É TARDE PARA APRENDER OU " EU BEM SABIA QUE DEVIA HAVER ALGO DE DEMONÍACO NOS TELEMÓVEIS" 2
Stephen King, Cell . . . .. . .Há coisas que Stephen King faz sempre bem: é um mestre da Surpresa. Não há suspense nos seus livros, mas sim pura Surpresa. Depois começa sempre de uma maneira que, à segunda página, já não se larga o livro. Lá para a frente, esmorece um pouco, escreve demais, repete-se, mas percebe-se sempre a capacidade de domínio sobre o leitor, fundamental em livros que usam o terror, o medo, como sedução. Não é arte é ofício, mas é excelente ofício, profissional, capaz. Não admira que venda mais do que qualquer outro autor popular. EARLY MORNING BLOGS 796 Alice was beginning to get very tired of sitting by her sister on the bank, and of having nothing to do: once or twice she had peeped into the book her sister was reading, but it had no pictures or conversations in it, 'and what is the use of a book,' thought Alice 'without pictures or conversation?' So she was considering in her own mind (as well as she could, for the hot day made her feel very sleepy and stupid), whether the pleasure of making a daisy-chain would be worth the trouble of getting up and picking the daisies, when suddenly a White Rabbit with pink eyes ran close by her. There was nothing so very remarkable in that; nor did Alice think it so very much out of the way to hear the Rabbit say to itself, 'Oh dear! Oh dear! I shall be late!' (when she thought it over afterwards, it occurred to her that she ought to have wondered at this, but at the time it all seemed quite natural); but when the Rabbit actually took a watch out of its waistcoat-pocket, and looked at it, and then hurried on, Alice started to her feet, for it flashed across her mind that she had never before seen a rabbit with either a waistcoat-pocket, or a watch to take out of it, and burning with curiosity, she ran across the field after it, and fortunately was just in time to see it pop down a large rabbit-hole under the hedge. In another moment down went Alice after it, never once considering how in the world she was to get out again. (Lewis Carroll) * Bom dia! 17.6.06
COISAS SIMPLES
(Marie Kroyer)
NUNCA É TARDE PARA APRENDER OU " EU BEM SABIA QUE DEVIA HAVER ALGO DE DEMONÍACO NOS TELEMÓVEIS"
Stephen King, Cell . . . .. . .. . . . . . . O fim do mundo chega pelos telemóveis. LUIS FILIPE CASTRO MENDES - PORTUGAL E O BRASIL : ATRIBULAÇÕES DE DUAS IDENTIDADES Como foi que temperaste, Portugal, meu avôzinho, Esse gosto misturado De saudade e de carinho? MANUEL BANDEIRA Numa terra radiosa vive um povo triste. Legaram-lhe essa melancolia os descobridores que a revelaram ao mundo e a povoaram. PAULO PRADO I DA INFELICIDADE DE SER IBÉRICO… Um preconceito histórico, persistente no nosso universo cultural desde o Século das Luzes, enfatiza o atraso e a barbárie dos desgraçados povos ibéricos, afastados pelo obscurantismo político e religioso das luzes da civilização, um degrau apenas acima dos mouros e dos cafres, culpados de não serem protestantes, norte-europeus e, consequentemente, trabalhadores, individualistas e empreendedores. Durante os séculos XVIII e XIX, Portugal e a Espanha são vistos pelo mundo civilizado (isto é, o mundo organizado conforme os interesses das potências dominantes) como qualquer coisa de intermédio entre a civilização e o exotismo, não tão estranhos que coubessem nos estudos dos orientalistas, mas suficientemente bizarros para despertarem a ironia superior dos viajantes e o fascínio erótico dos poetas e novelistas. Ironia da História: esta unidade de destino entre portugueses e espanhóis decorre mais da rejeição de que os dois países foram alvo por parte dos novos centros de poder mundial emergentes no limiar da modernidade, isto é, no fim da idade barroca, do que de uma real identidade de projectos históricos. No século XVI, portugueses e espanhóis, ciosos das suas soberanias e rivais na expansão marítima, sentiam-se, não obstante, partilhar uma cultura comum. Mas esta identidade cultural ibérica, bem visível em Gil Vicente ou Camões, quebrou-se no século XVII, com a tentativa filipina de unificação política sob hegemonia castelhana, que veio determinar um persistente divórcio político e cultural entre os dois países, de que só hoje começamos, felizmente, a sair. Eduardo Lourenço, no seu ensaio Nós e a Europa ou as Duas Razões, contrapõe à razão cartesiana, que funda a nossa modernidade, uma outra razão, ibérica, contra-reformista, barroca, de que o expoente seria Gracián, o da Agudeza e Arte de Engenho. Nessa razão barroca participaram espanhóis e portugueses, mas também o que, a partir dos espanhóis e dos portugueses, se formava do outro lado do Atlântico: não são Sor Juana Inés de la Cruz e o Padre António Vieira expressões maiores do barroco universal, como o virá a ser, num genial anacronismo, a escultura do Aleijadinho? Não foi a Ratio Studiorum dos jesuítas uma matriz fundadora da cultura no Brasil? Mas a verdade é que esta rejeição da cultura ibérica foi assumida por um grande número de historiadores brasileiros como a chave que explicaria todos os atrasos, injustiças e opressões sofridos pelo Brasil. A colonização portuguesa seria o pecado original desta terra, o que lhe vedara o acesso ao paraíso ou os caminhos da modernidade. Esta ideia encontra-se formulada exemplarmente na obra clássica de Sérgio Buarque de Holanda Raízes do Brasil. Todos os obstáculos ao desenvolvimento do Brasil derivariam dos traços de carácter herdados do colonizador português, reconstruídos como um tipo-ideal, à maneira de Max Weber, e contrapostos (sempre seguindo a lição de Weber) àqueles que fundamentam o espírito moderno, essencialmente derivados da ética do protestantismo. Daí o grande confronto, obsessivo na cultura brasileira, entre o Brasil e os Estados Unidos, encarados estes, mesmo quando demonizados, como o supremo paradigma. Bandeirantes e Pioneiros de Vianna Moog é a triste elegia a um Brasil que poderia ter sido, um Brasil que se poderia vir a identificar com os Estados Unidos. Conhecemos a grande obra de interpretação do Brasil antagónica desta visão, que foi a de Gilberto Freyre. Para o autor de Casa Grande e Senzala foi da colonização portuguesa e da escravidão africana que provieram toda a originalidade e a inovação da civilização brasileira, através do processo de miscigenação. Freyre não idealiza o processo colonizador, mas escreve de uma história olhada sem ressentimentos, com o amor fati nietzscheano e a permanente gula dos sentidos que o tornam o mais moderno de todos os seus contemporâneos. Com a notável excepção de Vamireh Chacon, as correntes dominantes do pensamento social brasileiro de tendências mais progressistas tenderam a identificar as teses de Gilberto Freyre com o conservadorismo e a nostalgia de uma sociedade patriarcal e pré-moderna, colocando assim as ideias do mestre de Apicucos como mais um obstáculo ao progresso e à emancipação dos brasileiros. Uma rejeição global que José Guilherme Merquior, grande desmistificador, qualificou um dia de “suprema burrice”. Sem querer intervir neste debate (porque penso, como Alfredo Bosi, que é uma questão ociosa escolher agora quem teriam sido os melhores colonizadores), julgo necessário integorrarmo-nos em que medida as duas correntes de interpretação aqui demarcadas partilhariam um terreno comum, uma visão que da imagem construída do passado histórico deriva para um olhar intemporal sobre o Outro, o português, e em que medida nós, os portugueses, nos confrontamos ainda e sempre com essa imagem intemporal que de nós foram tecendo os brasileiros no processo de construção da sua própria identidade (a piada de português é apenas a manifestação mais superficial e inocente dessa imagem estereotipada). II …À DESGRAÇA DE SER PORTUGUÊS O facto é que Portugal hoje aparece no Brasil, de forma inédita, e para surpresa e desconcerto de alguns brasileiros, como um país exportador de investimentos produtivos, alguns em sectores de elevada tecnologia, e não mais como um mero exportador de mão-de-obra pouco qualificada para pequenas empresas de comércio e serviços. Esta mudança da base material da presença portuguesa no Brasil, embora custe muito a ser digerida por alguns (para o historiador Luís Felipe de Alencastro, por exemplo, o investimento português seria apenas um braço subordinado do capital espanhol, esse sim o verdadeiro actor da História), não deixou de trazer mudanças sensíveis à percepção de Portugal do outro lado do Atlântico. Acresce que a imagem de Portugal como persistência de uma sociedade de Antigo Regime encravada na modernidade europeia, tão cultivada também pela intelectualidade brasileira, mesmo quando solidariamente a denunciava, dificilmente se sustenta face à realidade actual de um país democrático, moderno e integrado na União Europeia. Convém não esquecer que a imagem de Portugal para os brasileiros foi durante muito tempo a de um país atrasado, arcaico, imune à mudança, ancorado no tempo como uma nau de pedra silenciosa. Para os conservadores autêntico guardião das tradições de que nasceu o Brasil, para os progressistas resumo de tudo o que o Brasil deveria destruir dentro de si para ser verdadeiramente moderno e autenticamente justo, Portugal só era tratado pelos brasileiros como um antepassado. A recente comemoração dos 500 anos do “descobrimento” ou “achamento” ou “encontro” dividiu o Brasil. De um lado os que aceitam a herança portuguesa como uma matriz fundadora da identidade brasileira; do outro aqueles que, não podendo negar essa realidade, não se conformam com ela, porque pensam sinceramente que todos os atrasos e as injustiças do Brasil derivaram em linha directa da colonização portuguesa. Para dar um exemplo, entre os mais notáveis, um livro como Os Donos do Poder de Raymundo Faoro, na sua visão fixista da sociedade brasileira (tudo se joga na sociedade estamental herdada da colonização portuguesa, que se mantém metafisicamente incorrupta através dos séculos), vem tornar mais compreensível a dificuldade que os brasileiros sentem em reconhecer no antigo país colonizador mudanças que muitas vezes não conseguem ver no seu próprio país. É que o Brasil nunca será “um imenso Portugal”, como cantava Chico Buarque, pela simples razão de que há quase 200 anos que vivemos separados. Na verdade, para um português é mais claro e mais saudável este sentimento de separação do Brasil do que para um brasileiro. Para nós, o colonialismo português jogou-se no nosso tempo nos dramas de África e há muito já que reconhecemos o Brasil como uma outra nação. Não assim no Brasil, que, de um certo modo, introjectou Portugal, incorporou-o a si mesmo (antropofagicamente, como diriam os modernistas de 1922), olhando-o quase como um capítulo do seu passado, como uma referência incontornável (para o bem e para o mal) da afirmação da sua própria identidade, mas que, por isso mesmo, se tornou estranhamente invisível aos brasileiros enquanto realidade existente e país actual, como diagnosticava Eduardo Lourenço na sua lúcida Nau de Ícaro. Como se para os brasileiros o único sentido de ser português fosse vir a tornar-se brasileiro… Acresce que à escala mundial vivemos hoje tempos de uma curiosa ofensiva ideológica anti-europeia, fomentada por algum pensamento “politicamente correcto”. Através do conceito de “pós-colonial”, concebe-se por vezes uma estranha frente entre os Estados Unidos, o antigamente chamado Terceiro Mundo e os países industrializados exteriores à Europa (Japão, Canadá, Austrália), opostos em bloco aos europeus por esta nova construção ideológica, que foi denunciada, entre outros, pelo marxista Perry Anderson. Toda a ideia (já veiculada em 1992, quando do quinto centenário da viagem de Cristóvão Colombo) de que “comemorar os 500 anos é comemorar a violência e a rapina do colonialismo” vem hoje dessa matriz ideológica “pós-colonial”, bem mais do que do velho marxismo, que sempre soube que a violência é parteira da História e nunca simpatizou excessivamente com etnias e sociedades tradicionais. E vem também muitas vezes (e particularmente no caso que nos ocupa) daqueles que, na esteira de certas leituras de Max Weber, atribuem todas as virtudes civilizatórias aos Estados Unidos e aos colonizadores brancos, anglo-saxões e protestantes e todos os estigmas aos colonizadores ibéricos, por acreditarem ingenuamente nas histórias piedosas que os norte-americanos contam sobre si próprios. Assim, se por um lado os preconceitos anti-portugueses estão conhecendo hoje no Brasil um evidente recuo, registando-se da parte dos intelectuais e dos jovens brasileiros uma nova curiosidade pela nossa cultura, hoje reconhecida nas manifestações da sua novidade e não mais como expoente de manifestações arcaizantes, não deixou algum velho anti-lusitanismo de ressurgir por ocasião das comemorações dos 500 anos, como por exemplo quando o insigne brasilianista inglês Leslie Bethell veio escrever que foi a meu ver um grande erro do Brasil permitir que os portugueses praticamente sequestrassem a celebração do 500 aniversário do Brasil com a ênfase dada ao descobrimento pelos portugueses. A virtude anglo-saxónica vela sobre o Brasil… Contudo, se atentarmos na mais recente geração brasileira de estudos históricos, sociológicos e até estéticos e literários, não poderemos deixar de ficar impressionados por uma nova ideia de Portugal por eles trazida, bem mais objectiva, crítica e isenta das grandes visões de “tipo-ideal” que os famosos “intérpretes do Brasil” quiseram introduzir afinal como “ideologias do Brasil”. A investigação fez-se menos sequiosa de grandes sínteses de interpretação do destino nacional e mais atenta à rigorosa impiedade dos factos. Face a este quadro, parece-nos evidente que uma política cultural externa portuguesa para o Brasil deveria ousar trazer a este país as manifestações mais vivas e actuais da nossa cultura e não continuar a responder à sede de tradições conhecidas e requentadas, que apenas confirmam no brasileiro a imagem de um Portugal instalado para sempre nas brumas do passado. Este é o desafio da nossa geração. Mais do que continuar a mostrar como soubémos bem navegar no século XVI, há que demonstrar como sabemos hoje dominar e praticar as linguagens e as tecnologias do nosso tempo. III – TEMOS TODOS A MESMA IDADE Mas afinal a História foi sempre feita de paixão e de violência, de sonho e de furor. Quem se lembra de negar o que é, porque a sua origem não é a que desejaria, é como a bela alma hegeliana, incapaz de se inserir no curso da História: um anjo torto. Porque envergonhar-se da própria origem é a atitude típica do homem do ressentimento, manifestação daquilo a que Freud chama romance familiar, o desejo frustrado de ter pais mais ricos e poderosos. A América foi um sonho dos europeus. Os portugueses sonharam tanto com o Brasil como todos os outros europeus sonharam com a América. Por isso do que deixámos podemos orgulhar-nos, sem ilusões idílicas nem remorsos tardios (ter remorsos, dizia Espinoza, é pecar segunda vez), porque a violência da História foi para nós, como para todos, o quinhão da mesma humanidade. E Portugal são os portugueses e as portuguesas de hoje, não esse país obscuro e de antanho, convidado de pedra no tempo e na memória, que tantas vezes os brasileiros identificam com Portugal, projectando em nós a imagem do seu próprio passado. Desse passado vimos, mas também contra esse passado nos fizémos no que somos hoje, para o bem e para o mal. Desmentindo o belo poema de Manuel Bandeira, os portugueses não podem ser os avózinhos dos brasileiros, pelas simples razão de que nós, as gerações de hoje, temos afinal a mesma idade. O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: VOZES VINDAS DAS ESCOLAS (6ª série e final) Não podia estar mais de acordo com a sua crítica sobre a Futebulândia e os excessos dos vários canais televisivos no tempo que a este tema dedicam. Perdoe-me a franqueza, mas o mesmo não se passa com o Abrupto e o Professulândia ? Como antigo leitor, não me reconheço num Abrupto a dar abrigo ao discurso da compaixão. Que não tem nada de mal em si mesmo e é uma decisão pessoal e soberana. Mas a sua repetição torna o tema trivial, transforma o objecto de amor numa má imagem. Retornamos ao escapismo meu caro Abrupto: como escapar ao escapismo ?? Ouçamos Barthes: A-Realidade. Sentimento de ausência,fuga da realidade pelo sujeito apaixonado face ao mundo. Para me salvar da a-realidade - para retardar a sua chegada - , tento ligar-me ao mundo pelo mau humor. Sustento o discurso contra qualquer coisa (...) - Fragmentos de um Discurso Amoroso, Edições 70, s.d. ,tradução Isabel Gonçalves (João Costa) * Pergunto-me se vozes vindas das escolas pertencem sempre aos professores. Eu sou aluno do último ano do secundário numa escola norueguesa – uma experiência de um ano, após 11 anos de escola em Portugal – e sou filho de uma professora de matemática do 2º ciclo que sente a sua profissão a 100% e a traz muitas vezes para casa, discutindo as novas reformas e as que estão por fazer, os casos pessoais de alunos que precisam de ajuda, procurando sempre novas ideias para pôr em prática e para tentar catalisar os interesses dos estudantes para a matemática – utilizando, para além dos livros, de jogos, truques de magia, representacões teatrais, etc. Considero que tenho assim uma perspectiva singular sobre a educação em Portugal, especialmente em comparação com a Noruega (que é, afinal, o 1º país do ranking da ONU), e é por isso que escrevo – e porque sou também uma voz dentro da escola. Já li aí que a obrigatoriedade do ensino faz com que alunos "incorrigíveis" tenham que permanecer na escola até aos 16 anos; mas eles não são "incorrigíveis". Uma diferença substancial entre Portugal e a Noruega, é verdade, é que aqui 98% da população pertence à classe média, o que significa geralmente que tem boas condições de estudo em casa. As condições em que o estudante vive, os pais, o ambiente familiar, são extremamente importantes para a educação de um aluno - a educa ção não passa simplesmente pelos programas educativos e pelos professores, mas por um desenvolvimento social a todos os níveis. Ainda assim é mais que provável que Saramago tenha razão quando diz que ler e gostar não é para todos. E gostar de matemática também não é para todos. E é difícil mudar alunos que, por uma razão ou outra, foram "desviados". Mas é possível, e é dever de todo o professor acreditar nisso. Toda a criança e adolescente tem ou deve ter o direito de estudar e de ter professores que acreditem nele, custe o que custar. Nem tudo é perfeito na Noruega. Durante os primeiros 10 anos de escolaridade, todos os alunos passam, independentemente das notas. É fonte de uma certa preguiça – aos 14 anos eu estudava muito mais que o meu irmão de acolhimento que tem precisamente essa idade, que apesar de tudo tem boas notas. Toda a gente da minha turma estudava muito mais. Mas apesar de tudo não se ouvem muitas críticas por aqui. É assim que é. E essa é uma diferença fundamental entre os dois sistemas de ensino: em Portugal as reformas, aqui ou ali, chegam demasiadas vezes. Imaginem o dinheiro que se pouparia em manuais escolares se ainda púdessemos usufruir dos de há dez, quinze anos anos atrás (por exemplo, os alunos podiam vender os livros mais baratos em segunda mão, como aqui na Noruega) – mas não, os programas estão sempre a mudar, recuam e depois voltam a ter o mesmo conteúdo. Aparecem provas de afericão de que os alunos ignoram o objectivo, exames para o 9º e 6º anos, os tempos escolares passam de 50 para 45 minutos, mas os blocos de 90 minutos não têm intervalos no meio, os programas são completamente modificados – eu faco parte de um ano de transicão em que tínhamos o horário do ano anterior mas o programa do ano seguinte. Em Portugal tudo está em perfeita mutação. Não existem, pelo mundo fora, sistemas de educação perfeitos. Existem sistemas de educação que dão os seus frutos após algum tempo, que precisam de aprender com os erros e que se vão refinando. Eu senti-me, muitas vezes, genuinamente confuso com estas mudancas abruptas na educacão em Portugal. Por fim, realço outro pormenor: na Noruega as escolas têm muito mais independência em relação ao Estado, por exemplo no que respeita à capacidade de decidir sobre o pessoal docente. De despedir e contratar. Em Portugal os professores são colocados. Nos milhares de professores desempregados existem muitos com mais qualidade dos que estão colocados. Não existe um sistema de avaliação eficaz dos professores; eles entram com a ajuda da nota do estágio, por exemplo, que depende muito do supervisor que arranjaram. E o outro factor que conta é a idade e o tempo de ensino. O que deixa os jovens no desemprego. Esse não é o maior problema para os estudantes – o mais problemático é que alguns deles são melhores dos que os que estão na escola. Porque na escola existem muitos professores "piores do que estudantes", que muitas vezes faltam às aulas e que fazem pouco mais do que recitar a matéria. Mas também existem muitos que gostam do que fazem, e que se esforcam pelos seus alunos – e esses, acredito, querem ser avaliados, querem a sua própria avaliacão. Podia escrever mais, mas talvez já tenha dito demais, por isso concluo apenas que ser professor não é fácil, e não é aceitar apenas ter alunos que estudam muito e não têm problemas, mas aceitá-los a todos. (André Carvalho) * Todos sabemos que a escola não vai bem. Os alunos abandonam a escola muito cedo, com níveis muito baixos de escolaridade, não conseguindo adquirir competências mínimas, indispensáveis para um mundo de trabalho globalizado e cada vez mais exigente. A falta de qualificação, quer dos jovens, quer dos adultos, torna a nossa economia menos competitiva e, desta forma, irremediavelmente afastada dos índices de desenvolvimento que ambicionamos. Por outro lado, na última década, Portugal tem feito um enorme investimento público em educação. À conta disso, Portugal é o país da OCDE que maior percentagem da despesa corrente gasta em salários de professores, e onde os rácios de aluno por professor são os mais favoráveis da União Europeia. Por isso, seria de esperar que a escola apresentasse melhores resultados. Se isso não acontece é porque o problema é muito mais do que uma questão de meios. Há muito que o problema deixou de ser o dinheiro. Essa desculpa, usada por sucessivos governos para fugirem à responsabilidade de fazer o que deveria ser feito, já não serve. Pelo contrário, num país onde o estado gasta mais do que tem, seria injusto, numa altura em que o estado tem obrigatoriamente de cortar na despesa pública, que na área de educação se deixasse tudo como está, isto é, que se continuasse a por dinheiro na escola sem dela se exigir resultados e uma melhor gestão, racionalização e optimização de meios e recursos. Serve tudo o que acima foi dito para enquadrar a proposta do ministério de revisão do Estatuto de Carreira Docente. Porque, como é óbvio, os professores não se podem colocar à parte destes problemas, muito menos fazendo-se de vítimas. Para além da espuma que tem ressaltado da comunicação social, nomeadamente na questão da avaliação dos professores pelos pais e noutras questões técnicas passíveis de alteração mediante negociação com os sindicatos, interessa-me discutir a questão do princípio de avaliação dos professores. Devem ou não os professores ser avaliados? Devem ou não ser distinguidos os bons dos maus professores? Deve ou não haver consequências de uma avaliação? Não querendo gastar muitas mais linhas a retratar a situação actual, parece-me evidente que o actual Estatuto de Carreira Docente não serve. Em primeiro lugar porque é injusto para os professores, tornando os bons e os maus todos iguais, ao premiar todos. Em segundo lugar porque não assenta em nenhuma lógica de resultados e de objectivos, não estimula os que mais se empenham, torna o sistema ineficiente. Em terceiro porque é economicamente incompreensível, permitindo que, indiscriminadamente, todos cheguem, de uma forma automática, ao topo da carreira. Para existir qualidade no ensino tem de haver uma boa avaliação dos seus intervenientes. É assim com os alunos. Deve ser assim com os professores. A qualidade tem de ser premiada e tem de haver uma clara discriminação entre os bons e os maus professores. Actualmente, a profissão de professor proporciona inúmeras situações de não ser exercida. Depois de entrar na carreira é um descanso. Para alguns, a segurança de um emprego para a vida e a certeza de uma promoção automática, são as únicas coisas que os prendem à profissão. Muitos caem na rotina, no comodismo e no facilitismo que a carreira oferece. Até os bons professores se desmotivam e acabam por entrar nesta cultura descentrada do seu objectivo principal: o sucesso dos alunos. Por isso que, para bem dos alunos e dos bons professores, é urgente mudar. A escola precisa de voltar a ser credível e isso só é compatível com uma cultura de qualidade e exigência para todos, inclusive para os professores. Porque a escola pública existe por causa dos alunos, é neles que devemos centrar as nossas atenções, ainda que isso possa resultar na perda de direitos de alguns maus professores. Por muito que custe. João Filipe Marques Narciso (Professor contratado / Setúbal) LENDO / VENDO /OUVINDO (BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES) (17 de Junho de 2006) Os nossos homens no espaço. A Estação Espacial vista da terra: * Mais uma contribuição para a irrelevância da UE, ou, visto de outra maneira, mais uma demonstração do mesmo curso suicidário: "Os líderes europeus decidiram ontem que uma parte substancial dos debates entre os ministros dos 25 Estados-membros passarão a ser abertos às câmaras de televisão, depois de o assunto andar a ser discutido há anos. "Queremos que entre ar fresco na casa da União Europeia", explicou o chanceler austríaco, Wolfgang Schüssel, que preside à UE até ao próximo dia 1 de Julho. Assim, "todas as deliberações do Conselho Europeu sobre os actos legislativos a adoptar em conjunto com o Parlamento serão abertos ao público, tal como as explicações de voto dos membros do Conselho", afirma o documento com as conclusões da cimeira dedicada à "política da transparência", noticiou a AFP."Os ingleses foram dos poucos a protestar porque sabem melhor do que os seus congéneres europeus o que é governar e decidir e a necessidade de o fazer de forma discreta, com a liberdade de debate e franqueza de opiniões, pouco compatíveis com a exposição pública dos locais de decisão. Foi o que fez a ministra britânica dos Negócios Estrangeiros, Margaret Beckett. Esta variante do populismo mediático assenta na crença absurda de que este tipo de escrutínio em tempo real melhora a democracia, mas terá os efeitos exactamente contrários. Ao se parlamentarizarem os conselhos de ministros da UE, a política real, pura e dura, envolvendo interesses nacionais e dinheiro, tenderá a emigrar para locais informais onde não há qualquer escrutínio e responsabilização. Lóbis, funcionários, pessoal dos gabinetes, consultores, agradecem. Os conselhos de ministros europeus ficarão para a conversa políticamente correcta ou para as tiradas destinadas a serem publicitadas para efeito eleitoral interno. Os conselhos tornar-se-ão uma sucursal do Parlamento Europeu. EARLY MORNING BLOGS 795 Uma Após UmaUma após uma as ondas apressadas Enrolam o seu verde movimento E chiam a alva 'spuma No moreno das praias. Uma após uma as nuvens vagarosas Rasgam o seu redondo movimento E o sol aquece o 'spaço Do ar entre as nuvens 'scassas. Indiferente a mim e eu a ela, A natureza deste dia calmo Furta pouco ao meu senso De se esvair o tempo. Só uma vaga pena inconsequente Para um momento à porta da minha alma E após fitar-me um pouco Passa, a sorrir de nada. (Ricardo Reis) * Bom dia!
INTENDÊNCIA
Actualizada a nota NUNCA É TARDE PARA APRENDER: PORTUGAL NUM LIVRO BRASILEIRO com colaborações muito interessantes dos leitores. Em breve, colocarei em linha fragmentos de um artigo que Luis Filipe Castro Mendes gentilmente me enviou, sobre as "atribulações" das identidades portuguesa e brasileira , que foi publicado há três anos na revista do MNE em Portugal, e na revista do Real Gabinete de Leitura no Brasil. Em breve, a 6ª e, em príncipio, a última série de O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: VOZES VINDAS DAS ESCOLAS. 16.6.06
RETRATOS DO TRABALHO NA ARGENTINA Maquinista da linha San Martin, dos caminhos de ferro argentinos, na estação de Villa del Parque, esperando o sinal de partida.
(Francisco F. Teixeira) BLOGUES: A APOTEOSE DO PRESENTE Os blogues continuam a ser criados a uma velocidade de cruzeiro numa verdadeira revolução mundial de novas formas de "fala" dos indivíduos e dos grupos, o que é um dos reveladores da profunda interligação entre "estados" sociais preexistentes e tecnologias que os exprimem e potenciam. O último balanço do "estado da blogosfera" refere a existência de cerca de 35 milhões de blogues seguidos pela Technorati, uma empresa de referência no estudo dos blogues, duplicando o seu número cada seis meses. Nos últimos três anos, o tamanho da blogosfera cresceu 60 vezes, e o número de blogues criados por dia aproxima-se de 75 mil, o que significa que desde que o leitor começou a ler este artigo quase vinte novos blogues (um por segundo) foram criados em todo o mundo.(1) Claro que sabemos que "criar" e "manter" não é a mesma coisa, e que muitos dos blogues nascentes não passam do acto da criação, mas mesmo assim só um cego (e ainda há muitos cegos que não querem ver) é que não percebe que se está perante um fenómeno que marcará a nossa época, de um antes e de um depois. Não se trata aqui de avaliar os efeitos da blogosfera nas áreas que lhe são adjacentes, que todas estão a mudar por processos que tanto empurram os blogues, como as mudanças nos hábitos de leitura, de procura, de saber, de "ver", que estão associados à conjugação de novas tecnologias com mutações sociais nas sociedades industriais e democráticas a que chamamos "ocidentais". O movimento que gera o surto de blogues é muito mais profundo do que os próprios blogues, tornando-os ao mesmo tempo causa e efeito, agente de mudanças e revelador de mudanças.Duas coisas não podem porém ser esquecidas, e muitas vezes são-no, na análise da blogosfera: a primeira é que os blogues suportam-se numa forma tecnológica que valoriza determinados aspectos da "fala" que eles contêm e minimiza outros; a segunda é que a "fala" que se encontra nos blogues não é nova, tem precedentes e história. São estes dois aspectos de que falarei, valorizando o aspecto "literário" e criativo dos blogues, em detrimento de outras funções que os blogues também têm em particular no sistema da comunicação social. Comecemos pelo primeiro aspecto, o modo como a tecnologia, o software, as plataformas de suporte, moldam a forma do blogue, condicionando o produto final. Os blogues evoluíram das páginas pessoais na Rede, num momento de expansão e democratização da Internet, mas não são uma nova forma de páginas pessoais. O que em todas as plataformas populares, a começar pelo pioneiro e mais usado Blogger, se valoriza não é a apresentação de um indivíduo, dos seus interesses, das suas opiniões, do seu "universo" pessoal, mas sim tudo isto situado no tempo. Tempo é a chave da novidade dos blogues, os blogues forçam as páginas pessoais a deixarem de ser estáticas e a tornarem-se diários, locais onde opiniões, interesses, confissões, desabafos, impressões, são escritos num ecrã que se comporta como um rolo de papel, que se desdobra entre o presente e o passado. Por isso, acrescentava à frase anterior: tempo desigual, tempo essencialmente presente, é a chave da novidade dos blogues. Na verdade, o ecrã do computador não permite "ler" tudo o que está no blogue da mesma maneira, acentua o que de mais recente é colocado, valoriza no seu prime time a actualidade, o dia último, de preferência o dia de hoje, o presente absoluto. Nos blogues, a actualização é da natureza do próprio instrumento, dominado pelo presente e atirando com o passado para um "arquivo" que raras vezes é consultado. Nos blogues há uma apoteose do presente, uma menorização do passado e uma inexistência do futuro que condicionam o tipo de escrita e o seu sucesso comunicacional. Este desequilíbrio dos tempos é coerente com alguns dos efeitos da passagem do mundo comunicacional tradicional, da leitura, do silêncio, da lentidão, da memória, para a velocidade do que é "moderno", para um mundo constituído por imagens rápidas, prazer instantâneo e ilusão de simultaneidade. É o mundo dos directos televisivos, do em linha permanente, do mundo que testemunha tudo em tempo real, da aldeia na "aldeia global", da superfície, da pele das coisas do marketing e da publicidade. Os blogues trazem para a "fala" essa mesma velocidade e ilusão de instantaneidade de um mundo sem "edição", ou seja, sem mediação. O domínio do presente nos blogues molda a "fala", valorizando o comentário, a opinião, a impressão quase em tempo real sobre o presente a acontecer, mais do que sobre o acontecido e por isso comunica historicamente com a voz dos directos da rádio e da imagem da televisão. O sucesso dos blogues chamados "políticos" em Portugal, como aliás noutros países, não se deve a qualquer deformação da blogosfera, que continua a ser maioritariamente constituída por blogues de outra natureza mas com menos audiência, mas sim à natureza dos "assuntos correntes" que eles tratam de forma ainda mais "corrente" do que os media tradicionais. A competição-tensão entre blogues e os media tradicionais vem desse campo de actualidade que a forma blogue potencia e acelera. Esta relação pesada com o presente fez os blogues superar as páginas pessoais e, mesmo instrumentos fáceis e grátis que surgiram no último ano para criação de páginas pessoais (como o Google Page Creator), estão longe de competir com o interesse pelos blogues. No entanto, a forma blogue é tão perecível como todas as outras e evoluirá com rapidez para outras formas de comunicação, que por sua vez gerarão novos efeitos da "fala". Algum software já disponível introduz novas funcionalidades que combinam as vantagens da presentificação do blogue com um maior papel para modelos em que a "fala" ganha um novo volume, uma nova densidade temporal. Este caminho será facilitado também pelo aumento exponencial da capacidade de armazenamento dos computadores, aproximando-se da possibilidade de nos "meter" dentro de um disco: memórias, estados de alma, visões, sonhos, sons, leituras, imagens, falas, cheiros, afectos, gestos, saberes. Os estudos sobre o cérebro, a memória, a realidade virtual, teorias sobre os "meme" e projectos como o MyLifeBits, podem mostrar-nos como evoluirá o software do imediato futuro, disponível para que cada um "fale", em teoria para um mundo inteiro que o pode ouvir. Tudo isto acompanhará aquilo que tenho chamado a "biologização dos devices", a sua colagem ao nosso corpo, à nossa casa, a diminuição da distância física entre nós e as vozes que nos chegam de fora. Não custa compreender as enormes mudanças que estão em curso, todas diminuindo a distinção entre a realidade e a virtualidade, alterando as literacias necessárias para compreender e agir no mundo real, podendo, conforme a "riqueza" da cada um, ser mais inclusivas ou exclusivas socialmente. A análise deste processo ganha em ser compreendida também pelo passado da "fala" que perpassa nos blogues e dos seus precedentes. No próximo artigo analisarei os diários como protoblogues, escolhendo exemplos em francês, os diários-cadernos de Valery, Camus, Paul Morand e Cioran e as semelhanças e diferenças de uma escrita presa à sua circunstância vivida no tempo. (1) Utilizei como fonte State of the Blogosphere do Sifry's Alert com dados de Fevereiro de 2006 porque me interessava partir de um conjunto de dados coerentes que tinha analisado em conjunto. A revisão do Público corrigiu-os com os elementos mais recentes, de Abril-Maio, actualizando o número global de blogues para 35 milhões. O crescimento é tão rápido que quando a segunda parte do mesmo estudo foi publicada o número já tinha atingido 37 milhões. O número referido no Jornalismo e Comunicação é o actual (de ontem) de cerca de 45 milhões. O crescimento exponencial da blogosfera explica estas rápidas mudanças de números. (No Público de 15/6/2006) LENDO / VENDO /OUVINDO (BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES) (16 de Junho de 2006) __________________________ No Público de hoje, um grupo de artigos sobre as "utopias" da Internet como comunismo primitivo, ou, conforme os gostos, comunitarismo cristão igualmente primitivo, ou a "civilização da gratuitidade, profetizada por Agostinho da Silva". Vai dar ao mesmo. Estas nem sempre benévolas utopias são a milionésima encarnação do repúdio pela propriedade, tão antigo como a existência da dita, tão populares e tão "primitivas" como as sociedades de caçadores-recolectores. Elas contêm em si, para além de um utopismo político que tem sempre dado péssimos resultados porque se traduz sem excepção em engenharia social "primitiva", ou seja à força, uma confusão sobre as raízes da miséria e da exclusão. No caso da Internet pode ser tudo de graça, pode acabar o direito de autor, pode o mundo dos bits ser "gratuito" (como se lembra num artigo ainda "continua a ser impossível fazer download de bifes, sapatos e casas para habitar ", ou seja, os átomos resistem aos bits), que a fronteira da exclusão/inclusão centrar-se-á nas literacias. E as literacias estão muito desigualmente distribuídas e não é impossível que as mesmas tecnologias, que parecem favorecer a "civilização da gratuitidade", acrescentem ainda mais um fosso aos que já existem. É que não são as tecnologias, nem os efeitos tecnológicos, que mudam a sociedade. É a sociedade que muda a sociedade. Está tudo explicado na obra de um alemão chamado Karl Marx, que tinha que pôr na ordem um seu amigo, Engels que era industrial e acreditava demais no progresso. Marx também acreditava, mas tinha na cabeça um outro ratinho a roer-lhe os optimismos positivistas: a luta de classes. Ah! já me esquecia , o Público não faz parte da "civilização da gratuitidade" e por isso há que comprar o jornal, ou usar uma técnica da "acumulação socialista primitiva", ou seja, o roubo, para o colocar gratuito em linha. * Parabéns, Astronomy Picture of the Day.
EARLY MORNING BLOGS 794
The Rose Of Peace If Michael, leader of God's host When Heaven and Hell are met, Looked down on you from Heaven's door-post He would his deeds forget. Brooding no more upon God's wars In his divine homestead, He would go weave out of the stars A chaplet for your head. And all folk seeing him bow down, And white stars tell your praise, Would come at last to God's great town, Led on by gentle ways; And God would bid His warfare cease, Saying all things were well; And softly make a rosy peace, A peace of Heaven with Hell. (William Butler Yeats) * Bom dia! 15.6.06
NUNCA É TARDE PARA APRENDER: PORTUGAL NUM LIVRO BRASILEIRO
Paulo Francis, Trinta Anos Esta Noite Noutra altura irei ao livro propriamente dito, mas, para ilustração do nosso ego nacional fictício (agora empolado pela mudança do país para a Futebolândia), aqui vão as referências avulsas a Portugal e aos portugueses, num livro de memórias escrito por um jornalista e escritor brasileiro. As referências são interessantes porque são avulsas, a intenção do livro é autobiográfica e memorialística, mas igualmente reflexiva sobre o Brasil e os brasileiros a pretexto do golpe militar de 1964. Portugal aparece muito de relance, o que é a primeira conclusão: Portugal conta pouco para se poder falar do Brasil. E, quando conta, é assim: * O livro de Paulo Francis é uma brilhante reflexão sobre a sociedade brasileira. Li-o durante uma semana de férias no Rio de Janeiro. Não consegui sair do quarto do hotel até o terminar, tal é a clareza de ideias e sentido autocrítico do autor. Impressiona que o livro tenha sido escrito em 1994 e esteja tão atual, num país que mudou tanto desde então. Se as referências a Portugal são ácidas e escassas, a crítica ao Brasil é demolidora e assusta de tão lúcida. É preciso coragem para ler este livro e continuar a acreditar no país. Reduzi-lo às impressões sobre Portugal é um equívoco. Realmente, a elite brasileira, ademais um conceito bastante vago, não tem Portugal como referência. Seria estranho que assim fosse, uma vez que a elite portuguesa se divide entre referências intelectuais estrangeiras, precisamente as mesmas que servem de modelo ao Brasil. Além disso, qualquer pessoa que conhece o Brasil, não apenas o país das férias tropicais, sabe que as únicas regiões do país que conseguiram desenvolver sociedades mais ou menos próperas e instituições típicas de países desenvolvidos, foram aquelas onde a colonização portuguesa é pouco importante. Recomendo a leitura de um livro muito bom, publicado recentemente em Portugal, chamado "O Império à Deriva". É sobre o reinado de D. João no Brasil. Ajuda a entender o Rio de hoje e, melhor ainda, o Portugal de sempre. Se a imagem que o Brasil faz hoje de Portugal não é aquela que o nosso ego gostaria, é todavia melhor do que aquela que temos de nós próprios, pelo menos em tempo de depressão nacional. Basta ler as colunas de opinião do Público. Apenas um comentário final: é muito mais fácil ser Português aqui do que Brasileiro em Portugal. Não se deixem enganar pelas aparências. Até porque no Brasil as coisas nunca são exatamente o que parecem. (Vitor Salvador Picão Gonçalves, Portuense, Professor da Universidade de Brasília) * Não há uma única ex-colónia francesa, holandesa, alemã ou espanhola que apresente razoáveis desenvolvida. Não há sequer uma que seja mais desenvolvida do que o Brasil - talvez a Costa Rica..... e a sua meia dúzia de habitantes.... Quanto às ex-colónias só temos quatro mais desenvolvidas do que o Brasil, a Nova Zelândia, a Austrália, os EUA e o Canadá. Todos países em que as zonas desenvolvidas são de clima temperado tipo europeu, e onde foi bastante fácil transferir tecnologia agricola da Europa para as colónias - desde sementes até ao gado - ou tente um inglês levar gado e as culturas do seu clima para o Brasil para ver a produtividade que obtem... Está até o Brasil à frente da África do Sul...país onde a emigração "wasp" teve o poder até há uma década. O exemplo de desenvolvimento das restantes colónias mostra que os portugueses foram o povo que melhor interiorizou os custos de adaptação dos seus processos, metodologias e culturas a climas tropicais. Essa conversa de brasileiro só mostra uma enorme ignorância sobre o mundo e sobre ele próprio, porque sejamos francos, já são independentes há 184 anos.....e perante tanta estupidez só mesmo o desprezo de quem tem um passaporte europeu - que é o que as elites brasileiros mais pena têm de não ter. (João) * Há um enorme vazio de estudos sistemáticos das representações que persistem na actualidade sobre a presença colonial portuguesa nos diferentes espaços. Em África, por exemplo, estudos/pesquisas que versem sobre o pensamento social, sobretudo numa perspectiva de psicologia social e que fujam, de algum modo, aos modelos analíticos normalmente usados no estudo das sociedades «tradicionais» pelos antropólogos (nada tenho contra os antropólogos, pelo contrário), são praticamente inexistentes. Reduzir as representações sobre a presença colonial portuguesa a amor/ódio; as «elites» e os outros; etc. sabe a pouco, pelo menos naquilo que a África diz respeito. Quanto ao «portuga» do Brasil, acrescento que não se detecta nada de semelhante em Moçambique onde tenho feito trabalho de campo (quiçá em África). A relação é representada como que num patamar de amor/ódio, mas sem a desvalorização cultural do «outro» (ex-colono). Outra nota é a de que no caso de alguns espaços em Moçambique, como Tete, quando se fala do colono português surge sistematicamente em contraponto ao inglês e isso não se reduz ao «mau» versus o «bom». Parece-me também que a exorcização dos fantasmas da colonização está melhor consolidada nos ex-colonizados do que nos ex-colonos. Envio excertos de entrevistas realizadas em 1998 com cidadãos comuns das províncias de Maputo, Nampula e Tete (espaços urbanos e rurais) e que podem ajudar a pensar. Os entrevistados foram no geral homens adultos. É um trabalho que ainda está em andamento numa nova versão, pelo que se dispõem de outros dados. Disponibilizar o que se segue «a cru» pode originar acusações imediatas de «neo-colonialismo», «saudosismo» ou o que seja. Mas arrisco: “Serviços forçados. Fizeram isso. Mas estavam-nos a ensinar (...). Para termos uma noção direita.”; “O branco, até agora branco, muita gente que vivia nesse tempo está a chamar do branco, porque o branco ele batia, mas dava qualquer coisa a você saberes.”; “Nessa altura (...) havia algum sofrimento porque aquele que fosse trabalhar, quando faltasse um dia, era apanhado, era dado porrada. E... sabendo que o benefício era para ele mais tarde, mas tinha que disciplinar a pessoa.”; “Eles [os mais velhos] sempre falam, dizer que os colonos sempre nos educaram para andarmos asseados. Alguns... os nossos bisavós para pôr sapato era preciso ser obrigado.”; “Havia coordenação [entre nós e os portugueses]. (...) Davam palmatória para educar. Isso da escola era educação que hoje estamos a gostar. (...) Levei [muitas reguadas]! (...) Era para o meu benefício. Hoje já estou melhor. Já estou a receber. Já estou a ganhar o pão.”; “Para mim não abusou [o português].”; “(...) o colono proibia fazer aguardente aqui, tradicional (...) em parte cheguei de compreender hoje que estava a fazer bem porque as pessoas morriam com aquela aguardente porque o ácido era mais exagerado, não tinha limite.”; “(...) naquele tempo tinha quarta classe. Era limite do... do indígena. (...) era tempo de boas coisas também para nós, porque não sabia os estudos.”; “Eu gostei [do tempo colonial]. (...) Os mais novos são sempre... como até hoje nos livros só fala escravatura, escravatura, escravatura (...) e não souberam como viveram com... com os portugueses. Houve escravatura sim (...). Para construir um país tem de haver sacrifício de nós todos.”; “Gostei [de viver com os portugueses] porque tinha acostumado também aqueles ali. Tinham razão.”; “Gostei muito de viver com os portugueses naquele tempo.”; “(...) tudo era bom para mim, por causa, quando estavam aqui os portugueses nós - ah! - era satisfeito.”; “Mas o... para mim o tempo colonial foi muito bom porque aquilo que você precisava na altura, apanhava com dinheiro.”; “Pela minha parte foi bom [o tempo colonial] porque (...) eu era consciente. Não mexe (...) não era ladrão (...). É por isso que eu acho que português, pela minha parte, era bom.”; “Eu tenho muita saudade. Até aquele tempo era muito lindo.”; - “Isso sim! Isso acontecia [o negro ser penalizado por discutir com um branco]. (...) Era uma injustiça, sim.”; “Há o colono que sempre... não queria... dar o negro como pessoa. Só dar o negro como... como animal.”; “(...) só vi os meus pais serem carregados, serem amarrados para ir trabalhar forçado (...) a outra coisa foi a cultura de algodão, de arroz, também foi muito rigoroso.”; “Mas mesmo assim, aquilo tudo já passou. Aquilo tudo já passou.”; “Não há problemas para dar. Hum. Já encerrámos tudo aquilo que então se deu. Aquela ferida que alguém me cortou. Já a ferida, já está... está já encerrado.”; “Outros gente dizem que tempo daquele [colonial] até às vezes alguns, nossos bisavós, carregavam as pessoas nos ombros.”; “Abria estradas assim com as mãos. (...) Não havia coisas boas. (...) éramos tratados como escravos não sei de onde.”; “Era mal... era mal por causa que tinha chibalo, trabalho nas linhas férreas e nas plantações. (...) Aprendi isso na escola.”; “Iam à força [para o chibalo, contratados]. (...) Não recebiam! (...) Quando saíam daqui, iam para a Beira. Depois, quando acabarem aquilo na Beira, doze meses, vinham para aqui. Chegavam na administração e diziam-lhes «Olha lá: toma lá a sua guia de imposto do seu dinheiro que trabalhou na Beira!»”; “Realmente isto [racismo] senti bastante. (...) E o negro nada tinha que atribuir. (...) numa pequena falha aparecia o branco e batia. (...) Portanto, um africano perante um branco não podia agir.” (Gabriel Mithá Ribeiro) * Embora o ponto de vista sobre a pequenez de Portugal visto do Brasil seja interessante, talvez não seja inútil frisar alguns aspectos que são bem conhecidos das pessoas mais familiarizadas com a vida cultural e mediática do Brasil: 1 - O clube de fãs de Maurício de Nassau é bastante grande entre as pessoas mais ou menos letradas do Brasil. Não é caso para menos, já que a casa de Nassau trouxe para o Norte do Brasil alguns indícios de modernidade, que contrastava com a decadência e o atraso que se tinham tornado característicos da Coroa portuguesa. Os mesmos motivos levaram grande parte da elite portuguesa de então (excepto a que morreu em Alcácer-Quibir) a saudar Filipe II de Espanha como rei de Portugal. 2 - A "xingação" brasileira com a figura do Português não é muito diferente da de muitos portugueses com o Alentejano, o Galego, o Preto, etc. Trata-se sempre de achincalhar um arquétipo de pessoa pobre, esforçada e mais ou menos desadaptada da realidade circundante. 3 - Quanto à «ilustração do nosso ego nacional fictício (agora empolado pela mudança do país para a Futebolândia)», o Brasil não tem de pedir-nos lições nessa matéria. O Brasil oscila sempre, aos olhos dos seus, entre o paraíso na Terra («Deus é brasileiro», etc.) e o pior dos países («o Brasil é uma merda», etc.). 4 - Só queria sublinhar como algumas das piores características da nossa «identidade» (irrealismo, sebastianismo, infantilização perante o Estado, ausência de ética de trabalho) existem muito parecidas no Brasil. Penso que era o Agostinho da Silva que dizia que «o Brasil é Portugal à solta». Para concluir, não me incomoda nada que o nosso pequeno rectângulo europeu,cuja única grandeza geográfica reside nas águas territoriais, seja visto do Brasil como uma nação de pouca monta. O que me incomoda é que não saibamos ser mais eficazes, mais realistas, mais «virtuosos» nas nossas relações com o Brasil, pois haver no mundo um país daquela dimensão de língua oficial portuguesa não é uma questão de somenos importância para o nosso futuro enquanto país. Nada disto me impede, com é óbvio, de «torcer» por Portugal em primeiro lugar e pelo Brasil, quando nós não estamos presentes. (Miguel Magalhães) * Irritam-me solenemente estes brasileiros que culpam o atraso, o fracasso, a corrupção deles e todos os seus defeitos em Portugal. Sinceramente, considero estes brasileiros ressabiados pseudo-intelectuais de retrete uns adolescentes malcriados que culpam tudo o que existe de mal nas gerações anteriores e que nada fazem para melhorar o seu presente estado, senão parar no café, fumar ganza e mandar bocas. Se calhar as colónias espanholas estão muito melhor? E as colonias inglesas, holandesas e de outros países europeus completamente exploradas, tanto a nível económico e humano não contam? Vão ser tapadinhos lá fora! Podemos der atrasadinhos mas se eles andam na miséria é porque nada fazem para sair dela. Se calhar o Brasil saiu ao Pai. (João) * Talvez ache esta pertunta muito estúpida, mas acha possivel que pessoas habituadas a climas frios e chuvosos como os holandeses se tivessem conseguido habituar ao tropical Brasil ? O mesmo vale seguramente para os ingleses e menos para os franceses... (Eduardo Tomé) * Há muitos anos que eu sei que os nossos ex-colonizados não gostam de nós. Descobri-o relativamente aos brasileiros há uns 22 anos, quando estava a doutorar-me, frequentava os laboratórios de “Automática” de Toulouse, e convivia com os muitos bolseiros brasileiros que por lá havia. Em Timor descobriu-o o meu pai, aos 80 anos, que como velho colono nunca alimentou nenhuma estima especial pelo país donde partiu há mais de meio século, e que por lá andou há pouco a fazer levantamentos hidroeléctricos prospectivos, por conta da ONU. Veio de lá a dizer ser óbvio que as poucas estradas e outras infra-estruturas existentes foram feitas sob a ocupação indonésia e que os jovens nem sabiam falar português... E descobri-lo com os africanos não requer mais do que acompanhar os media. Esta é, aliás, uma das razões por que, por muito tempo, achei uma quimera vã a nostalgia frequente que vê no “espaço lusófono” uma aposta estratégica para o nosso desenvolvimento económico. Sempre achei a ideia com muita da ilusão salazarista. Mas com o tempo mudei um bocado de opinião. Quem na realidade não gosta de nós, nesses países, são as élites. No Brasil, quase sempre os intelectuais, especialmente os de esquerda. Em Àfrica, os detentores de cargos políticos que os herdaram da Administração colonial. E em Timor, acho que todos gostam de nós. Porém, o que tenho visto é que a nível de povo, quer em turismo, quer em negócios, é diferente. Aí, descobre-se de facto que o império deixou marcas e afectos mútos. Talvez você precise de uma “descida ao povo” desse tipo para o descobrir, Pacheco Pereira. Deixe lá a leitura dos intelectuais e vá lá comprar ou vender qualquer coisa, ou descansar em Maceió, ou instalar um negócio, e vai ver... José Luís Pinto de Sá * Um romance brasileiro onde os portugueses (ou, melhor dizendo, um português) são encarados de um ponto de vista claramente mais positivo do que no de Paulo Francis é «O meu pé de laranja lima», de José Mauro de Vasconcelos. José Carlos Santos EARLY MORNING BLOGS 793 Épigraphe pour un livre condamné Lecteur paisible et bucolique, Sobre et naïf homme de bien, Jette ce livre saturnien, Orgiaque et mélancolique. Si tu n'as fait ta rhétorique Chez Satan, le rusé doyen, Jette ! tu n'y comprendrais rien, Ou tu me croirais hystérique. Mais si, sans se laisser charmer, Ton oeil sait plonger dans les gouffres, Lis-moi, pour apprendre à m'aimer ; Ame curieuse qui souffres Et vas cherchant ton paradis, Plains-moi !... sinon, je te maudis ! (Charles Baudelaire) * Bom dia! O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: VOZES VINDAS DAS ESCOLAS (5ª série) Como professor: uma grande parte de nós concordam com muito do que a Sra. ministra está a tentar alterar. No entanto, achamos que não era por aí que começávamos. Conclui-se rapidamente que nem o Ministério nem os sindicatos fazem ideia do que é a vida na sala de aula e na escola. Qualquer professor do activo sabe o que o ministério, em primeiro lugar devia alterar (pequenas medidas sem implicações financeiras) para que a escola fosse um local melhor e com resultados imediatos (perdoe-me a presunção). Por exemplo: sou director de turma há vários anos e, apesar dos esforços constantes, verifico que os pais, como muitos têm dito, nunca foram à escola (60 a 70%), e os que aparecem são dos alunos com melhores prestações..... Se todas as prestações sociais (abono de família, subsidio de desemprego e todos os outros) dependessem de uma informação do DT , concerteza que teríamos os pais na escola e isso era decisivo. (António Barreira) * A professora Ana Teresa Mendes da Silva começa por assumir que há professores bons (que gostariam de ser avaliados) e maus (os tais que ganham o mesmo que os outros a troco de muito pouco), mas depois desata a dizer que os professores (num todo) é que preenchem uma série de necessidades dos alunos que os seus pais (que considera também num todo) supostamente não satisfazem. Gostaria que tivesse a ideia que os pais dos alunos sabem perfeitamente que há uns professores e os outros, assim como também eles próprios podem ser cuidadosos e esmerados ou desleixados e incompetentes. Gostaria de lhe descrever um professor que conheço por ser o de um filho meu: perto do topo da sua carreira e com fama de ser um bom professor, em dois anos não fez uma visita de estudo sequer; vai repetidamente ao médico e ao dentista (digamos semana sim, semana não, dentro do seu horário lectivo) e, além de faltar com frequência às 6ª feiras, só neste ano lectivo faltou ainda 2 períodos de 15 dias. Como tarefas não lectivas, e uma vez que a escola, por falta de instalações não dispõe de prolongamento de horário, foi incumbido de periodicamente colaborar no apoio ao refeitório da escola (1º ciclo) mas não o faz alegadamente porque o cheiro da comida lhe ficava nos cabelos. Chega a dizer aos alunos que está farto deles. Claro que este professor só pode ter medo de ser avaliado não só pelos pais dos alunos como também pela sua assiduidade e pelo seu projecto de trabalho. Há dias li no Público um jornalista a indignar-se com a ideia de os pais participarem na avaliação dos professores, alegando que seria bonito por exemplo as famílias dos doentes avaliarem os médicos. Acontece que essa prática por acaso está prevista e começa a ser usada em algumas instituições de saúde. A avaliação da satisfação dos utilizadores dos serviços (que em Medicina não são só os doentes mas também os seus cuidadores) é uma componente essencial da avaliação da qualidade dos serviços, de saúde e não só. Não cabe na cabeça de ninguém que um médico (ou um professor) seja muito bom mas afinal a maioria dos utentes (ou dos pais dos alunos) não goste dele. Ainda quanto às queixas de as promoções até ao topo da carreira não serem para todos, essa é a ordem natural das coisas: quantos funcionários de uma empresa chegam aos seus quadros superiores? Mesmo na função pública e na área em que estou, para um médico chegar ao grau de chefe de serviço tem de concorrer a um concurso com vagas limitadas que podem inclusive não ser ocupadas se os médicos candidatos não atingirem o nível desejado. São provas duras a que muitos nem sequer se submetem e, de entre os que se submetem, alguns ficam forçosamente pelo caminho. As reacções em bloco desprestigiam os bons professores que se deviam querer distinguir dos outros. Sabemos que frequentemente trabalham em condições muito desfavoráveis prosseguindo por vezes objectivos mais ambiciosos que os que lhe seriam estritamente exigíveis. Todos tivemos professores desses e sabemos reconhecê-los. O que não é admissível é que as más condições de trabalho sirvam como desculpa para os que não cumprem, não se esforçam ou, simplesmente, não têm capacidade para mais mas querem, de qualquer forma, chegar tão longe como os outros. (Mónica G.) * Sem o brado mediático do encerramento de qualquer fábrica no litoral, uma verdadeira revolução está a ser operada no mundo rural. O distrito de Bragança vai perder este mês 225 escolas. Retirada qualquer tentativa de problematizar o tema, duas simples conclusões, as aldeias nunca mais vão ser as mesmas e encerra também uma das últimas esperanças para o mundo rural! (José Alegre Mesquita) * Ao longo da vida tenho deparado resultados semelhantes aos observados em relação aos professores. Será que tudo se pode resumir na frase: o sindicalismo de reivindicação salarial (ou equivalente) teve demasiado sucesso? Será que se pode dizer que é justamente o sucesso do sindicalismo que matas as “conquistas alcançadas”. Ou será que os alvos em que o sindicalismo se centra são inapropriados? Ou, ainda, será que o sindicalismo, no que respeita aos professores, já deu o que tinha a dar? Será de se passar a algum tipo de nova fase? Os professores não devem ser mercenários do ensino: se receberem, ensinam, não importa o quê ou como, ou em que condições (excluindo as salariais). Diria que falta ainda uma discussão à volta da dicotomia autoridade/formas de a exercer para a tornar efectiva ou andamos todos a cuspir para o ar. De forma mais prosaica diria: desculpem lá, meus amigos, mas em matéria de disciplina o professor tem sempre razão o pouco que sobra são excepções que confirmam a regra. (Henrique Martins) * Hoje na versão em papel do Público o Ministério da Educação publica aquilo a que chama de edital. Este edital publicita o "Enriquecimento Curricular para o 1º ciclo" e o "plano da matemática para os 2º e 3º ciclos". Normalmente são publicados na "zona" dos classificados, mas esta é uma publicidade paga. Não seria a primeira vez é certo mas o que me pasma é o facto de o edital interessar apenas às escolas públicas. Ao que sei o ME possui hoje mais do que nunca de linhas próprias de comunicação com as escolas e mesmo com os executivos. Qual a necessidade de publicitar uma medida destas? Uma simples circular como tantas outras (com ordens vinculativas) não seria suficiente? É apenas publicidade e enganosa. É apenas mais uma evidencia da forma como o ME usa a comunicação social. Usa-a para vincular uma imagem distorcida das suas politicas educativas. Hoje como nunca o assunto "professores" vende mais que o assunto "escola" os senhores professores estão na capa do Expresso, nos jornais diários e pasme-se até nas revistas cor-de-rosa. Pena é que todos falam de bancada e sem grande ponderação. Apenas e só por terem andado na escola e recordarem este ou aquele docente acham que sabem como corrigir o sistema. Será demasiado tarde quando se perceber que estas politicas não ajudam os professores a serem melhores, pelo contrário. Que não melhoram o sistema, pelo contrário. Na verdade não existe uma verdadeira politica educativa ou existindo está orientadada claramente pelas necessidades de conter a evolução da massa salarial e o seu peso no orçamento. As politicas educativas deste governo explicam-se em poucas linhas: Não há dinheiro no mealheiro (facto) A carreira dos docentes implica um aumento da massa salarial exponencial tendo em conta a actual carreira baseada na experiência (ou como dizem antiguidade); O actual peso da massa salarial no orçamento da educação é de cerca 93% ( dados da OCDE já que o ME nunca mencionou os seus próprios números) e cerca de 58% das despesas fixas do estado. Melhorar os índices de escolaridade (ainda que artificialmente) de modo a tornar mais atractivo o investimento no nosso país. Para qualquer individuo que acompanhe a actualidade compreende que este é um "Estado à Rasca" (não rasca - embora também) e que a forma mais rápida e eficaz de alcançar o equilíbrio financeiro será actuar onde as medidas surtam maior efeito neste balanço. Estamos assim perante uma necessidade isto eu compreendo embora como professor não me agrade. Qualquer um compreende desde que lhe expliquem. O que eu não entendo é que se vire toda uma sociedade contra os professores e se procure encapotar medidas económicas como educativas. Nenhuma das medidas até agora tomadas irão melhorar os resultados dos alunos e têm contribuído para a degradação das condições de trabalho dos professores e isto tem consequências. O que agrava a situação é justamente o facto de as condições de trabalho dos docentes se virem a degradar de alguns anos a esta parte. Os sindicatos devem exigir do ME condições de trabalho para os docentes e saírem do caminho relativamente às politicas educativas de modo a não serem responsabilizados pelas mesmas como hoje acontece. Devem exigir, por exemplo, que todo o tempo passado na escola seja contabilizado ou como componente lectiva ou como componente não lectivas (actualmente um professor passa cerca de duas horas na escola que não são contabilizadas - são os chamados intervalos cuja necessidade não pode ser colocada em causa), para além de uma generalizada má gestão de recursos evidente nas escolas. Pode parecer mesquinho mas o ME cortou em 5min as aulas e pôs os professores a trabalhar mais dois tempos (outras duas horas) de borla. O tempo é um aspecto importante nesta profissão. Os professores devem exigir condições de trabalho de modo a concretizarem as medidas do ministério e não passar a vida a contestar essas mesmas politicas.Eu sou professor e faço o que me mandam apenas quero condições para o fazer. A responsabilização dos alunos com consequências claras devem também ser implementadas. Não faz sentido nenhum não partilhar responsabilidades. As escolas não podem continuar a ser mais um braço do polvo do Estado Social(ista). A escola deve afirmar-se e ter à sua volta os meios e recursos para tal e não o contrario ao estar ao serviço de politicas sociais. Como cidadão estou preocupado com o rumo da educação (pública) e a forma leviana como este assunto tem sido tratado pela comunicação social e por muitos dos fazedores de opiniões. Adivinha-se o crescimento do ensino privado mas sobretudo o aparecimento de Escolas sem parelismo pedagógico com o ensino oficial mas que se afirmarão pela excelência das metodologias (e da capacidade de financiamento dos papás). (Carlos Brás) * Por causa das trapalhadas que o leitor Bártolo descreve, na definição das qualificações para o ensino especial, a minha mulher, que se dedica a esse tipo de ensino há muitos anos, que acaba de ganhar um concurso municipal por um projecto que apresentou para a recuperação de crianças com dificuldades especiais na sua àrea de escola, que tem um mestrado em Ciências de Educação e também uma dessas pós-graduações “rápidas” em ensino especial, que tem já um total de 23 anos de serviço, a minha mulher baralhou-se no preenchimento das suas qualificações no boletim de concurso e foi excluída...!!! Para o não é bem possível que fique no desemprego! (José Luís Pinto de Sá) 13.6.06
COISAS SIMPLES
(John Frederick Peto) LENDO / VENDO /OUVINDO (BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES) (13 de Junho de 2006) __________________________ Nuvens como nunca as tinhamos visto: a Tempestade Tropical "Alberto" vista pelo novo satélite Cloudsat da NASA. Os "olhos" da meteorologia nunca mais vão ser os mesmos.
EARLY MORNING BLOGS 792
1er janvier Enfant, on vous dira plus tard que le grand-père Vous adorait ; qu'il fit de son mieux sur la terre, Qu'il eut fort peu de joie et beaucoup d'envieux, Qu'au temps où vous étiez petits il était vieux, Qu'il n'avait pas de mots bourrus ni d'airs moroses, Et qu'il vous a quittés dans la saison des roses ; Qu'il est mort, que c'était un bonhomme clément ; Que, dans l'hiver fameux du grand bombardement, Il traversait Paris tragique et plein d'épées, Pour vous porter des tas de jouets, des poupées, Et des pantins faisant mille gestes bouffons ; Et vous serez pensifs sous les arbres profonds. (Victor Hugo) * Bom dia! 12.6.06
O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: VOZES VINDAS DAS ESCOLAS (4ª série) (...) Perguntem a qualquer professor digno desse nome se ele quer ser avaliado. E a resposta é SIM! Claro que sim! Mas qual é o bom profissional que investe na carreira e que quer ter o mesmo Satisfaz automático num relatório para progressão na carreira que aquele que vê o ensino como uma forma de ganhar dinheiro "para os alfinetes"? Qual é o bom profissional que investe muito do seu tempo e da sua energia para querer depois ser "metido no mesmo saco" daquele que pouco ou nada faz??? Qual é o professor digno desse nome que gosta de ganhar o mesmo (ou ainda menos, se estiver num escalão inferior) do que aquele que é bem pior profissional do que ele? Será este país tão estúpido e tão cegamente arrogante para achar que pode existir sem professores? Será este país tão estúpido para achar que a forma de limpar o ensino dos maus profissionais (que existem, claro que sim! E não contem comigo para ser corporativista...) é atacar todos os professores, atribuir-lhes as causas de todos os males da sociedade, desde os meninos que se drogam porque os professores faltam (ouvi isto da boca do senhor Albino, da Confederação de Pais) até aos de falta de produtividade do país? Será este país tão estúpido e tão arrogante que entenda poder não reconhecer as horas que os professores dedicam a preparar as aulas, a pensar em como “agarrar” aquele aluno que anda meio perdido, a telefonar vezes sem conta para os pais do outro miúdo que anda completamente desorientado, a gastar dinheiro do seu bolso em materiais de apoio, a levá-los em visitas de estudo a ver museus, teatros, exposições, conhecer coisas que muitos pais, confortáveis nos seus fins de semana de centro comercial, não estão para fazer? Já agora, para os que dizem que os professores só querem passear, pensem que o podemos fazer com os nossos filhos e amigos, sem ter que passar 12 horas fora de casa de um dia que, passado na escola, seria de muitas menos e sem a responsabilidade de tomar conta dos filhos dos outros. Será este país tão estúpido e tão arrogante que esqueça que são os professores, como é, obviamente, sua função e responsabilidade, a dar a todos os alunos o melhor das ferramentas de que dispõem, sejam elas científicas, intelectuais, sociais, de cidadania e de tudo o mais que possam imaginar e entender necessárias? Será este país tão estúpido e tão cegamente arrogante que não perceba que sem os professores que tentam tirar os miúdos do miserabilismo intelectual em que muitos vivem (independentemente da classe social) teremos cada vez mais uma escola de pobrezinhos onde, para não haver insucesso, devo partir daquilo que "a criança" é e sabe, descer ao encontro dos seus interesses, por causa do insucesso, etc,etc,etc... (como isto dá jeito aos donos dos colégios...)? Assim, ajudamos os “pobrezinhos” a cumprirem o seu (pré)desígnio na vida... Será este país tão estúpido que não perceba que sem os professores que se estão a borrifar para estes determinismos sociais e que tanto trabalham, se for essa a vontade do aluno, para ser médico o filho do cozinheiro como o do deputado, teremos cada vez mais o país da elite, a quem tudo é possível, e o dos outros, fechados e condenados ao atraso e a perpetuarem o meio onde tiveram o azar de nascer? Será este país de "professores de bancada" (pois, tal como no futebol, todos parecem saber mais do que é ser professor do que nós, pelos vistos os mais incompetentes de todos os profissionais deste país!) capaz de parar de gastar o tempo (tempo este em que muitos se poderiam dedicar, digamos, a educar os próprios filhos, a ir à escola saber deles, a dedicar-lhes uns minutos, sei lá...!) a fazer analogias entre as empresas privadas e os professores? Será este país tão estúpido e tão cego que não veja, nas empresas, as políticas de incentivo, os prémios de produtividade, os seminários de motivação, os telemóveis de serviço, os computadores da empresa para trabalhar em casa e, sem ir ao mais óbvio, os ordenados? Será este país tão estúpido que não entenda que os professores são profissionais qualificados, não têm o 9º ano nem tão só o 12º? Portanto, sejam pelos menos honestos (se não conseguirem ser inteligentes!) nas comparações. Será este país tão estúpido e tão cegamente arrogante? Quantos de vós não devem muito do que são a professores que tiveram? Ou os vossos filhos? Será o meu país tão cego e tão arrogante??? Assim, perguntem a qualquer professor digno desse nome se ele que ser avaliado... E ele responde-vos que SIM! O que não queremos mais é ser constantemente humilhados, culpabilizados, achincalhados, denegridos, tratados sem a consideração, o respeito e a inteligência que a minha profissão e o meu profissionalismo me concedem o direito de exigir! E, citando Almada Negreiros: UMA GERAÇÃO, QUE CONSENTE DEIXAR-SE REPRESENTAR POR UM DANTAS É UMA GERAÇÃO QUE NUNCA O FOI! É UM COIO D'INDIGENTES, D'INDIGNOS E DE CEGOS! É UMA RÊSMA DE CHARLATÃES E DE VENDIDOS, E SÓ PODE PARIR ABAIXO DE ZERO! ... cada geração tem o Dantas que merece! Mas também tem nas suas mãos o poder de o reduzir à sua insignificância... Até porque do Dantas, o verdadeiro, o Júlio, não fora o testemunho/desabafo do Almada Negreiros, e já se teria dissolvido na poeira dos tempos... 5 de Junho de 2006 (Ana Cristina Mendes da Silva, professora do departamento de Língua Portuguesa do quadro de nomeação definitiva da Escola Secundária da Amadora) * Sou professor do ensino primário (do 1º ciclo na terminologia actual), tenho 49 anos de idade e cerca de 28 de serviço (20 dos quais na educação especial). Ao longa da minha vida profissional sempre tentei estudar e aprender. Antes da "formação em serviço" fornecida pelo ministério paguei do meu, na altura, magro salário muitas inscrições em cursos e seminários. Em 1988 tive a oportunidade ir estudar a tempo inteiro durante 2 anos (DESE em Educação Especial na ESE do Porto) e em 1998 fiz um mestrado em educação na Universidade do Minho. Sempre defendi a avaliação das escolas e dos professores. Mas, neste momento, sinto-me ofendido pela ministra.(...) É muito mais fácil avaliar os professores do que avaliar as escolas. Mas, uma boa avaliação das escolas, com medidas de acompanhamento para as escolas com problemas, como fazem os ingleses, permitiria melhorias na qualidade da escola. Temo bem que avaliando-se apenas os professores o único resultado que se conseguirá é, no curto prazo, travar as progressões automáticas e contribuir para a redução do défice. Devo dizer que não sou simpatizante do PSD, concordei com algumas das medidas do Dr. David Justino e discordei de outras, mas tenho de reconhecer as medidas eram articuladas e tinham uma lógica. Voltando à actual ministra continuo sem perceber a atitude dos sindicatos (talvez seja por isso que deixei de ser sócio há mais de 10 anos). Esta equipa ministerial tem mostrado uma incompetência escandalosa na implementação de algumas medidas e, sobre isso, os sindicatos nada dizem. Passo a citar apenas alguns exemplos: - Foi criado um quadro de professores de educação especial. Até agora estes professores eram colocados de acordo com o nível de ensino correspondente à sua formação inicial. No novo quadro são criados 3 grupos de docência correspondentes a diferentes tipos de deficiência dos alunos. A estes lugares podem concorrer professores de qualquer grau de ensino (desde o jardim de infância ao secundário), desde que sejam especializados. Esta especialização é conferida pela frequência de uma pós graduação de cerca de 300 horas. Ou seja, como não se diferenciaram as vagas por níveis de ensino, pode acontecer que num agrupamento sejam colocadas apenas educadoras de infância que terão de apoiar alunos até ao 3º ciclo. Noutro podem ter sido colocados só professores de 3º ciclo, que terão de apoiar todos os alunos, incluindo crianças de jardim de infância e, eventualmente, até bebés. Devo esclarecer que não estou minimamente preocupado com os professores. Estou preocupado com as crianças, sobretudo as mais pequenas porque esses anos são fundamentais para o seu desenvolvimento. Na educação especial quanto mais cedo começa uma intervenção de qualidade mais hipóteses há de minorar os problemas da criança. - Neste "famoso" concurso os professores só poderiam concorrer se tivessem a especialização, mas a nota dessa especialização não contava para a sua graduação profissional. A experiência profissional em educação especial também não. Aos professores era perguntado se possuíam pelo menos 365 dias de serviço na educação especial. Assim, um professor com 20 anos de serviço total que tem apenas um ano de experiência em educação especial fica à frente de outro com 19 anos e 364 dias de serviço total que tem 12 anos de experiência em educação especial. - Para "completar o ramalhete" o despacho que regulamentava as habilitações foi acrescentado 3 vezes, duas delas durante o próprio concurso! - No final do ano lectivo anterior foi alterado à pressa o despacho 105 (não sei o ano), que regulamentava a educação especial, e foi substituído pelo Despacho n.º 10856/2005 que poucas alterações introduziu. Uma dessas alterações passou a ser a obrigatoriedade de os professores realizarem, em Maio, um relatório individual sobre cada aluno. Esse relatório seria validado pelas Equipas de Coordenação (ECAE) e enviado às direcções regionais que, por sua vez, o enviariam para o ministério. Foi definido um modelo de relatório e criado um formulário em Microsoft Word para o seu preenchimento. Pelo menos tomaram uma decisão sensata: o relatório seria enviado em formato electrónico. - No presente ano lectivo comecei, em devido tempo, a perguntar se haveria alterações ao modelo do relatório. Foi-me dito que aguardasse. Há cerca de duas semanas finalmente chegou o novo modelo. Agora é feito on-line (é o choque tecnológico). Até aqui tudo bem, o problema é que atribuíram a mesma password aos professores de dois concelhos (abrangido pela mesma ECAE) e o nome de utilizador é o da ECAE. Ou seja, qualquer professor destes concelhos, ao aceder ao sistema tem acesso não só ao nome completo das crianças, como também ao que os colegas escreveram. Estou com um problema de consciência grave: tenho de fazer os relatórios mas, simultaneamente, queria proteger os meus alunos e as suas famílias. Os pais e as crianças com problemas não têm direitos? Podia continuar a citar um conjunto de incidentes em que há ordens e contra ordens. A ministra ou um dos seus secretários de estado reúnem com os conselhos executivos e dão uma ordem. As coisas funcionam mal no terreno, há contra ordem. Desde há muitos anos que não se sentia uma tão grande instabilidade nas escolas. Felizmente decidi deixar a educação especial e voltar ao ensino regular, e digo felizmente apesar de ir ganhar menos e ter mais 5 horas de aulas por semana. A propósito de horários, a ministra voltou à ideia de, "nos agrupamentos em que não haja outros meios", nos pôr a servir de babysiter aos meninos após as 5 horas diárias de aulas. Quando é que preparo aulas e corrijo trabalhos? Nunca me preocupei se excedia as 35 horas semanais mas, este ano, se me transformarem em babysiter passarei a ter cuidado para não as exceder. (Vítor Bártolo) COISAS DA SÁBADO: UMA DIVERTIDA E A SEU MODO FABULOSA REPORTAGEM DA VELHINHA QUE TINHA UMA ESTUFA DE CANABIS EM CAVEZ No Correio da Manhã dominical a história de uma velhinha de Cavez que tinha umas “sementinhas” num saco e resolveu “estrumar as batatinhas”. Tudo assim gentil e em diminutivos. As “sementinhas” eram afinal de uma “coisa perigosa para os homens”. “Ora não quer ver isto?” perguntou a velhinha quando lhe entrou a GNR em casa. Queriam ver queriam e disseram-lhe que aquilo servia para fazer “charros”. “Charros?! Que é isso? Não sei , não senhora. Chicharros? Peixe para comer…”, disse D. Carmo do alto da sua magnífica inocência. Ainda há momentos assim. Eram era tomates a crescer, na estufa (eu por mim punha as mãos no fogo pela D. Carmo se não fosse a estufa…). Mas os vizinhos já não sabem o que é um coração puro e malévolos diziam “Então uma mulher daquelas não via que aquilo não podia ser tomates!”. Maldosos, ainda a planta não tinha frutos, vizinhos, só folhas! E assim vamos no interior profundo com a chegada das culturas para o mercado, numa agricultura de subsistência. LENDO / VENDO /OUVINDO (BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES) (12 de Junho de 2006) __________________________ A Pátria com que estamos sempre a encher a boca, mas que não usamos. Montra de um alfarrabista do Porto, hoje: (Gil Coelho) * Estranha noção de serviço público: a RTP1, no telejornal da uma, demorou vinte e um minutos a perceber que um noticiário é suposto ser para dar notícias e não transmitir uns cidadãos aos saltos vestidos de vermelho e verde. Depois, despachou dez minutos de notícias à pressa e voltou aos cidadãos no seu exercício nobre de gritar. Os defensores da televisão estatal estão sempre a encher a boca com a diferença do serviço público face aos ignaros dos privados. Vê-se. * E não é que todos os comentadores se tornaram comentadores desportivos! A Futebolândia já tem "pensamento único", que escorre da televisão, dos jornais, dos blogues, das cabeças como se viesse da Cornucópia da Abundância. Estamos em plena "felicidade" pelo Esférico. Saltem muito, é o que vos desejo. A sério, saltem, saltem, pode vir daí uma desorganização das ideias que seja salutar à Pátria. Duvido, mas não excluo nenhum milagre. COISAS DA SÁBADO: OS INTELECTUAIS têm todas as razões para a má fama de que gozam em todos os sítios menos a França que os gerou. Um bom exemplo do mal dos intelectuais está à vista nos papéis desclassificados de Kissinger que só agora estão disponíveis. Sobram poucas dúvidas que Kissinger foi um dos grandes diplomatas do século XX, um homem que marcou a diplomacia da grande potência americana como poucos. Ele não era um homem de negócios amigo de um Presidente como alguns dos seus colegas, alguns dos quais também bons diplomatas. Kissinger era um intelectual de sólidos méritos, um académico, um estudioso da história do século XIX e um teórico das relações internacionais. Era também o protótipo do político pragmático e realista, uma encarnação viva da realpolitik, defendendo acima de tudo os interesses nacionais dos EUA. No entanto, não lhe faltava visão, como se viu em todo o processo “chinês” de Nixon.Mas, uma vez intelectual, sempre intelectual: entre as conversações secretas desclassificadas há uma em que Kissinger coloca objecções ao processo de democratização de Espanha, manifestando-se contra a legalização do Partido Comunista. Às tantas comentou naquilo que pretendia ser um elogio, ainda sob reserva, ao Rei de Espanha: “o Rei ainda não mostrou a capacidade que têm os Bourbons para a auto-destruição”. Sabia muito, o hoje velho Kissinger. E de facto Rei não mostrou mesmo essa capacidade suicidária dos Bourbons: contrariou Kissinger, legalizou o PCE, e foi fundamental para vencer o golpe dos saudosistas de Franco. Como Bourbon não está mal.
EARLY MORNING BLOGS 791
Rough Country Give me a landscape made of obstacles, of steep hills and jutting glacial rock, where the low-running streams are quick to flood the grassy fields and bottomlands. . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . A place no engineers can master–where the roads must twist like tendrils up the mountainside on narrow cliffs where boulders block the way. Where tall black trunks of lightning-scalded pine push through the tangled woods to make a roost for hawks and swarming crows. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . , And sharp inclines where twisting through the thorn-thick underbrush, scratched and exhausted, one turns suddenly to find an unexpected waterfall, not half a mile from the nearest road, a spot so hard to reach that no one comes– a hiding place, a shrine for dragonflies and nesting jays, a sign that there is still one piece of property that won't be owned. (Dana Gioia) * Bom dia! 11.6.06
RETRATOS DO TRABALHO NA RIA DE AVEIRO, PORTUGAL
Hoje, domingo. (Gil Coelho) LENDO / VENDO /OUVINDO (BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES) (11 de Junho de 2006) __________________________ A actividade relacionada com os blogues - leitores, autores, colaboradores, correspondentes - é um indicador excelente e rigoroso dos ciclos de actividade/descanso daquilo que no marketing se chama o horroroso nome ( e se calhar verdadeiro) de "classe média baixa". Deve estar tudo a banhos. O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: VOZES VINDAS DAS ESCOLAS (3ª série) Causa-me alguma perplexidade verificar que "as vozes que vêm da escola" se focalizam em questões técnico-pedagógicas e de índole corporativa e evitam as referências ao que, se bem ajuízo, é essencial e lhes é prévio: a questão da autoridade nas escolas e do que é necessário fazer para a repor. De facto, a escola teve, tem e terá de assegurar duas funções: a instrução e, pelo menos complementar e supletivamente a outras instituições sociais, a educação, entendida como o desenvolvimento de atitudes e comportamentos socialmente desejaveis. o problema é que essas atitudes e comportamentos não são ideologicamente neutros pelo que, nas réplicas do Maio, não admira que a função educativa da escola tenha sido violentemente posta em causa: a escola era "burguesa" e visava "a reprodução/manutenção das estruturas sociais burguesas" e da "ideologia dominante" ou, dito dum modo metafórico embora inócuo dado o meio, a colocação de "another brick in the wall" o que justificava a ordem, irada, "hey, teachers, leave the kids alone". Ora, não é possível instruir sem previamente educar e não é possível educar sem o criterioso recurso a mecanismos de punição/recompensa que pressupõem a autoridade para os aplicar. E foi essa autoridade que os professores foram paulatinamente perdendo: de cedência em cedência, a escola foi-se transformando num mero local anárquico, violento, onde, sem custos, os progenitores depositam os rebentos enquanto fazem pela vida esperando que, sem sobressaltos nem canseiras, atinjam a idade em que não são obrigados a frequentá-la e, nalguns casos, transitem para a universidade. Este estado calamitoso a que a escola chegou requer a reposição da autoridade do professor na sala de aula e da do (inexistente!) director na escola bem como a credibilidade/efectividade das sanções que lhe são inerentes o que obriga, por muito incorrecto que seja, a questionar dois tabus : a obrigatoriedade da ferquência das escolas até aos 16 anos que, para todos os efeitos, impede a expulsão do sistema de todos aqueles que apresentarem incorrigiveis comportamentos desviantes; a gratuitidade do ensino: as pessoas tendem a desvalorizar e a desperdiçar tudo aquilo que lhes não custa nada. (José Fonseca) * Para quem se interessa por Educação, o texto de Lafforgue sobre a Educação na URSS e na Rússia de hoje é interessantíssimo. Como o nosso caos educativo tem, segundo opiniões muito consensuais, origem na “ditadura” das direcções sindicais e do staff do Ministério, que são identificados com a Esquerda e de facto muito apoiados pela Esquerda política, é curioso ver que a cultura educativa e escolar soviética e hoje russa – considerada, pelos seus resultados, um sucesso consolidado de muitas décadas – apresenta tudo que viola a “cartilha” da esquerda educativa – disciplina, competição entre escolas, autonomia de decisão, diferenciação, apoio à progressão dos melhores alunos, etc., etc. Lafforgue é um grande matemático francês que se demitiu de uma comissão nomeada para rever o ensino francês, quando lá encontrou todos os responsáveis pelo seu descalabro. O site que criou para divulgar o caso. Para acesso directo ao pdf sobre o ensino russo, antes soviético. (Eduardo Pedrozo) * Tenho lido um coro de protestos acerca da Ministra da Educação no seu blog, por causa da revisão do ECD. A minha opinião é que pela primeira vez em muitos anos estamos perante um verdadeiro caso de sucesso na Governação. E a oposição neste aspecto devia ter a coragem de o dizer. O tão propalado facto de os professores passarem a ser avaliados pelos pais é uma atoarda lançada para a comunicação social e que os jornalistas, que não fazem o trabalho de casa comeram. Os pais apenas têm que se pronunciar num item acerca dos professores e não irá ser isso que será determinante na sua avaliação. O que está verdadeiramente em causa é que ninguém quer ser avaliado. O ponto mais controverso da revisão do ECD é o facto de se permitir a existência de dois tipos de professores numa escola. Os titulares que têm acesso ao 9º e 10º escalão e os outros. Aqui é que poderão eventualmente vir a criar-se injustiças já que o novo ECD estabelece cotas para os professores titulares, que não poderão ser superiores a determinado número em cada escola. Ora se esse número já estiver preenchido hoje vai ser necessário ou que os professores titulares já no 9º e 10º escalão mudem de escola, se reformem ou morram para que os outros por mais competentes que sejam, possam ter esse privilégio. O que está mal já, que ainda predomina muito o laxismo. Por isso os titulares por muito incompetentes que sejam, nunca ninguém vai ter coragem de os denunciar para os mais aptos ocuparem esses lugares. Já se sabe que se um professor estiver à beira da reforma mesmo que não faça nada todos os outros se vão calar. Isto segundo o princípio bem português, hoje és tu amanhã posso ser eu, ou seja cobardia. Mas por outro lado é sabido que existe um problema de fundo na Função Pública. Os quadros que entram e os quadros que estão no topo da carreira ou dirigentes ganham pouco e os quadros intermédios ganham demais. Para isto mudar é preciso coragem. E a coragem também passa pela avaliação que a Ministra quer implementar. Só gostava era de saber onde andam as palmas da oposição. Ao não aplaudir só está a demonstrar que também está amarrada e ir a reboque dos sindicatos. Há-de chegar o dia em que os sindicatos vão aplaudir (já esteve mais longe) e depois vamos ver o PSD e o PP ao lado de quem? (Paulo Lopes da Silva)
EARLY MORNING BLOGS 790
Prière du soir Dans l'espais des ombres funebres, Parmi l'obscure nuit, image de la mort, Astre de nos esprits, sois l'estoile du Nort, Flambeau de nos tenebres. Delivre nous des vains mensonges, Et des illusions des foibles en la foi: Que le corps dorme en paix, que l'esprit veille à toi, Pour ne veiller à songes. Le coeur repose en patience, Dorme la froide crainte et le pressant ennui: Si l'oeil est clos en paix, soit clos ainsi que lui L'oeil de la conscience. Ne souffre pas en nos poictrines Les sursauts des meschants sommeillans en frayeur, Qui sont couverts de plomb, et se courbent en peur Sur un chevet d'espines. A ceux qui chantent tes loüanges Ton visage est leur ciel, leur chevet ton giron, Abriez de tes mains, les rideaux d'environ Sont le camp de tes Anges. (Théodore Agrippa d'Aubigné) * Bom dia! 10.6.06
ARRASTÃO E CONTRA-ARRASTÃO Desde o primeiro minuto que o arrastão me pareceu implausível, pelo menos como era relatado na comunicação social. Escrevi-o muito antes do filme da Diana ter feito passar o arrastão a contra-arrastão. Estou por isso muito à vontade. Mas o contra-arrastão a que se assiste nos dias de hoje, não é uma mera verificação dos erros da comunicação social, que toca apenas ao de leve e sem responsáveis (parece que a culpa toda foi do dono de um bar...). O contra-arrastão é um produto ideológico puro, tão afastado da realidade como o arrastão, tão falso no plano factual como ele, tentando tornar impossível, culpabilizadora e racista qualquer crítica à violência suburbana, oriunda de jovens negros da segunda geração, que implicitamente nega como problema de criminalidade apenas para afirmar como questão "social" e de exclusão. 9.6.06
O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: VOZES DE TIMOR E VOZES SOBRE TIMOR JPP dixit: ADENDA: Por exemplo, ninguém se pergunta sobre o significado de "acantonar" a GNR num único bairro em Timor e o que isto significa de entradas de leão e saídas de sendeiro. Queria só dar-lhe conta de que quando vi esta notícia o que me passou pela frente (embora nunca possa certamente vir a ter tão desgraçado e infeliz desfecho) foi a imagem dos nossos bravos do Corpo Expedicionário Português, enviados para as piores localizações e, em muitos casos, para a morte, para algo que duvido muito que tenha tido – em termos estritamente políticos – justo destaque na altura. Claro que nada de semelhante se passará agora, mas parece-me patente a intenção de nos dar algo para tratarmos que será certamente sempre complicado e, por outro lado, sempre pequeno. A fama da GNR em Timor é muita, a capacidade será também certamente muita, mas haverá todo o interesse em que não brilhe… (António Delicado) * Não saí de Timor-Leste. E cá estarei apesar desta guerra de nervos. Todos os dias somos bombardeados por uma campanha sistemática que tem como único objectivo derrubar o primeiro-ministro. Para nós, portugueses, praticamente que o nosso dia-a-dia é o mesmo. Mas as tragédias pessoais das famílias timorenses são assustadoras. Vale tudo. Os boatos iniciais que resultaram no pânico colectivo da população, e que a levou a abandonar a capital, tentando parar todas as instituições; às declarações diárias do Ramos-Horta a manifestar a sua disponibilidade de ser Califa no lugar do Califa, vendendo o seu país aos invasores; os ataques dos governantes australianos ao governo; as manobras de certo corpo diplomático; as tentativas de virar os orgãos de soberania uns contra os outros; o apoio e a passividade das tropas australianas com os desertores e afins; os títulos da imprensa australiana; e as recentes provocações à Fretilin para que isto se transforme numa guerra civil. Enfim, vale tudo para desestabilizar e dar ao mundo uma imagem da necessidade de derrubar um governo que enfrenta os objectivos da Austrália na região. Mas uma coisa é certa. A única pedra no sapato, o único obstáculo entre a ocupação de Timor-Leste pela Austrália, tem sido a imprensa portuguesa e o Governo português. Patriotismos exarcebados ou não, é aqui que se tem feito resistência a um invasor arrogante e sem escrúpulos.. Fora de Díli, excepto nas vilas onde estão os ex-militares sustentados pelos militares australianos, as instituições funcionam, a polícia existe e a vida parece a mesma como há dois meses atrás. Assisti à tentativa da missão da UN em evacuar todos os internacionais que apoiam os orgãos de soberania de forma a parar o país. Assisti ao Ramos-Horta a ajudar os objectivos australianos numa campanha de auto-promoção ridícula, esperando eu ainda, que o esteja a fazer acreditando que é o melhor para o país. Assisti incrédula à passividade das tropas australianas ao lado de jovens que incendiavam e que disparavam, assisti aos apelos desesperados de outros para os defenderem. Assisti ao alegre convívio entre militares americanos e australianos, e os desertores. Assisti aos pedidos de governantes ao comando australiano para que parasse a violência e defendesse a população sem qualquer efeito. Assisti à tentativa do comando australiano em neutralizar capacidade que a GNR tem de acabar com os distúrbios nas ruas de Díli. Assisti a muitos timorenses corajosos ficarem nos seus postos, onde agora vivem, por lhes terem sido destruídas as casa e tudo o que tinham. Mas também assisti à resistência de muitos funcionários da UN e de outras instituições, na maior parte portugueses e brasileiros, que ficaram mesmo ameaçados que os seus contratos acabassem. Assisti a muitos portugueses que no meio dos confrontos foram buscar amigos timorenses e os seus familiares, debaixo de fogo, já com uma presença de mais de 1.500 militares australianos que nada, nada fazem para evitar a violência. Assisti a outros que tudo fizeram para mostrar ao mundo que estávamos à beira de um golpe de estado. Outros que conseguiram travar a intriga entre o PR e o PM e que ajudaram a que se entendessem. Assisti também, aos esforços de dirigentes da Fretilin em travar militantes desesperados que queriam vir defender o PM, que quer queiram quer quer não, foi eleito com larga maioria, e cujo partido há poucos meses, nas eleições locais, voltou a demonstrar que representa a maioria dos eleitores, com larga margem. E assisto todos os dias ao empenho de muitos timorenses, portugueses e brasileiros, para que os orgãos de soberania, não deixem de funcionar como seria tanto do agrado do governo australiano que levou o país ao caos, sustentando e manipulando todos os grupos insatisfeitos que encontraram. Exaustos, uns dias mais difíceis, outros com mais esperança. Fazemos tudo o que está ao nosso alcance para que a situação volte ao normal e que o país funcione. Como sabe não votei no partido do Governo que elegeu o primeiro-ministro de Portugal. Nem alguma vez simpatizei politicamente com o nosso MNE. Mas, aqui em Timor-Leste, em Camberra e em Nova Iorque, fez a diferença. Houve alguém no Palácio das Necessidades que se deu ao trabalho de reagir a tempo. Que nos ouviu. Que fez o que tinha que fazer. E que não escolheu o caminho mais fácil que seria o de abandonar os nossos aliados. Como sabe, tanto se me dá o nome do país que consta no meu passaporte, não ponho bandeiras de Portugal à janela e nem sequer aí vou passar férias. Mas o governo do meu país tomou a decisão correcta e está a ter sucesso. E se alguém não compreende que, apesar de estrangeiros, nos sentimos em casa e que adoramos viver neste país, I could't care less. Os timorenses compreendem. Ao lado deles resistimos, mesmo que alguém não nos considere politicamente correctos. (M.) * Infelizmente mais uma situação que em nada dignificou o nosso país, com custos para a imagem da GNR em Timor-Leste. Situação criada pela falta de preparação e insuficiência no campo das informações. As Australian Defense Forces (ADF) seguem a doutrina NATO no que concerne ao emprego das suas forças. Isto é sabido pelos estados-maiores do nosso Exército e Força Aérea, pelo menos. A doutrina NATO coloca grande ênfase na problemática do fratricídio, designado em linguagem NATO por “blue on blue”, expressão que ficou dos exercícios no tempo da guerra fria, em que o oponente era sempre “red” e as nossas forças “blue”. Esta mesma doutrina foi aplicada durante a UNTAET e depois na UNMISET. Para evitar coordenações demoradas, complicadas e nem sempre seguras até pela diversidade de línguas dos diversos contingentes militares, o território de Timor-Leste foi dividido em Sectores. O Ocidental era comandado pela Austrália, o Central por Portugal e o Oriental pela Coreia do Sul. Mesmo dentro dos Sectores, cada escalão tinha áreas de responsabilidade definidas, de forma a poderem conduzir operações sem correrem o risco de abrirem fogo sobre tropas amigas. Para uma viatura militar de um Sector se deslocar a outro, tinha que preencher um “Road Space Request” definindo o itinerário, as horas, o propósito, os ocupantes da viatura, etc... Na cidade de Díli esta situação não se punha porquanto a segurança cabia à polícia civil das Nações Unidas (CIVPOL), onde se integrava a Unidade de Reacção Rápida da GNR. Que na realidade era quem avançava sempre que havia confusão. O batalhão português cujo comando estava sedeado em Bécora suplementaria a GNR em caso de necessidade e a pedido desta. Ora a situação presente é inversa. As ADF estão a fazer o policiamento da cidade e a GNR entra depois. E entrou logo em operação sem haver estabelecido o sistema de coordenação previamente. É do senso comum que não pode haver duas forças com armas a actuar na mesma área de operações sem a devida coordenação, ou então têm áreas de responsabilidade distintas. Hoje em dia não é aceitável enviar gente para casa em saco de plástico porque foi atingido por fogo “amigo”. A opinião pública não aceitaria tal. E é esse o argumento do comandante da Força Australiana para os tristes “equívocos”. Bem sabemos (ou devíamos saber) que as ADF não iriam facilitar a vida à GNR. Já não o faziam em relação ao exército português durante a UNTAET e UNMISET, porque haviam de o fazer agora? A posição de princípio não mudou. E o que a precipitação fez, foi dar às ADF razões para agirem como agiram. E o governo lá teve que às pressas encontrar forma de salvar a face sem deitar tudo a perder. Mais uma vez a humilhação ficou para os homens da GNR. E agora vamos ver quanto tempo vai levar, se acontecer, para as ADF se retirarem de Díli e deixarem campo livre à GNR e à Polícia da Malásia. Como a Malásia vai ter mais polícias que a GNR, o comando unificado de polícia vai caber a......... Malásia, pois claro. E as ADF só retirarão das funções de policiamento de Díli quando a Malásia tiver todo o seu equipamento e puder efectivamente comandar toda a acção policial. Até existir uma força policial das Nações Unidas. Porque aí, a Austrália vai querer ter também o Comando da força policial. Como aliás prevê o acordo Díli-Camberra. Resta-nos a confiança no brio e preparação dos homens da GNR para conseguirem levar a cabo com honra e dignidade a sua missão. É aqui que a impreparação (ignorância) dos nossos jornalistas vem ao de cima. Não sabem fazer as perguntas certas aos responsáveis políticos. O mesmo jornalista tanto pode cobrir o funeral de Raul Indipwo, como o fogo florestal de Barcelos, como a seguir cobrir esta triste conferência de imprensa. E as perguntas pertinentes ficam por fazer. (João Tavares) * Ouvi na TSF uma noticia sobre os deslocados Timorenses... Porque não usar a palavra habitual: refugiados? Não entendo a relutância de certa imprensa em motrar que os timorenses são um povo como outro qualquer: capaz do melhor e do pior. Porque carga de água são deslocados e não refugiados? Se até o ACNUR já está a ajudar. (Alberto Mendes) PALAVRAS, ESSE INFINITO PODER
Exposição de Bia Lessa sobre o Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa. (Museu de Língua Portuguesa, São Paulo, Brasil.)
EARLY MORNING BLOGS 789
Tecendo a Manhã 1 Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos. De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro; de um outro galo que apanhe o grito de um galo antes e o lance a outro; e de outros galos que com muitos outros galos se cruzem os fios de sol de seus gritos de galo, para que a manhã, desde uma teia tênue, se vá tecendo, entre todos os galos. 2 E se encorpando em tela, entre todos, se erguendo tenda, onde entrem todos, se entretendendo para todos, no toldo (a manhã) que plana livre de armação. A manhã, toldo de um tecido tão aéreo que, tecido, se eleva por si: luz balão. (João Cabral de Melo Neto) * Bom dia! 8.6.06
PALAVRAS, ESSE INFINITO PODER
Numa parede do Museu de Língua Portuguesa, em São Paulo, Brasil, um mulato dança com uma garrafa equilibrada na cabeça. Com aquele brilho inventivo muito especial do português brasileiro, aparece no ecrã "água-que-passarinho-não bebe". Cachaça. Mas parece que passarinho bebe mesmo... GOVERNAMENTALIZAÇÃO, O QUE É?
O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: FOGO, DE NOVO Correndo o risco de ser considerado (...) um acto de "voyeurismo" da minha parte, não resisti a enviar-lhe uma fotografia do fogo que lavrou ontem não longe da minha residência. O meu objectivo não é outro mais do que o de querer alertar novamente para o drama destas situações. Penso, de forma muito sincera, que todas as discussões públicas que possam ser feitas em torno destes dramas serão muito úteis. Hoje o dia tem estado cor de laranja porque a luz do sol tem dificuldades em atravessar a cortina de fumo. A imagem é do fogo que lavrou ontem na Freguesia de Fragoso, concelho de Barcelos. (Sérgio Ribeiro, Forjães) PALAVRAS, ESSE INFINITO PODER
Exposição de Bia Lessa sobre o Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa. (Museu de Língua Portuguesa, São Paulo, Brasil.) RETRATOS DO TRABALHO NAS TWIN TOWERS EM LISBOA, PORTUGAL Um dos aspectos que mais me fascina nas gerações mais jovens é a capacidade para desenvolver trabalho no meio do mais confuso dos cafés ou do mais barulhento "food court" de um qualquer centro comercial. Estas novas gerações têm, de facto, capacidades acima do normal. No meu tempo, um trabalho em grupo consistia em dividir tarefas, executar as tarefas separadamente cada um em seu canto e depois reunir para juntar as peças do puzzle. Hoje em dia, aparentemente, as reuniões são permanentes e a criatividade está sempre em acção. Tudo isto, repito-o, no mais barulhento centro comercial ou café da nossa praça. E depois dizem que não há produtividade... (Rui Silva) O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: VOZES VINDAS DAS ESCOLAS (2ª série) (...) é o próprio Ministério da Educação quem ajuda a confundir domínios que devem ser discriminados, dado que o texto é marcado por um problema estrutural de organização temática. Era importante que um novo ECD distinguisse com clareza – seja por capítulos; seja por princípios orientadores explícitos; seja por qualquer outro processo; seja por vários factores em conjunto – aquilo que é matéria propriamente laboral (ou de cariz sindical) daquilo que é matéria deontológica (ou pedagógica e ética) da profissão docente. Mesmo que se continue a evitar a questão da constituição de uma Ordem de Professores (constituição que na actual conjuntura não parece essencial, até porque provavelmente uma Ordem ficaria mais próxima de reproduzir a fragmentação sindical do que de traduzir uma voz coesa de um corpo profissional demasiado heterogéneo), reformar o ensino sem a preocupação de estabelecer de génese a distinção referida é curto, precisamente porque será continuar a pôr no colo dos sindicatos aquilo que é, misturado com aquilo que pura e simplesmente não deve ser da sua competência. Reside aqui uma incongruência elementar de quem, de peito aberto, está, bem ou mal, a combater o poder de uma elite de representantes sindicais, mas que depois, por culpa do seu mau tpc, vê-se obrigado a conceder a essa mesma elite o monopólio da representatividade de um complexo, contraditório e multifacetado corpo docente. A fuga em frente resultante desse mau trabalho prévio tem sido o folclore agravante de envolver na vida interna das escolas os pais, as associações, o poder local e outros, invadindo o domínio estrito da função docente, com prejuízo generalizado cuja factura normalmente demora a chegar mas será invariavelmente pesada. O documento proposto carece, de facto, de muita e muita reflexão e clarificação. Se calhar até de ser reelaborado de raiz. «Despachá-lo» em poucos meses é brincar com aspectos essenciais de todo um projecto de sociedade. Ao menos nisso estou de acordo com a Fenprof. Juristas, intelectuais, políticos, jornalistas e demais pensadores seniores não podem colocar o corpo de fora deste tipo de discussão concreta, como têm feito, nem perderem-se em generalidades mais ou menos especulativas (basta ler a imprensa), para que mais tarde não venham, uma vez mais, ditar sentenças de cátedra depois de mais um desaire do sistema educativo que não é difícil prever desde já. Aliás, o Partido Socialista nesta fase dever-se-ia centrar nas questões contratuais ou laborais e deixar de brincar às tipologias do bom professor à moda das «ciências da educação». Mas para isso era necessária sensibilidade política e tratar os grupos profissionais com a dignidade que merecem. Parece-me que o tempo político da Ministra da Educação esgotou-se. Pau que nasce torto... (Gabriel Mithá Ribeiro) * No Público de hoje, a ministra da Educação dá a cara por uma proposta cerca de uma semana depois de ela ter sido apresentada. Ter aparecido com a entrevista de hoje há uma semana atrás, poderia nada ter resolvido mas evitava a imagem de estar a reagir aos críticos. Mas há muito nos habituámos a que este ministério ateie pequenos fogos e depois surja a apagar os mesmos. Infelizmente também nos habituámos à reacção extemporânea de uma classe corporativista e de uns sindicatos que de pedagogia pouco mostram saber. Para tal basta ver muitos dos comentários feitos neste blog. É o caso dos "29" itens que definem a função de professor e que pouco ou nada acrescentam ao que já era suposto serem funções dos docentes, mas que alguns críticos parecem desconhecer. Também a reacção de alguns à avaliação é irónica se tivermos que vem de profissionais que fazem da avaliação um instrumento – avaliar sem ser avaliado? – e as leituras em diagonal que muitos fazem desconfiar da preparação e leitura efectiva que atribuirão a documentos de trabalho. Estamos perante uma proposta, não seria interessante discutir a mesma de forma inteligente? Quando uma carreira de 10 escalões se reduz a 6, não seria legítimo pedir a tabela de equivalências para a conversão de tempo de serviço e de salário? São muitas as classes de licenciados em que o acesso à carreira só é feito após prova, serão os docentes diferentes? Creio que não e basta ver a falta de cultura e conhecimentos básicos de muitos professores. Quanto à avaliação dos pais, confesso que não me choca e noto que é mais bem recebida por docentes que são pais do que por docentes solteiros. Ouço os sindicatos falar em "habilitações pedagógicas", mas onde está isso referido? Em algum sítio se estipula em que medida os pais vão efectuar a avaliação? Os Encarregados de Educação podem não saber nada de disciplinas, mas certamente saberão melhor que ninguém quando um professor falta, ou quando ocupa a aula a discutir a sua vida pessoal em lugar de leccionar, ou se atrasa na correcção de testes para lá do desejável. Não serão estes itens suficientes para distinguir o bom do mau docente? Talvez os sindicatos fizessem melhor em discutir estes temas que em marcar greves para dias a seguir a feriados e assim teríamos um ministério a ter de dar a cara pelas suas políticas e a saber que não bastava anunciar as mesmas e que as teria de realmente fundamentar. No momento actual acabam os sindicatos e os docentes exaltados a ser o melhor justificativo das políticas ministeriais (Emanuel Ferreira, docente do 3º Ciclo) * A Ministra foi populista e fez eco da crítica comum de que os professores são os responsáveis pela calamidade educativa portuguesa. Não apresenta evidências de que assim seja. Mas por que razão a Ministra da Educação e outros agentes das esferas do poder se dão ao luxo de falar assim desta classe profissional? Na realidade, os professores são responsáveis, não propriamente pelo facto de ensinarem mal ou de serem intrinsecamente maus professores. A responsabilidade é mais funda. É que desde há algumas décadas os professores abdicaram da sua vocação intelectual, ou mantiveram-na só para aquilo que interessa em cada conjuntura ou momento, aceitando em troca incluir-se na bolsa de sustentação do poder político e económico. O poder, é sabido, precisa destas bolsas de sustentação, e um grupo como os professores é fundamental que seja "capturado" para o pleno exercício do poder actual. Fala-se em "democratização" do ensino, mas isso é um eufemismo. Com certeza algo corresponderá a isso, mas na essência o que se deu foi um fenómeno de "massificação do ensino", o que não é exactamente a mesma coisa. Nesse processo, foi preciso apresentar taxas de sucesso, níveis de ensino em grande escala, impedir o abandono escolar, etc. Ou seja, o aparelho educativo esteve ao serviço de objectivos sociais, económicos e políticos que pouco têm a ver com o verdadeiro ensino. E em troca de favores profissionais e de um certo teor de vida, entre outras vantagens, a "classe profissional" dos profs. alimentou estes objectivos extra-educativos. Numa palavra, vendeu-se ao poder. Evidentemente, o nível de formação e de conhecimentos dos alunos tem-se ressentido drasticamente. Mas os professores têm estado sempre cegos, surdos e mudos. Sempre muito mais preocupados com os seus interesses profissionais e com a sua carreira, enfim, com a sua vidinha. Não se importaram, portanto, durante estes anos, de se submeterem a um processo de proletarização que lhes retirou muita da credibilidade que possuiam, sendo natural que agora o poder os trate como párias e não nutra por eles o mínimo respeito. E os restantes actores também não, designadamente, os pais dos alunos, que não vêm com bons olhos os resultados obtidos. Que pretendem agora os professores? Já nada podem fazer. Podem fazer greves e manifestações. Mas não têm mais crédito que qualquer outro grupo social. E perderam o apoio da sociedade, e agora falam sozinhos no deserto. Isto é uma análise generalíssima. Não se pretende pôr em causa os muitos professores que ensinam bem e que fazem das tripas coração para que os alunos passem e se formem, etc. Mas isso não pôe em causa a minha tese central: os professores, enquanto classe, prostituiram-se ao poder e agora são tratados como rameiras do sistema. E se querem ter emprego e fruir ainda de algumas migalhas do poder têm que aceitar a "grelha" que lhes é imposta e conformar-se. O servilismo e a apatia de anos vão sendo agora cada vez mais evidenciados, e pelo próprio poder, o que não é surpreendente. Ainda me recordo quando aqui há uns anos se negociou o Estatuto da Carreira Docente (penso que em 1997), e estava em causa a saída do ensino de centenas de professores provisórios que durante anos foram os colegas de segunda, mas muitos deles com provas de dadas de qualidade e dedicação, que ficavam sempre com as piores turmas e até ganhavam menos. Estava em causa na mesma altura, através da uma reforma do ensino secundário, o desparecimento de disciplinas como Introdução à Antropologia ou Jornalismo. A "classe" dos professores e os sindicatos nada fizeram caso disso, e negociaram o Estatuto e a reforma sem o mínimo de solidariedade por esses colegas, muitos com família, que ficaram sem trabalho, e muitos continuam no desemprego porque estiveram 10, 15, 20 anos nessa situação provisória e agora não têm onde se agarrar... E quando estes fizeram manifs. à porta do Ministério estavam sozinhos, porque a "nobre" classe dos profs. esteve a marimbar-se para estes colegas... E quanto ao desaparecimento das disciplinas? Alguém se interrogou sobre a validade destas matérias, qual o seu papel na formação integral dos jovens? Alguém ainda se lembra de Educação Visual?... Orlando de Carvalho (...não sou professor) * (...) desejo fazer uma confissão solene. É verdade, também eu sou culpado. Sim, incluo-me no grupo dos réus responsáveis pelo “estado a que «isto» chegou”, independentemente do conceito que possa atribuir-se ao termo «isto». Resumindo, também eu sou professor. Do 1º ciclo por reforma imposta pelo “eduquês”, primário, por opção de há trinta anos, consubstanciada nos ideais que o republicanismo projectava na instrução popular. Publicitado o meu crime, ouso, humildemente, questionar o leitor identificado como Leonel sobre algumas das suas afirmações, face á minha incapacidade de as tornar inteligíveis. (Confesso, no entanto, que apesar desta minha dificuldade, sou moreno e nada tenho de louro. Nem um simples cabelinho). Para evitar que alguma das aves negras e palradoras que, usualmente, costumam enovelar-se por entre o texto escrito subverta o meu discurso, vou recorrer ao mui tecnológico “copy past”. Então vejamos: Afirma o comentador Leonel: «Falam-se em "parasitas" das educação, apontando Escolas Superiores, Faculdades, Docentes, Editores.» «Aprende-se melhor a nadar na água dentro dela, não a ter aulas teóricas sobre natação, é o que se tenta explicar muitas vezes.» « As ciências da educação, como em qualquer outra área científica emergente, contêm grande valor e grande quantidade de irrelevância ou desinformação.» « faça-se como sempre que se fez, não tenho de pensar tanto» (Sic) Como disse? Ora, meu caro Leonel, não me diga que necessita de uma licenciatura em ciências de educação para escrever esta prosa brilhante? Mas que digo eu? Uma licenciatura? Não pode ser. Às ciências de educação deve corresponder uma licenciatura por ciência… Aliás, meu caro, saberá quantas são essas ditas ciências? Tê-las-á contado? Deveras? Quanto mais descansado eu ficaria sobre as qualidades dos cientistas que tanto velam pela nossa educação, se pudesse esclarecer-me esta dúvida. Três, eu sei, de fonte certa, que integram o elenco, «noções de psicologia, de sociologia, de métodos de avaliação». Mas o Português, sim esta língua banal em que nos expressamos, também faz parte da lista, ou tê-la-á V. Exª esquecido enquanto tanto se empenhou, durante sete anos, «a procurar mais informação sobre todos estes elementos, não apenas sobre as "técnicas pedagógicas"»? (...) (António Vicente) PALAVRAS, ESSE INFINITO PODER
Exposição de Bia Lessa sobre o Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa. (Museu de Língua Portuguesa, São Paulo, Brasil.)
O ABRUPTO FEITO PELOS ESUS LEITORES: QUOTAS PARA HOMENS
A propósito da "lei das "quotas" gostaria de saber a opinião do PS para a hipótese de haver um partido exclusivamente feminino. Aceitaria de bom grado ou propunha uma nova lei para homens? (A. Lamas) TEMOS POLÍTICA EXTERNA OU É SÓ EGOS, BRAVADO, BANDEIRA ENROLADA À CINTURA E AMADORISMO? Repito-me, não para exibir qualquer razão antes do tempo, mas para mostrar que as evidências eram tão gritantes que não se percebe por que razão o Governo (Primeiro-ministro, MNE e MAI na linha da primeira responsabilidade e por esta ordem) mostraram tão grande incompetência e a oposição tão grande silêncio perante uma questão desta gravidade. No dia 29 de Maio escrevi: "Quem manda em última instância nas ruas, o governo de Timor ou a Austrália? E se mandar a Austrália, e manda quem pode e tem a força, mandam também os comandos australianos na GNR? Se os australianos entenderem que a rua X está interdita, a GNR tem que negociar ou pedir licença para lá passar? Qual é a cadeia de comando em Dili? Estas e mais mil e uma perguntas deviam estar a ser feitas e a ter respostas claras. Mas nem se pergunta, nem se responde."No dia 3 de Junho escrevi: "Ficou claro que o comando é da GNR" - "Comando" de quê? Das tropas da GNR? Qual é a exacta cadeia de comando no terreno? Fica por saber. O que se sabe é que num território numa situação de caos, a existência de vários "comandos" operacionais só pode dar confusão e risco. É perigoso: se houver um incidente e forem chamados ao mesmo tempo (pelos populares, por uma família portuguesa, seja por quem for) a GNR e os australianos, como é que se resolve? E sem comunicações claras a probabilidade de fogo "amigo" é grande, porque ninguém está a ver em plena acção as forças a discutirem competências e comandos."O que se está a passar com a GNR em Timor é de uma enorme irresponsabilidade e é perigoso, primeiro para os nosssos homens, depois para a nossa política externa em relação a Timor. A não ser que a GNR esteja lá, como antigamente se dizia , em "missão de soberania", e então tem que varrer os comandos australianos a tiro, quando estes lhe impeçam o caminho... , ou então é para "ajudar" Timor, e ninguém sensato pode achar que andarem no terreno forças sem comando único não é um risco acrescido para todos. * Quando há dias antes do envio das forças da GNR, ouvi a explicação do Ministro dos Negócios Estrangeiros sobre a questão do respectivo comando, se integradas nas forças da Austrália se autónomas, pareceu-me estar a ouvir uma explicação da República Francesa, com laivos nacionalistas e com eterno complexo de inferioridade, quando se refere ao pais do Tio Sam. * Agora que a "questão timorense" parece ter voltado às primeiras páginas dos jornais, talvez seja bom vermos "para além da árvore"...Aos leitores do "Abrupto", aconselho a consulta do (recentemente) criado "blogue", onde podemos ler coisas que, nem sempre, a comunicação social portuguesa transmite. |