ABRUPTO

31.10.05
 


BIBLIOTECA


António Leal, Biblioteca da M. 17
 


INTENDÊNCIA

Actualizados os ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO com a publicação de todas as fotografias (inéditas?) relativas aos fuzilamentos de Llerena e de outros eventos da guerra civil espanhola. Depois da publicação, em Março de 2005, da primeira versão desta nota, recebi vários pedidos vindos de Espanha e em particular da região de Llerena, incluindo da Asociación para la Recuperación de la Memoria Histórica de Extremadura, que trabalha na identificação de cadáveres nas fossas comuns encontradas nos últimos anos. Daí a publicação de toda a série de fotografias, quinze no total, com algumas duplicações, esperando que sirvam para identificar pessoas e eventos de uma das grandes tragédias do século XX.
 


TRISTE



É triste ver o desespero de causa que leva Mário Soares a levantar a questão da pensão de Cavaco. É a mais desapropriada das questões, em particular, vinda de Mário Soares que se pensava estar acima deste tipo de ataques rasteiros, que nele tem o precedente da campanha contra a situação conjugal de Sá Carneiro. É exactamente o mesmo tipo de tiros desesperados, alimentando a nossa inveja socializada de país pobre, que normalmente se voltam contra quem os dispara. O problema é que no caminho deixam lama por todo o lado, atingindo sempre mais quem mais próximo está dos defeitos típicos do nosso sistema político e do seu crónico desprestígio. E isso, queira-se ou não, seja injusto ou não, será sempre mais fácil de cair em cima de um político como Soares do que de um político como Cavaco.
 


LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA



As paisagens de Edward Burtynsky no Washington Post.
 


VER A NOITE


Não foi bem assim, mas quase. Lá estava ele, solitário e agressivo, espreitando sobre as nuvens, velho Deus da guerra, portador do tumulto, dizendo-nos: "não vos deixarei nunca".
 


COISAS COMPLICADAS


Nan Goldin, Window
 


EARLY MORNING BLOGS 635

Aló pola mañanciña
subo enriba dos outeiros
lixeiriña, lixeiriña.

Como unha craba lixeira,
para oir das campaniñas
a batalada primeira.

A primeira da alborada
que me traen os airiños
por me ver máis consolada.

Por me ver menos chorosa,
nas suas alas ma traen
rebuldeira e queixumbrosa.

Queixumbrosa e retembrando
por antre verde espesura,
por antre verde arborado.

E pola verde pradeira,
por riba da veiga llana,
rebuldeira e rebuldeira.

(Rosalia de Castro)

*

Bom dia, "enriba dos outeiros"!

30.10.05
 


COISAS SIMPLES / AR PURO


Gustave Caillebotte
 


EARLY MORNING BLOGS 634

Cada estrela, o seu diamante;
cada nube, branca pruma;
triste a lúa marcha diante.

Diante marcha crarexando
veigas, prados, montes, ríos,
onde o día vai faltando.

Falta o día e noite escura
baixa, baixa, pouco a pouco,
por montañas de verdura.

De verdor e de follaxe,
salpicada de fontiñas
baixo a sombra do ramaxe.

Do ramaxe donde cantan
paxariños piadores,
que ca aurora se levantan.

Que ca noite se adormecen
para que canten os grilos
que cas sombras aparecen.

(Rosalia de Castro)

*

Bom dia!
 


UM RETRATO DA NOSSA ELITE DO PODER

Somem-se os nomes das Comissões de Honra de Soares e Cavaco, e dá mais de mil nomes, que são um retrato de quem manda em Portugal. Do establishment. Do "quem é quem". Somem-se mais meia dúzia de nomes, mais os militares no activo, juízes e embaixadores, alguns jornalistas, mais a hierarquia da Igreja, e está toda a nossa elite. Quem manda.

29.10.05
 


BIBLIOTECA


António Leal, Biblioteca da M. 16
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
MONTE PILAR, PENAMAIOR (PAÇOS DE FERREIRA)




O vento outonal agitava a espaços as folhas dos eucaliptos, alguns deles infelizmente despidos, pois assolados por queimadas que consumiram muito do país este verão. Uma névoa rasteira e leve encobria momentâneamente o sol e estendia-se pelos vales até se perder pela linha do horizonte. Bem lá mais para a frente, para além dos vales, situa-se o Concelho da Maia e do Porto. Em dia de céu limpo até as chaminés das refinarias se avistam.

(Vítor Alexandre Leal)
 


OUVINDO MEREDITH MONK, VOLCANO SONGS
E A SUITE LÍRICA DE ALBAN BERG PELO QUARTETO KRONOS E DAWN UPSHAW


 


COISAS DA SÁBADO: ORÇAMENTO E OPOSIÇÃO



O PSD irá provavelmente votar contra este orçamento, mas não escapará à dificuldade de justificar esse voto. Porque, estando as coisas como estão, não há muitas razões para o PSD votar contra um orçamento que contempla uma maioria de medidas que era suposto o PSD, se estivesse no governo, tentar realizar. O PSD pode dizer que o equilíbrio orçamental é mais conseguido pelo aumento (virtual e imaginativo, nalguns casos) da receita do que pelos cortes na despesa. Mas duvido que, se o PSD estivesse no governo, fosse capaz de ir mais longe do que o PS nos cortes da despesa pública. Depois, há mil e umas razões avulsas, todas reais, para criticar o orçamento, a insistência nos “grandes investimentos” (ainda que adiada pela encomenda de mais estudos…), a teimosia de não fazer pagar as SCUTs pelos utentes, e outras opções erradas. Mas não basta, porque são claramente pormenores.

Ora eu penso que este orçamento devia ser recusado por toda uma outra série de razões, o problema é que a oposição social-democrata não as assume como suas e por isso tem dificuldade em assumir uma alteridade que lhe permitisse estar à vontade na recusa do orçamento socialista. O adjectivo que escolhi ,“socialista”, não é meramente descritivo, é o socialismo em que vivemos impregnados, e que hoje se chama “estado-providência”, ou “modelo social europeu”, que nos condena à mediocridade e à gestão no fio da navalha da cada vez menos riqueza produzida.

O orçamento devia ser recusado porque precisamos vitalmente de outra coisa, precisamos de mais liberalismo, de mais liberdade económica, de mais espírito empresarial. Sem mais “crise” (das que falava Schumpeter) e sem mais “boa” insegurança, não somos capazes de mudar. O estado tudo faz para nos poupar a essa insegurança, e, como toda a Europa, afundamo-nos, pouco a pouco, na manutenção, geracionalmente egoísta, de um modelo social insustentável a prazo e que nos condena a definhar. É verdade que duvido que hoje alguém consiga ganhar uma eleição propondo o fim do conforto providencial, mas isso remete para a perda de margem de manobra democrática, face ao crescendo demagógico. E nem sequer vale a pena apelar á racionalidade, porque ela, a não ser para meia dúzia de iluminados normalmente sem fome e com emprego certo, aconselha a ter a pomba na mão a troca-la pelas duas que estão a voar. Estamos de facto, um pouco tramados, mas se calhar foi sempre assim na história.
 


COISAS SIMPLES / COISAS COMPLICADAS


William Eggleston, Untitled (Cloud in Sky, California)
 


EARLY MORNING BLOGS 633

October (section I)



Is it winter again, is it cold again,
didn't Frank just slip on the ice,
didn't he heal, weren't the spring seeds planted

didn't the night end,
didn't the melting ice
flood the narrow gutters

wasn't my body
rescued, wasn't it safe

didn't the scar form, invisible
above the injury

terror and cold,
didn't they just end, wasn't the back garden
harrowed and planted--

I remember how the earth felt, red and dense,
in stiff rows, weren't the seeds planted,
didn't vines climb the south wall

I can't hear your voice
for the wind's cries, whistling over the bare ground

I no longer care
what sound it makes

when was I silenced, when did it first seem
pointless to describe that sound

what it sounds like can't change what it is--

didn't the night end, wasn't the earth
safe when it was planted

didn't we plant the seeds,
weren't we necessary to the earth,

the vines, were they harvested?


(Louise Glück)

*

Bom dia! Adeus Outubro!
 


BIBLIOTECA


António Leal, Biblioteca da M. 15

28.10.05
 


PARA A HISTÓRIA DA PROPAGANDA NEGRA E CINZENTA E DA DESINFORMAÇÃO EM PORTUGAL

Este é o papel falso que foi distribuído em vários bairros de Lisboa pouco antes das eleições autárquicas. O seu efeito parece ter sido nulo, mas não há meios para o saber com certeza.

O facto de ter sido produzido, num papel de qualidade, bastante espesso e com cuidadoso trabalho de montagem na utilização falsa dos símbolos da candidatura de Carmona Rodrigues, mostra que não foi obra de amadores. A amplitude da sua distribuição também revela ser fruto de uma actividade minimamente organizada.

Nas últimas eleições não foi um caso único. Na área metropolitana de Lisboa, deu-se um outro caso, em Oeiras, com um papel anónimo contra Teresa Zambujo. É provável que outros casos tenham existido por todo o país.

Nas últimas legislativas, para além da história contra Sócrates, publicada num obscuro jornal brasileiro, oportunamente lido pelo Crime que a reproduziu na capa, houve também uma campanha de grafitis nos cartazes do PS, que também só poderia ter sido organizada, de tão sistemática que era. Ninguém individualmente anda pela cidade toda e, numa ou duas noites, escreve em várias dezenas de cartazes.

Houve também a bola vermelha de palhaço nos narizes dos candidatos, - aliás não de todos -, mas esta iniciativa parece de outra natureza.

Todos estes casos revelam que há gente capaz de tudo para beneficiar os seus candidatos, atacando os seus adversários, e que se move na sombra, mesmo nos partidos. Para além de me parecer ser evidente que se trata de crimes, os quais ninguém investiga que se saiba.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: MUITO, MUITO IMPORTANTE...



é acompanhar a acusação de I. Lewis Libby, nº 3 da Administração Bush (assessor de Dick Cheney), por perjúrio e prestação de falsos testemunhos. É um com certo prazer que se vê o Estado de Direito a funcionar, e com amargura que observamos a incompetência (...) do nosso Ministério Público. Acompanhar este caso é aprender com os melhores. E para quem, como eu, apoio a intervenção no Iraque, saber até que ponto as informações foram manipuladas. Só mais uma coisa, Lewis Libby é suspeito de ter praticado um crime muito mais grave (divulgar o nome de uma agente secreta da CIA), mas os procuradores preferiram ir para o simples perjúrio porque é muito mais fácil de provar e lá, nesses bárbaros países anglo-saxónicos, mentir sob juramento é mesmo uma coisa séria.

(João Lopes)
 


DESLEIXO



O afã do Ministro das Obras Públicas e do Primeiro-Ministro em anunciar com tanta antecedência (normalmente a informação pública de qualquer outro anúncio governamental é feita apenas um ou dois dias antes) que, pela enésima vez, se vai "fazer a OTA e o TGV", mostra que qualquer coisa não está bem. Aqui, nos blogues, sabemos bem o quê: uma exigência a que se tentou fazer orelhas moucas (a divulgação em linha dos estudos realizados para suportar a decisão governamental), acabou por ter que ser respondida à força. O Ministro das Obras Públicas, notoriamente irritado por ter que dar explicações, e por desvendar uma pequena ponta do véu sobre uma decisão estritamente política e com pouca sustentação actualizada, acabou por dizer que, em Outubro, divulgaria os estudos existentes, setenta, pelos vistos.

Depois seguiu-se o silêncio, e agora, mais uma vez, o governo dá o péssimo exemplo de desleixo ao não cumprir um prazo que ele próprio estabeleceu. É que o governo já percebeu várias coisas que o incomodam: uma, é que se abriu um precedente para a exigência de divulgação dos estudos técnicos associados a uma decisão política, que vai valer para outros casos; outra, é que se vão ver as fragilidades e a negligência com que se decidiu primeiro e se vai estudar depois. O governo, depois de dizer que tinha tudo estudado, que já viera tudo estudado dos outros governos, e que não era necessário actualizar os estudos, está agora a fazê-los à pressão, não para dizer "sim" ou "não", porque já não tem essa liberdade, mas para serem usados para propaganda do "sim" e para serem ocultados, caso apontem para o "não".

É, a democracia tem destas complicações. Ainda bem.

Esperemos agora pela nova data do desleixo.
 


BIBLIOTECA


António Leal, Biblioteca da M. 14
 


LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA



Excelente notícia no Público: "O Parlamento da Galiza aprovou, por unanimidade, uma declaração institucional de apoio à candidatura das tradições orais galaico-portuguesas a Património Imaterial da UNESCO." Eu sou pouco regionalista, mesmo nada, mas esta é a única "região" a que me sinto pertencer. Não me esqueço da emoção com que ouvi pela primeira vez, há muitos anos, falar galego, o nosso português do Norte, numa passagem clandestina da fronteira. Era a palavra certa, na língua certa, no momento certo. Na língua de Rosalia.

*

Interessante, muito interessante. No Diário de Notícias, uma notícia para ilustrar o provérbio de que "mais depressa se apanha um mentiroso ..." :
"A possibilidade de Paulo Portas se perfilar como candidato à Presidência da República foi levada muito a sério por alguns dos nomes que mais de perto o acompanharam na anterior direcção do CDS/PP. Prova disso foi a realização de uma sondagem sobre eleições presidenciais, que incluía o nome do ex-líder centrista. O estudo, feito pela empresa Eurosondagem e depositado na Alta Autoridade para a Comunicação Social, foi pedido em nome de ex-secretários-gerais do CDS - referindo os nomes dos actuais deputados Pedro Mota Soares e João Rebelo -, mas o DN apurou que a iniciativa partiu de um universo mais abrangente de nomes próximos de Portas."
*

Não se percebe por que é que no Diário de Notícias em linha alguns artigos de opinião aparecem na secção "Editorial" e não na "Opinião". É um erro que deve ser corrigido, porque senão um dos editoriais de hoje é escrito por Jorge Coelho e ainda não chegamos lá.

*

No bloc mais francês que a França, La Republique des Livres de Assouline, novidades sobre o Divino Marquês. Um apontamento de Sade lá citado:

"1. Il y avait à Athènes une loi qui séparait l'homme de l'opinion qu'il annonçait, et l'auteur de l'ouvrage qu'il publiait.

2. Galilée fut persécuté pour avoir découvert les secrets du ciel; des ignorants furent ses bourreaux. Je le suis pour avoir révélé les mystères de la conscience des hommes; et des sots me tyrannisent. L'esprit, la science et l'imagination seront toujours le désespoir des gens stupides."
 


COISAS SIMPLES


Duane Michals, Cavafy Cheats Playing Strip Poker
 


EARLY MORNING BLOGS 632

Now Winter Nights Enlarge

Now winter nights enlarge
The number of their houres ;
And clouds their stormes discharge
Upon the ayrie towres.
Let now the chimneys blaze
And cups o'erflow with wine,
Let well-tun'd words amaze
With harmonie diuine.
Now yellow waxen lights
Shall waite on hunny Loue
While youthfull Revels, Masks, and Courtly sights,
Sleepes leaden spels remove.

This time doth well dispence
With louers long discourse ;
Much speech hath some defence,
Though beauty no remorse.
All doe not all things well ;
Some measures comely tread ;
Some knotted Ridles tell ;
Some Poems smoothly read.
The Summer hath his ioyes,
And Winter his delights ;
Though Love and all his pleasures are but toyes,
They shorten tedious nights

(Thomas Campion)

*

Bom dia, Inverno!
 


BIBLIOTECA


António Leal, Biblioteca da M. 13

27.10.05
 


TEMAS PRESIDENCIAIS ENTRE SOARES E CAVACO

(No Público de 27/10/2005)



Discursos presidenciais – São todos muito pobres porque são modelados pela enunciação de “propósitos”, “desígnios”, “ideias para Portugal”, tão vagos, genéricos e retóricos como os slogans de campanha. É preciso conhecer muito bem os candidatos e perceber as nuances, saber quais são os não-ditos, para entender a lógica das candidaturas. Hoje a retórica está tão estabelecida no discurso político, que é cada vez maior o seu efeito de ocultação. O que salva estas eleições do vazio discursivo, é que os candidatos principais são bem conhecidos do eleitorado, e por isso são mais facilmente “lidos” nas suas efectivas intenções.

“O que nos distingue? Estilo e conteúdo” - Disse Mário Soares e é verdade. Só que quer o estilo, quer o conteúdo, já lá estavam antes da campanha. Esta é tão dominada por convenções, que é preciso escavar mais fundo para perceber as diferenças. A pose e encenação valem hoje mais do que os discursos, fazem “falar” a coreografia dos actos de apresentação. São eles que temos que analisar para ir mais longe.

Encenações - Em nenhum momento da campanha houve uma pura encenação autónoma, e quer Soares, quer Cavaco, cada um já se constrói face ao outro: um tem apoiantes na sala, o outro só os mandatários, um entrega o cartão, o outro só entrega depois de ganhar as eleições, um aceita perguntas á cabeça, outro recusa-as, para depois as aceitar quando verifica que o adversário o faz, um intitula-se de “político profissional”, o outro recusa o epíteto, um afirma-se independente dos partidos, o outro nega a condição de “suprapartidário”. Há todo um diálogo coreográfico, como se ambos “falassem” por estes gestos quer entre si, quer connosco. E é aqui que estão efectivamente a falar.

Pose – Toda a pose é uma metáfora programática e de poder. Cada um coloca-se diante de um Portugal imaginário, feito de densidade significativa, escolhendo lugares, posturas, silêncios e falas. A solidão desejada de Cavaco, a sua pose ritualistica, a sua relação com os símbolos do poder, as bandeiras alinhadas, a perfeição do cenário, o controlo do espaço à sua volta, onde só entra a esposa, pretendem acentuar a ruptura do exercício do poder com os actos quotidianos, valorizar o sentido de estado da função presidencial.
Soares, pelo contrário, chega normalmente a uma porta de hotel, conversa, acelera e recua, olha para trás, acompanha um jornalista com quem conversa, passeia mais do que anda. Soares é mais terra à terra, mais natural, menos convencional, domina melhor o espaço à sua volta, por isso sente menos necessidade de o organizar. Onde Cavaco está contido e tenso, Soares está à vontade, é mais corporal nos gestos, a qualquer momento espera-se que dê o braço a um amigo. Nesta diferença ambos são naturais, embora depois a encenação acentue artificialmente o que os separa. Soares, a quem Cavaco irrita, tende a ainda mais acentuar a sua liberdade corporal, a dizer o que lhe apetece, a fazer o que lhe apetece. Cavaco não se pode dar a esse luxo, nem se sentiria bem nele.

Soares é um típico membro de uma elite, preparado por toda a sua vida a estar naturalmente próximo do poder, mesmo quando, antes do 25 de Abril, era perseguido. Cavaco forçou a sua entrada numa elite que não o reconhece como um dos deles, que o verá sempre, como Soares o faz, como um parvenu. Só que, quando Cavaco tem poder, tem mais poder e quando Soares o tem, tem menos.

Palavras contidas, palavras distraídas – Cavaco falou pouco, Soares falou muito mais e falou de mais. O valor da palavra é aliás diferente em ambos. Cavaco valoriza mais o gesto, a postura, a locução severa e escassa. Sente-se menos à vontade do que Soares na fala, o que o leva acentuar a sua característica de acção.
No actual sistema político isso tem vantagens e inconvenientes. Por um lado, valoriza na sua imagem o papel de realizador, de “trabalho” (a frase “deixem-nos trabalhar”, ou a metáfora do “bom aluno” só podiam ter vindo de Cavaco e nunca de Soares), por outro torna mais importante a autoridade do que diz. Falando pouco e escrevendo pouco, obtêm maior efeito das suas palavras, e os seus escritos pesam mais (Soares escreve muito mais do que Cavaco, mas os seus artigos raramente tem impacto).
O que faz Cavaco é um procedimento adequado em períodos longos, em que a raridade das intervenções torna-as escutadas e influentes. Mas numa campanha eleitoral, com muitas situações em que o controlo da palavra não existe ou é partilhado, como nos debates, é um inconveniente.
Com Soares é o contrário. Soares é um grande conversador nato, um mestre da conversa mais do que do discurso, por isso prefere como terreno o maior número possível de debates. Terá para eles uma só condição, evitar que sejam demasiado específicos ou técnicos, dado que Soares evitará o confronto entre saberes específicos, como seja a economia, que, quer se queira quer não, entrará sempre nos debates como questão global. Soares insistirá por isso em debates colectivos que o resguardam mais.

Linha de ataque – Uma linha de ataque vinda da candidatura de Soares é o combate ao pretendido “presidencialismo” da candidatura de Cavaco. Duvido que resulte, até porque não tem objecto. Cavaco nunca se revelou “presidencialista”, e a maioria dos seus apoiantes nunca defendeu com a sua candidatura qualquer reforço dos poderes presidenciais. As excepções são excepções ou são exercícios de má fé destinados a comprometer o candidato. Quando Soares ataca uma direita “batida nas urnas”, com um “ messianismo revanchista” que pretende uma “subversão do sistema presidencial” – as palavras mais duras e politizadas da sua intervenção programática - pretende conjurar um fantasma, mais do que o esconjurar.

Linha de ataque 2 – Uma outra linha de ataque de Soares a Cavaco é antiga: Cavaco não teria passado de luta contra a ditadura. Foi avançada por António Tabucchi, em resposta a um artigo que escrevi no Público , e foi retomada esta semana por Medeiros Ferreira no Diário de Notícias:

Com efeito, o professor, embora não tenha sido um fura-greves como estudante, nos anos 60, resignou-se perante a ditadura, e não se conhecem atitudes suas contra o regime salazarista e marcelista. (…) Não foi um bom começo para quem quer ser presidente da República em democracia, (…) além de demonstrar fraco entendimento sobre os decisivos momentos históricos do seu país. “

Também me parece que a candidatura de Soares não irá longe por aqui. Caso tomássemos a sério este critério de exclusão, António Guterres, que também não tem qualquer passado de luta contra o regime não podia ter sido Primeiro-Ministro, e o mesmo acontecia com Maria de Lourdes Pintasilgo. E, tomando à letra este “argumento”, por maioria de razão, estariam banidos da vida pública portuguesa muitos políticos como o socialista Veiga Simão ou o centrista Adriano Moreira, que foram ministros de Salazar e Marcelo.

(Continua para a semana, falando-se de partidos e candidatos anti-partidos, independentes e “dependentes”, Soares e o PS, Cavaco e o PSD, a comunicação social, Europa, outras linhas de ataque, e outras coisas mais).
 


BIBLIOFILIA:
NOS MONTES DE LIVROS E REVISTAS QUE NEM SEQUER OS ALFARRABISTAS SEPARAM




Trata-se de um Atlas minúsculo (reproduzido aqui quase em tamanho real), muito provavelmente um mostruário de mapas de parede para as escolas. O mapa político da Europa é do século XIX, com a Polónia ainda integrada na Rússia.


Uma pilha da Tweentieth Century, uma velha revista inglesa fundada em 1877, com as melhores das colaborações, pagas a 5 guinéus por 1000 palavras por volta de 1960. A outra, de que encontrei meia dúzia de números, é Le Carillon Illustré, publicada entre 1896 e os primeiros anos do século XX. Tem um formato muito pequeno, pouco comum, e tem críticas de teatro e contos.
 


LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA



No Village Voice, as primeiras comemorações do aniversário do jornal. Norman Mailer sobre a Village (o bairro), escreve o mesmo que se podia dizer de alguma blogosfera:

"Greenwich Village is one of the bitter provinces—it abounds in snobs and critics. That many of you are frustrated in your ambitions, and undernourished in your pleasures, only makes you more venomous. Quite rightly. If found myself in your position I would not be charitable either. Nevertheless, given your general animus to those more talented than yourselves, the only way I see myself becoming one of the cherished traditions of the Village is to be actively disliked each week."
 


AR PURO / AR LAVADO


Feodor Vasilyev
 


EARLY MORNING BLOGS 631

Uns


Uns, com os olhos postos no passado,
Vêem o que não vêem: outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.

Por que tão longe ir pôr o que está perto —
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.

Perene flui a interminável hora
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
o dia, porque és ele.


(Ricardo Reis)

*

Bom dia!

25.10.05
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
MAIS BIBLIOTECAS



Ainda sobre bibliotecas, ou melhor, sobre fotografias de bibliotecas, aqui vai uma montagem feita com fotografias tiradas na recentemente inaugurada (e belíssima) biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, na Rua dos Bragas. A montagem foi feita para ilustrar o post "A nossa biblioteca e outras bibliotecas", que inclui um excerto d' A Cidade e as Serras, no qual Zé Fernando se deslumbra com a biblioteca "do seu amigo Jacinto".

(Maria Raquel Guimarães)



1- Biblioteca Pública, em Praga (República Checa), Junho de 2000.

2- Árvore de Livros em Madrid (29/Dezembro/2003).

As duas torres, em Praga e Madrid, impressionavam. Sobretudo pela quantidade de livros "armados".

(Amílcar Lopes António)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
VOZES VINDAS DAS GREVES



Sou um dos funcionários ( Auxiliar da PJ) que optou por fazer greve, tendo sido uma decisão muito dificil para mim. Desde que começaram as mudanças na Adm. Pública, que nunca foram explicadas internamente, sinto que estou perante um organismo que no relacionamento com os funcionários, é rigído e sem diálogo. Por exemplo, o chefe do meu serviço, vem á minha sala duas vezes por ano. Por vezes considero que esta necessidade de diálogo é um pecha socialista minha. O que interessa é seguir ordens mesmo que não sejam as melhores.

Num trabalho intensivo que abarca áreas terríveis da faceta humana, tento sempre que a minha parte seja feita de modo rápido e eficaz, não apenas por brio; mas sei que as pessoas que constam dos processos, necessitam que a justiça seja cumprida. Neste trabalho o tempo realmente conta para as pessoas , para as vítimas/ofendidos em especial.

No Público de hoje refere-se que a Directoria Nacional indicou que 14 por cento dos funcionários de apoio fizeram greve. No meu local de trabalho a percentagem é muito maior. Os restantes tem as suas razões, tal como, terem nascido submissos com o gene do "Receio não se sabe do quê", que é parte do DNA dos Portugueses; por esperarem uma promoção que talvez nunca chegue,etc.

(Anónimo identificado)
 


BIBLIOTECA



António Leal, Biblioteca da M. 12
 


EARLY MORNING BLOGS 630

Death The Barber


Of death
the barber
the barber
talked to me

cutting my
life with
sleep to trim
my hair—

It’s just
a moment
he said, we die
every night—

And of
the newest
ways to grow
hair on

bald death—
I told him
of the quartz
lamp

and of old men
with third
sets of teeth
to the cue

of an old man
who said
at the door—
Sunshine today!

for which
death shaves
him twice
a week


(William Carlos Williams)

*

Bom dia!

24.10.05
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
"ISTO É TUDO POLÍTICA!"




Acerca da proibição do comércio de aves em mercados e feiras, passo a citar alguns excertos da entrevista de uma repórter da SIC Notícias a uma senhora, esta manhã, na feira de Espinho, que saía em prol dos comerciantes de aves:

(tom exaltado)

Se não concordo?!?!?! Claro que não concordo!!!! Olhe, sabe, isto é tudo política, só política!! Quando foi das ‘bacas’ loucas também diziam que vinha isto, e aquilo, eu sei lá, e foi o que se viu! Também diziam que vinha um vírus nas meias e roupas dos “chinos” que nos matava a todos e andamos aqui, não nos aconteceu mal nenhum!

(tom ainda mais exaltado)

(…) “e não tenho medo nenhum! E olhe, tenho mais de cem galinhas, lá em casa, e vou continuar a comer e a comprar! E se morrer das galinhas, olhe, não morro de outra coisa qualquer!

(Alexandre Cunha)
 


INTENDÊNCIA

Actualizada a nota O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: BOATOS E DESINFORMAÇÃO.
 


LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA



Com o Google na defesa do Google Print.

Na Prospect a favor e contra Chomsky, o número um dos intelectuais "públicos", a julgar por uma reveladora sondagem sobre o estado do "público".

No Super Mário - que, diga-se de passagem, é até hoje a iniciativa com maior sucesso da candidatura Soares, o que é dizer muito - uma leitora do Abrupto (Maria Baldinho) recenseou: "Admito erro de contagem, mas desde o dia 19 de Outubro, data em que foi iniciado, o blog Super Mário tem 79 entradas da palavra "Cavaco" e apenas 39 de "Soares", isto sem contar com todo o rico vocabulário com origem em "Cavaco", como cavaquismo, cavacologia, cavaquiana e cavacóloga. E (...) até tem uma fotografia de Cavaco Silva (!) e nenhuma do Super Mário!"

Ainda não se leu nos blogues, mas à medida que o mês de Outubro vai chegando ao fim, vai-se com certeza voltar a ler a cívica exigência de divulgação em linha dos estudos da OTA. Será que um ministério, ou melhor, dois, o das Obras Públicas e do da Economia, não são capazes de cumprir um prazo que eles próprios estabeleceram para, com os seus gigantescos recursos, publicarem um conjunto de estudos que já estão (já estão, não estão?) em formato electrónico?
 


ROSTOS / RESTOS 5
(De uma pilha de fotografias à venda num alfarrabista)




Fardas, medalhas, honras, cenários.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
"
PELA PATRIALOTAR CONTRE AOS CANHOIS MARXAR MARXAR!"


(De um leitor.)


*

A imagem publicada sob o título "PELA PATRIALOTAR CONTRE AOS CANHOIS MARXAR MARXAR!" circula há anos pela internet. Tem todo o ar de ser apócrifa.

(António Cardoso da Conceição)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
LIVROS VOANDO




Como tem andado há algum tempo a versar o tema 'biblioteca' lembrei-me de lhe dar a conhecer uma instalação insólita, que a biblioteca central da Univ da California, Berkeley se lembrou de patrocinar. Mando-lhe duas fotos em anexo tiradas com o telemóvel. Pode tambem encontrar aqui uma breve notícia.

(Rui Esteves)
 


AR PURO


Feodor Vasilyev
 


EARLY MORNING BLOGS 629

Cando penso que te fuches,
negra sombra que me asombras,
ó pé dos meus cabezales
tornas facéndome mofa.

Cando maxino que es ida,
no mesmo sol te me amostras,
i eres a estrela que brila,
i eres o vento que zoa.

Si cantan, es ti que cantas,
si choran, es ti que choras,
i es o marmurio do río
i es a noite i es a aurora.

En todo estás e ti es todo,
pra min i en min mesma moras,
nin me abandonarás nunca,
sombra que sempre me asombras.


(Rosalia de Castro)

*

Bom dia!

22.10.05
 


ROSTOS / RESTOS 4
(De uma pilha de fotografias à venda num alfarrabista)


Ódios. Não é só nos filmes: alguém recortou esta fotografia, com esforço porque a cartolina onde está colada é muito dura, eliminando pelo menos duas figuras, ambas masculinas. Amores, amizades quebradas, mortes que não se querem lembrar, infidelidades da memória. Ficaram dois pés de um ausente.
 


COISAS DA SÁBADO:
ESTAMOS VELHOS, MAIS VALE NÃO DISFARÇAR



Existe um blogue “não oficial de apoio à candidatura de Mário Soares à Presidência da República” chamado Super Mário . A coisa não deixa de ter graça e ser …infinitamente reveladora. É uma tentativa de reeditar o “Soares é fixe” de 1985, dando o ar primaveril e de juventude, que ninguém é capaz de descortinar na candidatura. Suspeito até que o candidato é o mais novo de todos eles, porque depois é tudo como aqueles “jovens” do Konsomol que, com quarenta anos, “representavam” as juventudes comunistas soviéticas.

O boneco é muito juvenil, o lettering a imitar os jogos de consola, mas já muito moderadamente porque o bom gosto grave impede de ir mais longe. Sugeria aliás que fizessem o “Super Mário” correr aos saltinhos numa tira por baixo, em vez de o colocar estático ao lado. A recolher bolinhas e a coleccionar estrelinhas, ou, porque não, votinhos e a gritar coisas de italiano de pizaria. E a pisar o nefando Alegre, amador de peixe grelhado e não de pizas, para no último dia, da última hora, encontrar no Passeio da Avenida a incarnação do mal, o seco Cavaco.

Depois é tudo “oficial” a começar pelo “não oficial”. Fosse o blogue uma iniciativa de jovens, nunca lhes ocorreria o pomposo “não oficial” e fariam as maiores aleivosias à candidatura … divertindo-se. Mas não, é tudo gente séria e respeitável, que começa logo por nos explicar: “no nome do blog há uma ironia e uma homenagem. Uma ironia porque Soares não é, evidentemente, nenhum super-herói”, com medo de parecer politicamente incorrecta.

E não é que o imperialismo americano está demasiado presente... No Blogspot? Sediado nos EUA, o Grande Satã? Depois escrevem “blog” e não “bloc” como mandam os franceses, o pilar anti-americano da Europa, e nem sequer aportuguesam para “blogue”. E depois, há lá alguma coisa mais culturalmente globalizadora do que os jogos da Sony, da Nintendo, da Playstation, da X-Box? Vá lá, acertem ao menos no juvenil disfarce.

Boa sorte, Super Mário, cuidado com os alçapões!
 


ROSTOS / RESTOS 3
(De uma pilha de fotografias à venda num alfarrabista)



Os de cima


Os de baixo
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: BOATOS E DESINFORMAÇÃO



De onde surge o boato (chamo-o de boato precisamente por desconhecer a sua veracidade) que circula na internet, que indica o nome do candidato à presidência Mário Soares como proprietário dos terrenos na Ota onde, presumivelmente, se construirá o famoso aeroporto?

O texto que circula indica a autoria de Miguel Sousa Tavares, o que é absolutamente falso. Sousa Tavares escreveu um artigo para o Público intitulado " Um crime na Ota", no qual não consta nenhuma "História de dois aeroportos". Este é o título que tem passado de mail em mail e que contém a tal revelação sórdida sobre a pertença dos terrenos da Ota.

Como trabalho num ambiente em que todos os colegas têm acesso à internet e onde há espaço para comentar informação, este tem sido um ponto de polémica. Não faltam colegas prontos a acreditar em tudo o que leêm mas, como toda esta história me parece tão perigosa e sinistra, resolvi apelar para quem tem a isenção necessária (talvez não toda a informação, mas esta é apenas uma tentativa) para apontar alguma luz nesta direcção.

(Susana Cunha)

*

Como muitas vezes acontece, o módulo original é genuíno (o texto sobre os aeroportos, ver explicação no Blasfémias, a que depois se acrescenta o boato e a desinformação (a acusação a Soares, havendo variantes do mesmo texto envolvendo outros dirigentes políticos). Este é um exemplo entre muitos de uma prática comum na rede (mais nos e-mail do que nos blogues) e nas redacções dos jornais, só que, nestas últimas, o mecanismo da edição impede, por regra, a sua publicação. Em períodos de luta política, este tipo de boatos intensificam-se, e associam-se ao recrudescimento de intrigas com origem em fontes anónimas. Aqui, jornalista prevenido vale por uma redacção inteira, embora as intrigas “passem” bem na imprensa, e os boatos não. Do mal, o menos.

Quanto aos boatos, há várias escolas de pensamento sobre o modo de os defrontar. Penso que devem ser tratados caso a caso, como excepções à regra de os ignorar. No caso de boatos sobre património, como é este caso, um esclarecimento rápido e incisivo pode ajudar a combater o boato. Mas, insisto, não há regra estabelecida.

*
"Assim começam os boatos: Faz-se um resumo do estudo apresentado por Rui Rodrigues em 21 de Março de 2005, acrescenta-se "por Miguel Sousa Tavares" e termina com "dono dos terrenos da Ota... Pois é... (!) o Dr. Mário Soares". Autoria do Miguel Sousa Tavares sobre este artigo, não existe, apenas do título. Se o Dr. Mário Soares é dono, ou não? Também não vem mencionado em nenhum lado. A única verdade são os números apresentados sobre os dois aeroportos e retirados do estudo apresentado com autoria de Rui Rodrigues."

(Eduardo Proença)
 


BIBLIOTECA



António Leal, Biblioteca da M. 11
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
O DISCURSO DO PAI NATAL





Que o actual comunismo chinês viesse ameaçar de forma tão assustadora o actual socialismo europeu é algo que quase ninguém poderia imaginar. O "medo" da invasão dos produtos chineses nos mercados europeus com o consequente fecho de muitas indústrias, aumento do desemprego e instabilidade social (que agora se designa por precaridade no trabalho) é algo de muito presente nos discurso político da maioria dos nossos agentes económicos.

Curiosamente (ou talvez não) estes mesmos agentes económicos viram-se para o Estado como o seu último recurso , exigindo medidas de protecção contra o que designam como "concorrência desleal" (os chineses estão a escravizar as suas criançinhas, etc.). O Estado, por sua vez, cumpre o seu dever: proteger os seus cidadãos (ou alguns dos seus cidadãos) das ameaças externas, particularmente desta terrível e nova ameaça chinesa.

O nosso conforto socialista necessita de estabilidade e não de rupturas, de gradualismo para se adaptar, de tempo para se re-organizar, não podemos abrir as nossas fronteiras desta forma tão descarada, principalmente a quem vai destruir o nosso simpático modo de vida. Embora o tempo das benesses esteja a chegar ao fim, pode sempre telefonar-se para Bruxelas e ver o que se pode arranjar.A oligarquia burocrática de Bruxelas faz o que pode quanto mais não seja para proteger os seus empregos.

O que existe de curioso neste discurso é a sua imensa capacidade para o auto-engano, para a auto-ilusão, é um pouco como o Natal e as crianças: nós , os adultos, já não acreditamos no Pai Natal, mas para felicidade das crianças fingimos que acreditamos e lá fazemos a festa. Por sua vez, as crianças fingem que acreditam para não desiludirem os adultos de quem tanto gostam. Afinal de contas se eles se dão a tanto trabalho porquê estragar a sua felicidade. O amor é recíproco e genuíno embora sejam ambos amores enganados. As crianças vão todas à escola: eles cedo descobrem que o Pai Natal não existe, não é real. O que é real, o que verdadeiramente existe, são as sapatilhas Nike com rodinhas, fabricadas na China. E é todo um mundo que desaba: é suposto as crianças acreditarem no Pai Natal (para receberem presentes), é suposto não os desapontarmos nesta sua ingenuidade comovente (porque os amamos).
E é sempre com imensa expectativa e alguma ansiedade que todos aguardamos a chegada do Pai Natal.

Em Portugal o discurso político é o discurso do Pai Natal: o ritual perpetua-se na esperança da chegada dos presentes.

(João Costa)
 


EARLY MORNING BLOGS 638

A las estrellas


Esos rasgos de luz, esas centellas
que cobran con amagos superiores
alimentos del sol en resplandores,
aquello viven, si se duelen dellas.

Flores nocturnas son; aunque tan bellas,
efímeras padecen sus ardores;
pues si un día es el siglo de las flores,
una noche es la edad de las estrellas.

De esa, pues, primavera fugitiva,
ya nuestro mal, ya nuestro bien se infiere;
registro es nuestro, o muera el sol o viva.

¿Qué duración habrá que el hombre espere,
o qué mudanza habrá que no reciba
de astro que cada noche nace y muer


(Pedro Calderón de la Barca)

*

Bom dia!

21.10.05
 


ROSTOS / RESTOS 2
(De uma pilha de fotografias à venda num alfarrabista)



Homens



Mulheres
 


ROSTOS / RESTOS
(De uma pilha de fotografias à venda num alfarrabista)





Violência infantil.


Vestidos maiores que a vida.
 


OS CAVALEIROS DO APOCALIPSE



A história da humanidade é a história de três dos quatro cavaleiros do Apocalipse: o da fome, o da peste e o da guerra. O bom cavaleiro, com o cavalo branco, esse não conta. No nosso confortável mundo europeu, 50 anos de paz fizeram-nos esquecer o cavaleiro da guerra, mas ele não se fez esquecer e, nos Balcãs e no Cáucaso, voltou a bater às portas do nosso recanto. Tinha andado por Ásia e África, mas 50 anos não é nada, nós é que pensávamos que era já definitivo. O cavaleiro da fome também está esquecido na Europa. Malthus ameaçou-nos com ele, mas a revolução industrial adiou as suas previsões, e nós, como de costume, pensamos que ele só estaria para lá longe, em África, O da peste espreitou recentemente com a sida e fugiu de novo para a tenebrosa África, a terra de todos os males, pensávamos também nós, seguros da nossa poderosa medicina.

Mas a nossa terra livre de cavaleiros do Apocalipse vai ter em breve a visita de um deles, o da peste, e, sabemos pela história, que qualquer um anuncia os outros, ou abre o caminho aos outros. "Peste" é uma palavra que passou a figura literária, e só nos recantos africanos e nos filmes de ficção científica permanecia no sentido original. É verdade que no "coração da escuridão" vírus demasiado mortíferos continuam a emergir, das margens do rio Ébola, ou numa missão perdida, ou num sítio onde se comem macacos. Mas essas "pestes" não são histórias de sucesso viral: o Ébola, por exemplo, é um vírus pouco eficaz, mata mais depressa do que viaja e por isso elimina tão rapidamente o seu hospedeiro que nunca vai longe. É por isso fácil de conter, contrastando a simples eficácia da gripe.

A gripe é o símbolo da doença benigna, da doença a que nos acostumamos sazonalmente. Toda a gente tem gripe uma vez por ano, e lá nos habituamos à ligeira febre, ao nariz tapado, às dores de garganta, aos arrepios. Falta-se ao emprego um dia ou dois, as crianças não vão à escola com algum contentamento, os namorados insinuam amabilidades como "vou-te pegar a gripe", "pega, pega", os beijos sociais diminuem porque se está constipado. Os hedonistas têm um prazer especial em meter-se na cama, confortados com os seus 37,5º, voltando a uma infância perdida, mas cheia de cuidados maternais. Em suma, uma "fruta da época", como a chuva e o frio.

Os médicos sabem que a gripe comum não é tão benigna como isso e mesmo as estirpes mais pacíficas matam milhares de velhos e doentes todos os anos. Mas, como as mortes do Verão tórrido em França mostraram, é possível morrer muita gente à nossa volta, que só as estatísticas mostram o incremento do trabalho da ceifeira. Só que desta vez pode não ser assim, tudo indica que não seja assim.

Entramos agora no fino e impossível equilíbrio entre o pânico inconsiderado e a legítima preocupação. Como é que devo escrever o que vou escrever? Talvez começando por dizer que há muitas probabilidades de termos uma pandemia de gripe com uma variante viral muito agressiva. Embora o cálculo dessas probabilidades seja muito difícil de fazer, pode-se considerar que, tudo ponderado, é mais provável que haja do que não haja. Claro que também pode não acontecer nada, como quando do susto americano com a "gripe dos porcos" no tempo do Presidente Ford, que acabou por não se verificar. Mas agora tudo indica que se verificará, não sabemos é daqui a quanto tempo, um ano, dez anos? Parece uma questão de tempo. Depois, tudo o resto são incógnitas e patamares que se podem subir ou descer.

Voltamos pois à peste, ao quotidiano da peste. Como o terrorismo, a peste também se modernizou, por linhas de fragilidades muito semelhantes: a sociedade de massas urbanizada, global, dá imensas oportunidades novas à doença, ao mesmo tempo que pareceu eliminar as antigas. Pouco a pouco, à nossa volta, a biologia tumultuosa para os humanos e os seus bichos domésticos começa a especializar-se. Sem a produção de carne e leite em série, a doença das vacas loucas, ou a hecatombe de carneiros provocada pela febre aftosa não teriam levado às imagens do "massacre dos inocentes" em que se converteram muitas quintas modelo da agricultura da PAC.

Graças a Darwin, percebemos hoje muito bem como o sucesso dos vírus se encavalita no nosso mundo urbanizado, na nossa agricultura industrial, nos nossos hábitos de consumo, na sociedade de massas. Para um vírus como o da "gripe das aves", o modo como vivemos é um nicho ecológico excepcional. O vírus veio dessa enorme capoeira e pocilga colectiva que são os campos da província chinesa de Guandong, um enorme pool de variabilidade genética em que o salto entre os animais e os homens é facilitado pela promiscuidade entre espécies. Mas já não precisa de fazer o caminho lento de um barco para a Índia, de uma caravana para o Levante, de um outro barco para Veneza ou Génova, pode voar com as aves selvagens até aos aviários da Europa, ou voar na Cathay Pacific ou na Lufthansa.

Depois de cá chegar, e já cá chegou às aves, poderá ou não demorar um pouco a encontrar outros hospedeiros, poderá ou não dar tempo a que haja vacina, poderá ser de uma estirpe mais ou menos agressiva, matar velhos ou jovens (como a "pneumónica" de 1918), poderá encontrar-nos preparados (tanto quanto podemos em relação a estas eficazes máquinas que são os vírus) ou não. Prevenidos já estamos, resta saber se estamos preparados e parece que não.

Se olharmos para África, onde um vírus que mata mais devagar como o da sida já molda a sociedade, alterando padrões demográficos, enfraquecendo as burocracias de Estados, já de si frágeis, as forças de polícia e segurança, aumentando a conflitualidade, podemos compreender melhor como será perturbador um vírus que mata mais rapidamente, ferindo a sociedade profundamente.

Os estudos mostram como uma pandemia de gripe levará à "nacionalização" dos stocks de medicamentos (dito de outro modo, ou um estado já possui esse stock nos seus armazéns, ou, quando a gripe começar a matar, ninguém lhe vai ceder o seu), à fragilização de polícias e exércitos, à paragem de escolas, casernas, concentrações de multidões (sim, os jogos de futebol também), por aí adiante. Por boas razões, por precaução, e por más, pelo pânico e crescimento da conflitualidade, as semanas que durar a gripe serão de tensão sobre toda a estrutura do Estado "civilizado". Depois passará, deixando os sobreviventes de uma geração imune, até à próxima. Para a democracia, para a nossa civilização, será um teste poderoso.

(Do Público.)
 


MAIS UMA CORRIDA, MAIS UMA VIAGEM

terminada. Amanhã começará outra.

19.10.05
 


BIBLIOFILIA: ANTIPASTI (4ª série)



Ensaio de Simon Leys sobre caligrafia chinesa em Ensaios sobre a China, Lisboa, Livros Cotovia, 2005. Na caligrafia há uma "escrita da erva", o nosso cursivo, com uma variante "louca", "uma espécie de estenografia frenética". Leys diz que para os chineses a caligrafia é uma arte suplementar, sem equivalente noutras civilizações.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
"
QUANDO CHEGAR À ALTURA LOGO SE VÊ"




Anteontem, num telejornal, e ao mesmo tempo que ficávamos a saber que a gripe-das-aves não era alarmante, diziam-nos que era coisa para "11 a 14 mil mortes", só em Portugal. Como dizia outro: "Não foi nada, foi o nosso pai que morreu".

Ontem, quando perguntaram a um responsável de um hospital se estavam preparados, ele respondeu:
"Quando chegar a altura, logo se vê" - e mais não disse... nem era preciso.

(C. Medina Ribeiro)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: TRABALHOS DE CASA




- Então como correu a escola?

- Não foi lá muito boa, portei-me um bocadinho mal.

- E o que é que estás a fazer agora?

- Um trabalho extra que trouxe da escola.

- E o que é?

- Escrever o verbo "obedecer". No presente, pretérito perfeito, pretérito imperfeito e futuro. Como é que isto se diz? Vós obecede.. ocebere ... o que é o pretérito?

- Passa para o futuro, diz o irmão.

E segue-se o verbo "trabalhar". No presente, pretérito, perfeito e imperfeito, e futuro.

(RM)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: AS VOLTAS DE KONRAD LORENZ




As alertas relacionadas com a gripe das aves não cessam de aparecer e o Ministro da Agriculatura não proibe a caça "porque os pássaros migrantes dos paises em questão não passam por cá". Não sou bióloga e o "bird watching" nunca foi o meu passatempo preferido, mas este argumento fazia Konrad Lorenz dar uma volta no túmulo. Será que o "pressure group" dos senhores da espingarda é tão influente?

(Monika Kietzmann)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: TUDO AO CONTRÁRIO




Bem sei que este pode ser considerado um problema menor ou até um preciosismo de mentes menos ocupadas, mas não consigo deixar de ficar incomodado com a falta de cuidado com os pormenores revelada pela Comunicação Social escrita e, neste caso concreto, pelas Agências de Publicidade. Refiro-me à “inversão da realidade” presente em diversas fotografias de paisagens, de acontecimentos ou de figuras públicas, que leva a que vejamos o mundo consoante a vontade dos fotógrafos, ora como ele realmente é, ora como ele aparece ao espelho...

Note-se que, se me limito a fazer referência às figuras públicas, é porque nos restantes casos a “inversão da realidade” substitui definitivamente a própria realidade, despindo o anónimo cidadão da sua verdadeira aparência e tapando-o com as vestes do reflexo.

Já vi fotografias de António Guterres com os seus característicos sinais faciais “pintados” no lado errado, militares briosos que passam por ignorantes em relação à mão usada na continência e até, imagine-se, uma fotografia do Porto onde a ponte D. Maria aparecia a jusante da ponte D. Luís. A tudo isto assisti com alguma serenidade, mas agora desanimei definitivamente. Se até numa gigantesca campanha publicitária de um conhecido banco, o internacionalmente conhecido José Mourinho aparece com a risca do cabelo no lado oposto, os botões da camisa no lugar das casas e as casas no lugar dos botões, bem podemos perder a esperança... na fotografia, qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.

(S.B.C.)
 


BIBLIOTECA



António Leal, Biblioteca da M. 10
 


EARLY MORNING BLOGS 627: "A VERDADE DISTO DEUS A SABE"

Em Creta, a caminho da Terra Santa


Partidos da aldeia, chegámos ao lugar aonde íamos quase a horas de véspera, o qual está junto a outra aldeia maior que a primeira, e nos afirmaram ali que havia sido das maiores e mais populosas da ilha. Sabendo os da aldeia a que íamos, nos trouxeram logo um homem, já sobre os dias, o qual servia de piloto aos que queriam ver o labirinto, se lhe pagavam seu trabalho. Concertando-nos com ele, assentámos que seria bom entrarmos logo aquela tarde, porque, quando saímos da nau, nos encomendou muito o patrão que tornássemos com a possível brevidade.

Tanto que chegámos à porta do labirinto, o homem que nos havia de servir de piloto e guia, como a outros costumava servir, tirou das grandes pedras da boca por onde havíamos de entrar, porque a entrada era à maneira de üa cova; e, entrando diante com um mancebo, seu companheiro, cada um com seu morrão aceso na mão. E, entrando nós após eles de pés e mãos, que a entrada não sofria outra coisa; e, seguindo nossa guia, caminhámos üa grande milha, sempre por debaixo de abóbedas feitas da mesma rocha e não vimos em todo aquele caminho cousa de notar, salvo levar-nos aquele homem por diversas estâncias muito intrincadas, 'té chegarmos a üa quadra muito grande, no muco da qual estava üa argola de bronze tão grossa, que no que mostrava pesaria um quintal, pouco mais ou menos, na qual dizem haver estado preso o Minotauro. A verdade disto Deus a sabe; eu dou testemunho do que com meus olhos vi e escrevo a opinião que tem os da terra. De haver labirinto em Creta muitos escritores gregos e antigos o afirmaram e escreveram; e, sem dúvida. se no mundo houve Minotauro e a história que dele contam não é fabulosa, em nenhüa parte devia ser senão naquela onde os indícios estão tão manifestos e claros.

Por todas aquelas abóbedas soava um grandíssimo vento, sem vermos lugar por onde pudesse entrar; mas o nosso piloto, como experimentado naquela carreira, levava fuzil e todo o aviamento para se recuperar, se lhe morressem os morrões, que com trabalho levava acesos.

A üa parte daquela quadra nos mostrou o homem üa pequena porta, também à maneira de entrada de cova, dizendo-nos que por ali continuava o labirinto até o mar da outra parte do arquipélago, e nos incitava a ir por diante, o que não quisemos fazer, assi por ser mui tarde e virmos cansados, como por ser a jornada mui comprida e não haver cousa de notar nela.


(Frei Pantaleão de Aveiro)

*

Bom dia!

18.10.05
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: MAIS BELEZA PURA

Dione, sobre o fundo de Saturno. Não é montagem, ó incréus, é mesmo assim.

17.10.05
 


BIBLIOFILIA QUIXOTESCA

"Las avecitas del campo tienen á Dios por su provedor y despensero", dizia o bom Sancho. Bem vão precisar de Deus, as avezinhas. E não só.
 


BIBLIOTECA

António Leal, Biblioteca da M. 9

 


EARLY MORNING BLOGS 626

Je ne suis qu'un viveur lunaire
Qui fait des ronds dans les bassins,
Et cela, sans autre dessein
Que devenir un légendaire.

Retroussant d'un air de défi
Mes manches de mandarin pâle,
J'arrondis ma bouche et - j'exhale
Des conseils doux de Crucifix.

Ah ! oui, devenir légendaire,
Au seuil des siècles charlatans !
Mais où sont les Lunes d'antan ?
Et que Dieu n'est-il à refaire ?


(Jules Laforgue)

*

Bom dia!

16.10.05
 


BIBLIOTECA

António Leal, Biblioteca da M. 8
 


INTENDÊNCIA

Actualizada a nota OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: "IT TAKES TWO TO TANGO".
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: SOBRE O ENSINO DE INGLÊS (2ª série)



(Continua um debate iniciado a 14/10/20005)

Voltando à discussão sobre o Inglês, diz o insustentável que é "preciso libertar a discussão de grilhetas sindicais ou de classe, para situá-la no terreno da competência, da fixação de objectivos e avaliação dos resultados." Indiscutível. O que já merece discussão, no entanto, é precisamente a planificação programática e metodológica do ensino de línguas estrangeiras, nomeadamente no que respeita ao Inglês.
Para início de conversa, será bom separar águas e não cair na tentação de comparar resultados obtidos em institutos de línguas com o que se passa na esmagadora maioria das escolas portuguesas. Porque os públicos são diferentes. Porque as condições de trabalho são diferentes. Porque são muito diferentes as culturas de ensino e aprendizagem.

Deixando de lado, por ora, o excessivo número de alunos por turma, a falta de recursos audio-visuais e, sobretudo, o ambiente de indisciplina e desinteresse em que decorrem demasiadas aulas em demasiadas escolas, que o assunto nos levaria a outros considerandos, será bom lembrar que as sucessivas inovações introduzidas no ensino de línguas estrangeiras no sistema de ensino português têm-se regido por um desejo de modernização que raramente acautelou as condições necessárias à implementação de modelos copiados de outros contextos. Algumas posições dogmáticas contribuiram para uma radicalização de opções metodológicas alheias às reais situações de ensino/aprendizagem a que devem ser adaptados quaisquer modelos. Nos últimos anos, tem imperado, nas escolas portuguesas, um certo ecletismo em tentativas várias de conjugação dos princípios da abordagem comunicativa, instituídos oficialmente com a reforma curricular do início dos anos 90, com outras práticas pedagógicas mais tradicionais ou ainda dominadas pelos métodos estruturalistas e funcionais que tanto impacto tiveram no ensino de línguas estrangeiras em Portugal nas décadas de 1970 e 1980. A falta de estudos empíricos que permitam a avaliação científica de programas, metodologias, estratégias e materiais, e a surpreendente (ou talvez não) indiferença dos sucessivos governantes perante tão grave omissão, deixa sem alternativa os modelos sucessivamente impostos e cuja eficácia não chega nunca a ser questionada, apesar do conhecido insucesso que se tem vindo a agravar. Mais do que discutir o perfil de habilitações ou alimentar a polémica de portugueses desempregados versus estrangeiros contratados, urge traçar de uma vez uma política de ensino público que tenha em vista as necessidades do país e os interesses das populações. E não só no que se refere ao ensino do Inglês, como vai sendo gritantemente evidente.

(Helena Rodrigues)

*

Em relação ao comentário de Monika Kietzmann: o facto de um bilingue dizer que uma das línguas é a "principal" não quer dizer que o facto de ser bilingue (desde muito novo) não o tenha ajudado em muitos aspectos. Na realidade, um ser humano consegue aprender duas línguas simultaneamente desde muito novo (quanto mais cedo melhor) e o facto de aprender duas línguas dá-lhe uma flexibilidade e agilidade mental que não teria noutra situação. Pensar que aprender uma língua estrangeira pode prejudicar a aprendizagem da língua-mãe é falacioso, embora seja uma crença comum. Aprender línguas é como nadar: quanto mais cedo, mais fácil (e natural). Quando aprendemos outra língua, a nossa capacidade de análise metalinguística aumenta prodigiosamente e, assim, conseguimos aprender melhor a nossa própria língua. (Isto quando as coisas são bem feitas, ou seja, quando ambas são bem ensinadas.)

Quanto ao estado do ensino do inglês nos últimos 30 anos (cf. comentário de Rogério Paulo Matos), não quero discutir a qualidade dos nossos professores. Mas o que o Governo está a fazer (através de escolas de línguas contratadas à pressão) é colocar engenheiros electrotécnicos (ou outros) com um Certificate of Proficiency in English (qualquer licenciatura com componente de inglês tem um nível equivalente de inglês) a dar aulas a crianças do 1.º Ciclo (um ensino que exige anos de preparação). Pensar que saber inglês perfeitamente (o que pode nem ser o caso) basta para ensiná-lo a crianças de 8, 9 ou 10 anos é não saber em que consiste ensinar línguas. Longe de mim querer pôr em causa o dogma que "o inglês não se aprende na escola" (onde o fazem milhares de alunos) ou que "o ensino não presta, ponto final". Mas, apesar de tudo, as gerações que foram educadas nos últimos 30 anos têm um nível de inglês melhor do que o das anteriores.

Tenhamos em conta que os professores de inglês começaram quase do zero e, ainda hoje, enfrentam muitos alunos cujos pais acham que aprender inglês não serve de nada (acredite-se ou não, há muita gente que insiste que os rios de "antigamente" eram mais úteis que o inglês de agora). Mas o problema é esse: se os professores, com quatro ou mais anos de formação e experiência, não conseguiram os resultados desejados, muito menos o conseguirão aqueles que não têm a mínima preparação. É o típico desenrascanço à portuguesa: "Ora deixa ver se eu puser este engenheiro a ensinar inglês isto resulta... Pelo menos é mais barato!"

(Marco Neves)
 


COISAS COMPLICADAS


Walker Evans
 


EARLY MORNING BLOGS 625

Remémoration d'amis belges


À des heures et sans que tel souffle l'émeuve
Toute la vétusté presque couleur encens
Comme furtive d'elle et visible je sens
Que se dévêt pli selon pli la pierre veuve

Flotte ou semble par soi n'apporter une preuve
Sinon d'épandre pour baume antique le temps
Nous immémoriaux quelques-uns si contents
Sur la soudaineté de notre amitié neuve

Ô très chers rencontrés en le jamais banal
Bruges multipliant l'aube au défunt canal
Avec la promenade éparse de maint cygne

Quand solennellement cette cité m'apprit
Lesquels entre ses fils un autre vol désigne
À prompte irradier ainsi qu'aile l'esprit.


(Stéphane Mallarmé)

*

Bom dia!

15.10.05
 


EARLY MORNING BLOGS 624

Huye sin percibirse, lento, el día

Arrepentimiento y lágrimas
debidas al engaño de la vida
Huye sin percibirse, lento, el día,
y la hora secreta y recatada
con silencio se acerca, y despreciada,
lleva tras sí la edad lozana mía.

La vida nueva, que en niñez ardía,
la juventud robusta y engañada,
en el postrer invierno sepultada,
yace entre negra sombra y nieve fría.

No sentí resbalar mudos los años;
hoy los lloro pasados, y los veo
riendo de mis lágrimas y daños.

Mi penitencia deba a mi deseo,
pues me deben la vida mis engaños,
y espero el mal que paso, y no le creo.

(Francisco de Quevedo)

*

Bom dia!
 


INTENDÊNCIA

Actualizada a nota O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: SOBRE O ENSINO DE INGLÊS.
 


DIOGO VASCONCELOS - VOTO ELECTRÓNICO: UMA FORMA NATURAL DE VOTAR NUMA SOCIEDADE EM REDE



É fundamental perceber que não existe um modelo de Voto Electrónico, mas variadíssimos modelos, e na maioria dos posts que tenho visto aqui, misturam-se indiscriminadamente os aspectos negativos de todos eles, seja voto electrónico não presencial, seja voto electrónico presencial ou voto electrónico presencial em mobilidade. Este debate é fundamental e vou tentar dar o meu contributo.

O modelo que tem vindo a ser testado em Portugal, e o qual espero sinceramente que seja implementado, é o de Voto Electrónico presencial em mobilidade, que permitirá que os eleitores possam votam em qualquer assembleia ou posto de votação, sendo o seu voto contabilizado na freguesia onde reside. Uma ambição facilitada pois, em Outubro de 2004, iniciou-se a ligação em banda larga de todas as escolas do ensino básico e secundário, onde funcionam grande parte das assembleias eleitorais (estando ligadas já 60% das nove mil escolas).

Para a maioria dos Portugueses, a mobilidade, o digital, as redes de dados são realidades familiares, daquelas que fazem parte do quotidiano. São, podemos dizer, práticas naturais. Ora, a grande razão do sucesso desta penetração do Digital reside no valor acrescentado que traz à vida das pessoas, expresso numa imensa conveniência, de que ninguém quer prescindir. O cidadão moderno terá ganho novos hábitos de um certo "comodismo" e esta tendência atravessa múltiplas dimensões da sua vida individual e em sociedade.

Vale a pena reflectir sobre os actos eleitorais também a partir deste ângulo. Não fará sentido pôr sobre a mesa a hipótese de que o fenómeno da abstenção tenha, também, a ver com este tema da conveniência? No voto presencial com mobilidade, a sacralidade e solenidade do voto mantém-se, mas cada um escolhe a assembleia de voto onde é mais conveniente, naquele dia, o exercicio desse direito. Quantos milhares de eleitores estão recenseados longe da sua actual residência? Quantos desses eleitores se dão ao trabalho de ir votar, percorrendo dezenas ou centenas de kilometros?

As vantagens do Voto Electrónico presencial em mobilidade parecem-me obvias, uma vez que, sem abdicar da identificação do eleitor por uma mesa multipartidária, põe à disposição do cidadão 11.000 a 13.000 mesas, dependendo da eleição. Parece-me igualmente importante referir que este voto electrónico impede definitivamente a pequena fraude, à qual estranhamente não vi nenhuma referência, levando assim a crer na ingenuidade geral que pressupõe que o actual sistema é 100% seguro, quer na votação presencial nem na votação por correspondência (comunidades portuguesas). Aliás, impedir a fraude foi um dos motivos da plena adopção do Voto Electrónico num país de dimensões continentais como o Brasil

Quando à segurança deste modelo de voto, é importante esclarecer que as máquinas de votação estão desligadas durante todo o acto eleitoral, sendo apenas ligadas durante minutos para remeter os votos para uma central nacional de apuramento, diminuindo assim o risco de ataques ao sistema. Por outro lado, uma das novidades da experiência realizada nas últimas Legislativas foi precisamente a utilização de urnas com registo em papel, o qual serve como solução "redundante", para eventuais recontagens. Importa ainda salientar que o Voto Electrónico permite ainda a participação plena e autónoma dos cidadãos com necessidades especiais no processo eleitoral.

De facto, em 30 anos de Democracia, muitos são aqueles que ainda não têm acesso ao acto de votar, de exercer o seu "(...) poder político através do sufrágio universal, igual, directo, secreto (…) " (art. 10.º, nº 1 da Constituição), exercendo o seu direito de voto acompanhadas por outro eleitor. Ora, na experiência das Legislativas, nas freguesias em que foram usadas "urna falante", o eleitor pôde usar a audição para exercer o seu direito de voto. Para o efeito, precisou apenas de usar dois botões, que lhe permitiram percorrer o caminho até ao boletim, seleccionar e validar a sua opção. A informação foi fornecida ao eleitor através dos auscultadores, garantindo-lhe o exercício de voto de forma totalmente autónoma e secreta. Puderam, assim, votar, com total liberdade e autonomia, pessoas cegas ou com baixa visão. O grau de satisfação foi naturalmente elevado.

Quanto à segurança do software a utilizar, obviamente que este seria analisado pelas entidades competentes e pelos partidos, como aconteceu alias durante a experiência de voto electrónico em 2005, em que o código fonte da plataforma de votação foi entregue à Comissão Nacional de Protecção de Dados e verificado pelos técnicos da mesma. Existe um movimento um pouco por todo o mundo democrático para modernizar os processos eleitorais, seja por questões de segurança (Brasil, índia, Africa do Sul) ou por razões de aumento de conveniência do eleitor de forma a aumentar a participação (Espanha, França, Suiça, U.K, Estónia etc). E há cada vez mais conhecimento sobre o tema.

Portugal deve acompanhar este movimento, tanto mais que todos os estudos mostram a grande receptividade por parte de quem experimentou votar desta forma e num contexto não vinculativo - cerca de 19 mil portugueses nas duas experiências de voto presencial (Europeias e Legislativas) e 5 mil emigrantes na experiência de voto não presencial, por internet (Legislativas). Num e noutro caso, o grau de satisfação ultrapassou os 90% A questão é esta: porque é que não podemos votar em qualquer uma das mesas de voto? Porque é que a comunidade emigrante não vota connosco, no mesmo dia? Não há hoje obstáculos tecnológicos instransponíveis a estas evoluções. Haverá motivos de ordem mais séria para o fenómeno da abstenção, por certo. Mas, então, temos a obrigação de não acrescentar outra camada de problemas – a da inconveniência – numa altura em que existem bons meios para a obviar, no contexto duma sociedade em rede.

O Voto Electrónico não é um mero tema tecnológico, é sobretudo uma questão de (mais) Cidadania. Daí a realização de múltiplas experiências, presenciais e não presenciais, vinculativas e não vinculativas, em numerosos países democráticos. Daí a importância deste debate.

(Diogo Vasconcelos)

14.10.05
 


LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA 4



Vale a pena ler o texto de Gordon Brown, Global Europe: full-employment Europe.

*

Sobre o silêncio a propósito do terramoto paquistanês, esta mais que pertinente carta:

Eu sei que este fim-de-semana aconteceram eleições, que a selecção foi apurada e que isso interessa aos portugueses.

No entretanto houve um terramoto na Ásia. A estimativa aponta para 30 000 mortos.

Aconteceui um aluimento de terras na Guatemala que engoliu uma cidade inteira. 1400 mortos

O tratamento jornalístico em todos os media portugueses (jornais, rádio, televisão) foi pouco mais que insignificante.

Ao contrário a CNN, a SKYNEWS, a BBC enviaram repórteres e ocuparam larguíssimos tempos de antena noticiando a desgraça.

Será que em Portugal as desgraças só existem e têm relevância quando tocam aos ocidentais, leia-se Europa e Estados Unidos.

Será que as desgraças embora da mesma dimensão têm importância conforme o sítio onde ocorrem?

Comparemos com o amplo noticiário sobre o Katrina. Eu sei que New Orleans era um símbolo, sobretudo para os que gostam de jazz como eu (infelizmente já não vou poder ir “houver” jazz na “Big Easy” em Bourbon Street durante o Carnaval), mas afinal “só” morreram 900.

Será que o amplo noticiário sobre o tsunami aconteceu apenas porque havia muitos turistas ocidentais envolvidos?

Será que as vidas de indianos, paquistaneses, afegãos e guatemaltecos são dispensáveis ou pelo menos não têm o mesmo valor que as dos “ocidentais”?

Será que nos habituamos a que as tragédias causadas por fenómenos naturais só acontecem lá longe onde tudo nos passa ao lado?

Será que estamos a ficar insensíveis aquilo que se passa na casa dos vizinhos e porque não amigos?

(Fernando Frazão)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: SOBRE O ENSINO DE INGLÊS


Tenho ouvido por aí que "antes de aprender inglês, devíamos aprender a falar bem português". É pena que se usem argumentos destes para atacar o Governo (há-os bem melhores). Sabe-se há muito que aprender línguas estrangeiras ajuda a aprender a língua materna e sabe-se também que quanto mais cedo as aprendermos, melhor (a parte do cérebro que aprende línguas de forma mais fácil "fecha" aos 13 anos, a idade em que se começa a aprendê-las em Portugal). Por isso, ensinar Inglês no 1.º Ciclo é boa ideia.

É pena, portanto, que o Governo desbarate a ideia, deixando que pessoas sem qualquer formação pedagógica (apenas com um certificado de fluência em inglês) ensinem a língua (só porque se pensa que é mais barato, provavelmente), quando há tantos professores de inglês desempregados e que fariam o trabalho com todo o gosto e pelo mesmo preço (muitos deles estão a fazê-lo, aliás). Além disso, ensinar Inglês sem que esse ensino seja considerado no 2.º Ciclo (onde se começa tudo de novo, para aborrecimento infinito dos alunos) é estragar a ideia. Como em tudo, um pouco de pés e cabeça era óptimo.

(Isto tudo para não falar da ideia peregrina do Presidente da República de invectivar contra a língua inglesa…).

(Marco Neves)

*

Falta na argumentação um dado importante. Uma lingua estrangeira só é aprendida eficazmente e sem prejuízo se a língua materna está já dominada, o que acontece normalmente a partir dos 10 anos. A sobreposição de um novo sistema linguístico a um sistema ainda não consolidado não favorece nem o primeiro e certamente não o segundo. Mesmo as pessoas que crescem num anbiente bilingue genuíno deste o seu nascimento afirmam que uma destas línguas é a verdadeira "língua mãe". Há a teoria que seja esta na qual a falante faz contas de cabeça.

(Monika Kietzmann)

*

No dia 09 de Setembro publiquei um post no «insustentável» , que penso ainda ter acuidade. A questão dos professores de inglês não é pacífica. Se todos gostaríamos que os nossos professores de inglês no desemprego pudessem ser aproveitados pela nova demanda originada pelo 1º ciclo, também sem dúvida nos agradaria que os resultados fossem bastante superiores aos que têm vindo a ser conseguidos desde há 30 anos, nos outros ciclos de ensino. Se perguntarmos a todos aqueles que hoje em idade adulta lêm e falam fluentemente a língua inglesa onde adquiriram tal capacidade (apesar de muitos terem 7 anos de ensino de inglês no ensino regular), compreender-se-à onde quero chegar.

(Rogério Paulo Matos)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: SOBRE O VOTO ELECTRÓNICO (2ª série)



Na continuidade do texto de Diogo de Vasconcelos de 11/10/20005, publicado em O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: DIOGO VASCONCELOS SOBRE O VOTO ELECTRÓNICO

Quando é que aprenderemos a definir prioridades?
O voto electrónico contribui para a competitividade do país?
Não seria preferível desviar o esforço do Estado para, antes disso, melhorar drasticamente o modo como a informática é utilizada nos meios judiciais? Isso sim, aumentaria de forma imediata a qualidade de vida em Portugal e a nossa capacidade de fazer frente à concorrência internacional.

(Tiago Fernandes)

*

" - Banca electrónica
- Portugal: entrega de IRS por via electrónica (alguém se queixa de erros??)
"

Mas, se existir algum erro, ele será facilmente descoberto e corrigivel (afinal, se eu fizer alguma operação bancária ou declaração de IRS e depois aparecerem valores diferentes descobre-se que aquilo não está a funcionar)

Em compensação, no voto electrónico, nem sequer há maneira de saber se o sistema funciona efectivamente bem.

(Miguel Madeira)

*

Edison e o voto electrónico

1 - Edison dizia que só perdia tempo com invenções que estavam antecipadamente vendidas. Aliás, parece que a única invenção que não conseguiu vender foi, precisamente, uma «máquina de contar votos»!

2 - Tanto quanto sei, o grande problema que houve nas eleições americanas não teve a ver com o software dos computadores (nem com eventual manipulação de resultados por essa via) mas sim com os boletins e respectiva leitura (papéis a perfurar - e coisas assim).

3 - No cerne disto tudo, estão, quanto a mim, o grande e ancestral «medo-do-novo» e o tão português «receio do saloio de ser enganado».

Conheci várias pessoas que faziam contas num computador e as verificavam com máquina de calcular, e ainda um caso fabuloso de um velho comerciante de aldeia a quem eu ofereci uma pequena máquina-de-calcular e que confirmava os resultados com papel e lápis.

4 - Quando, milhões de vezes por mês, os portugueses pagam os seus impostos ou fazem simples transferências bancárias (por home-banking, pelos CTT ou por MB), movimentando milhões de euros através de computadores (que, em geral, nem sequer sabem onde estão!), algum imagina, seriamente que o seu dinheiro possa ser desviado e vir parar à minha conta? Bem, e nestes casos há o papelinho, mas que o Voto Electrónico também pode oferecer.

5 - Contudo, no caso em questão, o escândalo maior é o silêncio sepulcral do nosso Tecnológico Governo.

6 - Conclusão: o assunto não é muito preocupante porque, mais cedo ou mais tarde, se vai resolver: quando TODOS os outros países do mundo estiverem a usar o Voto Electrónico, Portugal nomeará uma comissão para escolher um grupo de estudo para... (etc., até à náusea).

(C. Medina Ribeiro)
 


ALGUMAS NOTAS PÓS-AUTÁRQUICAS

PSD

1. O PSD ganhou as eleições, de forma inequívoca. Ter tido este resultado, meses depois da derrota estrondosa de Fevereiro, tem significado nacional. Não há volta a dar a este facto.

2. Para a noite das eleições autárquicas estava prevista uma ofensiva contra Marques Mendes. Não era segredo para ninguém e tinha sido antecipada por Valentim, Isaltino, Menezes, Lopes e alguns outros que andam “por aí”. Apesar do PSD ter perdido em Oeiras e Gondomar, duas autarquias importantes, o apoio da opinião pública ao corte com esses autarcas, e o sucesso no resto do país, travou esses ímpetos. Com as presidenciais à vista não se vê que tão cedo haja condições para essa contestação activa.

3. Mas a liderança de Marques Mendes tem muitas fragilidades, umas próprias e outras que reflectem a situação calamitosa em que o partido se encontrava depois de Lopes. O que Marques Mendes conseguiu, deveu-se a um combate pela credibilidade que tem duas vertentes: a ruptura do partido com alguns casos flagrantes de má fama publica dos seus políticos, e a tentativa de um estilo diferente de oposição. É um bom princípio, mas é preciso ir muito mais longe, porque o PSD (como o PS) está muito corroído por dentro e seria um erro trágico pensar que já se fez o bastante. Se se quer mudar mesmo, tudo no partido precisa, em linguagem informática, de um upgrade.

4. Espanta-me que não se note, com o devido valor, que o PSD, tem tido um registo de oposição bem mais sério e responsável do que alguma vez teve no passado o PS e o próprio PSD. O estilo prepotente e clientelar do governo do PS traduz mais continuidade nos erros, do que o da oposição. É verdade que, num ou noutro caso, Marques Mendes tem hesitado e feito críticas demagógicas, mas elas são mais a excepção do que a regra.
Diferentemente da oposição feita pelo PS, a oposição do PSD não se colocou ao lado dos grevistas e manifestantes, apoiou o governo na sua posição face a militares e juízes, não fez demagogia com os incêndios, elogiou medidas na educação sem qualquer “mas”, e excluiu qualquer leitura nacional dos resultados autárquicos. Tudo exactamente o contrário do que fez o PS, basta ir aos relatos das sessões da Assembleia. Leitura nacional queria o PS fazer se elas tivessem corrido bem, como se viu pelas declarações de Jorge Coelho, e como o PS fez nas últimas europeias.
Isto é muito positivo, porque retira da lógica redutora situação / oposição a avaliação do governo, e dá mais força às críticas. Tem, no entanto, dois problemas: na nossa cultura política e comunicacional parece uma oposição “frouxa”, e é como o tango, precisa de dois protagonistas para poder ser dançado. Ora essa viragem, o PS e o governo não a deram, bem pelo contrário. Continuam com o estilo antigo.


PS

A nível nacional o PS perdeu bastante mais do que pensa. As medidas difíceis do PS, em particular aquelas que atingem interesses corporativos, são nacionalmente mais populares do que impopulares. A condenação da opinião pública em relação às greves sectoriais, seja dos professores, dos militares, dos polícias, dos juízes, dos funcionários públicos, tem sido generalizada. Não penso que são as medidas difíceis, que mais pesaram na avaliação negativa do governo que facilitaram estes resultados autárquicos. Bem pelo contrário, parece-me desculpatório do governo pensar assim.
Foram outras coisas que pesaram: a mentira sobre os impostos, o estilo prepotente e autista do Primeiro-ministro, as sucessivas nomeações partidárias tidas como incompetentes, o Verão de ausência quando o país ardia, a queda do Ministro das Finanças, as trapalhadas com a OTA e o TGV, a errática política económica. E também a escolha de Mário Soares como candidato presidencial, a sucessiva ocupação de todo o estado pelos socialistas, um sinal péssimo para os mecanismos de equilíbrio da democracia. Tudo junto se resume numa só coisa: dotados de condições excepcionais pelo voto dos portugueses, o PS revela-se incapaz de gerar confiança e credibilidade. Chega para perder eleições.

POPULISMOS

O populismo reinou nesta campanha, com duas excepções importantes, Lisboa e Porto, onde parece ainda haver uma massa crítica eleitoral que o trava nas suas manifestações mais extremas. Mas, mesmo assim, convém ser prudente, porque o populismo continua a ser o mecanismo mais fácil para fazer campanhas de sucesso garantido, pela simbiose entre o populismo moderno e os meios de comunicação de massas, em particular a televisão. Felgueiras, Valentim, a nível local, e Louçã a nível nacional, foram os políticos que fundaram a sua campanha quase que exclusivamente num apelo populista sem freios. A eles se deve somar Pinto da Costa, na conturbada campanha do Porto.


POPULISMO REGIONALISTA

“Quem manda em Gondomar são os gondomarenses”, “Felgueiras para os felgueirenses”, foram uma de muitas formas deste populismo. “Para além do Marão mandam os que lá estão”, dizem os transmontanos. Só que o Marão é uma montanha e como todos sabem, não é verdade o que diz a frase. Jardim, que diz o mesmo da Madeira, também ilude os que o ouvem.
Tudo isto é errado, como é óbvio, em democracia. Em Gondomar e Felgueiras quem mandam são os portugueses, as leis portuguesas, o governo português, o parlamento português, os tribunais portugueses, e, no âmbito das suas competências, os autarcas eleitos.

ISOLAMENTO, REGRESSÃO

É o que podem esperar terras como Gondomar e Felgueiras. Os seus resultados eleitorais podem traduzir uma reacção bairrista, mas, nas suas livres opções eleitorais, os seus munícipes fizeram mal às terras: condenaram-nas a uma marginalização, a que cada passo das relações entre o poder local e nacional seja escrutinado sem complacência. Se os processos judiciais transformarem inocências (actuais) em culpas, Felgueiras e Gondomar conhecerão crises políticas e serão vistas como locais de má fama. Os eleitores são, no acto de votar, tão politicamente responsáveis como aqueles que elegem.

COMUNICAÇÃO SOCIAL I

Não gostava de Rio, nem de Carrilho e fez a vida negra aos dois. São casos em que uma antipatia corporativa, tornada colectiva pelo “pack journalism” que temos, se manifestou dando o carácter de “causa” à cobertura comunicacional.
Há diferenças nos dois casos. Ainda Rio não tinha começado a sua presidência já era sujeito a uma campanha de ataque vinda dos jornalistas do Porto, que nunca esmoreceu um segundo até à sua reeleição. O “sistema”, para usar uma expressão futebolística, criado pelo PS de Fernando Gomes no Porto, englobava todos os agentes comunicacionais, jornalistas, “artistas”, meios da cultura subsidiada, intelectuais, instituições. Quem hoje vê a imagem de Gomes, esquece-se até que ponto ele foi intocável enquanto presidente da Câmara do Porto, de braço dado com todas as “forças vivas” da cidade, do futebol à animação cultural. Todas essas pessoas deserdadas fizeram uma guerra sem tréguas a Rio e, fosse este mais pusilânime, bem o podiam ter corrido do lugar. Em consequência, Rio era tratado de forma mais equilibrada nos jornais lisboetas, na proporção directa do afastamento destes dos lobis portuenses.
Carrilho, por seu lado, nunca percebeu que se quer ter mãos livres para criticar a comunicação social não se pode pretender nuns dias fazer uma campanha eleitoral à americana, com esposa célebre e filho, noutras como Lang modernaço, árbitro do gosto pós-moderno, superior ao vulgo ignaro que vê, mais do que lê, a Caras. Não cola, não colou. A comunicação social tomou-o de ponta nem sempre por boas razões, mas não foi por criticar a comunicação social que Carrilho perdeu (Rio fê-lo e ganhou). Foi porque ninguém sentia a menor vontade de lhe acudir e todos de lhe bater.

COMUNICAÇÃO SOCIAL II

Já escrevi isto a propósito de outras campanhas do passado, porque não é uma pecha recente, mas tem que ser repetido: a comunicação social descreveu esta campanha como um nojo, uma abjecção contínua, uma luta mesquinha e sem grandeza. Se formos a ver, já há muito tempo que descreve assim todas as campanhas eleitorais, sejam elas quais forem. Abriu uma excepção: elogiou Maria José Nogueira Pinto, mas fê-lo de forma utilitária para servir de contraste para atacar Carmona e Carrilho,
Esquece-se de uma coisa básica: que diferença fez em relação a candidatos que se esforçavam para ser diferentes e que, por não serem um “nojo”, não interessavam nem ao menino Jesus? Ignorou-os e ajudou a que eles perdessem. Quantas pessoas, quantos candidatos, em muitos sítios se esforçaram por fazer diferente? Nem um? Duvido, isto não é Sodoma e Gomorra. Quanta gente séria e esforçada foi pura e simplesmente ignorada para se correr atrás do lixo, que tanto critica para, no fundo, o promover às luzes da ribalta. É que, meus caros amigos, a ecologia de visibilidade da campanha, só tem uns mediadores em democracia, os meios de comunicação social. E esses, de há muito, escolhem mostrarem apenas o que vende e o que lhes convém para moralizar os costumes. Como se dizia da Internet: mete-se lixo, sai lixo.
Já é assim há muito tempo, fazem o mal e a caramunha.

(Do Público)

*

Comentando o último artigo de J. Pacheco Pereira no PÚBLICO, sem dúvida que estou de acordo quando à ideia geral de o PSD estar a ter «um registo de oposição bem mais sério e responsável do que alguma vez teve no passado o PS». Simplesmente um apoio ingénuo do PSD na área da educação «sem qualquer ‘mas’» é um «remake» do que conduziu o ensino ao estado desastroso a que chegou, ou seja, ontem como hoje o PSD não conseguiu e não consegue definir uma política autónoma sobre o ensino/educação. Se não existem visões pluralistas para o sector com peso efectivo no espaço público, dando voz a diferentes segmentos de opinião como devem fazer as democracias, é porque os partidos não têm feito por isso. São, nessas matérias, «marias-vão-com-as-outras». Aí o PSD tem graves responsabilidades.

Poderei estar de acordo com algumas medidas do actual governo (pelo menos com regresso às escolas de muitos professores ou com as aulas de substituição), mesmo se feitas na base de um populismo inconsequente. Mas a verdade é que as questões estruturais continuam na mesma: gestão das escolas, indisciplina, número de alunos por turma (continuamos na casa aberrante dos 28), sistema de avaliação (onde se tem de discutir de modo consequente a questão dos exames nacionais em final de ciclo e repensar a escala de avaliação de 1 a 5), questões curriculares (disciplinas como «Área de Projecto», «Formação Cívica» e «Estudo Acompanhado» reproduzem uma perspectiva revolucionária de criar o «homem novo» através de um «novo aluno», precisamente à custa da desvalorização dos saberes científicos e estruturados e atentam contra a própria dignidade exigível a um espaço simbólico como a sala de aula, sendo que elas têm outros efeitos gravemente perniciosos que me dispenso de enumerar e foram introduzidas por visionários sem qualquer debate público minimamente sério) e, é claro, a ideologia chamada «ciências da educação». Esses e outros assuntos deveriam ser tratados em conjunto e as reformas apresentadas como um projecto sólido.

Reformar a conta-gotas e mexer no que é secundário só revela que não se sabe ao certo o que se quer (porque não se conhece o terreno e nisso governantes e sindicalistas são irmãos gémeos) e fazê-lo desse modo leva a que os agentes no terreno não entendam para onde se quer caminhar. Assim, medidas positivas, sendo pontuais, são rapidamente anuladas por tudo o que de negativo anda à sua volta, até pela forma sobranceira com que se tratam os profissionais, mesmo aqueles que, eventualmente, poderiam estar disponíveis para a mudança. Assim o que se consegue é que quem está dentro do sistema e é decisivo para as reformas tende a estar contra e os que apoiam estão fora e só com o tempo entenderão (se é que chegarão a isso) como as resistências silenciosas são, de todas, as mais perniciosas e nefastas. Se partidos como o PSD não acordarem para democratizar as ideologias e políticas de ensino, daqui a uma década provavelmente cá estarei para confirmar que tudo estará quase na mesma, como venho escrevendo desde 1998. Portanto, o Dr. Marques Mendes e o PSD deverão apoiar o que acham que devem apoiar, mas isso é quase nada. Mais importar é explicar as razões dessas tomadas de posição num contexto de um projecto estruturado que tenham para o sector. Aliás, por muita razão que este ou futuros governos tenham no que fazem, vivemos numa democracia que não vive de cheques em branco.

É preciso que os partidos cheguem às eleições com programas estruturados para a educação para, depois, não perderem a legitimidade aquando da sua aplicação. Veja-se a nulidade que eram os programas eleitorais de todos os partidos para a educação. Simplesmente lamentáveis. Irá o PSD repetir isso no final desta legislatura?

(Gabriel Mithá Ribeiro)

*

Essa dicotomia entre comunicação social do Porto (má) e comunicação social de Lisboa (boa) parece no mínimo enviesada. Poderíamos fazer outras dicotomias sobre a comunicação social mais fáceis de compreender: Informada sobre a cidade (Porto) vs desinformada sobre a cidade (Lisboa); "Supportive" da cidade (Porto) vs "Desconfiada" da cidade - para não dizer "opponent" - (Lisboa) ou ainda, porque ninguém deixa de ter os seus interesses: beneficiária dos "lobbies" da cidade (Porto) vs beneficiária dos "lobbies" de fora da cidade (Lisboa) (sejam eles económicos, políticos, futebolísticos ou outros)

- A comunicação social do Porto, tal como eu eleitor, não apoiava Rui Rio porque não via qualquer dinâmica de desenvolvimento e afirmação da cidade e não aceita como é que o Presidente da Câmara do Porto não quer ter um papel (que politicamente não existe) de liderança para além da CMP, tendo uma visão reducionista do seu cargo. Por outro lado, a comunicação de Lisboa apoiava Rui Rio porque via nele um contraponto a alguém que é por eles detestado (Pinto da Costa) e alguém com um perfil não reivindicativo de uma maior distribuição de fundos públicos ou de capital político (tão necessário em casos como a Petrocer, a venda da Portucel à Sonae a construção da OTA, entre outros casos). Tanto uns interesses como outros são legítimos só que uns beneficiam a cidade e os seus cidadãos e outros não.

A vitória de Rui Rio deve-se principalmente ao castigo nacional dado ao PS, à influência da comunicação social de Lisboa ("nacional"), que é incomparavelmente mais forte de que a meia dúzia de jornalistas do Porto, e à incapacidade de, no tempo de duração da campanha, sobressair um candidato alternativo. A vitória, não se deve a qualquer convicção da cidade que Rui Rio é o Presidente que vai ter um papel na melhoria das suas condições de vida (sejam elas económicas, afectivas ou de bem-estar). Aliás, comparando a dimensão da vitória de Rio (presidente re-eleito) com Carmona, fica clara a desconfiança que continua a existir relativamente a Rui Rio

Se fosse o Dr. Rui Rio Presidente da Câmara há 15 anos, não haveria Metro, Serralves, Casa da Música ou Rivoli e não haverá (tal como hoje, diga-se) o dinamismo económico necessário ao desenvolvimento da cidade. Este é o meu grande temor: que a sua vitória não se traduza em nada de positivo para a cidade.

(Hugo Enes)
 


EARLY MORNING BLOGS 623

Sonnet


Moi, je vis la vie à côté,
Pleurant alors que c'est la fête.
Les gens disent : « Comme il est bête ! »
En somme, je suis mal coté.

J'allume du feu dans l'été,
Dans l'usine je suis poète ;
Pour les pitres je fais la quête.
Qu'importe ! J'aime la beauté.

Beauté des pays et des femmes,
Beauté des vers, beauté des flammes,
Beauté du bien, beauté du mal.

J'ai trop étudié les choses ;
Le temps marche d'un pas normal ;
Des roses, des roses, des roses !


(Charles Cros )

*

Bom dia!

13.10.05
 


INTENDÊNCIA

Actualizada a nota LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA 3

Actualizado o EARLY MORNING BLOGS 622 com uma tradução.

Actualizada a nota O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: SOBRE AS NOTAS TRANSMONTANAS - "AÍ AINDA REFUNSFEGAS?!"

Actualizada a nota FÚRIA, FÚRIA ÉPICA.

Actualizada a nota O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: DIOGO VASCONCELOS SOBRE O VOTO ELECTRÓNICO, onde há uma animada discussão sobre o voto electrónico.
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: "IT TAKES TWO TO TANGO"



Grande NASA que sendo séria, está demasiado contente com o que vê, para se tomar a sério! Há um gosto, um entusiasmo, que é contagiante. Veja-se como é sisudo o sítio da European Space Agency (ESA). Depois não se queixem dos americanos.

Ah!, as duas luas do tango são Dione e Rhea, dançando diante de Saturno.

*

NASA public outreach has often been compared favourably to ESA, who project a very staid image.

Unlike NASA, who run space programs, ESA merely provide infrastructure, i.e. the launcher and tracking of the spacecraft. The data belongs to the PIs whose instruments ride in space. The criticism that ESA does poor outreach has been made often, and occasionally is has been proposed to make mandatory a decent outreach program for experimenters, unfortunately it hasn't been implemented

(Thomas)

*

Ao ler as suas palavras sobre o tango da Nasa pensei para comigo, que coincidência, há poucos dias pensei exactamente o mesmo ao ler o último advisor do Centro Nacional de Furacões dos Estados Unidos sobre o "nosso" Vince.

AS THE SHORT HAPPY LIFE OF VINCE IS NOW OVER...THIS WILL BE THE LAST ADVISORY.

(A.Ferreira)

*

Na realidade, o link da ESA equivalente ao que deu da NASA é o seguinte.
Mas creio ser verdade que como em muitas coisas do outro lado do Atlântico, a NASA tem uma postura mais 'comercial' (em parte porque sem apoio, os $$ não vêm) enquanto que a ESA é 'governamental' na postura. O estranho é que no caso dos satélites Galileo se passe o cenário inverso.

(João Ventura)

*

As diferenças entre a forma de funcionamento da NASA e da Agencia Espacial Europeia e da forma come se apresentam aos seus públicos devem ser procuradas muito mais fundo. Na forma como o funcionamento e financiamento de ambas é assegurado. Sendo um verdadeir glutão de dinheiro público, em alguns casos com retorno duvidoso, a NASA tem que "passar" o seu orçamento em Washington a cada ciclo que passa. Ora quem conhece a realidade politica Americana sabe a influência que as comunidades locais têm nesse processo através dos seus representantes em Washington. Fica, portanto explicada a necessidade permanente de uma presença forte e que gera simpatia e aprovação no grande público que a NASA assegura atrvés de um outreach poderosíssimo.

Claro que há também o facto de o sub-consciente americano continuar a soonhar com muitas coisas para além do horizonte e fazer por isso, o que nós não fazemos há 500 anos.

(Arnaldo J Costeira, Houston, Texas)

 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: SOBRE AS NOTAS TRANSMONTANAS - "AÍ AINDA REFUNSFEGAS?!"

Da terra do calipso, soube desta:

Em certo povo de origem judia perto de Argozelo, houvera um crente que fez promessa ao seu Santo.

Passados tempos o Santo não lhe correspondeu ao pedido. O crente, furioso, dirigiu-se à capela por forma a ajustar contas com o dito, pelo que agarrou nele, feito de pau carunchoso, e atirou-o à ribeira praguejando...

Quando nisto o Santo se começa a afundar, borbulhando... Atónito, exclama o homem: "Ai ainda refunsfegas ?!?!?!"...

(Luis Vaz de Carvalho)

*

Correndo o risco de a memória me atraicoar, descontando os óbvios erros gramaticais no Mirandês, e fazendo jûs à tradicão oral do grande Planalto para lá do Sabor, acrescento a informacão seguinte sobre esta história (um livro do Secundário que de repente me vêm á memória diria que esta é uma "estória").

Conto-a como a ouvi, sendo que as distorcões devem ser aceites como parte da riqueza cultural destas terras. Ou melhor, queria apenas acrescentar um dado da história que me contaram:

O homem terá dito (e na minha história, era uma santa, e não um santo), "Ainda refunsfegas, caramonica mil ojos?"

"Caramonica mil ojos", explicava a minha tia, significava "Santa de Pau Carunchoso". E o "refunsfegas" significaria "respirar".

Ya dixe!

(Daniel Filipe Rocha da Cunha Rodrigues)
 


LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA 3



Vendo a Quadratura do Círculo... onde um dos participantes (Pacheco Pereira) afirmou que outro (Jorge Coelho) tinha pedido um "cartão vermelho" para a oposição nas recentes eleições autárquicas, e, tendo este último negado que alguma vez tivesse usado essa linguagem futebolista, uma leitora do Abrupto (Inês Chaves) enviou-me este fragmento da memória colectiva que nos persegue:

"O coordenador autárquico do PS, Jorge Coelho, disse hoje que os portugueses devem "mostrar novo cartão amarelo" ao governo nas eleições autárquicas, cabendo ao PS criar condições para se constituir como alternativa sólida e credível".

Isto foi dito antes das eleições, em Novembro de 2004, e não foi correctamente citado, mas é relevante quando se discute se há (ou deve haver) interpretação nacional dos resultados das autárquicas. Pelo menos no PS entende-se que sim.

*

A propósito da minha crítica ao facto de as estações televisivas não citarem informações (neste caso resultados de sondagens) dos outros canais (a que agora se chama redutoramente " concorrência"), Miguel Torres lembra que "a RTP em determinado momento da noite referiu, e mostrou previsões da TVI relativas a Santarém e Leiria, o que naquele momento serviu para renovar / refrescar o debate."

*

Já várias vezes elogiei a iniciativa do Clube dos Jornalistas na 2: , em que , pela primeira vez, jornalistas discutem o seu trabalho como matéria de debate público. Sei que é difícil e encontra muitas resistências de um grupo profissional que, como todos, vê no escrutínio público uma perda de poder e de autoridade corporativa. Mas ontem, se foi útil saber alguma coisa sobre os critérios editoriais da cobertura das autárquicas, a falta de contraditório prejudicou o programa principalmente na questão do tratamento dado pelas televisões aos casos de Felgueiras e Gondomar.

*

A ler o comentário de Luís Carmelo no Miniscente ao que aqui escrevi sobre a renitência dos jornalistas em aceitar a diversificação das fontes de informação, em particular, usando os blogues quando é nestes que está a informação relevante, como me parecia o caso da oposição interna no CDS. Foi só isto que pretendi dizer e não que os jornalistas se tornassem numa espécie de autores de blogues de outro tipo. No entanto, penso que mais cedo do que tarde, todo o jornalismo, - melhor, todo o debate público, - ganhará novas dimensões de interactividade e de texto-hipertexto, de uso crescente da memória colectiva, da dimensão criativa da escrita, de formas mais dinâmicas de utilização do som, vídeo e texto, e que este processo já em curso, mudará muito a forma da cidadania, que é o que me interessa.

*

A propósito do programa «Clube de Jornalistas» do Canal 2 e da influência das televisões «influenciarem o sentido dos votos», discordo totalmente de Ricardo Costa, pelo menos no que toca a Felgueiras.

As televisões (essencialmente mas não unicamente) influenciaram decisivamente as eleições em Felgueiras. Um único exemplo (há muitos). Na noite do regresso de FF, estava já programado um debate na SIC-Notícias entre os candidatos de Felgueiras. Exactamente na hora do no início do debate, FF dá uma conferência de imprensa, onde «explica» os dezassete pontos do programa eleitoral dela, falando cerca de 15 minutos seguidos sobre a sua candidatura, enquanto os candidatos do PS e PSD aguardavam no estúdio para o qual tinham sido convidados que a senhora decidisse parar. Claro que não tiveram tempo para explicar o seu próprio programa, porque a jornalista «sugou» todos os assuntos com a questão jurídica, que apenas diz respeito a FF, não deixando espaço para os reais problemas desta população.

(Sérgio Martins)
 


COISAS SIMPLES


Berenice Abbott
 


EARLY MORNING BLOGS 622

Hôtels

La chambre est veuve
Chacun pour soi
Présence neuve
On paye au mois

Le patron doute
Payera-t-on
Je tourne en route
Comme un toton

Le bruit des fiacres
Mon voisin laid
Qui fume un âcre
Tabac anglais

Ô La Vallière
Qui boite et rit
De mes prières
Table de nuit

Et tous ensemble
Dans cet hôtel
Savons la langue
Comme à Babel

Fermons nos Portes
À double tour
Chacun apporte
Son seul amour

(Guillaume Apollinaire)

*

Bom dia!


*

Lendo seu 'post' das 9:38 de hoje, ensaiei esta tradução amadora, espécie de sudoku literário, digamos.

(José Manuel)

Hotéis

(Guillaume Apollinaire, 'Alcools')

O quarto enviuva
Solitário de freguês
Presença nova
Paga-se ao mês

O dono duvida
Será que pagarão
Vou à minha vida
Feito um pião

O rodar do fiacre
Meu vizinho maltês
Fumando um acre
Tabaco inglês

Oh a Vallière
Que tropeça faceira
De minhas orações
Mesa de cabeceira

E juntos estamos
Aqui neste hotel
A língua saibamos
Como em Babel

Fechemos nossa porta
À chave com fervor
Cada um aporta
Seu único amor

11.10.05
 


SOBRE NÓS

Nos tempos idos de seiscentos, Tomé Pinheiro da Veiga, entrando em Portugal, escreveu num tom que um visitante que entrasse em certos dias na blogosfera reconheceria:

"Em descobrindo o Portugalete, se nos mostrou com uma cara de vilãozinho, encarquilhada, muito trefo, tudo penedos escabrosos e montes, sem nenhuma lhaneza, muita silveira e a terra partida aos palmos com suas paredinhas, como quem diz: isto é meu, não é teu, não me furtes as minhas uvas."
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
DIOGO VASCONCELOS SOBRE O VOTO ELECTRÓNICO




O Voto Electrónico é hoje uma temática incontornável na maioria das Democracias, enquanto forma de aumentar a participação dos eleitores e tornar mais rápido e eficaz o processo eleitoral. Para além dos benefícios tradicionalmente associados, como a possibilidade de votar em mobilidade a partir de qualquer assembleia de voto , a redução drástica da utilização de recursos naturais como o papel, a maior facilidade, fiabilidade e rapidez do processo de votação, o Voto Electrónico permite ainda a participação plena e autónoma dos cidadãos com necessidades especiais no processo eleitoral.

O Voto Electrónico é, assim, fundamental para combater abstenção e para facilitar a universalidade do voto.

Em 2004 e 2005, foi feito pela UMIC um trabalho sistemático , de desenvolvimento e teste de diferentes soluções de Voto Electrónico, uma das iniciativas enunciadas no Plano de Acção para a Sociedade da Informação. Nas Eleições Europeias de 2004 é introduzido o tema, feita a parceria com o STAPE, e o projecto é apresentado e aprovado pela Comissão Nacional de Eleições e pela Comissão Nacional de Protecção de Dados, as quais acompanharam de perto a sua execução. Envolveram-se ainda as universidades em auditorias de segurança e os presidentes de juntas de freguesia (de meios urbanos e rurais), na formação dos agentes eleitorais.

Nas Eleições Legislativas fomos mais longe, na sequência das recomendações dos auditores: os líderes partidários puderam, eles próprios, testar urnas electrónicas, testou-se pela primeira vez uma solução de identificação central dos eleitores, plataforma fundamental para possibilitar o voto em mobilidade, concebeu-se de início uma plataforma de voto não presencial para os emigrantes, usaram-se, pela primeira vez, urnas com "paper trail" e urnas falantes para deficientes, etc). Em ambos os casos, houve uma preocupação de motivar, sensibilizar e envolver a população, cuja receptividade foi, aliás, extraordinária. Estas experiências foram indispensáveis para introduzir o tema na agenda, gerar conhecimento nas instituições e serviços públicos envolvidos e criar confiança na população - elementos indispensáveis para se passar para a fase vinculativa.

Numa lógica de "accountability", a UMIC lançou em 2004 o portal Voto Electrónico que dá acesso detalhado ao trabalho desenvolvido neste dominio, aos relatorios das auditorias de segurança feitas pelas universidades (as quais foram tidas em conta para a experiência das últimas eleições legislativas) , aos estudos de opinião sobre as experiências-piloto nas Europeias 2004 e nas Legislativas 2005, bem como a descrição exaustiva das experiências internacionais. Contém ainda um repositório de estudos e documentos de referência sobre o tema.

*

A implementação de sistemas de voto electronico como se vai vendo, não passa de uma forma de deslumbramento,e de criação de unidades de estudo sem grande eficácia.Pretende-se o que ? Levar as pessoas a votar em casa ? Colocar umas urnas electrônicas nas secções de voto ?.O exercicio de votar é um direito de cidadania, não é pedir pizzas por e-mail.A relativização da vida em sociedade, enclausuradas que vão estando as pessoas com web, e-mail,chat`s é manifestamente incivilizicional.E isto não é ludismo.Continuamos a ver o exercicio do voto ... em todo o lado...como um acto da democracia e do espaço publico, e não uma maçada a que há que dar toda as oportunidades para tornar corriqueira e trivial.

(Antonio Carrilho)

*

O voto electrónico é só o mais aldrabável dos votos. Não há sistema de segurança que lhe valha, muito menos em termos de grandes números. Só num futuro relativamente bem distante me parece que possa ser minimamente seguro.

(Nuno Magalhães)

*

O meu amigo Diogo Vasconcelos tem defendido a adopção de soluções de voto electrónico. Compreendendo embora as boas razões que o movem, entendo que é um projecto que merece a mais viva oposição. Três razões:

- No actual sistema de voto presencial em papel, qualquer cidadão com habilitações básicas é capaz de comprovar a integridade dos procedimentos utilizados; embora trabalhosos, todos os procedimentos envolvidos no processo eleitoral actual são simples e de fácil verificação; num sistema de voto electrónico, só um grupo muito reduzido de especialistas com acesso a meios sofisticados podem comprovar essa integridade; para mim, esta é razão suficiente para rejeitar a mudança;

- Por mais auditorias de especialistas à segurança do sistema que se façam, num sistema de voto electrónico não há qualquer forma de o votante comum ter a certeza que o que “entra na urna” electrónica corresponde aquilo em que desejou votar; pelo contrário, no sistema actual, desde que o presidente da mesa não seja o Luís de Matos, eu sei que o boletim que preenchi é o que entra na urna e os observadores do processo eleitoral, mesmo que semi-analfabetos, podem verificar que o que de lá sai é o que lá estava dentro;

- Todos os sistemas falham: o space shuttle explode, os computadores da Microsoft são atacados e, pois, os computadores do STAPE cansam-se; Um sistema de voto em papel, como o actual, não é invulnerável a falhas, bem pelo contrário; mas, sendo um sistema descentralizado, um problema local dificilmente tem consequências globais significativas; uma fraude numa mesa de voto em particular (ou em dez ou em 20) dificilmente tem um impacto relevante nos resultados globais da eleição (uma vez que em Portugal a regra não é winner-takes-all, o hipotético exemplo em contrário da Florida não é relevante); pelo contrário, num sistema centralizado, como tenderia a ser um sistema de voto electrónico, qualquer pequeno bug, acidental ou deliberado, no software que controla o processo pode desvirtuar o resultado da eleição.

Mesmo que estas não fossem razões suficientes, resta-me uma última, talvez mais importante: para a maioria dos portugueses, a deslocação à mesa de voto é provavelmente a única experiência relevante de participação cívica que lhes resta; é verdade que dá trabalho e que isso aumenta a abstenção; mas não tenho a certeza que substituí-la por um acesso ao computador no intervalo da telenovela seja prestar grande serviço ao país.

(Vasco Rodrigues)

*

Note-se que a versão portuguesa do v.e. (entretanto deixada cair pelos nossos sábios) não ia tão longe: o voto era electrónico, sim, mas numa Assembleia de Voto "normal". A Estónia vai fazê-lo pela Internet:

l'Estonie est le premier pays à pratiquer le vote électronique par Internet à une échelle nationale", affirme Ivar Tallo, chef de l'académie du e-gouvernement, un groupe de recherche estonien sur l'administration électronique.

En effet, l'Estonie, souvent à la pointe en Europe en matière des technologies de l'information, a innové cette semaine en lançant le vote par Internet pour tous, à l'occasion des élections municipales. De lundi à mercredi, les électeurs ont la possibilité de voter dans tout le pays avec leur ordinateur, de chez eux ou bien de leur bureau. Ceux qui préfèrent déposer un bulletin papier dans l'urne se déplaceront dimanche 16 octobre. (...)

(C. Medina Ribeiro)

*

Quero esclarecer que sou "informático" de formação, antes de tecer os seguintes comentários.

O voto electrónico em local específico (onde seja obrigatório os eleitores deslocarem-se) é de louvar. Mas o voto electrónico não-presencial (voto pela Internet, por exemplo) é perigosíssimo, absolutamente de evitar.

Quanto ao primeiro, atente-se no exemplo brasileiro, onde a urna electrónica produz um documento em papel, que é conferido pelo votante e, após confirmação do votante, é então depositado em urna. Além de haver um resultado electrónico imediato, pode-se sempre recorrer aos boletins em papel para conferir a validade de um resultado. Ou, para garantir que mesmo o cidadão mais simples possa confiar no sistema, basta que o resultado OFICIAL seja o da contagem dos votos em papel, servido o apuramento electrónico apenas para produzir um resultado OFICIOSO, imediato.

Quanto ao voto não presencial, electrónico ou não, é facilmente aldrabável. Hoje em dia, dadas as restrições que existem a respeito dele, a aldrabice compensa pouco, porque demora muito tempo e grandes meios logísticos (além de chamar atenção e causar suspeição, para ser feita em grande número).

Mas imagine-se um bairro dominado por uma associação criminosa: facilmente esta poderia impor aos residentes a obrigação do voto "secreto" à distância, de preferência na presença de um membro da quadrilha ou, para simplificar a logística, na sede da mesma quadrilha... Ai de quem ousasse ir votar a outro local ou realmente em privado. Se isto é difícil de conceber ao nível do estado, é muito mais simples de imaginar - e de impor - a nível local. Basta ver como em tantos concelhos e freguesias do país as eleições de decidem por punhados de votos para constatar como este perigo seria verdadeiramente real. Nem era preciso estar-se a lidar com criminosos: basta recordar que nos pequenos concelhos as câmaras municais são os principais empregadores, e quando não são basta juntar mais duas, três empresas ou associações misericordiosas para reunir mais de metade dos empregos disponíveis... Se o "voto à distância" for feito na presença de quem nos emprega, ou aos nossos filhos, sobrinhos, netos... É fácil imaginar o ambiente de falta de isenção que se pode gerar: imagine-se, por exemplo, que o dirigente de uma "Santa Casa da Misericórdia de X", instala um computador em todos os lares de 3ª idade do concelhos, por ele administrados, para que os idosos, "coitadinhos", não tenham de se dirigir às assembleias de voto...

(Leonel Morgado)

*

Em resposta à minha afirmação «Note-se que a versão portuguesa do v.e. (...) não ia tão longe: o voto era electrónico, sim, mas numa Assembleia de Voto "normal"», que o ABRUPTO transcreveu, Diogo Vasconcelos escreveu-me a esclarecer que a UMIC também estudou e propôs o chamado «Voto não presencial», pela Internet.

Enquanto os paladinos do Choque-Tecnológico não falam de um nem do outro, o meu filho lá fez 2 vezes 320 km para votar...

(C. Medina Ribeiro)

*

1 - O voto electrónico pode fazer sentido, mas desde que deixe um "rasto" em papel que possa ser usado para conferencia: i.e., o sistema em que o eleitor clica no botão do partido A, o computador imprime um boletim com o voto no partido A, e o eleitor põe esse voto na urna (que fica guardada e só se abre se alguém duvidar dos resultados do voto electrónico). Claro que isso anula a tal poupança em papel...

2 - Quanto ao voto em casa é perigosissímo, já que abre caminho ao fim do voto secreto. Para nós pode parecer que estou a levantar fantasmas, mas lembremo-nos dos imigrantes de países muçulmanos (poucos em Portugal, é certo), em que muitos pais/maridos poderiam querer votar pelas filhas/mulheres. Ou da Sicilia, aonde há uns anos foi necessário mudar a lei eleitoral para a Mafia não controlar os votos.

(Miguel Madeira)

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Quanto ao debate sobre o voto electrónico posiciono-me no “não tanto ao mar nem tanto é terra”. Genericamente votar é simples e nem demora muito tempo.
Concordo que em tal acto de cidadania não são os minutos gastos na deslocação à mesa de voto real que fazem aumentar a abstenção. E concordo com todos os riscos apontados por diversas pessoas no Abrupto. No entanto defendo a sua aplicação limitada a situações especiais, como será o caso das pessoas que por motivos de saúde não podem de todo deslocar-se a uma mesa de voto real ou essa deslocação seja demasiado penosa ou custosa (necessidade de viatura especial, risco para saúde por sair de ambiente protegido, etc.).
Penso que uma aplicação real do voto virtual a estes casos seria um bom teste ao sistema e promoveria a redução da abstenção daqueles que querem mesmo votar, mas a sua situação física limita o exercício desse direito. Além disso os impactos dos eventuais erros ou fraudes do voto virtual seriam limitados, dado que o peso de tal população no resultado da maioria das eleições seria reduzido, o que em nada reduz ou limita que façamos tudo para proporcionar a essa população a possibilidade de exercer esse direito cívico.

(Miguel Sebastião)

*

Sou um adepto quase incondicional das novas tecnologias e da sua aplicação nos mais variados campos. Contudo sou contra o voto electrónico pela seguinte razão: a desmaterialização do voto facilita obviamente a possibilidade de fraude em larga escala. Eu sei que cada vez mais se caminha para a desmaterialização de muitos elementos importantes do nosso quotidiano mas normalmente diferem do voto numa questão essencial: apesar de desmaterializados, existe sempre alguém, normalmente com interesse directo na questão, que tem a possibilidade de detectar a existência de um erro ou fraude. Por exemplo, o registo dos bens, nomeadamente financeiros (conta bancária, acções, etc.), pode estar desmaterializado mas, se alguém os alterar indevidamente, o lesado tem a possibilidade de detectar essa alteração. No caso do voto não existe qualquer possibilidade de verificar à posteriori se ele está devidamente registado dado o carácter secreto do mesmo. E, assim sendo, não existe forma de o controlar, razão pela qual considero que o método de recolha deve manter-se o mais artesanal possível.

(Alexandre Feio)

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No voto electrónico, por se tratar de informática, e de seres humanos a conceber tal sistema, nem tudo são virtudes conforme faz parecer o texto, de Diogo Vasconcelos, que hoje publica no seu blogue. A este propósito, leia-se o que diz um dos mais reputados especialistas em segurança informática da actualidade, Bruce Schneier (www.schneier.com), no artigo: "The Problem with Electronic Voting Machines" (November 10, 2004)

"In the aftermath of the U.S.’s 2004 election, electronic voting machines are again in the news. Computerized machines lost votes, subtracted votes instead of adding them, and doubled votes. Because many of these machines have no paper audit trails, a large number of votes will never be counted."

A começar por algum lado, talvez fosse mais interessante começar por alterar o sistema eleitoral, de Plural para algo matematicamente mais verossímil, como, por exemplo, o sistema Por Aprovação ou, porque não, uma Contagem de Borda. A respeito dos sistemas eleitorais, veja-se o seguinte artigo de introdução ao assunto do Prof. Jorge Buesscu: "Viva o Festival da Canção", de Jorge Buescu (Revista Ingenium, Outubro/1999)

(e ainda aqui.)

(Ricardo Carvalho)

*

Creio que o problema que Ricardo Carvalho aponta para o "voto plural" só é seriamente relevante para eleiçoes maioritárias a 1 volta. Para eleições proporcionais (ou mesmo maioritárias a 2 voltas) tais casos serão mais curiosidades matemáticas do que outra coisa.

Se pegarmos no exemplo de Jorge Buescu, com um sistema a 2 voltas, não há paradoxo nenhum - com os 3 candidatos, B ganha por 58% na segunda volta. Se B não se candidata, ganha C (logo à primeira).

[Isto já é um bocado marginal ao tema da discussão, mas enfim...]

(Miguel Madeira)

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Em relação ao voto presencial/não presencial seja ele electrónico ou não, a maioria das posições que aqui leio e ouço no dia-a-dia são por demais demonstrativas do nosso atraso enquanto povo. Vejamos alguns exemplos:
- Alemanha: voto por correio para cidadãos residentes no País ou estrageiro (não consta que haja fraudes)
- Banca electrónica
- Portugal: entrega de IRS por via electrónica (alguém se queixa de erros??)
E poderia citar muitos outros!!! Do ponto de vista tecnológico, se bem que haja necessidade de algumas melhorias e verificações de segurança, não haverá grandes inconvenientes. Do ponto de vista de mentalidades é que a coisa é mais difícil... cada português aprende(u) a ver os outros como aldrabões da pior espécie e que apenas vivem com o intuito de nos aldrabar. Não há País que resista a este tipo de "cidadania"!!!

A introdução do voto electrónico e não presencial, de forma progressiva, só traria benefícios - quem preferisse votar em papel poderia fazê-lo...

Para quê um cartão de eleitor??? Nunca percebi que um sistema como o do nosso Bilhete de Identidade não sirva para nada!!! É com base na informação que nele consta que o Cartão de Eleitor é emitido... nada é confirmado. O MJustiça e MAI não têm os ficheiros organizados por Freguesias de residência??? Então por que não utilizar o BI como documento único?? Não é preciso reinventar a roda (por exemplo: o número de Segurança Social e de Contribuinte poderia ser o número do Bilhete de Identidade que seria o mesmo da Cédula pessoal... não é invenção nem ficção científica, para tal veja-se o que sucede no UK e na Noruega...)

O Nosso atraso mede-se por este dificultar de mudança e reinvenção da roda...

(Pedro V Baptista)
 


LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA 2


Estas dificuldades em actuarem em rede e interactivamente dos media clássicos, são muito visíveis, por exemplo, na noite eleitoral quando uma estação televisiva não cita as sondagens realizadas pelas outras estações como notícias que são e devem ser dadas e permanece presa no “seu” produto. Há que perceber que cada sondagem se esgota no momento em que é dada, e só tornaria a ser notícia por más razões, se falhasse. Esta "prisão" no "seu" produto, explica-se pela competição pelas audiências, mas acaba por ser contraproducente para essas mesmas audiências. Numa noite que vive do contínuo da informação, a riqueza plural dessa informação é o grande elemento de escolha de quem acompanha a emissão. Tive essa percepção na SIC e já não é de agora, e penso que isso prejudica a cobertura da estação, que perde flexibilidade e interesse, nem dando as informações que deve, nem permitindo uma discussão menos previsível.

As opções pelos locais onde foram feitas sondagens, onde há correspondentes da estação preparados para entrar no ar, são opções editoriais, mas não podem fixar rigidamente um canal televisivo numa realidade noticiosa que muda rapidamente no seu interesse durante a noite. As opções editoriais foram feitas antes, a realidade do que acontece é de agora e não de antes. O que estava a acontecer em Santarém, Faro, Aveiro, Barreiro, ou o que esteve para acontecer em Braga, Leiria, Guarda, devia ter tido um acompanhamento mais dinâmico. Declarações politicamente significativas de actores menores da noite eleitoral, como Menezes, que tinha ambições de se recolocar nessa noite na competição pela liderança do PSD, foram ignoradas. Que eu saiba ninguém procurou falar com Santana Lopes, Pinto da Costa, o candidato ganhador do PS em Amarante, Mário Soares, Alegre, o candidato perdedor do PS em Felgueiras, etc., etc, numa panóplia mais larga da informação eleitoral. O CDS foi ignorado, o PCP quase. O BE benignamente esquecido.

As rádios mostraram-se muito mais flexíveis, com os seus meios simples e económicos, do que as televisões, dando informações muito mais cedo e incorporando-as na discussão. O encravamento do STAPE foi um factor, mas bastava telefonar para os amigos residentes nos locais, para saber com segurança o que estava a acontecer em muitas capitais de distrito e sair do domínio claustrofóbico da sondagem. Não há imagens? É verdade, mas nem sempre a informação precisa de imagens, pode usar grafismos, sobrepor a voz dos telefonemas, correr tão rápido como as notícias.

*
Não gostei das televisões na noite das eleições, para além de que nós, espectadores, vivemos em esquizofrenia em que deixamos uma frase de alguém a meio para ir para uma sede, ou um discurso a meio para ir para declarações, e em que mudamos de um canal para o outro cada vez que dá algo “chato”. Este formato, para mim, está esgotado. Muita histeria e pouco sumo. Acho que as televisões deveriam pensar noutro formato mais tranquilo de ver resultados e ouvir comentários sem tanto stress. A SIC, e a RTP com os seus canais de notícias poderiam fazer uma alternativa tranquila em que a informação fosse coada antes de nos ser dada “em bruto”. Eu não estou propriamente interessada em ver o Carmona aos beijos e abraços (5 segundos bastam) e em seguir os passos de Teixeira Lopes para fazer declarações (30 segundos das suas declarações bastam).

(J.)
 


LENDO / VENDO BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÃO E OUTROS MEDIA


Nas INDÚSTRIAS CULTURAIS uma análise das primeiras páginas dos jornais pós-autárquicas: AS CAPAS DE JORNAIS DE HOJE. Também me pareceu bizarra, para não dizer outra coisa, a capa do Público, do "Rosa Choque".

Os blogues, fonte de notícias. É pelos blogues (no Acidental, por exemplo) que se segue melhor a oposição do sector "portista" à liderança do CDS e à candidatura de Cavaco Silva. Já não é de agora, é praticamente desde o dia em que Ribeiro e Castro ganhou no Congresso. Este é um caso em que , por não querer citar blogues, a comunicação social tradicional não dá a informação que deve e é relevante. Certos sectores políticos ou por marginalidade, ou porque os seus activistas privilegiam uma outra ecologia comunicacional, como os blogues ou a rede, são aí mais interessantes do que fora, no mundo dos átomos. Não percebo por que razão os media tradicionais não usam essas fontes sem preconceitos, tanto mais que estão assinadas e identificadas.

Um exemplo disso é a notícia do Público de hoje intitulada "Críticos de Ribeiro e Castro no CDS-PP defendem apoio a Cavaco Silva sob condições" que usa só contactos do próprio jornal e não enquadra a informação obtida com posições muito mais explícitas e compreensivas disponíveis na rede e que , neste caso, ainda não passaram para os media clássicos.

*

Vale a pena toda a excelente discussão das sondagens no Margens de Erro.
 


AR PURO

Arkhip Kuinji, Depois da Chuva
 


EARLY MORNING BLOGS 621

King and no King



„Would it were anything but merely voice!“
The No King cried who after that was King,
Because he had not heard of anything
That balanced with a word is more than noise;
Yet Old Romance being kind, let him prevail
Somewhere or somehow that I have forgot,
Though he'd but cannon - Whereas we that had thought
To have lit upon as clean and sweet a tale
Have been defeated by that pledge you gave
In momentary anger long ago;
And I that have not your faith, how shall I know
That in the blinding light beyond the grave
We'll find so good a thing as that we have lost?
The hourly kindness, the day's common speech,
The habitual content of each with each
When neither soul nor body has been crossed.


(Yeats)

*

Bom dia!

10.10.05
 


INTENDÊNCIA

Actualizada a nota BIBLIOFILIA: ANTIPASTI.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
RESTOS DA NOITE DAS AUTÁRQUICAS




Estranho não ver ninguém comentar o uso da Câmara Municipal de Felgueiras para os festejos da candidata fujona. Parece-me ser uma estreia absoluta neste país.

(Nuno Salgado)

*

Está bem, as coisas correram mal ontem... Estando em Bruxelas, não conheço exactamente as causas do problema e é evidente que elas devem ser investigadas. Mas parece-me exagero fazer do STAPE o bode expiatório de todos os males nacionais quando a verdade é que, em todos os anteriores actos eleitorais, pelo menos aqueles de que me lembro, as coisas correram, pelo contrário, bastante bem. Dizer que erraram e saber porquê- muito bem! Mas não é necessário crucificá-los. E incomoda-me ouvir tanta gente a dizer, encolhendo os ombros «Mas este é o país que temos!» Não é; ou se é, não é por estas razões mas, tantas vezes, pelos comentários politicamente correctos e fastidiosamente previsíveis dos que criticam situações excepcionais e se esquecem de criticar outras em que a incompetência é, não a excepção, mas a regra geral quotidianamente aplicada!

(José Pedro Pessoa e Costa)

*

Pergunta-me o meu filho, na sua ingenuidade tecnológica, porque em Portugal não se vota electronicamente? Depois do que se passou hoje, não sei se lhe envio este e-mail, ou se lhe envio uma carta.

(AM)

*

(...) gostaria de ver discutido o critério que permitiu que na hierarquia dos temas a tratar durante a emissão de cobertura das eleições autárquicas todos os energúmenos, mesmo os concorrentes a câmaras com número de eleitores despiciendo, tenham surgido como “cabeças de cartaz”, o que levou, por exemplo, a que tenhamos tido notícias de Felgueiras antes das de Coimbra, Braga e muitas outras, quase todas !, capitais de distrito.

(Lúcia Maria)

*

Estão todos os jornalistas a perguntar o porquê dos “IND” obterem os resultados vitoriosos na noite de eleições.

É simples a resposta.. Só eles sabem a cobertura que lhes deram, o protagonismo, o tempo de antena, etc.., e não é de estranhar que dos quatro, apenas Ferreira Torres tenha perdido. Se tivessemos um contador para somar o tempo em que apareceram nos noticiários os quatro candidatos “IND” na campanha eleitoral, viamos que foi Ferreira Torres que teve menos tempo com câmaras apontadas.

Também é fácil perceber que os candidatos “IND” ganharam notoriedade ao longo dos anos através dos respectivos partidos. E em eleições autárquicas, é bom dizer que na verdade olhamos mais para o trabalho do Presidente(caso já lá esteja há algum tempo), do que para o partido que representa.

Mas aqui o caso era simples. Esses “IND” são arguidos em processos e a RTP, pelo menos essa, devia ter dado menos atenção a eles.

Pires de Lima há pouco na RTP teve muito bem ao dizer que Cascais não teve cobertura nenhuma, caso estranho visto ser o sexto Concelho do país. Ganhou o sensacionalismo contra o respeito pela informação aos eleitores.

(Bruno Marques Teixeira)

*

O país que se vê

Há semanas atrás, durante a época de incêndios que devastaram grande parte da flora e fauna nacional, foi detida pela polícia uma senhora dos seus setenta e tal anos entre uma das dezenas de pessoas acusadas de incendiárias. Sob a pergunta feita pelos jornalistas sobre o porquê de tal acção, a resposta foi tão simples como inesperada: “A minha aldeia nunca saiu na televisão e gostava de a ver”.

Dado o interesse dos meios de comunicação social no drama dos fogos e a forma dramática muitas vezes quase teatrais que os seus mediadores infundiam à frente das câmaras, o incessante percorrer terras e aldeias na procura de fogos que satisfizesse a morbilidade doentia dos telespectadores, foi o detonante de um novo drama com a única finalidade de “aparecer” na televisão.

Assim foi cumprido um objectivo. Queimo e apareço. Apareço eu e os meus vizinhos. Um vizinho forçando a cabeça atrás do locutor que relata a tragédia, com um telemóvel no ouvido e ligado a um familiar ou amigo que lhe diz que o vê perfeitamente ou que se chegue mais para o lado.

Este episódio passou-me como um déjà-vu nas últimas eleições autárquicas com alguns dos candidatos elegidos pelo povo e rejeitados pelos seus próprios partidos. Falo, sobre tudo, de Felgueiras. O tratamento dado pelos media a Felgueiras ultrapassa Concelhos e até Distritos com uma importância populacional muitíssimo maior. Posso dar como exemplo Braga ou Viana do Castelo por me serem mais próximos e sobre os quais quase nada ouvi, mas poderia falar de Coimbra, Faro ou todos os Distritos ou Concelhos do interior deste país.

E os votantes felgueirenses agradecem a visibilidade e agradecem, sobretudo, à sua responsável, o seu incêndio particular que movimenta as estações de rádio e televisão na sua vila, na sua aldeia. E ela aparece. Talvez se consiga vislumbrar a janela, a varanda, “meu Deus! até a porta lá de casa!”.

O propósito está conseguido. Todo o país conhece Felgueiras, Oeiras, Amarante e Gondomar. E o povo, o seu povo agradece a publicidade. Boa ou má, não interessa. Outros deram visibilidade à sua terra de uma forma ou outra (Campelo em Ponte de Lima por exemplo) e os seus eleitores agradeceram. E continuarão a agradecer. E os meios de comunicação continuarão a acompanhar os acontecimentos que talvez provoquem outros ou novos incêndios

(Fernando Igreja)

*

Hoje, enquanto esperava para votar em Rio Tinto, Gondomar, obvervei uma situação bizarra: o candidato Valentim Loureiro passeava-se olimpicamente pelas assembleias de voto inquirindo como estava a decorrer o acto eleitoral, a conversar com as meninas das sondagens da RTP, cumprimentando as velhinas que faziam fila, etc. Informei-me e, de facto, é legal alguém que seja reconhecido como lider partidário ou candidato visitar as assembleias de voto, mas eu pergunto: é legítimo? Não deveriam estas situações estarem acauteladas?

(Nuno)

*

Perplexidade.

Não compreendo a razão pela qual tenho de entregar o meu boletim de voto ao presidente da mesa não podendo eu introduzi-lo na urna. Será que só sou considerada

Para votar? Será que o presidente da mesa é considerado uma pessoa íntegra e eu não? Então para que querem o meu voto?

(Irene Correia)
 


BIBLIOFILIA: ANTIPASTI (3ª série)


Já conhecia quase todos os textos do livro do Vasco Graça Moura, Lusitana Praia. Ensaios e Anotações, mas prendi-me em dois, que nunca lera, sobre Aquilino Ribeiro. Li-os e a seguir uma série de artigos de jornal de José Cardoso Pires, também sobre Aquilino, coligidos em Dispersos 1. Literatura da Dom Quixote. Um efeito de Aquilino é visível nos dois autores: os seus textos, mesmo ensaísticos, assumem um registo vocabular … aquiliniano, como se fosse impossível escrever sobre o Mestre (*) sem ficar impregnado pela sua escrita.

Os dois textos do Vasco são mais interessantes do que os de Cardoso Pires, que se repete no efémero dos artigos de jornal, embora algumas observações autobiográficas de Pires retratem muito bem o "tempo" da sua leitura de Aquilino. Ambos se perguntam sobre o dilema de uma obra reconhecida por todos, mas pouco estudada e aparentemente só comunicando com literatura regionalista menor. Vasco analisa bem o “mundo” social que Aquilino conhecia, onde se movia como ninguém e como é cada vez menos legível nos nossos dias o “festival da língua portuguesa” que é A Casa Grande de Romarigães.

Eu, que sou amador de citações, registo uma de Aquilino, apropriada para os tempos de hoje, onde, em vez de Minho, se pode colocar o nome da Divisão Maior onde vivemos:

"A gente desta Casa, até a altura em que chegaram os do meu sangue, tem as virtudes e os defeitos em inho, honradinho, bonzinho, marotinho, ladrãozinho. É um côvado especial para esta província, cujo nome precisamente parece mesmo o eco de tais dimensões."


* Cardoso Pires explica porque razão nunca usava este título quando se dirigia a Aquilino:

"Por pudor, nunca a tratei em vida por Mestre. Era um lugar-comum dos cavalheiros das letras cumprimentarem-no dessa maneira e eu não queria, nem quero, misturar-me com esses perus. Ele, que tinha sete sentidos e mais um, também não alinhava no mote e lá tinha as suas razões.

Mestre. Poucos, raríssimos escritores foram tão enaltecidos como Aquilino pelo lado fácil da leitura ou pelo oportunismo insidioso. Salazar, que era de letras canónicas e carnívoras, louvou-o (não sei se se lembram) pelas seduções clássicas e rurais e passou palavra a alguns ministros que logo disseram que sim: no fundo, tratava-se dum republicano beirão e de boa sintaxe, julgavam eles, nada a temer: imprimatur e siga a barco. Quanta a velhada conservadora, Aquilino era o Arcanjo Negro que traçava a pena de ouro o Portugal desmantelado pela miséria dos talassas e pelas oratórias parlamentares: tratava-o como um São Malhadinhas de pôr na estante ao lado do seu Anatole e lia-o em caricatura de caçador da Serra da Nave, arma à bandoleira e lábia grosso, sá instinto. Da malta nova nem vale a pena falar, pegava-lhe, se lhe pegava, a correr e com preconceito: Aquilino era prosa telúrica e serrana. Um matagal."

(Apoiando a tese do Vasco, sobre a nossa rápida diminuição do património das palavras, o corrector ortográfico fica mais que perplexo com o vocabulário dos três: Aquilino, Cardoso Pires e Vasco Graça Moura.)
 


BIBLIOFILIA: ANTIPASTI (2ª série)

António Ferro, autor de blogues.

Em 1921, fazia um excelente blogue erótico-umbiguista chamado Leviana. Aqui vão (não tem ligação) algumas notas, a que se chamam posts.


Que te importa que eu olhe para eles com os olhos, se eu olho para ti com a boca?..

*

Porque me decoto assim? Para te poupar trabalho...

*

Sabes? Quando descalço as meias, parece-me que dispo a pele, que fico em carne viva...

*

Não gosto que me beijes tanto. Fico toda picada...

*

Quando me visto para sair tenho a impressão de que me dispo para me meter na cama...

*

Os sinais do meu corpo são como os sinais dos livros: servem para marcar a leitura.

*

Tenho a cabeça leve? Porque a seguras nesse caso, com as duas mãos?

*

Se os teus dedos fossem lápis, tinha o peito, a estas horas, garatujado de obscenidades - como uma parede de rua suja...


*

Gosto de olhar para todos, e que todos me vejam... Os meus sorrisos são prospectos que distribuo...


*

Estás então desejoso de dar o laço? Olha... Ata-me aí a fita do sapato...
 


FÚRIA, FÚRIA ÉPICA



Já não pode ser como as de Aquiles, mas é o que apetecia. Fúria é o sentimento que tenho com a EDP que, às primeiras chuvas, à primeira trovoada, me deu cabo a mim e a muita gente de um dia útil de trabalho, demorando seis horas e meia a corrigir uma avaria da electricidade, tão evidente, tão previsível, - "lá vai faltar a luz outra vez", dito e feito -, tão evitável... Num mundo ideal eu chegaria a um contador e carregaria num botão desligando a inútil EDP e ligando à útil ZDP, ou XDP, ou GDP, ou fosse lá o que fosse, se não houvesse este triste monopólio de mau serviço. Tivessem eles que pagar indemnizações, ou descontar na assinatura e já não demoravam seis horas e meia. E se virem o Abrupto calar-se outra vez, não é fúria, é falta de luz.

*
Sugiro-lhe que aplaque os seus sentimentos porque:

1 - Qualquer que seja o comercializador que escolher ZDP, ou XDP, ou GDP, os fios serão sempre os da EDP Distribuição e esta é obrigada a tratar todos os clientes por igual. Por isso, quando houver interrupções de serviço, o grau de prejuízo incorrido é independente do comercializador.

2 - A EDP ainda não paga multas pela energia não fornecida mas já paga indemnizações pelos prejuízos causados: equipamento danificado, stocks perdidos, etc.. Se for esse o caso, contacte o balcão EDP da sua área. Se a responsabilidade for da REN - duvido que assim seja, dada a extensão da interrupção -, esta já paga multas pela energia não fornecida (e a EDP deverá passar a pagar nos próximos anos).

3 - Se quiser que haja outras empresas a estender fios, não encontrará muitos interessados. Fora dos grandes aglomerados populacionais, não há grande interesse económico em estender rede - pelo menos com a electricidade a estes preços.

4 - Se quiser ser verdadeiramente autónomo pode recorrer à produção descentralizada, em complemento ou em substituição dos fios. Sai-lhe mais caro, e também não é 100% garantido, mas se a usar em complemento com a rede, já tem boas garantias de qualidade de serviço. Claro que lhe pode acontecer ter energia em casa, e não a ter no concentrador da rede telefónica ou de cabo ou de telemóvel que é o seu cordão umbilical com o mundo :-)

5 - A maioria dos consumos já está liberalizada e não ouvimos esses clientes falar da melhoria da qualidade de serviço. Se se alegram é com alguma redução dos custos...

Por isso, a decisão economicamente eficiente é viver nas grandes cidades onde a densidade de consumos justifica maiores investimentos na rede. É o que fizeram a maior parte dos cidadãos. De passagem, desertificou-se o interior, mas a paisagem humana que observa e lamenta é o resultado agregado das inúmeras decisões racionais dos cidadãos individuais :-(

Para mais informações sobre a qualidade de serviço eléctrica, sugiro-lhe o texto do regulador, que talvez não conheça.

(João Gomes Mota)

*

Respire fundo...

Nao se enfureça que isso faz-lhe mal, a paciencia e' uma virtude a cultivar. Para tal porque nao ler:

Slow Movement

Slow food

E quando faltar a luz pode sempre ficar-se pelo fiel papel:

In Praise of Slowness : How A Worldwide Movement Is Challenging the Cult of Speed

E sobretudo nao se esqueca... if it is not a brain surgery it is not an emergency.

(ver)
*

Obrigado Verónica, muito devagar...
 


COISAS COMPLICADAS

William Eggleston, Puzzle on Folding Table
 


EARLY MORNING BLOGS 620

Se perguntarem: das artes do mundo?


Se perguntarem: das artes do mundo?
Das artes do mundo escolho a de ver cometas
despenharem-se
nas grandes massas de água: depois, as brasas pelos recantos,
charcos entre elas.
Quero na escuridão revolvida pelas luzes
ganhar baptismo, ofício.
Queimado nas orlas de fogo das poças.
O meu nome é esse.
E os dias atravessam as noites até aos outros dias, as noites
caem dentro dos dias - e eu estudo
astros desmoronados, mananciais, o segredo.


(Herberto Helder)

*

Bom dia!
 


E O COMPUTADOR DA SIC

a seguir foi abaixo. As minhas desculpas a quem escreveu para o Abrupto e quem esperou em vão. E foram muitos.

9.10.05
 


O MENINO DA BOLHA

é como eu me sinto nestes momentos. Estou aqui numa bolha, a ver o mundo passar.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: CONTRA QUASE TUDO

Quanto à vitória de Rui Rio, é preciso também levar em conta que ele teve sempre contra si os comentadores do Jornal de Notícias e do Público. Por outro lado, teve um adversário de grande valor, que só cometeu o erro (grave, do meu ponto de vista) de ir pedinchar o apoio de Pinto da Costa. Como portuense, fico muito satisfeito quer em ter Rui Rio como presidente da câmara quer em ter Francisco Assis como vereador.

(José Carlos Santos)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: CHOQUE TECNOLÓGICO

É espantoso como os departamentos de informática do STAPE não acautelam o previsível acréscimo de acessos aos servidores numa noite destas. A somar a outras vergonhas, a digitalização do país é a grande derrotada desta noite. O resto era mais ou menos de prever, à excepção da luz mágica do progresso que chegou finalmente, e de uma só vez, a Amarante e a Marco de Canavezes.

(Vasco G.)
 


O DISCURSO DE FÁTIMA FELGUEIRAS

é pura e simplesmente insuportável. Esta mulher fará todo o mal que puder aos felgueirenses, com a colaboração deles. Vai-se ver.
 


COMO CACIQUE ELEITORAL

Pinto da Costa falhou. No balanço do populismo em Lisboa e no Porto, houve derrotas significativas.
 


É BOM

para Rio ter Assis como primeiro vereador do PS no Porto. Para quem conheça quem lá estava é uma diferença abissal.
 


SERÁ BOM

que se registem algumas diferenças: o PSD não fez o mesmo que o PS fez quando das eleições europeias, sobre o significado em termos nacionais dos resultados.
Isso não quer dizer que não haja esse significado...
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: SABEDORIAS

Dizer que estes resultados eleitorais são uma manifestação da sabedoria popular, em alguns casos (Oeiras, Felgueiras, Gondomar) soa a ironia e roça o insulto. Ou será que nem só de sabedoria se fazem as lições do povo?

(RM)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: TECNOLOGIAS

(...) em termos da informática a noite corre mal. Nenhum site funciona. A sorte é que lá fora caem uns pingos. Será desta que a seca vai embora?

(Henrique)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: QUEM GANHOU?

Que o PS perdeu em toda a linha não há a menor dúvida: perdeu Lisboa, Porto e Sintra que eram as suas grandes apostas.
Pelos vistos também perdeu o Barreiro, talvez Aveiro e o que mais se verá pela noite fora.
Já o PSD, mantendo Lisboa, Porto, Coimbra e Sintra, para além da presidência da ANM, teria aparentemente ganho, mas o facto de ter perdido Oeiras para Isaltino, Gondomar para Valentim e Leiria com Damasceno, fora outros "desastres" menos mediáticos, significa que também tem que se juntar ao clube dos perdedores.
Então quem ganhou afinal?
Se o centrão perdeu e se essa derrota tiver servido para que a política volte a ser o serviço da "rés púbilca", então terá ganho o povo português, mesmo quando aparentemente escolheu mal, ao eleger os "candidatos proscritos".
Mas a verdade é que o saber popular é muito maior do que lhes é reconhecido pelos políticos que se legitimam com o voto desse povo: ao que parece o povo soube distinguir entre Felgueiras e F.Torres, tal como distinguiu entre I.Morais e I.Damasceno. Quem não soube ver as diferenças foram as direcções partidárias e os midia que tudo fizeram para meter todos no mesmo saco.
Resta saber se esta lição popular que foi a eleição de "alguns candidatos bandidos" (como lhes chamou o «justicialista Louçã») e a rejeição de outros, é percebida pelos directórios partidários, ou se vamos continuando alegremente para a instauração da IV República.

(Francisco Santos)
 


NÃO FOI SÓ O COMPUTADOR

da CNE que "crashou". Também o da SIC.
 


POPULISMO

Presente nas campanhas de Valentim Loureiro (total), Isaltino (em menor grau), Fátima Felgueiras (total), Francisco Louçã (total). Há outras de certeza, mas estas foram as mais evidentes.
 


ESTOU A OUVIR MIGUEL PORTAS

a fazer a análise mais sectária de todos os representantes partidários. Criticar o PSD por ter perdido Oeiras e Gondomar, vindo de alguém do BE, é politicamente pouco aceitável. Vou dizer-lhe no intervalo.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: ABSTENÇÕES

As primeiras projecções indicam uma diminuição da abstenção em relação às últimas eleições autárquicas. Eu próprio fui votar mas fui com um nó na garganta: o anúncio da Comissão Nacional de Eleições em que me era dito par "por na minha cabeça" que hoje era dia de eleições dava-me vontade de o não fazer. A arrogância manifestada pela CNE em todas as eleições tratando os abstencionistas como uns preguiçosos ou desertores dos seus "deveres cívicos" leva-me a ter vontade de não votar. Nunca gostei de ser pressionado e acho que a liberdade serve também para me manifestar contra a classe política através da abstenção. Já me abstive em várias eleições e tenho o direito de não ser considerado um cidadão de segunda. É tempo de os políticos entenderem que a abstenção pode significar uma rejeição a toda uma classe cada vez mais dissociada da sociedade onde se insere. Acresce que o baixo nível apresentado por alguns candidatos durante a campanha e os casos de Fátima Felgueiras, Isaltino Morais, Avelino Ferreira Torres e Valentim Loureiro não abonam nada a favor da valorização dos políticos. É tempo de a CNE perceber que só vota quem quer, que quem não quer não se diminui por causa disso e que a CNE pode por os seus anúncios onde bem entender.

(Jorge Fernandes)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: CRITÉRIOS

Há dois aspectos a destacar destes resultados:

-Nas grandes cidades a direita é maioritária, Em Lisboa especialmente esta viragem é importante.

-Nos concelhos "mediáticos", as pessoas não votam nos partidos, votam nas cliques e nos interesses instalados. Num certo sentido a vitória duma Fátima Felgueiras ou dum Valentim Loureiro não passa dum manifesto do tipo "para lá do Marão mandam os que lá estão" que exprime um desprezo tradicional pelo governo central com poder centralizado nas grandes cidades (leia-se Lisboa). Nada disto é novo, já anda por aí desde o sec. XIX pelo menos.

(Rui Silva)
 


AS SURPRESAS

ainda estão a caminho.
 


PRIMEIRAS SONDAGENS

Muita prudência.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: BRAGA

(...) o que deve estar atafulhado em informação, em mensagens, em análises. gostaria, apenas, que questionasse as pessoas, os jornalistas, que o rodeiam por que é que Braga -não é por ser a terceira cidade do país é por isso e muito mais, é por ser a terceira cidade do país- passa tão despercebida? Não, não é querer as câmaras de tv. Não, não é isso. Isso seria muito redutor. Porquê? Logo este ano que pode acontecer algo de novo, à semelhança do que aconteceu no Porto há cinco anos.

(Luis Miguel Dias)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: PORTUGAL TODO

Vários temas tem dominado a campanha eleitoral. Em todo o caso, limitar a realidade portuguesa a Felgueiras, Oeiras, Gondomar... é uma visão míope dos Orgãos de Comunicação Social...

Pelo menos, uma vantagem... demonstrou aos “urbanos” que Portugal não se resume a Lisboa e Porto. Mas, quais as verdadeiras consequências destes casos ? Os resultados eleitorais nestas cidades darão as respostas ?


(Miguel Oliveira)
 


ATENÇÃO

às cidades de que se tem falado pouco: Santarém, Braga, Leiria, Barreiro, Vila do Conde, Aveiro, etc.
 


SONDAGENS

As sondagens não são pura virtualidade, nem são a realidade. Quando se tem que comentar sondagens como se fossem resultados, há demasiados perigos. Vamos ver como corre.
 


DE NOVO, A FAZER O ABRUPTO

directamente dos estúdios da SIC. Não sei se consigo, se resulta, se pode ser cuidado. Vamos ver. Comentários enviados para o correio do Abrupto entrarão em linha em tempo próximo do real.
 


BIBLIOFILIA: ANTIPASTI

A gente (“a gente”, maravilhosa expressão a que muito me afeiçoei, frase que já não se usa), a gente, de vez em quando, abre uns livros que parecem todos de circunstância. Ou para não ser lidos, ou para arrumar, ou para ver se são repetidos. As traduções são más, as edições são péssimas, as capas sinistras, o conteúdo não parece muito atractivo. Mas livros são livros, trazem uns ganchinhos como os átomos eram representados antigamente, prendidos uns aos outros por ganchinhos, oxigénio ligado por dois ganchinhos a dois átomos de hidrogénio e vice-versa. Eu, que detesto diminutivos, aqui não lhe consigo chamar ganchos. Pois é, os livros são assim e não consigo de deixar de folheá-los, antes da sua entrada na ordeira estante. Como se fossem fragmentos de antipasti, não há nenhum que não deixe um rasto, um ganchinho.

Alguns antipasti desta manhã cívica:

Plutarco, Valério Publícola e o Advento da República Romana, naquelas edições cor-de-laranja da Inquérito. A página 49, Plutarco conta como os romanos para honrar o Publícola lhe construíram uma casa no monte Palatino com um pormenor peculiar: as portas em vez de abrirem para dentro abriam para fora, “distinção que parecia acentuar que sempre que ele abria a porta tomava alguma coisa na via pública”. Plutarco nota que “antigamente” na Grécia as portas abriam assim, como se via nas comédias em que as personagens batiam nas portas antes de as abrirem para não darem com elas nos passeantes. Pelos vistos, os romanos achavam que o Publícola tinha esse direito. Detalhes. O demónio está sempre nos detalhes.


Giovanni Guareschi, D. Camilo e o seu Pequeno Mundo, na improvável edição dos Livros Unibolso, com as suas detestáveis capas. Jovens leitores dos blogues, nem imaginam como este Guareschi foi um enorme sucesso, de best-seller em best-seller, com as suas histórias do padre e do comunista! O comunista Peppone não era um eurocomunista, mas uma personificação nem mais nem menos do que de Staline, a quem imitava fisicamente. O padre D. Camilo era um reaccionário de sotaina. Havia ainda Cristo, que falava a D. Camilo, que esse sim parecia eurocomunista.

Cristo ainda por cá anda, mas já não há exemplos nem do cura nem do estalinista. Este mundo acabou, e já não se lê Guareschi. O dr. Portas já não deve ter lido nenhum deles, nem que fosse em memória da democracia-cristã, que padres como D. Camilo fizeram em Itália. Já não estou certo que Cunhal (ou até Jerónimo de Sousa) não tenham lido um dos livrinhos da saga, que acabavam por ser mais úteis aos comunistas, desdramatizando-os, do que aos padres, bem mais antigos na terra.

Mas o meu antipasti matinal foi o prefácio de Guareschi intitulado “Duas palavras a explicar a pequenez do “Pequeno Mundo”, e que começa assim:

Quando era rapaz novo escrevia crónicas num jornal e todo o dia girava, de bicicleta, á procura de factos reais para narrar. Depois conheci uma rapariga; e como passava os dias a imaginar o que ela faria se eu me tornasse imperador do México ou se morresse, à noite, para encher a minha página, tinha de inventar o assunto da crónica; mas afinal, os factos inventados agradavam imenso ao público, por serem ainda mais verosímeis que os verdadeiros”.

Começa bem, no âmago do jornalismo moderno. Depois continua: “No meu vocabulário devo ter hoje, mais ou menos, umas duzentas palavras: são precisamente as mesmas com que então contava a aventura do velhote atropelado pelo ciclista ou daquela dona de casa que ficou sem meio dedo ao descascar batatas”…

A seguir entra no “mondo piccolo”. As suas histórias pretendiam traduzir o mundo político italiano entre Dezembro de 1946 e Dezembro de 1947. Ele não o diz, mas os italianos tinham vindo de uma cruel guerra civil, fascistas e comunistas tinham-se morto nos últimos anos com grande convicção e violência. No ano das suas histórias, essa guerra civil ainda continuava de forma larvar no continente e aberta na Sicília. As comunidades estavam feridas pelo conflito fratricida, daí o sucesso italiano do par do “mondo piccolo”, o padre e o comunista.

Mas Guareschi neste texto, escrito anos depois, volta-se para a terra, a sua terra, e aqui um leitor dos dias de hoje compreende um pouco mais aquilo que nos parece um delírio de Bossi, a Padânia. Guareschi faz um panegírico sentimental da planície paduana e do seu rio Pó. O Pó, o “único rio respeitável que existe em Itália. Todos os rios que se respeitam se alargam em planície, pois a água fez-se para se manter horizontal, e só quando assim se mantém conserva integralmente a sua dignidade.” Eu sou de outra escola de rios, personificada pelo Douro, que rasga desde Espanha tudo por onde passa e, mesmo meio domado por barragens, chega à Foz suficientemente perigoso para se impor ao respeito. Rio “digno”, mais do que o Tejo, o nosso Pó, que acaba num mar “de palha”. Está bem... no espírito de Peppone e D. Camilo, não vou agora discutir "dignidades" dos rios.

(Continua)

*

Gostei mutio de ver o Abrupto de hoje. Trouxe-me á memória a figura de um dos maiores cómicos franceses (Fernandel) cuja imagem nunca poderá ser dissociada de D.Camilo e das suas peripécias com Pepone, igualmente um actor enorme.

Já agora, por onde andará O milagre de Milão, Ladrões de bicicletas, O Capote (Renato Rascel, lembra-se?), e todo um universo de pós-guerra, em que a luta de cada dia se resumia a tentar arranjar maneira de conseguir os 2$50 semanais que me garantiam um 2º balcão ou uma Geral no cinema que então frequentava, o que para mim era o meu Cinema Paraiso (1946/1952).

(Manuel Castelo Branco)

*

Li todos os D. Camilo e o seu pequeno mundo enquanto adolescente, e muito me ri com as cenas desbragadas dos 2. Tentei reler recentemente, mas perdi a frescura que estes 2 ainda não perderam e já não ri como há 20 anos. Está lá tudo, a guerra entre dois mundos, que existiram no Séc. XX; parece que foi ontem. É leitura que recomendo vivamente.

(Maria B.)
 


ESTAÇÕES (ESPERO…)


O céu está todo uma única nuvem cinzenta. Parece que vai chover, finalmente. Guardo as cadeiras de lona do jardim, desligo a rega automática, desato os nós das almofadas, verifico se os furos de escoamento das janelas estão desimpedidos, varro as folhas dos loureiros, olho para os telhados onde uma tardia flor violeta continua persistente, fora da estação, Ficará, como memória. Aquele algeroz será suspeito de não se comportar à altura. Quando a água cair, terá os seus caminhos, terá os meus caminhos. Duvido que os siga.
 


COISAS COMPLICADAS



Paul Gauguin, Flores diante de uma janela aberta sobre o mar
pintado nas costas
de

 


EARLY MORNING BLOGS 619:
"NÃO QUERO A NAU CATRINETA / QUE A NÃO SEI GOVERNAR"

Nau Catrineta

Lá vem a Nau Catrineta
Que tem muito que contar!
Ouvide agora, senhores,
Uma história de pasmar.

Passava mais de ano e dia
Que iam na volta do mar,
Já não tinham que comer,
Já não tinham que manjar.

Deitaram sola de molho
Para o outro dia jantar;
Mas a sola era tão rija,
Que a não puderam tragar.

Deitaram sortes à ventura
Qual se havia de matar;
Logo foi cair a sorte
No capitão general.

- "Sobe, sobe, marujinho,
Àquele mastro real,
Vê se vês terras de Espanha,
As praias de Portugal!"

- "Não vejo terras de Espanha,
Nem praias de Portugal;
Vejo sete espadas nuas
Que estão para te matar."

- "Acima, acima, gageiro,
Acima ao tope real!
Olha se enxergas Espanha,
Areias de Portugal!"

- "Alvíssaras, capitão,
Meu capitão general!
Já vejo terras de Espanha,
Areias de Portugal!"
Mais enxergo três meninas,
Debaixo de um laranjal:
Uma sentada a coser,
Outra na roca a fiar,
A mais formosa de todas
Está no meio a chorar."

- "Todas três são minhas filhas,
Oh! quem mas dera abraçar!
A mais formosa de todas
Contigo a hei-se casar."

- "A vossa filha não quero,
Que vos custou a criar."

- "Dar-te-ei tanto dinheiro
Que o não possas contar."

- "Não quero o vosso dinheiro
Pois vos custou a ganhar."

- "Dou-te o meu cavalo branco,
Que nunca houve outro igual."

- "Guardai o vosso cavalo,
Que vos custou a ensinar."

- "Dar-te-ei a Catrineta,
Para nela navegar."

- "Não quero a Nau Catrineta,
Que a não sei governar."

- "Que queres tu, meu gageiro,
Que alvíssaras te hei-de dar?"

- "Capitão, quero a tua alma,
Para comigo a levar!"

- "Renego de ti, demónio,
Que me estavas a tentar!
A minha alma é só de Deus;
O corpo dou eu ao mar."

Tomou-o um anjo nos braços,
Não no deixou afogar.
Deu um estouro o demónio,
Acalmaram vento e mar;

E à noite a Nau Catrineta
Estava em terra a varar.


(Almeida Garrett, Romanceiro)

*

Bom dia!

8.10.05
 


TAMBÉM EU ME LEMBRO

da "casa de Anselmo Braancamp" e de todos que a habitavam. Soma mais uma sombra a essa memória, ou, se calhar, uma luz.
 


COISAS SIMPLES


William Eggleston, Untitled (Greenwood, Mississippi)
 


EARLY MORNING BLOGS 618

Tattoo


The light is like a spider.
It crawls over the water.
It crawls over the edges of the snow.
It crawls under your eyelids
And spreads its webs there—
Its two webs.

The webs of your eyes
Are fastened
To the flesh and bones of you
As to rafters or grass.

There are filaments of your eyes
On the surface of the water
And in the edges of the snow.


(Wallace Stevens)

*

Bom dia!

7.10.05
 


SOBRE AS MICRO-CAUSAS NOS BLOGUES



Há uma coisa que a comunicação social fora da rede ainda não percebeu, ou não quer perceber. É que não vale a pena fazer de conta que certas questões levantadas pelos blogues, quando são sensatas, favorecem o espaço público, e implicam uma exigência legítima de esclarecimento, desaparecem por si. É completamente contraproducente, e só amplia o significado da causa, por micro que seja, ignorá-las.

Podem dizer que só uma pequena minoria das pessoas que lê jornais, lê os blogues. É verdade. Mas as pessoas que os lêem estão no centro da opinião que conta e são multiplicadores naturais. Uma micro-causa com sentido funciona como um vírus, e, ou há remédio e o vírus morre, ou a infecção gera um novo estado de coisas, um novo pool genético, por eliminação. A comunicação social tradicional já não controla sozinha o debate público, cada vez mais é a simbiose entre os diferentes modos de comunicar (incluindo os blogues, mas não só) que conta. Viu-se com a OTA (e se calhar ainda se vai ver mais se o governo não cumprir a promessa, ou a montanha parir o "ridículo ratinho" da fábula) e vê-se com a exigência de esclarecimento ao Público.

Meus caros jornalistas, sejam bem-vindos ao admirável mundo novo do alargamento do espaço público. Apesar de todos os seus defeitos, os políticos já lá estavam. Contra a sua vontade, mas é assim que as coisas mudam. Para todos.
 


INTENDÊNCIA

Actualização das bibliografias dos ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO.
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS:
CONVERSA DE PROMETEU COM OS ANÉIS



Prometeu, passando pelos anéis, deixando marcas.
Os anéis dizem: tu rasgas-nos de todas as vezes que passas.
Prometeu responde: só se for com as minhas correntes, porque estou preso à vossa poeira.
Os anéis: nós mudamos, todas as vezes que passas por nós.
Prometeu: e eu não fico na mesma.
Saturno: o Tempo, meu pai, o dirá.
Dirá?
 


O POPULISMO JUSTICIALISTA



Passou em Portugal do PRD, para Manuel Sérgio, deste para Paulo Portas, e veio desaguar em Louçã. Nenhuma campanha foi mais claramente populista e justicialista do que a de Louça no BE nestas eleições. As suas intervenções são tão parecidas com as do Portas pré-Moderna, que, se fossem sobrepostas, o “som” era o mesmo. Portas (antes) e Louçã (agora) sabem que o papel que representam rende votos, e é por isso que estes dois partidários do cinismo em política o usam. Ao lado deles, Santana Lopes era um populista muito mais saudável, porque se sabia pecador e não era tão cínico. Portas e Louçã sabem também que poucas coisas bloqueiam mais a mudança e a saída de Portugal do seu atraso, do que este discurso. Por isso, a campanha do BE, personalizada em Louçã, deveria ter provocado a maior das urticárias se houvesse uma esquerda ideologicamente sólida em Portugal. Como não há, continua tudo alegre e contente.

Há, ainda há outra coisa que deveriam saber, mas como são arrogantes, fazem de conta que não é com eles. É que este populismo justicialista cai sempre em cima da cabeça dos seus autores.
 


COISAS SIMPLES


Sylvie Fleury, Naughty but nice
 


EARLY MORNING BLOGS 617

El Hombre


It’s a strange courage
you give me ancient star:

Shine alone in the sunrise
toward which you lend no part!


(William Carlos Williams)

*

Bom dia!

6.10.05
 


COISAS DA SÁBADO:
TEXTOS ESQUECIDOS



Temos pouca memória e, com o tempo, perdemos ainda mais esse escasso fio que nos une ao passado. Periféricos de quase toda a história do século XX, escasseiam entre nós os testemunhos portugueses dos grandes acontecimentos mundiais. Mas, quando se é bibliófilo encontram-se preciosidades, dezenas, se não centenas, de livros ignorados, que, pelo menos em textos escolhidos e em antologias, mereciam ser salvos do esquecimento.
É o caso destas memórias alemãs do Visconde do Porto da Cruz, um adepto do Nacional-Socialismo, palestrante aos microfones da Rádio Berlim, admirador do povo alemão, anti-semita, que assistiu em Berlim e em Munique aos últimos dias do Reich e aos primeiros meses de ocupação, e nos dá um testemunho em que se misturam recordações pessoais, boatos, opiniões, anedotas e incidentes.

O Visconde publicou o seu livro logo a seguir, em 1946, com elogios à heroicidade de Goebbels, manifestada entre outras coisas no seu suicídio e da mulher, matando os cinco filhos, na Chancelaria, na solução soft do “problema judeu” com o envio dos judeus para Madagáscar, a "limpeza" de Berlim dos comunistas feita por Goebbels e a reconstituição do PC Alemão com antigos nacionais-socialistas. O Visconde também relata alguns episódios retratando as vicissitudes de um não-ariano, um português, na Alemanha nazi dos últimos dias.
 


MUITO, MUITO PREOCUPANTE 2



A inversão do ónus da prova conduziria, num país como Portugal onde a administração pública, incluindo a máquina fiscal e as polícias, estão muito politizadas, à discricionariedade dessa exigência de prova, tornando-a numa arma política que nenhum governo deixaria de usar. Basta só parar para pensar no que já acontece, para se poder antever com elevado grau de certeza a poderosa arma que vai ser colocada ao serviço do abuso dos governos. É muito, muito preocupante.

*

As vezes penso que JPP exagera nas suas preocupações regulares sobre os danos que o Estado e a organização da sociedade moderna causam na privacidade.Esta proposta do Presidente da República, se transformada em lei, seria trágica. Não é só por poder ser usada como instrumento político. É que nós não temos um sistema judicial que, em tempo útil, elimine as injustiças e determine a indemnização dos danos. Eu aceito o Estado fiscal, o Estado em que a igualdade fiscal é um dogma infrangível, em que há fiscalização e penas pesadas para os que não cumprem, atentando assim contra a igualdade e a subsistência do próprio Estado social. Mas aceito-o apenas porque tenho bons e eficazes instrumentos para me defender. Num País onde a pendência média das impugnações e execuções é de 7 a 10 anos, onde a Administração demora mais de dois anos em média a responder às reclamações dos contribuintes, a sugestão do PR só criaria arbítrio e prejuízo para os mais fracos.

Será preferível, então, assumir que a tributação é sobre o acréscimo patrimonial anual, e não sobre o rendimento. As pessoas passariam a declarar anualmente a diferença entre o valor do seu património no início e no fim de cada ano. Não há nada pior do que discursos em efemérides e medidas avulsas!

(António Lobo Xavier)
*
Em conversa com colegas de trabalho, a resposta que me deram quando disse não concordar com a inversão do onus da prova foi: "Quem não deve não teme!!!"
Como explicar que a liberdade pessoal , o direito à privacidade (incluindo a fiscal), a presunção de inocencia são principios fundamentais do estado de direito? Eu apresento contas em sede de IRS. Daí em diante exigo ser tratado como pessoa de bem!

(Alberto Mendes)
*
Concordo com a exposição feita no Abrupto relativamente à inversão do ónus da prova sugerida pelo Presidente da República, mas não foi esta a única fonte de preocupação que encontrei. A forma redutora como são encarados os direitos de cidadania, a relação entre cidadãos e Estado e o próprio papel dos partidos políticos, aparentemente é aceite como uma inevitabilidade, uma espécie de destino fatal que ocasionalmente se recorda sem nunca contrariar.

Assim, o Estado vê os cidadãos não como aqueles a quem é suposto servir, mas como mero suporte financeiro de decisões muitas vezes erradas e de um despesismo incontrolado, enquanto rejeita de foam implícita ou explícita a colaboração daqueles que ainda pensam ter um contributo a dar. Quando o PR alega que existe falta de empenho cívico dos cidadãos, ai ignorar o autismo do Estado, reforça a posição de tantos governantes para quem a culpa do estado da Nação é sempre dos mesmos.

(Nuno Miguel Cabeçadas)

*
A medida de combate à corrupção e fraude fiscal proposta pelo Presidente, precisamente no dia 5 de Outubro, é a ginja em cima do bolo passado de prazo que foi todo o seu segundo mandato. Ninguém o diz, mas a crise do sistema democrático de que todos se queixam, passa também pelo exercício do seu "magistério de influência", em especial nos últimos 5 anos, onde desde falar por recados nos jornais até dissolver parlamentos em câmara lenta para que aprovasssem orçamentos "falsos", tudo valeu, sem que, de tal, resultasse qualquer mácula no prestígio presidencial.

De um homem que defendeu presos políticos nos tribunais plenários do Estado Novo, a inversão do ónus da prova, num país de gente invejosa, tomado, segundo o próprio, pela corrupção, era a última coisa que se deveria esperar. Gostaria de ter ouvido o Presidente Jorge Sampaio falar sobre como dotar a Polícia Judiciária e o Ministério Público dos meios necessários à realização das suas missões, no fundo, sobre o que deve o Estado fazer para que efectivamente se aplique a justiça em nome do Povo. Ao invés, fomos todos nós declarados culpados até prova em contrário.

O Governo da República deveria ter-se distanciado de tal proposta no minuto seguinte. Pelo contrário, se não me engano, o ministro de justiça já veio declarar que alterações legislativas nessa área serão oportunamente apresentadas, no âmbito de mais uma reforma, não sei muito bem qual. Nem me lembro de tal coisa ter sido proposta no programa eleitoral da actual maioria ou no programa do governo. Vou ter de o ler novamente, se calhar com mais atenção. Mas parece-me previsivel o que aí vem. (...)

(Mário Almeida)
*
Cumpre à Administração, que representa o Estado. nas suas diferentes vertentes, no que diz respeito a eventuais anomalias no comportamento do cidadão, detectar, analisar e actuar, propondo correcções às anomalias detectadas do cidadão perante o Estado e, sempre bem fundamentadas.

Tudo aquilo que signifique a transferência dessa responsabilidade para o cidadão comum, demonstra, apenas, incapacidade de exercer a função que lhe foi conferida pelo Estado. Fiscalizar é sempre uma função inalienável de quem tem o dever de fazer cumprir a normalidade; delegar essa função no cidadão comum é inaceitável. Os órgãos dum Estado que se demitam de fazer cumprir a normalidade, tornam fraco o próprio Estado.

E, fazer cumprir é explicitamente verificar se o foi; não esperar que outros sugiram que o não foi. Além disso, parece-me, o ónus da prova é sempre de quem acusa e, não de quem é acusado.
 


INTENDÊNCIA

Actualizadaa as notas MUITO, MUITO PREOCUPANTE e O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: VENTO, VENTO, VENTO.

*

Sobre a mesma matéria reproduzo uma nota que escrevi há semanas na Sábado:

A MELHOR MANEIRA DE FAZER PASSAR MEDIDAS INTRUSIVAS DA NOSSA PRIVACIDADE

A melhor maneira de fazer passar medidas intrusivas da nossa privacidade ou mesmo dos nossos direitos é nunca as associar à luta antiterrorista. Se tal for feito é certo e sabido que há um verdadeiro levantamento cívico explicando-nos que ao tomá-las estamos a deixar os terroristas ganhar a guerra. Não. A melhor maneira é outra, é associá-las à maior eficácia do estado, a uma “racionalização” qualquer do funcionamento da burocracia, como seja este chip que é suposto terem os automóveis, ou o cartão único, que serve de Bilhete de identidade, número de contribuinte, e da segurança social, etc.

Mas há uma maneira ainda mais perfeita, absolutamente perfeita de fazer passar medidas mesmo no limite dos nossos direitos, com o aplauso de toda a esquerda tradicional e radical, que ai aceita tudo, toda a espionagem da vida privada: é associar essas medidas ao fisco, com o pretexto do combate à fraude fiscal. Aí aceita-se tudo. Um governo que queira tomar algumas medidas de vigilância sobre os seus cidadãos, por boas ou más razões, tem aí a receita milagrosa - apresenta-as como medidas de combate à fraude fiscal. Serão aplaudidas. Ninguém terá a coragem de gritar pelos seus direitos ofendidos, sem ser linchado como um enganador do fisco.
 


COISAS SIMPLES


Norman Rockwell, The Right to Know
 


EARLY MORNING BLOGS 616

Os paraísos artificiais


Na minha terra, não há terra, há ruas;
mesmo as colinas são de prédios altos
com renda muito mais alta.

Na minha terra, não há árvores nem flores.
As flores, tão escassas, dos jardins mudam ao mês,
e a Câmara tem máquinas especialíssimas para desenraizar as árvores.

O cântico das aves — não há cânticos,
mas só canários de 3º andar e papagaios de 5º.
E a música do vento é frio nos pardieiros.

Na minha terra, porém, não há pardieiros,
que são todos na Pérsia ou na China,
ou em países inefáveis.

A minha terra não é inefável.
A vida na minha terra é que é inefável.
Inefável é o que não pode ser dito.


(Jorge de Sena)

*

Bom dia!
 


MUITO, MUITO PREOCUPANTE



é a erosão de direitos fundamentais que se está a dar a pretexto da luta contra a corrupção e a evasão fiscal, contida em propostas como a que o Presidente da República fez hoje sobre a inversão do ónus da prova. Empurrado pelo populismo, pela visão jacobina e socializante, procura-se, com a diminuição de direitos fundamentais, esconder a incapacidade de ter um sistema eficaz de combate à criminalidade e à evasão fiscal. Muito, muito preocupante.

PS. - Passou também sem grande polémica a possibilidade da polícia de trânsito utilizar as câmaras da Brisa para vigiar os automobilistas...

*
(...) no Canadá não foi permitido ao governo colocar câmaras nas auto estradas.

(Liberal Correia)
*
José Pacheco Pereira tem sido dos poucos que tem alertado para vaga de intromissões do Estado na vida privada baseadas nos argumentos da "segurança rodoviária", do "crime económico e da corrupção" e sobretudo do "combate à evasão fiscal".
É muito perigoso aquilo que tem vindo a acontecer. Propostas como a inversão do ónus da prova, a utilização de câmaras como polícias nas auto-estradas, tornar a declaração de rendimentos pública, são ideias que se podem revelar muito perversas.
Na análise destas questões não podemos ter uma análise utilitária, calculando a liberdade perdida face à segurança/igualdade/justiça adquiridas. Uma análise deste género admitiria qualquer resultado, e é aquela que fazem os regimes securitários e totalitários.

Qualquer uma destas propostas (algumas já foram aprovadas e outras estão já em vigor) revestem-se de uma absoluta excepcionalidade num Estado de Direito democrático e liberal. Ora aquilo a que assistimos é à banalização do controlo, justificado pelos desígnios mais variados. A justeza e pertinência destes desígnios não nos devem afectar perante a perda de liberdade. Foi sempre assim que ela foi perdida. Viver em democracia e em liberdade implica certos custos para a nossa segurança e condição. Ao inserir estes custos numa equação utilitária, o resultado só pode ser o de admitir mais uma restrição, mais uma limitação, mais um controlo. Tudo à custa de mais um atropelo aos princípios fundamentais do Estado liberal, que existem exactamente para não serem inseridos em equações de segurança e justiça.

Talvez o mais preocupante nesta questão seja a falta de veemência com que defendemos a nossa liberdade, dado o preconceito existente na sociedade por aqueles que parecem recusar aqueles objectivos de igualdade, justiça e segurança. Dentadinha a dentadinha o Estado vai roendo a nossa liberdade e quando nos cercar, aí por fim, será perguntada e pergunta eterna da História: "como foi que chegámos aqui"? A liberdade também existe nas coisas pequenas e triviais. E nos últimos tempos já não falamos de coisas triviais

(João Lopes)

5.10.05
 


EFEITOS DO ECLIPSE: MIL LUAS, SÓ UM SOL

 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
VENTO, VENTO, VENTO





De salientar em primeiro lugar que em Portugal os "parques eólicos" não são parques, no sentido que se dá à expressão noutros países europeus. São moinhos mais ou menos isolados, espalhados pela paisagem, inevitavelmente nos pontos mais altos e mais visíveis, pois são os lugares com mais vento. Se as verdadeiras florestas de moinhos que se vêem noutros países são mais ou menos feias do que estes nossos moinhos, não sei dizer.

Devo confessar que eu gosto dos moinhos, sejam eles antigos ou modernos. Se há quinhentos ou seiscentos anos existissem blogs, provavelmente alguém teria protestado contra o elevado número de moinhos de vento na peninsula ibérica, e (se os protestos tivessem êxito) o heroi de Cervantes teria que arranjar outros inimigos. Acho que daqui a cem ou duzentos anos estas "eólicas" serão consideradas muito románticas, e (quem sabe?) alguém entre nós já está a escrever um romance em que as "eólicas" têm um papel fulcral ... Não lhe apaguem o assunto da paisagem, por favor !

(Cristian Barbarosie)

*

Num dos seus últimos blogues (já anteriormente se tinha referido ao assunto), lamenta a poluição paisagística provocada pela instalação dos geradores eólicos. Referiu, a propósito, o gerador colocado ao lado dos "cornos do Barroso". A localização do gerador também me chocou pois, embora lisboeta, desde adolescente que conheço (e percorri a pé) algumas das aldeias do Barroso, pelo que fiquei sentimentalmente ligado àquela região e a Trás-os-Montes em geral.

Porém, não me parece exacto que não haja ambientalistas a protestar contra a desfiguração da paisagem pelas centrais eólicas. Já li prorestos desses (não ultimamente, embora) e em que se referiam à perturbação causada pelo ruido e ao morticínio das aves apanhadas pelas pás. Bom, se estivermos dentro de um automóvel com os vidros fechados, não se houve nada. Além disso, ninguém vive no alto dos montes para que possa ouvir o o ruido. E que dizer das instalações sonoras que têm sido instaladas em quase todas as igrejas das nossas aldeias (não são os sinos!) e que em altos gritos espalham ruido por montes e vales? Quanto à morte das avezinhas, seria de esperar montes de cadáveres e de penas de aves por baixo dos geradores. Nem vê-los.

Poderá pensar que sou um incondicional defensor do eólico. Não sou (no presente enquadramento económico). O que se passa é que o preço pelo qual é vendida a energia eléctrica produzida é fixado administrativamente (por decreto) e não decorrente dos jogos de mercado, em competição com outras formas de produção. Dado que o preço fixado é altamente vantajoso, toda a gente quer instalar eólicas, mesmo em zonas em que a produtibilidade não é grande coisa. Este negócio chorudo e sem riscos também interessa às autarquias que cobram uma percentagem.

Mas a história não fica por aqui. Quando não há vento, as eólicas não produzem nada, e com vento fraco produzem bastante abaixo da sua potência nominal. O que significa que terá que haver outras centrais eléctricas que produzam o que as eólicas não conseguem produzir por não haver vento. Essas outras centrais, se forem térmicas, terão que estar sempre "quentes" para que possam arrancar suficientemente depressa e compensar o abaixamento de potência das eólicas, o que significa consumo de combustíveis (e respectivos custos e poluição). As centrais de compensação adequadas são as hídricas de albufeira cuja tomada de carga é rápida e não consomem combustíveis. Mas, quer umas quer outras, exigem investimentos, que são são justificáveis de per si mas como necessidade da instalação das eólicas. Logicamente, esses custos de investimento adicionais deverão ser tidos em conta quando se fala da energia eólica. Tudo isto significa que a economia da produção de energia eléctrica tem que ser analisada tendo em conta o conjunto de todas as centrais produtoras e não cada uma isoladamente. A satisfação do consumo de energia também é uma responsabilidade global.

Quanto à defesa do ambiente (e, sobretudo, à redução da nossa dependência energética) é obviamente útil aproveitar todas as fontes de energia nacionais e, particularmente, as renováveis e não poluentes. Mas, e aqui vêm os ambientalistas, continuam estes a protestar energicamente contra as centrais de albufeira (Foz Côa, Baixo Sabor, etc), como se não se tratasse de uma energia não poluente e renovável.
Os efeitos para a paisagem serão sempre de contrapor ao efeito que a queima de combustíveis produz. Se a produção de CO2 agravar significativamente o aquecimento da Terra, aquilo que não se perder por não se construirem centrais hídricas ou eólicas, acabará por se perder devido à seca. Mas não se use o argumento ambiental para justificar negociatas.

(António Tavares Pires)

*

Como refere e bem no seu “post” os parques eólicos proliferam hoje como cogumelos em Portugal, aparecendo em todos os cabeços de todas as serras. Esta é uma realidade que não acontece pela bondade ecológica dos investidores, mas única e exclusivamente pelas contrapartidas financeiras existentes para todos os intervenientes: para as empresas que para além de beneficiarem de apoios à construção das infra-estruturas, recebem também um subsídio pela produção da “energia verde”; para os proprietários dos terrenos, quer sejam eles privados quer sejam comissões de baldios, que assim recebem uma renda, muitas vezes elevada pelo arrendamento de terrenos que de outra forma não gerariam qualquer valia; para as autarquias que muitas vezes entram no negócio integrando as sociedades de exploração criadas.

Em territórios deprimidos, carenciados, esta nova realidade é uma espécie de “el dorado”, uma fonte de riqueza que ninguém negligencia ou desperdiça. As alterações profundas que estas infra-estruturas geram na paisagem (e não são só os aero-geradores, são também os acessos que são rasgados e as linhas de transporte de energia que são construídas), não são tidas em conta nem por decisores, nem pelas populações. São até muitas vezes aplaudidas! A paisagem não é por enquanto (e não sei se algum dia o será) um recurso a preservar. É um bem intangível, analisável subjectivamente, que no nosso país ainda não é valorizado nem intrínseca nem extrinsecamente.

Se perguntar a qualquer autarca do interior do país quais são as áreas de negócio que ele entende serem as alavancas para o desenvolvimento do seu concelho, terá respostas diversas, mas com toda a certeza o “turismo” será uma delas. Esquecem-se contudo que o turismo também se desenvolve em torno do “produto paisagem”, e não apenas em torno da gastronomia, do património construído, etc. Mas se a esse mesmo autarca for proposta a construção dum parque eólico, não haverá hesitações, será aprovada, com o aplauso dos seus munícipes. Incongruência de um país que apesar de tudo o que se diz e faz tem recursos para competir internacionalmente com outros países, por exemplo no sector turístico, mas que não tem depois os habitantes que o permitam.

(António de Campos)

*

Embora concorde que a instalação dos equipamentos de captação de energia eólica deveria ser objecto de estudos de impacte ambiental e de projectos paisagísticos, à imagem do que já vi acontecer noutros locais, através da promoção de concursos de arquitectura paisagista, por exemplo, sei também que o mundo real, em especial o português, está muito longe da perfeição e que, provavelmente, se houvesse lugar a esses estudos e projectos (que, mais uma vez, defendo) eles seriam sempre "adaptados" às conveniências do "lobby" em questão e serviriam apenas para mais alguns "próximos" do "lobby" ou, pior, dos "próximos" dos "poderes instalados", beneficiarem com o "negócio". Portanto, entre as opções "mal e depressa" e "um dia, quem sabe..." (depois de estudos e contra-estudos e de concursos e concursos contestados e impugnados), talvez a primeira opção seja a mais válida, infelizmente.

Já para não questionar a adopção de políticas que favorecem a solução eólica em detrimento da solar, num país quase sem vento (quando comparado com o resto da Europa) mas, em compensação, com muitas mais horas de sol por ano (quando comparado com o resto da Europa).
Como disse uma antigo Ministro da Energia, do tempo de Cavaco, às pessoas ligadas aos sistemas solares: "Meus amigos, organizem-se!".

Isto sim, é poluição visual. E dinheiro deitado à rua. O nosso dinheiro.

PC

*

Ouvi recentemente dizer ao administrador de uma das empresas que produzem energia eólica o seguinte: "alinhados, os aerogeradores que ainda falta construir em Portugal, seriam uma linha com 600km de comprimento".

Em Janeiro vai a concurso o triplicar da situação actual (da potência actual ainda não se construiram todos os parques), imagine-se então que cumeadas de serra com altitude acima de 700m ficarão livres. Uma preocupação: porque não desenhou o Administração Pública o mapa da localização dos parques eólicos? Não seria sua competência fazê-lo? Ministérios do Ambiente reaccionários (de só agirem em reacção aos problemas) são muito ineficazes e não nos evitam algumas asneiras. As condicionantes à localização até são simples: disponibilidade de pontos de entrega da electricidade na rede, vento, inexistência de outras condicionantes do ordenamento do território...

Uma curiosidade (que julgo não ser falsa e, se bem me lembro, é dita nos Guias de Portugal do Raul Proença): A Região do Oeste apresenta a maior densidade de moinhos da Europa (do Mundo?). Quem conhece a estrada de Madrid a Saragoça sabe que, aí, o recorde do Oeste foi amplamente batido...

As tecnologias da EE eram há pouco tempo muito mais impactantes na paisagem, hoje faz-se mais electricidade/moinho, e, dentro de 30 anos, parece que os moinhos serão removidos. Trata-se de uma solução de recurso para as nossas necessidades energéticas.

Interessou-me a ideia (ouvi-a também aquele administrador) de ser possível construir um megaMEGA parque eólico no Mar do Norte, uma espécie de seara de moinhos, com o objectivo de dotar toda a Europa de energia eléctrica...Não se justificará o medo de ver a Terra sair de órbita por força de tanta hélice a rodar.

(A. Carvalho)

4.10.05
 


NOTAS TRANSMONTANAS:
A CAMINHO DO "CALIPSO"


1.

A caminho do “calipso”, como ouvi chamar ao eclipse. “Vai ver o calipso?” Vou, vou.

2.

Fique já esclarecido que nada me move contra as energias renováveis, cujos méritos são imensos. Compreendo que algum sacrifício se paga sempre, e que não há, também aqui, almoços grátis. Mas basta andar pelo país para se perceber que estamos no limiar de o estragar ainda mais do que já está. Muito mais, mesmo muito mais, enchendo-o de eólicas, por todo o lado. Se as que já estão colocadas são, como se sabe, uma ínfima parte das que se prevêem, vamos ter um problema sério. Surpreendentemente, ou talvez não, pouco se lê sobre isto nos jornais e quase nada se ouve dos nossos ecologistas quanto a mais este sinal de desorganização da nossa paisagem. O Marão está cheio delas, e a vista límpida das serras transmontanas acabou já como paisagem natural.

3.

Era mesmo preciso colocar uma solitária eólica em cima de um dos Cornos do Barroso, um dos lugares simbólicos da serra, visível a muitos quilómetros de distância? Era mesmo necessário colocar uma ventoinha num dos Cornos, tornando tudo aquilo ridículo de se ver, como se alguém enfiasse um boné daqueles com uma vira-vento em cima na montanha? Ao menos coloquem já uma outra ventoinha no outro Corno para ficar completamente ridículo e a gente se esquecer de vez do Barroso, dos seus bois, da sua cultura pastoril, do seu relevo ondulado e manso…

4.

Incêndios, incêndios por todo o lado.

5.

Rotundas, rotundas, rotundas, por todo o lado. Em Chaves, vi uma no meio duma rua que não tinha nenhum cruzamento. A meio, de repente, uma rotunda que não distribui trânsito nenhum, para quê? Todas com estátuas, emigrantes, burros, camponeses, blocos de ferro a saírem de correntes, uma torneira, antas, monólitos diversos, monumentos grandiosos ao desperdício. Em meia dúzia de pequenas cidades, devemos ter mais estatuária urbana do que em Berlim. Muitas destas terras não têm saneamento básico.

(Continua)

*
O que vamos fazer ao país com os parques eólicos é o mesmo que fizemos com o turismo no Algarve e com a floresta no centro e norte do país: a utilização dos recursos naturais do país sem regras nem critérios para além da habitual cegueira do dinheiro fácil. Depois, daqui a 20 ou 30 anos, há-de haver os mesmos debates e indignações a que agora nos dedicamos afincadamente a pretexto dos erros que cometemos nos últimos 20 ou 30 anos.

Já vários bloggers se referiram a este problema (eu, há quase um ano e a propósito de mais um momento ridículo da política nacional, em A Natureza do Mal há algum tempo, bem como noutros que a minha memória perdeu); obviamente, agora que o tema foi trazido à tona no Abrupto, ganhará uma visibilidade que os grupos ambientalistas (estranhamente?) nunca procuraram para este problema, mas temo que seja tarde demais. Aliás, creio que em qualquer altura teria sido tarde demais. Lembro-me de há 20 anos se dizer dos eucaliptos o que o Diabo não disse da cruz e nem por isso o descalabro anunciado continuou -- e continua, mesmo depois dos últimos verões -- a ser preparado.

(Eduardo Basto)
*
Sabe o que me aborrece mais nas rotundas? Não é o dinheiro que custaram, a tacanhez que muitas vezes representam, a estátua pindérica lá em cima. É que na relva e florzinhas das rotundas, naqueles jardins de anedota, esgota-se o orçamento municipal para espaços verdes. Depois os miúdos jogam futebol nas playstation , os “shópingues” servem para passeio de domingo e o autarca moderno, regressado de mais uma viagem de confraternização com a cidade “germinada”, promete construir o grande parque como viu lá fora quando os da cor chegarem ao governo e libertarem aquela verbazinha...
(Teresa)
 


A PERGUNTA



do Bloguitica tem toda a razão de ser: "PODE O PÚBLICO SFF ESCLARECER COM QUEM É QUE FÁTIMA FELGUEIRAS MANTEVE CONTACTOS NO SECRETARIADO NACIONAL DO PS? QUANDO É QUE ESSES CONTACTOS TIVERAM LUGAR? QUEM É QUE INFORMOU JAIME GAMA PREVIAMENTE DA LIBERTAÇÃO DE FÁTIMA FELGUEIRAS?". É uma questão demasiado séria para ficar assim no ar.

Já agora, que estamos em Outubro, espera-se a prometida divulgação na rede dos estudos sobre a OTA, todos, conforme o Ministro prometeu. Ninguém se vai esquecer. Com datas, autorias, conclusões, etc.. Governo a governo, ministro a ministro.
 


AR PURO


Albert Bierstadt, Mountain Lake
 


EARLY MORNING BLOGS 615

Sem data


Esta voz com que gritei às vezes
Não me consola de só ter gritado às vezes.

Está dentro de mim como um remorso, ouço-a
Chiar sempre que lembro a paz de segurança estulta
Sob mais uma pedra tumular sem data verdadeira.

Quando acabava uma soma de silêncios,
Gritava o resultado, não gritava um grito.

Esta voz, enquanto um ar de torre à beira-mar
Circula entre folhas paradas,
Conduz a agonia física de recordar a ingenuidade.

Apetece-me explicar, agora, as asas dos anjos.


(Jorge de Sena)

*

Bom dia!
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
ECLIPSES VÁRIOS

À boleia da sua nota "Um eclipse a ver" na revista Sábado, e da ideia que aproveitou Hergé para safar o seu herói de apuros, não resisto a dizer que talvez esse ardil do Tintin não fosse muito original. Ou melhor, não resisto a recomendar um livro delicioso de um fabuloso mestre da literatura, Mark Twain.

O livro intitula-se " Um americano na corte do Rei Artur" e conta as aventuras de um cavalheiro de indústria de Hartford, Connecticut, que tendo sofrido um forte safanão de um dos seus operários em finais do século XIX, acorda em ...Camelot. O desorientado sujeito ao recuperar a consciência é intimado, nem mais nem menos que por Sir Kay, Senescal da Corte, a justar, que é como quem diz a travar uma lide de armas por terras ou dama ou honra.
Indeciso entre as hipóteses de se encontrar num manicómio ou num circo, é imediatamente recrutado como prisioneiro do senescal para "no devido tempo, segundo o costume, ser encerrado numa masmorra e abandonado ali com escassas provisões, até que os amigos o resgatassem, a menos que apodrecesse antes". Isto não sem antes ser exibido ao rei e distinta corte para gáudio dos valentes nobres e frágeis damas e ilustrar as extraordinárias façanhas do cavaleiro que teve a boa dita de o aprisionar.
Condenado a morrer na fogueira, o infeliz e perplexo herói, ao descobrir que será queimado a 21 de Junho de 528, lembra-se de que nessa data ocorreu um eclipse e começa a vislumbrar uma escapatória para a sua delicada situação.

E mais não conto. É mais uma magistral sátira de Mark Twain, desta vez ao espírito cavalheiresco da nobreza medieval.

Não sei se será fácil encontrar este livro em português (o meu é uma edição da Portugália não sei de que ano, oferecido pelo meu avô e muito estimadinho), mas quem quiser pode encontrá-lo na versão original no site The Great Books. Vale a pena o livro e vale a pena o portal.

(Micaela Aparício)

*

Aquele truque de invocação do eclipse não é original do Tintin. Já vem nas Minas de Salomão do Rider Haggard, que o Eça traduziu... (*)

(Vasco G. M.)

*

Nem de propósito o começo do seu "post" para ver o anel que a Lua vai enfiar no Sol
Tendo a nossa imprensa escrita e falada divulgado até à exaustão o eclipse solar anular e não tendo, tanto quanto tenha lido ou ouvido, alguma alma caridosa tomado a inicitiva de emendar a alarvidade dos "pindéricos jornalistas" aqui vão dois links ( UM,DOIS) que comprovam que o eclipse é anelar e não anular, podendo ainda ser total ou parcial.

(Fernando Frazão)

*

... quanto ao nome do eclipse, basta ver no dicionário em linha da Texto que as duas formas anelar e anular são sinónimas, e que quem usa anular são jornalistas mas também astrónomos.

(S.)

*


Foto de Amílcar Lopes António

*



Eduardo Proença, Eclipse, Oeiras, 9.53

*

(*) E numa história que o filho de Colombo conta sobre o pai, acrescento eu...

*

A sua observação «E numa história que o filho de Colombo conta sobre o pai, acrescento eu...» não está correcta; o eclipse em questão foi lunar e não solar. Não havia no tempo de Colombo conhecimentos suficientes para prever um eclipse solar com o grau de precisão que a história exige, pois ele não sabia a que longitude se encontrava. Em contrapartida, é muito mais fácil saber-se que vai ocorrer um eclipse lunar numa dada região mesmo sem se saber exactamente onde se está, pois o tempo durante o qual a Lua está no cone de sombra é de várias horas.

Pode ver uma ilustração deste acontecimento aqui.
(José Carlos Santos)

3.10.05
 



Argozelo, hoje.




Círculos, semi-luas no chão.


O Sol duas vezes

© José Pacheco Pereira
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