ABRUPTO

14.10.12


O RELÓGIO 


Há um relógio invisível na maioria dos portugueses que conta: quanto tempo vai demorar até que deixem de pagar os seus impostos, porque pura e simplesmente não têm dinheiro para os pagar. Uma parte dos seus impostos é retirada com o salário, aí não podem fazer nada a não ser deixar de pagar outras dívidas. O efeito do peso dos impostos vai parar às contas da luz, gás, água, internet, telefone, prestação da casa ou do carro, tudo. Outra parte vem em vagas, que cada vez mais são antecipadas. O IRS de 2011 foi antecipado, os pagamentos por conta também. Depois virá o IMI, com subidas absurdas, cujo incumprimento está também garantido e para o afirmar não preciso de nenhuma folha de Excel. Quantos portugueses estão já hoje a deixar de pagar o IRS entre Setembro e Outubro de 2012? Muitos certamente. E depois não me venham com “surpresas” de que as receitas estão abaixo do previsto. Previsto por quem? Só se for pelo demónio, o Grande Enganador, que pelos vistos vai a Conselho de Ministros.

 O caminho que se segue é o de uma queda ainda mais súbita em todos os incumprimentos: a seguir a falhar o pagamento vêm as execuções fiscais, muito rápidas nestes dias de exigências de pagamento ao estado tão rápidas quanto são lentos os pagamentos do que o estado deve. O fisco funciona a alta velocidade num sentido, cobrar receitas, executar dívidas, e a lento e pastoso no outro, devolver o que recebeu a mais, pagar o que deve. Para muitos cidadãos o incumprimento fiscal torna-os em não-cidadãos: deixam de poder fazer muitos actos da sua vida “porque não têm os impostos em dia”. Nem individualmente, nem como família, nem nos milhares de pequenas e médias empresas. E cresce a economia paralela, com o empurrar de centenas de milhares de portugueses para a evasão fiscal consentida, desejada e quase saudada como resposta ao “enorme” esbulho fiscal. 

É uma via dolorosa que rebenta com uma vida e pode rebentar com um governo e até com a governabilidade do país. Olhem para o relógio.

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Até há algum tempo, e sempre que as situações o permitiam, a resposta a um pedido de orçamento era dada sob a forma de uma pergunta: «Com factura ou sem factura?».
Já repararam que, ultimamente, a pergunta nem sequer é feita?
(
Carlos Medina Ribeiro )
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A propósito do seu post "O Relógio" e da  adenda de um leitor, um aspecto que julgo fundamental:
 
Houve nos últimos tempos uma inversão radical da percepção corrente, no plano da moral individual, da dita Economia Paralela. Até há uns ano, praticá-la, ou ser pontualmente cúmplice dela, era sentido como uma espécie de "facadinha" clandestina, de fuga episódica  ao que de um modo difuso se considerava  certo, o contributo pessoal para o bem colectivo por via do Estado. Neste momento, assumindo-se o Estado como sobretudo agente oficial das "entidades estrangeiras"  que  confiscam  a maioria dos portugueses, participar na economia paralela  é sentido como acto de luta clandestina ao saque, um gesto de solidariedade entre espoliados,  quase um imperativo patriótico de resistência colectiva.
 
 
(Mário J. Heleno)

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