ABRUPTO

22.6.12


COISAS DA SÁBADO: GRÉCIA


Mais uma vez ouve-se o ruído da asneira e da cegueira por toda a Europa, da Comissão, aos governos, à imprensa sempre mais europeísta do que os mais europeístas, sob a forma da frase: “a Europa respira de alívio com os resultados das eleições gregas”. Como é possível que nem sequer se pare para pensar um pouco para se perceber que as coisas na Grécia, e no euro, duas realidades distintas mas comunicantes, estão pior do que o que estavam? Como sabem os prudentes sempre que se perde mais uma oportunidade de resolver os problemas estes agravam-se. E nem sequer é líquido que as eleições gregas tenham sido uma oportunidade. 

Explico-me, coisa que nem valia a pena fazer, dado que bastava algum bom senso para lá chegar. O problema grego não está resolvido, porque o problema grego actual é que o programa que foi imposto à Grécia é impossível de cumprir. E como é impossível de cumprir, não será cumprido, nem pelo Syriza, nem pelo PASOK, nem pela Nova Democracia. O mal grego pode ter a ver com os gregos, mas o problema grego têm a ver com o programa da troika patrocinado pela UE, Alemanha à frente e troika atrás. A Europa não quer saber do mal grego a não ser para o punir, e tem enormes dores de cabeça com o problema grego, o que é natural porque é parte inteira dele. 

As eleições gregas não deram a maioria ao Syriza, o pavor dos círculos financeiros e governamentais europeus, por boas e más razões. As boas é que o programa real do Syriza é o retorno à autarcia e ao proteccionismo, na verdade o único programa genuíno que a esquerda tem na Europa. Escave-se fundo nas propostas da esquerda europeia, dispam-se das roupagens politicamente correctas e o que fica é um erigir de fronteiras face ao dumping social chinês, para manter o que resta do “modelo social europeu”. Se não for possível fazê-lo a nível da Europa, cada país tenderá a fazê-lo por si, com as excepções daqueles que vivem exactamente da globalização e da internacionalização. A Europa proteger-se-á da competição com os produtos chineses mais baratos, feitos com mão-de-obra quase escrava, as deslocalizações serão impedidas porque os seus produtos ficarão demasiado caros ao passarem pela pauta alfandegária, os consumidores pagarão mais caro, mas os salários permanecerão altos e a regalias sociais serão mantidas pelo menos para a presente geração. É uma solução errada, que não funcionará, mas é a única que existe à esquerda para garantir o “crescimento” assente num mercado único europeu protegido. 

 O Syriza não ganhou, mas quase. A continuarem as coisas como estão, ganhará para a próxima, após um período de caos social e de destruição do que sobra da economia, que é o que o governo fraco da Nova Democracia mais os seus aliados vão fazer para tentar cumprir com o programa da troika. E não vão conseguir, porque não é conseguível. É verdade que pode haver algum “alívio” nas exigências europeias como um prémio à Nova Democracia, mas mesmo esse bónus é uma vitória do Syriza e só reforça as suas teses. Aliás, tudo nos resultados eleitorais é bom para o Syriza, que pode, como “principal partido de oposição”, assistir à verificação das suas teses sem assumir responsabilidades de ser governo. 

Vai haver em Atenas um enorme cartaz a dizer a todos os gregos, “eu disse-vos que ia ser assim, da próxima vez não se deixem chantagear pelos alemães…” E é um cartaz eficaz, porque a realidade tem muita força.

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© José Pacheco Pereira
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