ABRUPTO

3.1.04


NECROLOGIAS

Está visto que o dia está fadado para necrologias. Deve ser sina dos dias bonitos de Inverno. Leio no Aviz e no Almocreve das Petas notícias sobre o suicídio de Eduardo Guerra Carneiro. São escritas com saudade, amizade, proximidade e com o incómodo, com a culpa, que os suicidas espalham à sua volta.

Eu também estive neste ofício dos mortos, a escrever uma nota necrológica sobre Victor Sá para os Estudos sobre Comunismo. Com uma diferença: no pouco que conheci pessoalmente de Victor Sá, nunca tive a menor simpatia pelo homem. Tenho dele uma impressão de arrogância dogmática e sectária, muito comum nos comunistas provincianos do Minho, de Famalicão, de Braga, mesmo do Porto. Acresce que ele escrevia sobre o movimento operário, e a mesma ortodoxia agressiva perpassava nos textos. Depois do 25 de Abril, quando tiveram algum poder, eram intransigentes e bem pouco “democratas”.

No entanto, quando se faz de Deus e se escrevem estes balanços de vida, fica uma sensação contraditória sobre o homem. Ele teve uma vida que a PIDE, e essa personagem sinistra que era Santos da Cunha, se encarregaram de estragar com afã. E ele voltava ao mesmo, a fazer as mesmas coisas, com uma persistência que só uma fé poderosa e moderna como era o comunismo explicava. Ainda hoje não sei como é que nesta rectidão, motivada pelas piores ideias, se define uma moral, se há uma moral. Garanto-vos que, visto de perto, não é simples.

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SEM VÓS O QUE SÃO OS MEUS OLHOS ABERTOS?


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EARLY MORNING BLOGS 110

Devia falar de manhãs, à luz destas manhãs esplendorosas de Inverno, com sol e frio. Mas hoje fico pelo tempo, o que nunca se fixa, o que faz as manhãs diferentes:

Imagens que passais pela retina
Dos meus olhos, porque não vos fixais?
Que passais como a água cristalina
Por uma fonte para nunca mais!....

Ou para o lago escuro onde termina
Vosso curso, silente de juncais,
E o vago medo angustioso domina,
– Porque ides sem mim, não me levais?

Sem vós o que são os meus olhos abertos?
– O espelho inútil, meus olhos pagãos!
Aridez de sucessivos desertos...

Fica sequer, sombra das minhas mãos,
Flexão casual de meus dedos incertos,
– Estranha sombra e movimentos vãos
.”

(Camilo Pessanha)

*

Bom dia!

*

Breve nota de engano meu: afinal o poema de Eleanor Farjeon, musicado por Cat Stevens, já tinha sido publicado há 60 manhãs atrás. Obrigado a José Carlos Santos que o enviou originalmente e que me recordou o erro.

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VER A NOITE

Não deve andar muita gente lá fora, a estas horas. Nas terras ali fora, no campo, sem ser de carro, a pé. Está uma noite estranha, uma combinação de vento forte com rajadas muito frias, mesmo muito frias. À luz de uma metade de Lua, com algumas estrelas ao fundo, num céu apesar de tudo negro. O frio manda, atravessando as árvores sem folhas. Ao longe, numa árvore iluminada para as festas, as pequenas luzes oscilam furiosamente com o vento. Não temos florestas “negras”, mas, se as tivéssemos, não era hora para atravessar nenhuma.

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2.1.04


PRAISE FOR THE SWEETNESS OF THE WET GARDEN


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EARLY MORNING BLOGS 109

Este “Morning has broken” cantado por Cat Stevens, enviado pela Isabel Goulão, representa para mim parte de uma memória especial, gravada pelo mesmo processo inapagável pelo qual um som ou um cheiro nos trazem todo um mundo. O poema é de Eleanor Farjeon, uma escritora menor, amiga de D.H. Lawrence e Robert Frost, entretanto esquecida. A voz de Cat Stevens era a única que me acompanhava numa casa em que estive escondido da PIDE antes do 25 de Abril, e durante tempo demais, quase às escuras pelo que era difícil ler, esperava que o meu único contacto com o mundo exterior me trouxesse jornais, comida e , acima de tudo, notícias sobre o que podia estar a desabar à nossa volta, os amigos presos, a ansiedade em perceber o que se estava a passar, com os ténues meios que se podiam usar. O único disco que havia naquela casa era de Cat Stevens e eu tinha que o ouvir muito baixo. Não sei quantas vezes o ouvi, mas foram muitas.

1)
Morning has broken like the first morning,
blackbird has spoken like the first bird.
Praise for them singing, praise for the morning,
praise for them springing, fresh from the world.

(2)
Sweet the rain's new fall sunlit from heaven,
like the first dewall on the first grass.
Praise for the sweetness of the wet garden,
sprung in completeness where his feet pass.

(3)
Mine is the sunlight ! Mine is the morning
born on the one light Eden saw play !
Praise with elation, praise every morning
God's recreation of the new day.


(Cat Stevens / Eleanor Farjeon)

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1.1.04


IMAGENS

dos últimos dias : uma montanha andina de Frank Church, de 1859, uma ponte tirolesa de madeira de Lovis Corinth, o jovem em cima da cama é de Sara Rossberg, de 1985, um ribeiro de Courbet, e um “gobelet d’argent” de Chardin no Ano Novo. É assim, uma poeira de imagens e de coisas, que assenta, pouco a pouco, no branco do ecrã.

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BIBLIOFILIA 7



Livros que estou a ler, ensaios para trás e para a frente, mas que podem ser recomendados em absoluto, mesmo antes de chegar ao fim.

Joan Didion, Political Fictions, Nova Iorque, Vintage International, 2001

Jornalismo político bem escrito, bem documentado e agressivo. Jornalismo político de revista, encomendado com antecedência, o que permite aos autores acompanhar o seu tema (um político, uma campanha, um escândalo) em tempo real. Veja-se o soberbo “Clinton Agonistes”, que começa assim:

No one who ever passed through an American public high school could have watched William Jefferson Clinton running for Office in 1992 and failed to recognize the familiar predatory sexuality of the provincial adolescent”.

Tanta coisa interessante em Portugal que dava livros destes, o caso D. Branca, o Big Brother, a Casa Pia, e não há nada do género…

Esther de Lemos, Estudos Portugueses, Porto. Elementos Sudoeste, 2003

Apesar do “Esther”, esta senhora, que só conhecia das publicações da União Nacional, colige aqui uma série de ensaios sobre a literatura portuguesa muito interessantes. São sobre obras que deixamos de ler, como as Vinte Horas de Liteira de Camilo. Mostram a solidez da crítica literária do passado, esquecida nas páginas do Comércio do Porto, do Graal e do Panorama, sem qualquer paralelo no fôlego teórico e no cuidado analítico, com a dos dias de hoje.

Louis Menand, The Metaphysical Club. A Story of Ideas in América, Nova Iorque, Farrar, Staruss and Giroux, 2000

Um estudo do enorme impacto da Guerra Civil Americana na história das ideias até à Primeira Guerra Mundial.

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MAIS "UTENTES"

"O que me levou a escrever este comentário foi a troca de posts entre os dois [Vital Moreira e JPP] face às noções de utente e consumidor, justamente a propósito da saúde. Talvez discorde de ambos, mas vamos por partes.

No plano da utilização das referidas "comissões de utentes" , nomeadamente pelo PCP com o intuito exclusivo de aproveitamento de um canal de batalha partidária, instrumentalizando as ditas comissões, nos casos que conheço à boa maneira do PC que conhecemos. Por razões profissionais (trabalho em planeamento e desenvolvimento local) dei com casos em que as mesmas pessoas me apareceram em reuniões do sector da saúde, do sector dos transportes, etc. sempre como "representantes" da comissão de utentes do respectivo sector ou ainda de "amigos do hospital x". Não posso aqui discordar mais de Vital Moreira na medida em que não sendo "a paternidade" das comissões de utentes do PCP, aquele partido usa-as , as que pode, como terreno partidário e portanto nesse caso não são "os utentes (...) organizados em "grupos de interesse" com força suficiente para contrabalançar o peso dos sindicatos de funcionários e das ordens profissionais", até porque, muitas vezes, aquelas pessoas nem sequer são "utentes", por exemplo, de transportes públicos, mas estão ali como militantes partidários para ocupar, digamos, "tempo de antena". Ora, não é disto que o exercício da cidadania precisa, a meu ver, mas sim da participação activa dos cidadãos enquanto tal e não enquanto militantes funcionários de um partido com uma lógica que nada tem a ver com a lógica da democracia participativa onde os cidadãos, enquanto tal, exercem direitos e deveres cívicos (citizenship - no sentido de relação jurídica entre o cidadão e o Estado) mas ainda, e disso a nossa democracia é ainda mais deficitária, de uma cidadania "em acção" (citizenry). O trabalho na comunidade local (community work), onde teríamos muito a aprender com experiências locais enraízadas em culturas democráticas como as do norte da américa (EUA e Canadá).

Lá fora, para usar a expressão de Vital Moreira, não se trata de "comissões de utentes", mas sim de cidadãos que assumem na prática, em pleno, essa condição, nomeadamente ao nível territorial de proximidade aos problemas reais e à vida quotidiana dos mesmos cidadãos, isto é, ao nível das respectivas comunidades locais.

No plano dos conceitos de utente e consumidor, no modelo de sociedade e respectiva economia, em que vivemos, é enquanto consumidores que também deveremos exercer a nossa cidadania e não vejo que "venha mal ao mundo" por sermos consumidores, também de serviços públicos, e nessa condição, precisamente, sermos consumidores activos e não meros utentes passivos de um serviço que é visto como obrigação que o Estado tem em prestar aos "utentes de serviços públicos". Numa sociedade em que os cidadãos têm também deveres como contribuintes, entre outros, e aí sim, o Estado tem também deveres face a esses cidadãos, tendo preocupações sociais, nomeadamente, no sentido de conferir poder aos que dele mais afastados estão. Portanto, independentemente de estar ou não de acordo com a forma e o modelo de empresarialização dos hospitais - não é isso que se discute aqui - julgo que a ideia de menorização do nosso papel de consumidor e de valorização do nosso suposto papel de "utente" é errónea.

Em primeiro lugar porque o consumidor não é um "simples consumidor", mas é, ou deveria ser cada vez mais, isso sim, um consumidor-cidadão, activo, também, e por maioria de razão, numa economia de mercado, onde o seu papel é crucial ao funcionamento da mesma. Em segundo lugar porque a lógica do consumo inevitavelmente numa sociedade que nele se baseia estendeu-se igualmente aos serviços. Certamente que consumir serviços de saúde, de educação, de cultura, não é equivalente de consumir detergentes, mas também o consumo de obras de arte não é equivalente do consumo de dentífricos, mas nem por isso todos eles deixam de ser práticas de consumo uma vez levadas a efeito no âmbito de uma economia de mercado. E sabemos bem que a produção de serviços de saúde, educação, cultura, etc. se faz, crescentemente, tendo em conta a sua mercadorização, e não vejo que, também por aí, "venha mal ao mundo", assim os critérios de concorrência que a tal obrigam sejam claros e pautados pela optimização da qualidade e excelência face à sua procura no mercado por consumidores cada vez mais informados e exigentes.

O que é fundamental é que os direitos e deveres de consumidores e produtores estejam acautelados e que os cidadãos tenham, também enquanto consumidores, crescente poder. Quanto ao "utente" ele parece-me fazer parte de outra era. Justamente uma era em que o cidadão era tratado, no "guichet", como mero utente, sem direitos e apenas com obrigações de reverência face ao Estado. O ideal seria, de facto, caminharmos para uma sociedade de consumidores activos, responsáveis e com poder de exercício activo da sua cidadania. O que precisamos é da expressão organizada dos cidadãos (também como consumidores de serviços públicos e privados) e não de "utentes"...
"

(Walter Rodrigues)

"Sou o Presidente da Direcção da Associação de Utilizadores do IP4 e será bom esclarecer a génese desta associação, e até do seu nome (que é utilizadores e não utentes propositada e precisamente pela ordem de ideias exposta no seu comentário de 2"6.12).

O comentário de Rui M. é todo ele injusto pela sua generalização e ligeiro até na identificação da comissão do IC19 que não é de utilizadores mas sim de utentes e isso faz muita diferença - até para se perceber quem é prolongamento e quem não é.

A nossa associação constituiu-se regularmente por escritura pública e tem em andamento o processo do seu reconhecimento legal; nas fichas de adesão para sócios recolhemos sugestões e opiniões de todas as cerca de 1000 pessoas que se associaram; a todas elas enviámos convocatórias para a assembleia geral que elegeu os órgãos socias onde explicitámos os objectivos estatutários da associação pelos quais temos regido toda a nossa actividade; todas as folhas de recolha de assinaturas (cerca de 11000) duma petição que entregámos ao PM tinham o texto completo e o fundamento legal da petição; temos as nossas continhas implacavelmente documentadas; a direcção é composta de um militante partidário (eu, efectivamente, que até me vi a contribuir para um programa eleitoral mais por ser da "sociedade civil" - outro termo bonito - que por ser militante, e mesmo quando enquanto militante até tenho algum empenho em produzir documentos e propostas; outra boa questão: não poderiam os partidos abertamente ter actividade nestas causas das associações? não serão elas escapes para o anquilosamento dos partidos?) de resto, na direcção, é mais um informático paraquedista, uma jurista, um eng.º, um piloto de ralis, um benfiquista e a associação de estudantes do Piaget de Macedo de Cav.

Houve no nosso caso um sério processo de legitimação e a meia dúzia de pessoas que constitui a nossa direcção é gente de bem (não é que os militantes do PCP não o sejam, claro está...). A democracia custa a praticar, mas consegue-se, e era bom que Rui M. soubesse que há quem tente e não ande aqui pela imagem, nem cede nos princípios. Sendo pertinente a observação de Rui M. quanto à legitimidade, porque de facto já pensei muitas vezes que posso numa entrevista estar a ser apresentado como representante de pessoas que nunca pediram ou quiseram ser representadas por esta associação, mas esta pode ser uma questão da qualidade do jornalismo que se faz mais que da legitimidade de quem é entrevistado; Dispenso-me de elencar o que tem sido a nossa actividade, as nossas campanhas, as nossas propostas, não obstante muitas vezes, por não saberem o que fazemos ou dizemos de facto nos ponham na boca palavras que nunca dissemos.

(…)

Rui M. não sabe por ex. que nunca fizemos qualquer manifestação, qualquer corte de estrada; que todas as nossas iniciativas visaram sempre um propósito de sensibilização (por pouco eficaz que esta possa ser). O termo utilizadores foi por nós propositadamente usado como fuga, como alternativa ao termo utentes e o termo associação também foi propositadamente usado, e legalizado, como alternativa a esse das comissões, bastante mais fáceis de constituir.
O comentário dos telefonemas aos jornalistas é também ele injusto, mas neste caso para os jornalistas, pois pressupõe que os mesmos não têm critério para escolher ou avaliar a credibilidade de quem entrevistam. E no nosso caso até nem é por telefonemas, é por mail. Dizemos o que vamos fazer, se cobrem a iniciativa cobrem, se não cobrem não cobrem. O resultado é o mesmo que se não tivéssemos um milhar de associados, é verdade, mas sabe muito melhor assim, sabe a democracia. E olhe que também já provámos muitas vezes o sabor à demagogia e o que é curioso é que essa é-nos sempre servida por "democratas" dos partidos (todos, até do meu)."


(Luís Mota Bastos)



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INTERNET PIMBA

Para os que acreditam que as tecnologias provocam revoluções sem mediação social, ou seja, sem ser em conjugação com os factores sociais que as condicionam, pode-se ver um interessante retrato da Internet através das procuras mais comuns no Yahoo em 2003. Presumo que os resultados omitem as procuras com termos ligados ao sexo, (que ainda devem ser mais comuns no Google) embora o Yahoo tenha deixado elementos para se perceber a sua importância através de estatísticas sobre o caso Paris Hilton que nos enche o correio de spam.
É, são as literacias a montante e a jusante que explicam tudo, não o mero acesso a novas tecnologias. Não é só a televisão que é pimba.

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31.12.03


BOM ANO NOVO!



Com os simples, para os simples.

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EARLY MORNING BLOGS 108 / SCATTER ALL MY UNBELIEF

Apenas um hino, o Morning Hymn, de Charles Wesley, e chega. Vai na língua original, mas, mais tarde, vale a pena tentar a tradução. Assim seja.

Christ, whose glory fills the skies,
Christ, the true, the only light,
Sun of Righteousness, arise,
Triumph o'er the shades of night:
Day-spring from on high, be near:
Day-star, in my heart appear.

Dark and cheerless is the morn
Unaccompanied by thee,
Joyless is the day's return,
Till thy mercy's beams I see;
Till thy inward light impart,
Glad my eyes, and warm my heart.

Visit then this soul of mine,
Pierce the gloom of sin, and grief,
Fill me, Radiancy Divine,
Scatter all my unbelief,
More and more thyself display,
Shining to the perfect day.


*

Bom dia!

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30.12.03


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES

PAUL VALERY, AUTOR DE BLOGUE


Ao ler os TLS que assino, mas raramente tenho o tempo para ter o prazer de os ler, encontrei na edição de 14 de Novembro a crítica da publicação dos Cahiers de Valéry.

Durante 50 anos, todos os dias, pela madrugada (entre as 5h00 e as 7h00), Paul Valéry encheu 260 livros de anotações, preechendo 28.000 páginas. Estas notas, sobre tudo e mais alguma coisa, mostram que Valéry pode bem ser o maior "early morning blogger" do séc. XX.

Agora, com a edição da tradução inglesa, de apenas parte do corpus total, talvez se veja, mais uma vez, o renascimento do autor de "Le Cimitière mari,”, que parece reaparecer ao sabor de modas literárias.

Curiosamente, o homem que escreveu "Introdução ao método de Leonardo Da Vinci", outro blogger(se considerarmos os seus cadernos de anotações), nunca conseguiu definir um método de classificação dos seus próprios Cahiers. Mas entendemos os esforço, do poeta que escreveu "Ce qui n’est pas clair, n’est pas français".

Da nova edição:
“My great work, seems to have been, from the Notebooks, the search for expression of everything through observations of myself. I — without name — I, simple negation — (Not-I).”(C, XXV, 466)”


Latinista Ilustre


SOBRE O DESTINO DA BIBLIOTECA CRUZ MALPIQUE

Algum familiar (…) do Dr. Cruz Malpique escreveu um desabafo acerca da doação feita pelo referido Dr. Cruz Malpique ao então Liceu Nacional Alexandre Herculano de todo o seu espólio que ficou num espaço conhecido como a Biblioteca Cruz Malpique.

Sou Professora da agora Escola Secundária Alexandre Herculano (no ano passado escola Secundária de Alexandre Herculano) resultante da fusão do "velho Alexnadre" (que sei ter sido o seu "liceu") e do "velho Rainha". Estou nesta Escola há "apenas" 22 anos (…) Ainda me lembro muito bem do Dr. Cruz Malpique: não só de o ver pelos corredores do "Alexandre" como também de o ver por estes lados, no "Foco" onde, creio, morava!

A BIblioteca Cruz Malpique foi sempre um espaço tido em grande consideração na Escola. Foi sempre um espaço bem cuidado, nunca esquecido mas talvez não se tenha feito uso dele como o teria querido o Dr. Cruz Malpique: aberto à comunidade discente para que esta pudesse ter acesso a toda a informação aí guardada.

A partir deste ano lectivo, data de uma reformulação total de Escola a nível de comunidade escolar e de logística interna, foi com muito agrado que vi este espaço tão bonito ser a sala de estar da Escola Secundária de Alexandre Herculano e não só! É nesta Biblioteca que se realizam as sessões do Conselho Pedagógico da nossa Escola e creio que, muito brevemente, irá ser posta ao acesso dos alunos também mantendo-se assim viva a vontade do Dr. Cruz Malpique.

Hove também, há muito pouco tempo, uma Feira do Livro a nível de escola que teve lugar neste espaço. "


(Manuela Pimenta ) .

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CARICATURAS ANTI-PORTUGUESAS

publicadas na União Indiana nos anos cinquenta. A quem interessar, coloquei alguns exemplos nos Estudos sobre Comunismo.

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SOBRE “UTENTES

No Causa Nossa, Vital Moreira criticou a nota “Utentes” do Abrupto. Aqui fica um extracto da argumentação, que vale a pena ler no seu conjunto:

"Francamente, não percebo a condenação. O termo "utente" é desde há muito a designação corrente e oficial dos beneficiários dos serviços públicos, entre nós e lá fora. As leis da saúde estão cheias do termo "utentes". A recente lei da entidade reguladora da saúde utiliza a noção nada menos do que 13 vezes. E não é nenhuma excepção. Ao contrário do que sustenta JPP, existe uma diferença essencial entre "utente" e "consumidor", pois aquele designa justamente os que recorrem aos serviços públicos, enquanto o segundo denomina os aquisidores finais de produtos mercantis.”

Rui M. escreve sobre o mesmo termo e o seu uso:

São comissões de utentes, comissões de utilizadores etc. Sem dúvida puro PCP, mas quem “legitima” esta realidade é a comunicação social. Quando meia dúzia de pessoas fazem uma manifestação e intitulam-se (por exemplo) Comissão de utilizadores do IC19 e isso é repetido até à exaustão por tudo que é televisão, jornal ou rádio, de repente milhares de cidadãos estão supostamente representadas por meia dúzia de pessoas sem que tenha havido qualquer processo de legitimação dessa representação. O mais interessante é que o legislador pensou e criou na lei este tipo de associação, mas é mais fácil reunir algumas pessoas e fazer uns telefonemas para alguns jornalistas, o resultado é o mesmo.”


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SÓ QUANDO SE CONSOME A VIDA SE MANTÉM


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EARLY MORNING BLOGS 107

Por lembrança do Vasco Graça Moura, aqui ficam os galos, os mesmos galos que ouço pela manhã. Olhando para baixo, depois de um campo que se transforma em lago no inverno, vejo a terra de Rui Belo, cortada por uma estrada mortífera, a que vêm dar as colinas que cerram o vale. Como todas as estradas portuguesas, vai-se pouco a pouco enchendo de restaurantes, parques de automóveis à venda (uma novidade dos últimos anos), a ocasional fábrica de concentrado de tomate (espanhola), que trabalha só sazonalmente. Os restos apodrecem como o menino de sua mãe: lagares, adegas abandonadas, quintas antigas entregues ao mato, ruínas do tempo em que o vinho era o senhor do Ribatejo. Velharias é o que mais há e os antiquários passam, predando os montes de cadeiras partidas, pias de pedra, ânforas, arcas, os mil e um objectos já sem função, pesos, medidas, gigantescos funis, alguidares, alambiques. Aqui e ali, roseiras esplêndidas sobrevivem.

OS GALOS

Já os galos tilintam na manhã
numa múltipla voz aonde vibra a voz de dedos em cristais
mais que dedais de dedos na mais fina porcelana
Já os galos tilintam na manhã
há já pão mole e lombo assado nas primeiras lojas
se voltamos dos touros e sentimos fome
e mais que o pão nos sabe o pão quebrar nos dentes
em vendas novas era ainda vivo o Carlos
vivo agora na voz que a madrugada envia
às dunas deste dia mais que o tempo se escondia nos revela
talvez timidamente mas decerto sabiamente
Já os galos à beira do mais puro amanhecer
que touca o céu da mais fina das fímbrias
pouco antes de acender os máximos o sol
esse infractor do código da estrada que nem mesuro em cima
de nós procede à mutação da luz
já os galos que são o símbolo da voz
que abre e logo quebra numa abóbada de ânfora
moem os nós da voz na fímbria da manhã
A esta hora de equilíbrio luminar
os galos são os rígidos e estritos observantes
do ritual restrito da destruição
quando de crista erguida uns aos outros passam
a vida única vítima afinal a imolar
Só quando se consome a vida se mantém
e sei agora como o sabem bem
esses tenores sapientes saborosos exigentes
que têm na garganta a música difícil
que precede o abrir do novo dia
Madrugai galos madrigais de madrugadas
Ó galos ó manhã ó vida ó nada


(Rui Belo)

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29.12.03


IDADES



Isto das idades, das idades relacionadas com o sexo e o amor, é , sabe-se, muito complicado. Vamos, nos próximos meses, ter à saciedade, discussões sobre o sexo e a idade, consentimento ou falta dele, crianças a comportarem-se como adultos e adultos a comportarem-se como predadores. Muito complicado.

Tenho-me lembrado muitas vezes como na literatura portuguesa, quando havia inocência ou falta dela, as idades roçavam a perigosa pedofilia. O Carlos e a Joaninha de Garrett, diz Silva Carvalho, parece pedofilia. Ele gostava demasiado de a ver saltar para o seu colo com seis anos. Camilo Castelo Branco (que se casou com 16 anos) fez a Teresa do Amor de Perdição com 15. Que a coisa não era inequívoca percebeu-o o autor que abriu uma excepção para a sua heroína:

"Os poetas cansam-nos a paciência a falarem do amor da mulher aos quinze anos, como paixão perigosa, única e inflexível. Alguns prosadores de romances dizem o mesmo. Enganam-se ambos.
O amor dos quinze anos é uma brincadeira; é a última manifestação do amor às bonecas; é a tentativa da avezinha que ensaia o voo fora do ninho, sempre com os olhos fitos na ave-mãe, que a está da fronde próxima chamando: tanto sabe a primeira o que é amar muito, como a segunda o que é voar para longe.
Teresa Albuquerque devia ser, porventura, uma excepção no seu amor.
"

Na poesia, lembro-me desta mesma ambiguidade. Castilho, que tinha a desculpa de ser cego, fazia a coisa aos treze anos:

Já tenho treze anos,
que os fiz por Janeiro;
madrinha, casai-me
com Pedro Gaiteiro.”


E Machado de Assis lembrando-se de uma Menina e Moça (com que idade a teriam levado de casa dos seus pais?) e tendo dois olhos, sabia-a

Está naquela idade inquieta e duvidosa,
Que não é dia claro e é já o alvorecer;
Entreaberto botão, entrefechada rosa,
Um pouco de menina e um pouco de mulher.
(…)
É que esta criatura, adorável, divina,
Nem se pode explicar, nem se pode entender:
Procura-se a mulher e encontra-se a menina,
Quer-se ver a menina e encontra-se a mulher!


Por aí adiante. Muito complicado.

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RIO DOURO

A propósito da minha nota sobre o Cabedelo e o Rio Douro, Manuel Matos recorda este texto de Fanny Owen de Agustina:

O rio Douro não teve cantores. Teve-os o Mondego e o Tejo também. Mas, para além das cristas do Marão, em vez do alaúde e da guitarra havia o repique dos sinos ou o seu dobrar espaçado. Havia o tiro certeiro dos caçadores de perdiz, lá pelas bandas da Muxagata e do Cachão da Valeira. E o clarim das guerrilhas ouvia-se através da poeira de neve que cobria os barrancos de Sabroso. O rio Douro ficou banido da lírica portuguesa com a sua catadura feroz pouco própria para animar os gorjeios dos bernardins, que são sempre lamurientos e que à beira de água lavam os pés e os pecados. E, no entanto, trata-se de um rio majestoso como não há outro. Eu vi-o em Zamora e não o reconheci; diz-se que as margens eram carregadas de pinheiros e daí o seu nome dum que quer dizer madeira. Mas entra em Portugal à má cara. Enovela o caudal sobre penhascos, muge e ressopra como um touro com molhelha de couro preto a subir uma calçada. Não creio que os poetas o habitem; e, no entanto, Dante tê-lo-ia amado e preferido; como preferiu os estaleiros incandescentes de Veneza e os túmulos abertos das arenas de Arles, para descrever o inferno. Por cá, são brandas as liras; com o aguilhão da fome, às vezes saltam umas revoltas que vibram na Calíope alguma bordoada. Com o ferrão do amor, não se cometem senão delitos em forma de soneto ou de sextilhas.
Epopeias são raras, as musas são mimosas e não ardentes.”


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EARLY MORNING BLOGS 106

Estas “Contrariedades” de Cesário Verde parecem o acordar de muitos bloguistas, azedos e zangados com a importância que o mundo lhes dá. O poema é tão certeiro, tão certeiro, sobre as nossas mediocridades combatentes, que não resisto em amanhecer com ele. Bom dia!


NATURAIS - CONTRARIEDADES

Eu hoje estou cruel, frenético, exigente;
Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
I
ncrível! Já fumei três maços de cigarros
Consecutivamente.

Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:
Tanta depravação nos usos, nos costumes!
Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes
E os ângulos agudos.

Sentei-me à secretária. Ali defronte mora
Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes;
Sofre de faltas de ar, morreram-lhe os parentes
E engoma para fora.

Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas!
Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortifica.
Lidando sempre! E deve a conta à botica!
Mal ganha para sopas...

O obstáculo estimula, torna-nos perversos;
Agora sinto-me eu cheio de raivas frias,
Por causa dum jornal me rejeitar, há dias,
Um folhetim de versos.

Que mau humor! Rasguei uma epopeia morta
No fundo da gaveta. O que produz o estudo?
Mais duma redacção, das que elogiam tudo,
Me tem fechado a porta.

A crítica segundo o método de Taine
Ignoram-na. Juntei numa fogueira imensa
Muitíssimos papéis inéditos. A imprensa
Vale um desdém solene.

Com raras excepções merece-me o epigrama.
Deu meia-noite; e em paz pela calçada abaixo,
Um sol-e-dó. Chuvisca. O populacho
Diverte-se na lama.

Eu nunca dediquei poemas às fortunas,
Mas sim, por deferência a amigos ou a artistas.
Independente! Só por isso os jornalistas
Me negam as colunas.

Receiam que o assinante ingénuo os abandone,
Se forem publicar tais cousas, tais autores. Arte?
Não lhes convém, visto que os seus leitores
Deliram por Zaccone.

Um prosador qualquer desfruta fama honrosa,
Obtém dinheiro, arranja a sua coterie;
E a mim, não há questão que mais me contrarie
Do que escrever em prosa.

A adulação repugna aos sentimentos finos;
Eu raramente falo aos nossos literatos,
E apuro-me em lançar originais e exactos,
Os meus alexandrinos...

E a tísica? Fechada, e com o ferro aceso!
Ignora que a asfixia a combustão das brasas,
Não foge do estendal que lhe humedece as casas,
E fina-se ao desprezo!

Mantém-se a chá e pão! Antes entrar na cova.
Esvai-se; e todavia, à tarde, fracamente,
Oiço-a cantarolar uma canção plangente
Duma opereta nova!

Perfeitamente. Vou findar sem azedume.
Quem sabe se depois, eu rico e noutros climas,
Conseguirei reler essas antigas rimas,
Impressas em volume?

Nas letras eu conheço um campo de manobras;
Emprega-se a ré clame, a intriga, o anúncio, a blague,
E esta poesia pede um editor que pague
Todas as minhas obras...

E estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha?
A pobre engomadeira ir-se-á deitar sem ceia?
Vejo-lhe luz no quarto. Inda trabalha. E feia
Que mundo! Coitadinha!

(Cesário Verde)

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28.12.03


VELHA EUROPA

Ouço de António Caldara a oratória Maddalena ai piedi di Cristo. O autor é veneziano, os cantores e o maestro da Schola Cantorum Basiliensis. O original da oratória está na Biblioteca Nacional de Viena, o quadro que ilustra o disco é de Quentin Massys, um flamengo, e está num museu em Berlim. A editora do disco tem um nome em latim, Harmonia Mundi, e é francesa. As personagens da oratória incluem, para além de Madalena e Cristo, um “Amor Terrestre” e um “Amor Celeste” que falam em italiano.

É a “velha Europa” no seu apogeu, só que com uma pequena incongruência bastante mais importante do que a geografia: Cristo e Madalena são orientais, levantinos. Esquecemo-nos.

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© José Pacheco Pereira
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