ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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1.6.03
POUCA HISTÓRIA 2
1. Comentando uma observação que fiz no dia 22 de Maio sobre as razões porque há tão pouca meditação sobre história nos blogs , a Aurora do Da Província avança com uma opinião : “A natural estratificação da população que acede à internet ( mais jovem, com elites menos cultas ); a História ser um tema "frio", no sentido de se poder fazer menos aquilo que os portugueses tanto gostam: ser treinador de bancada; o "agora e já" ser um fenómeno de "adição" do nosso tempo ( o tempo em que já não há Tempo) que não permite tertúlias pouco mais que superficiais na Internet ( do género troca de cromos...); a esmagadora maioria dos portugueses (…) não ter a (…) informação (…) para - de forma construtiva - pronunciar-se sobre temas de História; o Passado ser inamovível, no sentido de já não podermos intervir - o que contraria o umbiguismo nacional.” As observações da Aurora tem um ponto que me interessa para o debate : o facto da história não ser “interactiva” torna-a desapropriada para um meio e para a cultura dos seus habitantes , essencialmente motivados pelas vantagens de este ter um carácter opinativo e imediatista sobre os eventos do presente . Há outra razão e essa tem a ver com o diminuto papel que a história , enquanto percepção do tempo e da cronologia , tem no actual sistema de ensino . A influência do estruturalismo em disciplinas como a literatura , a filosofia e mesmo a história , desvalorizou a componente cronológica do saber . Há um artigo recente de Luc Ferry sobre os efeitos devastadores do estruturalismo nos conteúdos dos programas escolares franceses. Logo que tenha a ligação , caso esteja em linha , incluo-a nesta nota . 2. A Susana , o Heitor e o Diogo da Psicossomática responderam assim à pergunta : «Porque razão entre os temas dos blogs e das mensagens neles afixadas há tão pouca presença da história?» Porque João Benard da Costa escreve apenas uma vez por semana no Público, ou seja, porque para o ler é preciso parar, prescindir da pressa, virar para fora, para o que de dentro dele sai por palavras perfeitas. O que queremos dizer com este exemplo precioso é que não basta contar com a presença da história, é fundamental saber como contá-la. Pensamos que raros são os que tendo o gosto pela história não caem no poço seco dos factos sobre factos, datas e links sem acrescentar a forma literária à «coisa» contada provavelmente por uma questão de tempo ou falta deste. É fundamental, cada vez mais, escrever muito bem sendo que escrever muito bem é muito mais do que estar de acordo com a gramática. Estamos a falar de literatura, sim! Não recear as voltas que a língua dá e dar mais do que aquilo que todos os manuais de história têm dado aos estudantes. Por exemplo e que raio de exemplo tão adequado. É que não há manual de história que não seja um repositório de textos sem chama, tristes e bisonhos como triste e bisonho é o ensino da história transformado em axioma sem vida. Que, de facto, a morte é o que temos de certo e o passado está cheio de mortos que a maioria dos historiadores não desenterra, não mexe nem deixa mexer ou toca ao de leve. Levemente. É preciso, diríamos, não recear o erotismo, a sensualidade que encontramos nos textos de Benard da Costa ou Agustina. Seria preciso conquistar os historiadores para a literatura e a disponibilidade que esta exige. Que a literatura começa onde a cabeça tem corpo e o mostra, roça, passa pelos factos e os agarra com as mãos. Não há nada de animal que os animais deixem passar ao lado. A história não deveria ter escapado aos sentidos. Contudo, lá foi escapando. Trata-se, portanto, de uma questão de vida e morte. A «pouca presença da história» não será só a ausência disto, das ding, dessa «coisa» estranha que não se entranha porque só se procura por aquilo que se sabe e reconhece. Sem a pressa com que hoje todos falamos de tudo. Sem medo do ar do tempo que sopra a correr por todo o lado. E todo o lado é de mais. Não?" (url)
© José Pacheco Pereira
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