ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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17.7.15
O tempo mostrará como a pior herança destes dias de lixo que vivemos já há vários anos será de carácter moral. Moral de moral social, cultural e política, atingida no seu cerne pela emergência de uma forma de egoísmo social que se materializa em profundas divisões entre diferentes grupos na sociedade e pela tendência de se ser egoísta olhando para o lado, para o vizinho, ou para os pais dos colegas do filho na escola, ou para o companheiro de trabalho, para a mesa do café do lado, para o que recebe mais 10 euros do que eu, em vez de se olhar para cima, para o exercício do poder e para as suas opções. Lá em cima, agradece-se.
Populismo
Este populismo egoísta, que atinge as pessoas e as nações, tem sido incentivado pelo discurso do poder e ao fortalecer um populismo que é sempre anti-sistema, isola o poder da competição democrática, estiola as alternativas e tende a perpetuar -se. São cada vez menos, mas cada vez mais poderosos.
Uma das razões de sucesso desta imoralidade triunfante é que ela fornece uma panaceia para o ego ofendido de muita gente. Convencidos de que não podem mudar nada – não há alternativa –, o vizinho serve de bode expiatório. Num país (ou numa Europa) atingido por uma anomia profunda – resultado entre outras coisas do apagamento das diferenças históricas entre uma direita de interesses e uma esquerda que de há muito soçobrou aos mesmos interesses, e refiro-me aos socialistas cujo papel na castração da acção colectiva é enorme –, o que hoje se está a dividir, dificilmente se juntará.
A sementeira do egoísmo
A sementeira deste egoísmo, de que o nosso governo foi exemplo nestes últimos quatro anos, e que a crise grega mostrou também ao nível europeu, cria divisões profundas de que as sociedades e as nações só muito dificilmente se livram. Como será a Europa quando o alvo não for a Grécia? E se for a Finlândia, ou a Itália, ou a França ou Portugal? Claro que haverá duplicidade, mas o mal já está feito.
Deixem lá estar no fundo o que não deve vir ao de cima
Os cínicos podem dizer que este egoísmo sempre esteve lá no fundo. É verdade. Mas sabendo eu que sempre esteve lá no fundo, desejaria que continuasse lá no fundo, para bem da sanidade da nossa vida colectiva e da vida em democracia. Se está lá no fundo, deixem-no estar que está bem. Lá no fundo está toda a selvajaria que o sentido cultural que deu origem à democracia não nega, mas não aceita. Que os homens são lobo dos homens sabemos bem demais, mas não convido uma alcateia a vir comer à mesa.
Nunca foi tão claro o que é uma política de interesses
Eu não gosto da facilidade classificatória da esquerda e da direita, evito usá-la, mas não lhe posso escapar porque o que tem de pouco teoricamente rigoroso tem de facilidade descritiva. Pois, a grande herança destes anos de poder da direita em Portugal e na Europa é este espírito egoísta da divisão, entre velhos e novos (talvez a mais escandalosa), entre empregados e desempregados, entre trabalhadores do Estado e do privado, entre ricos e pobres, entre "piegas" e submissos, entre indignados e colaboracionistas, entre nações que têm dinheiro e nações que precisam dele. Nunca foi tão claro o que é uma política de interesses. Nunca foi tão clara a diferença entre cidadão e servo. A isto Marx chamava "luta de classes". A direita ressuscitou-o com esplendor para arregimentar as suas tropas.
Tratado de Versalhes
O único paralelo que conheço para o que está a ser feito aos gregos é Versalhes e as reparações impostas à Alemanha em 1919. A democracia de Weimar sempre foi frágil porque a situação social do povo alemão era um terreno propício a todos os radicalismos e comunistas e nazis exploraram isso até aos limites. Os nazis ganharam entre outras coisas porque o acordo imposto aos alemães no final da guerra implicava que a indústria alemã trabalhava para pagar as reparações, principalmente aos franceses. Nós também cá tivemos uma parte em locomotivas e em guindastes nos portos. Os nazis ganharam porque parte da Alemanha foi ocupada e as potências ocupantes extorquiram o máximo que puderam.
Um país ocupado
Se o acordo tão celebrado for adiante, o que ainda está longe de ser certo, a Alemanha e gente como Dijsselbloem vão governar a Grécia contra os gregos, a partir de Bruxelas, Frankfurt e Berlim. Não custa imaginar como o Syriza virá a ser lembrado como exemplo de moderação, face à nova extrema-esquerda que irá surgir. E a extrema-direita grega, uma das mais virulentas da Europa, não precisa de mudar, basta-lhe crescer. Os alemães e os seus gnomos podem vingar-se, como estão a vingar-se, do "não" grego, mas os europeus genuínos sabem que o mal está feito e vai muito para além do que está a acontecer à Grécia.
O projecto europeu morreu.
Da .
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A HUMILHAÇÃO
Será que os nossos eminentes governantes europeus não sabem que poucas coisas são tão perigosas para a paz como a humilhação?
E que se pensam, como os nossos alegres patetas que embandeiram em arco com o que se está a passar, que o que estão a humilhar é o Syriza estão bem enganados. São os gregos e é a Grécia.
Somos nós, Portugal.
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A RESISTÊNCIA DOS "ESTRANHOS COMPANHEIROS DE CAMA"
Já tenho usado algumas vezes a frase da Tempestade de Shakespeare sobre os “estranhos companheiros de cama” gerados pela “miséria” dos dias que atravessamos.
A citação em inglês é "misery acquaints a man with strange bedfellows" e refere-se a uma altura em que Trinculo, para se proteger da tempestade, se mete debaixo do manto de Caliban. Trinculo achava que Caliban era uma espécie de peixe, antes de lhe reconhecer forma humana, e Caliban olhava com desconfiança Trinculo que lhe parecia um espírito atormentado. “Estranhos companheiros de cama”.
Existe hoje na vida política portuguesa uma série de “estranhos companheiros de cama”, cuja voz pública tem sido muitas vezes, aliás quase sempre, das mais duras contra a situação, contra o governo da coligação PSD-CDS. Incluo-me nesse grupo de pessoas e escrevo sobre elas não porque ninguém sinta qualquer necessidade de o justificar, bem pelo contrário, mas porque este fenómeno político é uma característica dos nossos dias e merece ser analisado. Muitas das críticas com mais sucesso ao actual poder, todas percursoras e algumas que se tornaram virais, vieram desse grupo de pessoas e não de outras em que, pelo seu posicionamento político, teriam sido mais previsíveis.
Num comício sobre a Grécia, falei ao lado de dois membros do Bloco de Esquerda, Louçã e Marisa Matias, de um economista comunista Eugénio Rosa, de um socialista Manuel Alegre, da escritora Hélia Correia e do democrata-cristão Freitas do Amaral. Algumas das palavras mais duras nessa sessão sobre o “estado da Europa” vieram da mensagem de Freitas do Amaral. Durante a semana, Bagão Félix e Manuela Ferreira Leite, pronunciaram críticas muito duras ao governo, como aliás fazem já há alguns anos. Em matérias mais específicas, como por exemplo, as questões de soberania ou a situação das Forças Armadas, Adriano Moreira e Loureiro dos Santos, não tem poupado a acção governativa, com críticas de fundo e de grande gravidade. Podia continuar com vários exemplos de outros homens e mulheres, que estão longe de serem revolucionários, radicais, extremistas mas cuja voz se ergueu com indignação face ao mal que está ser feito ao país, com intolerância face ao erro e com um espírito analítico certeiro. “Quem fala assim não é gago”, é uma frase que se lhes pode aplicar.
Também por isso são alvo de uma enorme raiva, impropérios, insinuações, acusações que transpiram do lado situacionista, no terreno anónimo dos comentários não moderados, que não são senão reproduções das conversas obscenas que certamente se travam nos bares da moda e nas reuniões partidárias das “jotas”. São os “velhos do restelo”, até porque na maioria não são novos, que se opõem à gloriosa caminhada governativa émula das Descobertas, não se percebe bem para quê, nem com que gente valorosa e destemida. São os “treinadores de bancada”, na linguagem futebolística que se lhes cola como um fato de treino, os que “só dizem mal”, “que falam, falam” mas não fazem nada. São os “ressabiados” porque não lhes foram dadas sinecuras, lugares, posições, quiçá negócios, a que julgavam ter direito. Esta crítica é muito interessante porque é espelhar, quem a faz vê-se ao seu próprio espelho
O que verdadeiramente não suportam é a independência alheia. “Jovens” de quarenta anos, cuja carreira, se reduz a cargos partidários e as respectivas nomeações como “boys”, escrevem e vociferam tudo isto. E afirmam com jactância que ninguém ouve os “velhos do Restelo”. Estão bem enganados, em termos de audiências, partilhas, e influência, são no chamado “espaço mediáticos” dos mais ouvidos, vistos e influentes. Falo dos outros e não de mim, mas também não me queixo.
A tempestade que criou estes “estranhos companheiros de cama” explica a sua emergência e o manto que os cobre. Em partidos como o PSD e o CDS, mas em particular no PSD, houve uma clara deslocação à direita, violando programas e práticas identitárias, já para não falar do legado genético do seu fundador Francisco Sá Carneiro. Esta deslocação de um partido que foi criado pelo desejo fundador de ser o partido da social-democracia portuguesa, consciente de que num país como Portugal a “justiça social” era uma obrigação de consciência e de acção, levou à sua descaracterização. E pior ainda, à mudança do seu papel reformador na sociedade.
O PSD que está no governo e que manda no partido, com as suas obscuras obediências maçónicas, com o seu linguajar tecnocrático, com a sua noção de que a “economia” são os “empreendedores” e não os trabalhadores, com os seus sonhos de criar um homem novo ao modelo de Singapura, com o seu desprezo pequeno burguês… pela burguesia, pela sua vontade de agradar aos poderosos do mundo, pela subserviência face ao estrangeiro, encheu-se de pessoas cujo currículo é constituído pelos cargos internos no partido e pelos cargos públicos a que ser do partido dá acesso. A sua repulsa e indignação pela corrupção é escassa para não dizer nula, e personagens cujos negócios são clientelares, para não dizer mais, são elogiados em público, servem de conselheiros e são nomeados para cargos de relevo. O que é que se espera que gente como Manuela Ferreira Leite, que é de outra escola da vida, diga?
E que posições tem defendido estes “estranhos companheiros de cama” que justifica serem tratados pelos boys como sendo, pelo menos, cripto-comunistas? Falam de facto de coisas perigosas e subversivas, como do patriotismo e da soberania, falam de um Portugal que não se exibe apenas á lapela. Falam da democracia e do risco do voto dos portugueses não servir para nada, visto que o nosso parlamento tem cada vez menos poderes. Falam dos portugueses que não andam de conferências de jornais económicos, a programas de televisão a explicar que as eleições são um “risco” para a economia. Falam dos outros portugueses, dos enfermeiros e dos professores, dos médicos e dos jovens arquitectos sem trabalho, dos pescadores, dos agricultores, dos operários (sim, ainda existem), dos funcionários do estado, insultados e encurralados, da pobreza que se esconde e da que se vê. Falam das desigualdades que crescem, da pobreza envergonhada que existe na classe média, do confisco fiscal, das prepotências da administração, da indiferença face aos mais velhos, aos reformados e pensionistas. Falam muitas vezes com a voz da tradição cristã, da doutrina social da Igreja, dos que foram deixados cair no desemprego, das mulheres que antes eram operárias e ganhavam o seu sustento e hoje são donas de casa, falam dos “piegas” que perderam a casa, o carro, e pior que tudo, a dignidade de uma vida decente.
Deviam estar calados, porque isto é “neo-realismo”. Estes são os portugueses de que não se deve falar. E fazem-no para defenderem nacionalizações, para atacarem a economia de mercado, a propriedade? Não. Falam muitas vezes porque são conservadores e genuínos liberais, gostam do seu país e gostam dos portugueses, da democracia e da liberdade. Eu sei, tudo isto é hoje revolucionário.
Mas há mais. Sentem, como se numa mais que sensível pele, a hipocrisia dominante, ao ver aqueles que destruíram muita da política de Mariano Gago, a elogiar o seu papel na ciência em Portugal, ou quem afastou Maria Barroso da Cruz Vermelha a elogiar as suas virtudes como “grande senhora”. E sabem porque tem sucesso e influência? Porque a sua indignação é genuína e não mede as suas palavras num país de salamaleques, e não falam por conveniência própria nem por obediência partidária. Se fossem mais cordatos e mais convenientes, teriam certamente honras, lugares e prebendas.
Por tudo isto, quando chove e venta e troveja, a manta de Caliban é bem-vinda. É meio peixe? Talvez, mas como não conto ir nadar para o mar dele e ela não conta vir para o meu, une-nos a manta que nos protege da tempestade. E enquanto chove e venta e troveja são os “meus estranhos companheiros de cama” contra a chuva, o vento e a trovoada. Penso, aliás como Churchill, que se o Diabo entende atacar Hitler, sou capaz de dizer umas palavras amáveis sobre o Inferno na Câmara dos Comuns.
É este espírito que “os estranhos companheiros de cama” têm tido a coragem de trazer para a vida pública portuguesa em que tudo desune e nada junta, mesmo quando o adversário usa de todas as armas. É por isso que, a seu tempo, ficarão como resistentes desta tempestade e não gente que foi à primeira chuvinha abrigar-se nas mansões menores do poder.
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ALGUMAS PERGUNTAS DO "NÃO" GREGO
Democracia, liberdade e soberania
Os gregos estão a levantar na prática a mais importante questão europeia em tempos de paz: a construção europeia está a fazer -se contra a democracia e só no espaço soberano é que ainda resiste alguma democracia. A questão da soberania na Europa de hoje é essencialmente a questão da democracia. No meu país eu ainda mando, embora cada vez menos; na Europa, só os mais poderosos, como os alemães, mandam. O meu voto já não decide os orçamentos, mas sim os burocratas de Bruxelas e os seus mandantes políticos. Estamos, como na revolução americana, "no taxation without representation".
O que é mais importante no processo grego, a "esquerda" radical ou a "dignidade dos gregos"?
Uma das razões por que os grupos mais à esquerda tiveram muitas dificuldades em mobilizar e apoiar a causa grega é que acentuaram a questão da "esquerda" mais do que a questão da soberania grega afrontada. Bem vistas as coisas, e se não houvesse o conflito com a Europa, a maioria das posições do Syriza expressas nos últimos meses são quando muito social-democratas moderadas ou keynesianas. O que hoje transporta a acusação de "radicalismo" não é o que os gregos pretendem como medidas de governação, mas o facto de não aceitarem ser governados por estrangeiros. Ao que chegámos.
Qual foi o papel do patriotismo na vitória do "não"?
Foi essencial. Os críticos dos gregos acentuam a "recusa da austeridade", mas penso que estão enganados, e não é por inocência. Na verdade, os gregos sabem bem demais que o "não" vai ter custos e por isso a sua motivação está longe de ser egoísta, a única que uma certa direita compreende. Não, a sua motivação é acima de tudo patriótica e o patriotismo é o fantasma que assola uma direita que encontrou no "europeísmo" um acrescento de poder para cumprir o seu programa social.
Qual é o papel dos partidos políticos europeus?
Tem-se assistido nos últimos anos a um crescendo de poder de entidades multinacionais como são os partidos políticos europeus, como é o caso dos PSE e do PPE. Esse poder que originalmente se concentrava no Parlamento Europeu tem vindo a deslocar-se para o Conselho, à medida que a Comissão se enfraquece. Como há muitos anos afirmo, o fortalecimento do Conselho (e do Parlamento) e o enfraquecimento da Comissão é a grande razão, do ponto de vista institucional, para a crise do projecto europeu. A crise preencheu essa mudança institucional com uma clara hegemonia do PPE na política europeia, a que os socialistas soçobraram.
Qual é o papel do "europeísmo" na hegemonia do PPE?
O precursor ideológico da actual hegemonia da direita mais à direita e dos socialistas de serviço foi o "europeísmo", ou seja, uma mescla de utopismo europeu, de federalismo, que matou as diferenças políticas e tornou a não democracia europeia numa antidemocracia. Esse "europeísmo" tinha raízes muito fortes na Alemanha, que projectava para a Europa o federalismo dos seu länder e nalguns partidos fundadores do PPE como a democracia cristã italiana, e isso fez do PPE o ponta -de -lança político que utilizou melhor as instituições europeias esvaziando-as do conteúdo solidário original. Os socialistas, em perda eleitoral, alinharam com o PPE para combater a contestação populista contra os seus governos, corruptos como em Espanha e na Grécia, incompetentes em muitos outros países, e acabaram por cair na armadilha do Tratado Orçamental.
Democracia grega versus democracias europeias – a palavra democracia é usada do mesmo modo?
Não. O argumento é colocar a democracia grega que se reconhece existir em comparação com as putativas democracias dos outros Estados europeus nesta matéria. É uma pobre comparação, como se fosse a mesma coisa. Não é.
Na França, em Espanha, em Portugal, os governos nunca colocaram aos eleitores nada de parecido com qualquer posição sua face à Europa que legitimasse serem contra os gregos. Bem pelo contrário, a política europeia é retirada do poder dos eleitores, funciona como secreta e foge deliberadamente do voto, aliás com dolo, como aconteceu com o Tratado de Lisboa, que é um remake disfarçado da Constituição Europeia chumbada em dois referendos e depois metida no bolso. Mais: governos como o francês, o português e o espanhol foram eleitos com discursos eleitorais muito diferentes das suas práticas. São governos legítimos, mas a comparação da sua legitimidade, importante mas formal, com a legitimidade substancial do voto grego empalidece-os.
Só os gregos votaram sobre a Europa, depois de os franceses e os holandeses terem chumbado a Constituição. Ou seja, sempre que votam os europeus votam de forma diferente daquela que os "europeístas" desejam. Por isso foge-se do voto como o diabo da cruz.
É verdade que nos países nórdicos e nos bálticos, e nos novos países que aderiram à UE com o fim do comunismo, há mais legitimidade para considerar que o seu discurso antigrego foi sufragado nas urnas. Partidos como os (ex-)Verdadeiros Finlandeses têm tido esse discurso às claras, mas agora o partido finlandês, que é apresentado como legitimador da recusa do apoio à Grécia em nome da democracia dos "outros", era ainda há pouco tempo colocado no lote antieuropeísta como a Frente Nacional e o UKIP.
Usar esta argumentação em Portugal então é quase do domínio da traição. Alguém duvida que quando Portugal precisar de alguma coisa, ouvirá os mesmos argumentos que os mandriões dos gregos? Não só já os ouviu, como os ouve, como os ouvirá. Os nossos governantes estão é de cócoras para agradar aos mandantes. Os gregos estão de pé.
O que é que incomoda, e muito, na vitória do "não"?
Hoje, falar em patriotismo incomoda e muito os das bandeirinhas na lapela. O patriotismo grego, a afirmação de que em nós mandamos nós, a consciência de um povo de que o que lhe querem impor não resulta, e é iníquo porque responde a interesses peculiares e não ao interesse geral nem europeu, nem grego, é uma gigantesca bofetada em políticos que decidem, em políticos que obedecem, em economistas, think tanks e jornalistas do "ajustamento". É vê-los torcerem -se todos em público, nas televisões, nos jornais, nos blogues, etc.
A sua resposta é a da vingança.
Da .
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A REDACÇÃO DA VACA A BOMBAR
A vaca, perdão Portugal, é um bonito país. Tem sol e mar, areias, velhos monumentos, bons costumes, eucaliptos, pastéis de Belém, e tuk tuks. Em Portugal, as plantas crescem para cima, mas se for preciso, com a força de vontade dos portugueses, também crescem para baixo. Nós podemos sempre fazer o que queremos, diz o ministro do "bombar". É só força de vontade, que para os portugueses não há dificuldades. Não somos gregos. Mas eu queria isto… Não pode ser, temos de ser prudentes. Sábio Governo. Mas eu tenho direito a isto… Não pode ser. Isso dos direitos já não se usa. Tinha, mas já não tem. Isto é que é um Governo moderno despachado, desenvolto, atirado para a frente, que deu bom nome à lei da selva. Obrigado, vaca, digo, Governo.
Para o sol chegar a mais lados, deixou de haver árvores a não ser eucaliptos, que cheiram bem. Na parte de trás do País, aquilo que se chama interior, há uma doença, a interioridade, mas não afecta as costas, por isso podem ir à praia à vontade. Também não vive lá muita gente. A sábia política do nosso Governo tem sido despovoá-lo, acabando com a política retrógrada dos arcaicos e velhos Reis portugueses. Antes ser "povoador" era uma honra, hoje é ser "despovoador". A vaca, digo, o Governo, tem feito uma política muito competente para despovoar. Acabaram as estações dos correios e o correio só aparece uma ou duas vezes por semana. Acabaram os postos de saúde. Acabaram os tribunais. Acabaram muitos serviços públicos, existem umas lojas de cidadãos a 30, 50, 100 quilómetros. Reanimou-se a oferta de táxis para estas deslocações, e, além disso, vir de Guadramil para Bragança, dá muito cosmopolitismo, os velhos sempre saem de casa para ver o mundo. Isto é que são preocupações sociais. Nenhum louco abre uma empresa nestes sítios. Não há problemas pode vir para um "ninho de empresas" num centro comercial em Lisboa, recebe uns subsídios do Impulso Jovem e, depois, é só mostrar o seu "empreendedorismo" e inventar o moto -contínuo. As leis da Física dizem que é impossível, mas desde quando é que a entropia foi um problema para os portugueses?
Depois, é um gosto passear pelas cidades de Portugal, a começar por Lisboa. Tantos cartazes de "vendido", na Assembleia, nas paragens de autocarro, nas estações de Metro, nas caixas da EDP! Isto é que é reanimação da economia para acabar com as profecias dos Velhos do Restelo. Tudo se vende e é bom seguir o exemplo da Remax. Sempre podiam colocar a fotografia do vendedor, que tanto prédio, comboio, autocarro, linha eléctrica, barragem, aeroporto, porto, vende! Lá teríamos de novo a vaca, corrijo, os senhores ministros a sorrir babados de sucesso.
Essa banda de maus portugueses, a chamada "oposição", anda para aí a distribuir fotografias caluniosas da vaca, em que apenas um mamilo de uma teta escorre para o balde colectivo do povo e o resto vai em tubinhos da ordenhadora não se sabe bem para onde. Eles dizem que sabem, mas é calúnia de certeza. A vaca é boa, a vaca é úbere, a vaca tem as cores nacionais na lapela, a vaca ri, como diz o nosso Presidente da República, e uma marca francesa de queijos, de tanta felicidade. Ser portuguesa!
Mas está tudo tão bem que até dói. Pleno emprego em 2300, não está mau. IRS a 4%, em 2500, e só não se acaba com ele por prudência. Sábio Governo, de novo, que não quer prescindir de nenhum "instrumento", para poder continuar a fazer da nossa vida "um exercício".
Bebés já há muitos desde que o nosso preclaro Governo, seguindo as mais modernas tendências do "admirável mundo novo", cultiva embriões in vitro e faz nascer as crianças numa proveta com líquido amniótico. As quotas são correctas: em cada 10, seis são brancas, três pretas, meia criança amarela e outra meia para o resto das raças. Os ciganos protestam porque só há 1% de criança cigana, ou seja não nasce nenhuma, mas isso é povo do RSI, não deviam ter direito à palavra. A vaca é que sabe. São excelentes notícias para a emancipação feminina, acabamos com a maldição de Eva. Depois de saírem da proveta as crianças vão ser educadas por hipnopedia, para não terem trabalho a estudar e poderem ser "jotas" mais cedo sem terem a preocupação de disfarçarem uns diplomas manhosos. Agora o diploma tira-se a dormir em 60 noites e não há mais "casos" nem Sócrates, nem Relvas. Os velhos vão ser reeducados para morrer mais cedo e não pesarem nas gerações futuras.
Na Europa já se diz que o século XXI é o "século português" tão admirada é a vaca, digo, o nosso belo país. Os turistas chegam cá e gritam de excitação "what a beautiful cow, I’m sorry, what a beautiful country". Os mais letrados acrescentam "Is this Utopia?" Não tenham dúvidas. A água é sempre cristalina. O céu sem nuvens. As ruas limpas. A segurança alimentar impecável, ou seja, não lhe vão dar a comer um qualquer ciclóstomo pré -histórico. Os animais são respeitados religiosamente, com excepção dos gatos pretos que representam o demónio e os demónios, como se sabe, governam a Grécia. Pode andar nas ruas sossegado às 3h da manhã que a nossa vaca, mais um engano, as nossas autoridades, colocam um batalhão de comandos à volta. E só não há trabalho porque não é preciso trabalhar para nos dedicarmos à cultura gastronómica muito em moda nestes dias. Ou ser costureiros, o que dá uma comenda rapidamente.
Tudo é bom, tudo é deles e nada é nosso. É uma forma de comunismo dos cidadãos esclarecidos que acreditam nas virtudes purgantes da pobreza. Razão tinha esse percursor do nosso futuro, António de Oliveira Salazar. Pobres mas honrados. E muito limpinhos, na casa dos pobres. Sem bens somos mais felizes, desprovidos das tentações do mundo, vemos a vaca como ela deve ser vista, radiosa, cheia, opulenta, pujante, brilhando no escuro de tanta felicidade que dela emana, sempre a bombar.
Vejam lá se eu não sou capaz de dizer bem da vaca. Vá lá convidem-me para o Governo, bem mereço.
Da .
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INTERVENÇÃO NA SESSÃO DE SOLIDARIEDADE COM A GRÉCIA
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PARTES DA INTERVENÇÃO
Falemos de patriotismo.
Imaginemos 1640 e os conjurados, imaginemos 1765 e os colonos americanos,
imaginemos 1940 e os franceses que ouviam a palavras de Pétain após a
capitulação, tudo situações muito diversas, mas com uma coisa em comum.
Os portugueses, os colonos americanos e os franceses, todos ouviram as
mesmas palavras, todos ouviram os mesmos sábios conselhos, todos escutaram
apelos à razão, à realidade, ao realismo, à sensatez, à passividade, à
prudência, ao respeito por quem manda, à ordem estabelecida. Todos também
ouviram algumas ameaças: deixem-se estar quietos porque as consequências serão
terríveis, não tenham veleidades que não vão conseguir alguma coisa, as coisas
são como são, a realidade é muito forte e quem a contestar verá cair-lhe sobre o corpo
toda a força dos poderosos.
A realidade. Falemos da realidade. Ou, como dizem alguns neo-filósofos da
direita, que confundem ignorância com desenvoltura e topete, a p.d.r., a p…. da
realidade que atiram à cara dos que dizem que há alternativas.
Isso é tudo muito bonito, dizem, muito solidário, muito nobre, mas e
a p.d.r.?
Vamos pois devolver-lhes a realidade com juros. Com juros como os da Grécia.
Havia algo de pior do que a realidade, do que a que existia em 1640, 1765 e
em 1940? A realidade em 1640 eram os Filipes e Miguel de Vasconcelos, em 1765
eram os casacas vermelhas e os seus mosquetes, os barcos de Sua Majestade Jorge
III e os mercenários do Hesse e. em 1940, as tropas do Reich de 1000 anos mais a
Gestapo, a que em breve se juntaram as milícias e a polícia francesa.
Em matéria de p.d.r. é difícil haver melhor. Os tecnocratas da troika e os
seus mandantes políticos são anjinhos comparados com estes mandatários da
realidade. Da p.d.r.
Mas não chegou, não era assim tão realidade como isso, havia, como há
sempre, outras realidades, as que nós fazemos.
A Duquesa de Bragança queria ser rainha pelo menos por um dia e, como nestas coisas
as mulheres costumam ir à frente, disse ao seu homem para conspirar. A
realidade ameaçava-lhe separar a cabeça do corpo, mas ele e os 40 conjurados
acabaram por enviar Miguel de Vasconcelos pela janela a bombar e devolver à
origem a outra Duquesa, a de Mântua. A I República, e bem, resolveu que o 1º de
Dezembro tinha que ser feriado e os nossos patriotas de bandeirinha à lapela,
acabaram com ele. É que os conjurados deviam ser radicais e do Syriza.
A realidade devia dizer ao senhor Benjamin Franklin que podia fazer uma startup com os seus
para-raios, a John Adams que podia ser um bom advogado de negócios de Boston,
ao senhor Hamilton um eficaz administrador colonial, ao senhor Jefferson um scholar erudito, ao senhor
Washington um bom agricultor e a mil e um dos “pais fundadores” que podiam ser
apenas... pais.
Mas a outra realidade disse-lhes que “no taxation without representation”, e que o
Parlamento inglês não devia mandar nos colonos americanos que não o elegiam. O
resultado é que o chá foi para o fundo do Porto de Boston e apareceram umas
bandeiras com uma víbora e que diziam: “não me pises”. “Não me pises”, foi
assim que foi fundado esse tenebroso país esquerdista e irreal, os EUA.
Em 1940, - quanto mais perto de nós, mais a realidade é dura, - o que
é que Pétain disse aos franceses? Aceitem a realidade. E a realidade é a
ocupação alemã. E quais são os interesses da França? Colaborar com o ocupante,
ser bom aluno da Nova Ordem Europeia e fazer o sale boulot dos alemães:
perseguir os judeus, executar os resistentes, combater ao lado das SS. Era o
“trabalho de casa”.
Mas havia em França uns irrealistas criminosos, um radical esquerdista
chamado De Gaulle que foi para Londres apelar à revolta contra a realidade.
Franceses tão radicais como ele, como Jean Moulin, e franceses menos radicais do que
ele, os comunistas depois do fim do Pacto Germano-Soviético, começaram a
trabalhar contra a realidade. E depois foi o que se viu.
Amigos, companheiros e camaradas
Eu gosto do meu país. É o meu povo, a minha língua, as minhas palavras e as
dos meus, falem "assim" ou "axim", digam "vaca" ou
digam "baca", digam "feijão verde" ou "vagens".
Portugal é, ou devia ser, o único sítio onde o meu voto manda. Mas o meu voto manda
cada vez menos. Como para os revolucionários americanos, também no meu país, há “taxation without
representation”. Também no meu país há colaboração, submissão, diktats, Também no meu
país, a realidade é feita de mentiras.
É por isso que o destino dos gregos não me é indiferente, bem pelo
contrário.
Não quero saber se o governo grego está a fazer tudo bem ou não. Não quero
saber se Varufakis é arrogante ou não. Nem, verdadeiramente, o meu julgamento
sobre os gregos está dependente de eles terem sucesso ou não.
O que eu sei é que houve um governo na União Europeia que resistiu a cortar
mais salários e pensões a quem já tinha visto salários e pensões
cortadas.
Podem falhar, mas resistiram.
O que eu sei é que houve um governo que quis defender o seu país de ser
controlado por estrangeiros e por uma burocracia transnacional de tecnocratas
pedantes que detestam a democracia e “esnobam” dos políticos. Os
"adultos" que estão na sala.
Podem falhar, mas resistiram.
O que eu sei é que houve um governo que quis ser fiel às suas promessas
eleitorais e que não quis ser uma versão grega do Senhor Holande, nem dos
socialistas que acham que são membros suplentes do PPE.
Podem falhar, mas resistiram.
Não sei se isto é de esquerda ou de direita, sei que isto é ser um bom
grego. E isso é um exemplo que nós queremos seguir, para sermos bons
portugueses, que gostam do seu país e do seu povo.
Perante uma realidade iníqua há um valor moral em tentar criar outra
realidade que não comece por p..
Se há coisa que a história mostra é que vale a pena.
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© José Pacheco Pereira
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