ABRUPTO

30.1.06
 


EARLY MORNING BLOGS 711


This is the first thing

This is the first thing
I have understood:
Time is the echo of an axe
Within a wood.

(Philip Larkin)

*

Bom dia!

29.1.06
 


RETRATOS DO TRABALHO EM SETÚBAL


Peixeiro no Mercado do Livramento em Setúbal (vulgo Praça)

(Simão dos Reis Agostinho)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: COISAS SIMPLES



Maria, leitora do Abrupto, 11 anos.

"Ó mãe vais mandar para o Abrupto, não vais?" Eu tentei explicar-lhe que aquele blogue não é meu, que quem manda nele não sou eu, e que ela tinha que perceber que pobre dono do Abrupto entraria em crise se todas as mães e pais mandassem as pinturas dos filhos para lá para além de provavelmente entupir a sua caixa de correio."

(Mãe da Maria)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: VAZIO



Não é “fantasticamente” deprimente que, se hoje não tivesse nevado, e se não tivessem feito leituras às radiações emitidas pelos telemóveis nos centros comerciais (?), não tinham havido os Jornais da uma, os jornais da tarde e os jornais da noite?

(Sofia Silveira)
 


RETRATOS DO TRABALHO NO CAMBODJA E NO VIETNAM


Vendedor de patos em Hanói.


Sucateiros em Phnom Phen.

(M.L.)
 


DIA RARO E INCOMUM 4

 


DIA RARO E INCOMUM 3


Acabou de nevar, levantou-se o céu, está azul e branco. Os gatos não sabem como andar na terra. Tiram e pousam as patas, escorregam. O que é que aconteceu? Que mundo é este? Os limões e as laranjas têm um pequeno chapéu branco. Nalguns sítios escondidos, a água virou vidro.
 


INTENDÊNCIA

Actualizada a nota AS COTERIES E OS BENS ESCASSOS.
 


DIA RARO E INCOMUM 2

Tudo branco. Está a nevar e a neve está a pegar.


BALADA DA NEVE

Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.

É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho...

Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.

Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria...
– Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!

Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho...

Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança...

E descalcinhos, doridos...
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!...

Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...

E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
– e cai no meu coração.


(Augusto Gil)
 


DIA RARO E INCOMUM

Está a nevar.
 


RETRATOS DO TRABALHO EM NIASSA, MOÇAMBIQUE


Transportador de bambu em Cuamba, no Niassa, Norte de Moçambique.

(Carmo Pupo Correia)
 


RETRATOS DO TRABALHO EM SINTRA, PORTUGAL (INÍCIO DO SÉCULO XX)



(Enviado por Ricardo de Carvalho.)

*

Curiosa a fotografia, pois retrata - se não estou em erro - uma actividade hoje já praticamente extinta devido, fundamentalmente, à expansão urbana do concelho, mas tb aos erros da legislação vitivinícola e à evolução do próprio mercado do vinho: a plantação da vinha de Colares (casta "Ramisco") em "chão de areia". Feita a uma certa profundidade, onde, depois de escavada a camada arenosa, as raízes da videira encontravam terreno firme, isso fez com que resistisse à filoxera no final do séc. XIX. Durante o séc. XX foi, por isso, a única região em Portugal Continental, para além de pequenas vinhas localizadas, onde o cultivo da vinha se continuou a fazer a"pé franco", isto é, sem recurso a pés de videira americana resistentes à filoxera que são depois enxertados na casta europeia. Os custos de mão de obra foram, claro, tb uma causa importante para o seu desaparecimento.

(João Cília)
 


EARLY MORNING BLOGS

Salmo 73


Verdadeiramente bom é Deus para com Israel, para com os limpos de coração.

Quanto a mim, os meus pés quase que se desviaram; pouco faltou para que escorregassem os meus passos.

Pois eu tinha inveja dos néscios, quando via a prosperidade dos ímpios.

Porque não há apertos na sua morte, mas firme está a sua força.

Não se acham em trabalhos como outros homens, nem säo afligidos como outros homens.

Por isso a soberba os cerca como um colar; vestem-se de violência como de adorno.

Os olhos deles estão inchados de gordura; eles têm mais do que o coração podia desejar.

São corrompidos e tratam maliciosamente de opressão; falam arrogantemente.

Põem as suas bocas contra os céus, e as suas línguas andam pela terra.

Por isso o povo dele volta aqui, e águas de copo cheio se lhes espremem.
E eles dizem: Como o sabe Deus? Há conhecimento no Altíssimo?

Eis que estes são ímpios, e prosperam no mundo; aumentam em riquezas.

Na verdade que em vão tenho purificado o meu coração; e lavei as minhas mãos na inocência.

Pois todo o dia tenho sido afligido, e castigado cada manhã.

Se eu dissesse: Falarei assim; eis que ofenderia a geraçäo de teus filhos.

Quando pensava em entender isto, foi para mim muito doloroso;

Até que entrei no santuário de Deus; então entendi eu o fim deles.

Certamente tu os puseste em lugares escorregadios; tu os lanças em destruição.

Como caem na desolação, quase num momento! Ficam totalmente consumidos de terrores.

Como um sonho, quando se acorda, assim, ó Senhor, quando acordares, desprezarás a aparência deles.

Assim o meu coração se azedou, e sinto picadas nos meus rins.

Assim me embruteci, e nada sabia; fiquei como um animal perante ti.

Todavia estou de contínuo contigo; tu me sustentaste pela minha mão direita.

Guiar-me-ás com o teu conselho, e depois me receberás na glória.

Quem tenho eu no céu senão a ti? e na terra não há quem eu deseje além de ti.

A minha carne e o meu coração desfalecem; mas Deus é a fortaleza do meu coração, e a minha porção para sempre.

Pois eis que os que se alongam de ti, perecerão; tu tens destruído todos aqueles que se desviam de ti.

Mas para mim, bom é aproximar-me de Deus; pus a minha confiança no Senhor Deus, para anunciar todas as tuas obras.



*

Bom dia!

28.1.06
 


RETRATOS DO TRABALHO NA ÍNDIA


Barqueiros no Ganges.

(Sara Belo)
 


AS COTERIES E OS BENS ESCASSOS



Voltemos à questão das coteries literárias, um tema tanto mais interessante quanto muito pouco, ou quase nada discutido por cá. Aqui há uma diferença com o passado para pior, porque a existência de “escolas” e “movimentos” tornava a coisa confrontacional, logo mais reveladora. Sabia-se quem estava com quem e a pancada era mútua. Agora não, há demasiados silêncios e demasiadas conivências, e era de alguma maneira essa a questão inicial colocada na nota do Esplanar: “Temos uma crítica literária jornalística de fachada.”;” influências que se movem, sectarismo, medievalismo. Textos que se escrevem em função dos favores, críticas que se cozinham como benesses e mesuras a amigos e colegas de trabalho (é assim que se formam as clientelas, alguma dúvida?).” Era este o ponto de partida e muito curiosamente ninguém se lhe refere. Aliás o que gera polémica é a nota do Abrupto e não a do Esplanar, muito mais cruel. Percebe-se, como infelizmente é pecha nos blogues, como tudo se torna ad hominem, e é preferível atirar ao lado para não se ir ao fundamental. Daí a revolta proletária contra o monopolista dos “bens escassos”, a mais irónica confirmação de que tinha razão no que escrevi. (Oh! Meus amigos, eu trabalho muito, trabalho com gosto e as encomendas não faltam no mercado. Não querem censura nem quotas, pois não?)

Não, a questão é outra. É fácil bater no José Rodrigues dos Santos, ou na Margarida Rebelo Pinto. Eles estão fora dos “nossos”, só vendem muitos livros. Eles não circulam nos mesmos meios, só vendem muitos livros. A cena da sopa de peixe é ridícula, mas é pulp fiction, não tem pretensões a ser literatura. E as “nossas” cenas ridículas que pretendem ser literatura? E as dezenas de livros menores que os “nossos” publicam todos os anos e que são protegidos pela “crítica literária jornalística de fachada”? Ou são tudo livros geniais, como para o Jornal de Letras, tudo é bom? Eu, como não sou crítico literário não vou fazer esse trabalho, mas estranho que ninguém o faça, e não se dê por ele. Há excepções solitárias, mas confirmam a regra.

E depois, gente que acha (e bem) que na política há compadrio e favores, passa róseo, pelo mundo literato que tem face à política muito menos escrutínio crítico, muito menos conhecimento dos meandros que se movem. E não é só na literatura, mas no mundo “cultural” no sentido lato, agora muito colado ao entretenimento, onde também há dadores de emprego, grupos de interesses, jogos de editoras, produtoras, programas de televisão, encomendas e serviços? Onde é que eu posso ler sobre isso? Em sítio nenhum. Só vejo exercícios de elogios mútuos, protecções de grupo, reputações que se sustentam em amigos e não em livros, trabalho, obra.

Nota: reflexos em Estado Civil, Da Literatura, O Amigo do Povo, e , de novo, no Esplanar.

*
Um sinal curioso da pequenez de que fala no nosso meio cultural está bem patente, por contraposição, na elaboração das contracapas das edições anglo-saxónicas onde frequentemente estão presentes recomendações de personalidades de alguma modo ligadas ao tema dos livros. Em portugal as contracapas quase invariávelmente se limitam a trazer um extracto, uma pequena biografia do autor ou no caso de traduções o resumo do conteúdo.

(António Filipe Fonseca)

*

Lei de Gersham

A questão da crítica é (ou deve ser) uma questão central neste País paradoxal onde se lê pouco mas se escreve e publica muito, onde não se vai ao teatro mas há dezenas de companhias de teatro, onde não se vai ao ballet mas se fazem abaixo assinados contra a extinção de companhias de bailado. E onde se lêem as críticas e é tudo fantástico.
Se houvesse verdadeira crítica, séria, isenta, consistente, sabedora, profissional, talvez houvesse menos paradoxo e mais qualidade.

A questão inicialmente focada na nota do Esplanar incidia sobre a crítica literária mas foi alargada no Abrupto à crítica à produção cultural em geral. Entretanto, no Estado Civil e no Da Literatura, surgiram exemplos vivos do que JPG e JPP referiram: porque é que nós não havemos de defender o nosso território se tu defendes o teu? Não defenderam a qualidade e consistência do seu trabalho, nem negaram que se escreve muitas vezes de e para amigos. Não negaram que muito do que se escreve sobre livros ou outras produções culturais (algumas fictícias) são simples conversas entre amigos, amigos que aliás o são e deixam de ser ao sabor das necessidades e desejos editoriais de cada um. No entanto, os blogues são muito transparentes nessa matéria. Como sempre, é de influência e poder que se está a a falar. Se se ampararem bem uns aos outros, lá vão construindo carreiras.

Não tenho particular gosto em ouvir dizer mal de um livro ou de um escritor. Não me parece que seja critério exclusivo de qualidade de uma crítica apontar aspectos negativos. Acho que a crítica deve ser uma análise global de características ou qualidades de um livro, de um quadro, de uma música ou de uma peça. Qualidades que podem ser positivas ou negativas.

Os críticos também têm gostos e é natural que eles transpareçam da sua análise.
Também gosto de ler os trocadilhos, de palavras ou ideias, que pululam por muitos blogues literatos/culturais. Divertem-me. Mas vai uma grande distância entre um trocadilho, uma ideia divertida ou uma frase melancólica e uma obra literária. É suposto um crítico saber ver isso. Para se criticar de forma profissional, tem que se estudar e saber, não basta gostar ou detestar.

Em suma: usando uma ideia em voga, a má crítica afasta a boa obra de arte. E o "amiguismo" enquanto elemento de crítica é uma má crítica. Por isso é que acho esta uma questão verdadeiramente importante. E convém não esquecer que os leitores são os críticos dos críticos.

(RM)
*

Estes são os nossos críticos literários: parecem ter algumas limitações a interpretar textos, ou então o que será que os move? O problema também está no facto de terem poucos consumidores para os bens que oferecem. Só uma minoria é que lê algumas das críticas literárias que são publicadas. Eu que leio livros "difíceis" tenho a maior dificuldade em ler críticas "difíceis". Basicamente quero saber se gostaram ou não de determinada obra, porquê e quero que a enquadrem, para que eu, que não leio todos os livros do mundo, e que tenho de fazer escolhas, possa ter alguma informação que me ajude a minimizar uma má compra. Os desfiles de citações, referências - a autores certamente interessantíssimos - e efabulações teóricas e especulativas que enchem as páginas de crítica literária, mas em que pouco se fala da obra em questão, verdadeiramente pouco interessam a uma larga maioria das pessoas que gostam e ler e que compram livros, mas não se querem perder nos meandros das teorias literárias. A sensação com que se fica é que "eles" escrevem para "eles".

Se soubesse que ía escrever este texto tinha preparado alguns exemplos do que não gosto (é só ir ao Mil Folhas) e do que gosto (é só ir aos sites literários anglo-saxónicos: não sendo intelectual eu, tal como muitos portugueses, lemos em várias línguas). O que era interessante saber é como é que se mede a audiência que tem a crítica literária. Porque a audiência de comentadores políticos (ver caso Marcelo Rebelo de Sousa) é sempre medido, ou em audiências ou em número de tiragens das publicações. A crítica literária só sobrevive se for em suplemento a outra publicação. Como seria se os jornais em causa baixassem os seus preços às Sextas ou aos Sábados e não oferecessem suplementos literários? Será que isso não obriga a reflexão? Mas sem culpar o "povo", por favor!
(...)
Já li um livro (o "Sei lá!"?) de Margarida Rebelo Pinto e essa experiência chegou para perceber o estilo. Já li um livro ("A Filha do Capitão") do José Rodrigues dos Santos e não me parece de todo justo pô-los no mesmo saco. MRP é literatura light sem mais nada: lê-se rápido e fica-se com azia. JRS, não sendo uma experiência literária nirvanesca, tem o mérito de pesquisar e construir uma bela narrativa, com algumas limitações, que não irei enumerar, mas consegue aquilo a que se pode chamar uma obra "honesta". Vendem livros os dois: sorte a deles! Mas parece-me injusto, a nível literário compará-los, só se podem colocar lado a lado no facto de serem outsiders. E outsiders que vendem...

(J.)
 


RETRATOS DO TRABALHO EM TRÁS-OS-MONTES



Cavando batatas : "Estas fotos, fizeram parte de uma exposição intitulada "Lugares e Olhares" realizada em 2000 no concelho de Vinhais, promovida por uma pequena Associação Cultural local"(enviado por Luis Vale).
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(28 de Janeiro de 2006)


___________________________

O New York Times desmantela com ferocidade o livro de Bernard-Henri Lévy, American vertigo - Traveling America in the Footsteps of Tocqueville. Uma amostra:
"Bernard-Henri Lévy is a French writer with a spatter-paint prose style and the grandiosity of a college sophomore; he rambled around this country at the behest of The Atlantic Monthly and now has worked up his notes into a sort of book. It is the classic Freaks, Fatties, Fanatics & Faux Culture Excursion beloved of European journalists for the past 50 years, with stops at Las Vegas to visit a lap-dancing club and a brothel; Beverly Hills; Dealey Plaza in Dallas; Bourbon Street in New Orleans; Graceland; a gun show in Fort Worth; a "partner-swapping club" in San Francisco with a drag queen with mammoth silicone breasts; the Iowa State Fair ("a festival of American kitsch"); Sun City ("gilded apartheid for the old");a stock car race; the Mall of America; Mount Rushmore; a couple of evangelical megachurches; the Mormons of Salt Lake; some Amish; the 2004 national political conventions; Alcatraz - you get the idea. (For some reason he missed the Sturgis Motorcycle Rally, the adult video awards, the grave site of Warren G. Harding and the World's Largest Ball of Twine.) You meet Sharon Stone and John Kerry and a woman who once weighed 488 pounds and an obese couple carrying rifles, but there's nobody here whom you recognize. In more than 300 pages, nobody tells a joke. Nobody does much work. Nobody sits and eats and enjoys their food. You've lived all your life in America, never attended a megachurch or a brothel, don't own guns, are non-Amish, and it dawns on you that this is a book about the French. There's no reason for it to exist in English, except as evidence that travel need not be broadening and one should be wary of books with Tocqueville in the title."
(Sublinhados meus.)

Conclusão: "Thanks, pal. I don't imagine France collapsing anytime soon either. Thanks for coming. Don't let the door hit you on the way out. For your next book, tell us about those riots in France, the cars burning in the suburbs of Paris. What was that all about? Were fat people involved?"
 


RETRATOS DO TRABALHO NA CHINA


Carregadores de bagagens de turistas no rio Yangtze

(Joana Lopes)
 


EARLY MORNING BLOGS 710

Libation Mongole

C'est ici que nous l'avons pris vivant. Comme il se battait bien nous lui offrîmes du service : il préféra servir son Prince dans la mort.

Nous avons coupé ses jarrets : il agitait les bras pour témoigner son zèle. Nous avons coupé ses bras : il hurlait de dévouement pour Lui.

Nous avons fendu sa bouche d'une oreille à l'autre : il a fait signe, des yeux, qu'il restait toujours fidèle.

o

Ne crevons pas ses yeux comme au lâche ; mais tranchant sa tête avec respect, versons le koumys des braves, et cette libation :

Quand tu renaîtras, Tch'en Houo-chang fais-nous l'honneur de renaître chez nous.

(Victor Segalen)

*

Bom dia!

27.1.06
 


RETRATOS DO TRABALHO NO JAPÃO


Varredoras no Parque da Paz em Hiroshima.

(Joana Lopes)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
SOBRE "A LENTA DISSOLUÇÃO DOS PARTIDOS"




Achei muito interessante o artigo que escreveu no Público e que publica no seu blogue a propósito da lenta dissolução dos partidos. Trata-se de uma perspectiva em que nunca tinha pensado e que analisada com atenção faz de facto um certo sentido. Julgo que há também alguns factores que contribuiem para o cenário que descreve:

1. A complexificação da governação, hoje em dia o poder efectivo do governo é de certa forma pulverizado devido à dinâmica complexa e descentralizada do Estado.

2. A distinção entre classes sociais torna-se cada vez mais simbólica do que material fruto do progresso económico.

3. Cada vez menos a nossa sociedade se vêm confrontanto com grandes causas definidas e fracturantes. Não temos guerra, não somos completamente pobres nem totalmente ricos. Existem micro-causas que por definição se circunscrevem a minorias.

4. Por efeito da globalização e da inserção no espaço mundial o poder individual de cada cidadão é cada vez menor.

Se calhar daqui a alguns anos os partidos politicos nacionais tornar-se-ão em partidos transacionais centrados sobretudo em questões de geoestratégia e do ambiente.

(António Filipe Fonseca)

*

Ao ler o seu post "A lenta dissolução dos partidos" não pude, numa primeira análise, deixar de constactar a sua convicção na ausência ou, pelo menos, fraca presença do antipartidarismo e antiparlamentarismo, bem como do pensamento ideológico radical. Mais, que considera os dois "antis" como ditactoriais!

1º - Não vejo a razão, o fundamento, para o "passado da ditadura". De facto, podemos encontrar o antipartidarismo e parlamentarismo históricamente na ditadura (falando de Portugal). Contudo, não me parece saudável considera-los como seus filhos ou mesmo pensamentos exclusivos.
Da mesma forma que é de todo errado afirmar que os partidos são essênciais ao funcionamento da democracia. O senhor sabe bem que não o são... muito pelo contrário!

2º - O radicalismo... o radicalismo encerra em si uma vontade própria, insubstituivel e em qualquer outra parte inexistente, de ser fiel.
Porque se por um lado a relactividade não é bem o que parece, por outro a objectividade (entendamos dogmatismo) é bastante mal rotulada.
Dizer-se, ainda que implicitamente, que o radicalismo é fundamentalista, é tão errado quanto a interpretação e aplicação actuais da última expressão. Ser radical é ser fiel à raiz de um pensamento estruturador da vida social, económica, afectiva, etc... como a própria palavra indica!

3º - Como estudante de Comunicação Social, não posso deixar de concordar consigo ao antever a situação mediática que dá já hoje sinais. Este 4º poder que emerge mais e mais, transversal a todos os outros, depende e faz depender: depende do produto informartivo, ao mesmo tempo que o gera pela pressão que exerce devido aos meios de que dispõe. É quem os controla, aos meios e ao jogo de poder que estes potenciam, que verdadeiramente exerce autoridade. Como diz Harold Innis, "todo o império, toda a sociedade, que pretende uma certa perenidade deve realizar um equilibrio entre um media que favorece o controlo do espaço e outro que assegura a sua reprodução no tempo". E o poder que o novo paradigma multimédia tem em distorcer estas duas noções, a temporal e a espacial, cria no ciberespaço e nas possibilidades do hipertexo uma fuga a esse equilibrio forçado e com objectivos pré-definidos, numa democracia incomparavelmente participativa, construida pelos próprios, inventada a cada segundo, na fuga da capitalização da informação. Quem precisará dos partidos como estrutura que dá voz a um pensamento comum, quando poderemos individualmente (se a info-exclusão de Castells não for demasiado elevada) criar a nossa ideologia, num liberalismo de ideias desmedido, quem sabe acompanhado pelo economico (ainda que paradoxalmente)? Um liberalismo ideológico dependente da abstracta "consciência colectiva" e do sucesso da "juventudo metropolitana" que idealizou o futuro da rede.

(Simão dos Reis Agostinho)

*

O futuro dos partidos tradicionais é muito facil de antever visto que as similitudes entre Portugal e a Itália não se resumem ao''25 de Abril''.A grande diferença é ao nível da velocidade do processo politico que no nosso caso está mais rápido (fruto da sociedade de informação em que estamos inseridos).Nós tivemos menos anos de governos breves mas tambem eles acabaram por chegar aos governos de legislatura, agora será a nossa tendencia para chegar aos partidos como os que hoje disputam o poder em Itália (Oliveira ;Força Italia )no fundo movimentos de ''cidadania''(ou de cidadão!!)que pouco ou nada já têm a ver com os velhos partidos tradicionais que durante anos nos habituámos a ver a disputar as eleições em Itália.É só uma questão de tempo.As analogias entre os dois países são maiores do que o que parece.'' A ver vamos''.

(Alberto Andrade)
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(27 de Janeiro de 2006)


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Nota certeira no Esplanar contra a troca grupal de elogios mútuos, uma das pragas da blogosfera, herdeira do mesmo tipo de atitude já antiga nos nossos meios literários. O problema é sempre o mesmo, e já é o mesmo há muito tempo: os bens são escassos e não chegam para todos. E há hoje no mundo literato vários sistemas e subsistemas grupais competindo pelos mesmos "bens", influência, artigos, colunas, programas de televisão, entrevistas, promoções, editoras, colóquios. É fácil criticar o Jornal de Letras (e merece-o bem) e a sua coterie, mas já é escassíssima a atenção crítica a outros grupos como o que ia do defunto DNA, para o grupo do "É Cultura, Estúpido", ou as Produções Fictícias, no mercado dos "produtos culturais" e do entretenimento. Há uma mudança geracional inevitável, mas os vícios mantêm-se. Os bens também continuam a ser escassos.

Esta nota, bem como a do Esplanar, são interessantes e gostava de acrescentar umas notas sobre a crítica literária que às vezes nos entra pela casa dentro. No último programa televisivo Livro Aberto cujo tema era debater as escolhas dos espectadores de uma votação informal que o programa e o seu blogue promoveram e à qual posteriormente o Mil Folhas aderiu, alguns dos quatro convidados, especialistas e críticos, tiveram um comportamento de considerei bizarro. Estavam mais interessados em comentar as escolhas dos Melhores de 2005 da nata intelectual publicadas no Mil Folhas do que debater as escolhas de espectadores anónimos que, como recomendação, só têm o facto de verem o programa Livro Aberto. Posteriormente desvalorizaram totalmente as escolhas dos leitores. Nunca se referiram à escolha para ficção portuguesa "Cavaleiro da Águia", nunca percebi porquê, e sobre as outras escolhas tiveram comentários cujo objectivo ainda tento entender. Dou como exemplo as escolhas de ficção estrangeira em que se encontravam nomes como Sebald ou Vila-Matas e que mereceram como comentário, de dois dos convidados, uma enorme estranheza por serem autores "difíceis": depreendi que, não sendo os espectadores membros de uma determinada casta intelectual, estão incapacitados de ler, apreciar, escolher e votar em autores "difíceis". Mas a coisa não se ficou por aqui porque no meio de insinuações de que votar em Sebald e Vila-Matas dá status social e intelectual (e eu a pensar que o Mercedes à porta cumpria bem melhor essa missão do que uma votação anónima!) tiveram o desplante de explicar "sem demérito para a obra de Sebald", não fossem os espectadores anónimos conspurcar o nome e a obra do autor.

Os tempos devem estar mesmo difíceis e há que serrar fileiras firme e guardar o couto, não vá algum anónimo querer lá entrar. O pior é que, como diz João Pedro George "esta gente lê, mas não aprende nada".

(J.)
*

Uma variante do Presidente vendido como um sabonete, num artigo de Luís Paixão Martins, "O desgaste das marcas partidárias", hoje no Diário de Notícias. Artigo que deve ser lido com muita atenção porque é típico dos tempos. Nele se diz, entre outras coisas:
Tal [desgaste] deve-se, em primeiro lugar, à descaracterização das marcas partidárias. É difícil encontrar pessoas que saibam explicar a diferença de atributos entre a marca socialista e a marca social--democrata, para referir as líderes no nosso país, para além dos símbolos do seu branding gráfico e das imagens dos seus principais protagonistas. Se os atributos de várias marcas se confundem, é natural que as próprias marcas tenham confundidos os territórios de imagem que vão definindo na mente dos seus "consumidores". "É tudo a mesma coisa" - diz-se que diz o povo.

Em segundo lugar, temos um problema de canal de comunicação. O marketing político não recorre, fora de momentos eleitorais e em outros muito específicos, a disciplinas de comunicação que, como a publicidade, permitem ao comunicador "finalizar" os conteúdos e, por conseguinte, obter a fidelidade da sua mensagem.
Pelo contrário, o marketing político usa, quase exclusivamente, o canal jornalístico para a sua comunicação, sendo assim forçado a codificar as suas intervenções segundo as regras do sistema mediático, isto é, de maneira simplificada, emocional e negativa.

Está bom de ver que uma marca cuja afirmação tenha de ser feita - sob pe-na de ser afastada do palco mediático - apenas de forma simplificada, emocional e negativa enfrenta muitas dificuldades de desenvolvimento se o seu objectivo for, por exemplo, demonstrar que deve ser escolhida para governar um país. É por isso, designadamente, que as marcas partidárias de "contrapoder", como o Bloco de Esquerda, ocupam mais espaço mediático que os partidos de "governo".
Boa publicidade para a LPM (reforçada pelas campanhas Sócrates e Cavaco), com algumas verdades pelo caminho. O recado é simples: deixem de fazer política, de fazer esses patéticos esforços para “sair bem” na comunicação social, façam só relações públicas e publicidade, as novas "disciplinas de comunicação". Se querem a mensagem limpa, vendam-na com uma marca nova, ou como se fosse uma marca nova.

É um caminho e há muita gente disposta a trilhá-lo. Em última instância, só depende do dinheiro que se está disposto a gastar, e da qualidade (baixa) política que se está disposto a fazer. Só que há outro caminho: façam outra política, com outros instrumentos, a partir de outros pressupostos, com outro tipo de pessoas, com outro tipo de discurso. É possível, há indícios um pouco por todo o lado de que é possível, sinais de outros modos de fazer, é só ter a coragem para romper, ou então fazer ao lado, noutros sítios.
Se a minha pequena nota o levou a concluir que eu defendo a comunicação publicitária - nomeadamente para as marcas partidárias –, custos acrescidos para as campanhas e um abaixamento da qualidade da política é porque não me fiz entender. O que eu julgo ter escrito é que, ao utilizarem, essencialmente, os “palcos mediáticos” (que são, de uma maneira geral, simplificados, emocionais e negativos), as marcas partidárias têm dificuldade em desenvolver-se se o seu objectivo for, por exemplo, demonstrar que devem ser escolhidas para governar um País – apresentando propostas complexas, racionais e positivas. Penso que esta é uma constatação que partilha comigo. Pela minha parte, partilho das suas reflexões finais.

(Luís Paixão Martins)
*

Excelente, excelente este Mar Salgado que cheira a maresia como deve ser.

*

Pelo Ponto Media cheguei aos blogues de fotojornalistas do Público, mais uma das razões para ficar cada vez mais preso à Rede, e verificar como a facilidade dos blogues (e a sua temporalidade) estão a mudar os media.


Veja-se este exemplo de Adriano Miranda que retrata todo um Portugal, solitário, antigo, que já não se reconhece nos "dias de hoje", e que se perde mostrando-se assim rectilíneo, homem e bandeira num só corpo, aconchegando-se, uma certa ideia que já verdadeiramente não compreendemos, romântica e ideal de Portugal. Mas ela está lá, com força suficiente para este homem a exprimir num acto, provavelmente contra todos, à frente de uma parede sintética e recente. Só a fotografia nos podia mostrar isto, nunca a televisão.
 


RETRATOS DO TRABALHO NO ALENTEJO, PORTUGAL


Lavrando o campo, Serpa, Alentejo, Nov. 2005


Empregadas de balcão, Beja, Alentejo, Nov. 2005

(António Ferreira de Sousa)
 


RETRATOS DO TRABALHO 9


Paul Sérusier, O estudo da Gramática
 


EARLY MORNING BLOGS 709

Cependant que la Cour mes ouvrages lisait

Cependant que la Cour mes ouvrages lisait,
Et que la soeur du roi, l'unique Marguerite,
Me faisant plus d'honneur que n'était mon mérite,
De son bel oeil divin mes vers favorisait,

Une fureur d'esprit au ciel me conduisait
D'une aile qui la mort et les siècles évite,
Et le docte troupeau qui sur Parnasse habite,
De son feu plus divin mon ardeur attisait.

Ores je suis muet, comme on voit la Prophète,
Ne sentant plus le dieu qui la tenait sujette,
Perdre soudainement la fureur et la voix.

Et qui ne prend plaisir qu'un prince lui commande ?
L'honneur nourrit les arts, et la Muse demande
Le théâtre du peuple et la faveur des rois.


(Joachim du Bellay)

*

Bom dia!

26.1.06
 


A LENTA DISSOLUÇÃO DOS PARTIDOS



Pouco a pouco, os partidos políticos democráticos (PS, PSD, CDS) conhecem uma lenta, mas segura, dissolução. Se se quiser, assiste-se uma mudança para outra coisa, menos poderosa, mais vulnerável do que a anterior, mais frágil. Esta é uma afirmação que se tem que escrever e ler com muita prudência, uma afirmação que deve ser lida com um grão de sal, e acima de tudo não deve ser tida como uma constatação de um facto, mas de uma tendência. Todavia, como tendência parece-me ter fundamento, à luz de mais uma série de acontecimentos recentes ocorridos à volta das eleições presidenciais. Não é um juízo de valor, é uma constatação de facto.

É verdade que os partidos ainda detêm um grande poder em Portugal, mas grande parte desse poder vem do monopólio que têm sobre a representação política, e, em todos os locais do sistema onde não o detêm, há uma crise de controlo. Já de há muito que os partidos perderam as suas características de agremiação cívica, sendo mesmo o seu papel como máquinas eleitorais contestável. Não me custa aceitar que toda a parte de "rua" desta campanha presidencial podia desaparecer sem alterar muito significativamente os resultados eleitorais. Televisão, outros media, marketing e publicidade fazem o grosso do trabalho, e ele é feito por jornalistas, especialistas de imagem, publicitários e não pelos militantes partidários.

Os partidos, hoje, são "pestíferos" e reduzir o fenómeno apenas ao antipartidismo e antiparlamentarismo vindo do passado da ditadura, ou gerado dentro da democracia por ideologias e correntes políticas como o populismo, o comunismo e o radicalismo parece-me pouco. Os partidos conhecem um desgaste que tem causas novas nas democracias, mais universais do que as circunstâncias portuguesas, que também ajudam. Como resultado, estão demasiado expostos nas suas fraquezas, cada vez melhor se conhecem os seus mecanismos perversos, cada vez aparecem como miméticos uns dos outros. Mesmo na versão clássica de oligarquias organizadas estão sujeitos a uma usura que tem precedentes, mas revela novidades, semelhantes ao mesmo tipo de usura que têm os parlamentos e começam a ter os tribunais. Uma parte significativa dessa usura tem que ver com a forte pressão para a democracia directa que os media modernos instituem, gerando sociedades cujo tempo e espaço simbólicos tiram oxigénio à democracia representativa. Por outro lado, a perda de autonomia dos partidos face aos interesses, aos grupos de pressão e aos lobbies muda-lhes as características originais e coloca-os, numa sociedade em transição como a portuguesa, numa encruzilhada.

Voltemos às presidenciais. Sejam quais forem as reservas que se tenham sobre a efectiva independência de Alegre do PS, e ao facto de o tom de a sua campanha ter sido antiaparelhístico mais por necessidade do que por vontade, o que é incontornável é que um candidato presidencial pode escapar ao controlo partidário, concorrer contra ele e obter bons resultados. É possível em eleições presidenciais e é possível em eleições autárquicas, como os casos de Oeiras e Gondomar revelaram. Só não é possível em legislativas, porque os partidos têm o monopólio da participação política nessas eleições, senão também se verificaria.

Embora o caso de Cavaco fosse diferente, e a sua distanciação dos partidos PSD e CDS tivesse na origem a sua autoridade política sobre eles, o que é certo é que a sua campanha os tratava como indesejáveis enquanto tal, embora recorresse aos seus serviços para montar uma infra-estrutura nacional. Mas, de novo, aqui repito o que disse antes: se Cavaco não tivesse os partidos para lhe assegurar a "volta" pelo país, seriam os resultados assim tão diferentes?

O que são hoje os partidos em Portugal? Estruturas particularmente desertificadas, pouco ou nada credíveis, com problemas na cabeça, no tronco e nos membros. Na cabeça, onde habitualmente se fazia o recrutamento mais qualificado, cada vez é mais difícil encontrar pessoas capazes. Existe uma enorme distanciação entre a disponibilidade para "dar o nome" em iniciativas simbólicas de carácter partidário - comissões de honra, conferências ou convenções pré-eleitorais, grupos de estudo - e a disponibilidade para exercer funções partidárias enquanto tais. Uma coisa é participar em colóquios e conferências, muitas vezes uma antecâmara para funções governativas, outra aceitar ser o porta-voz partidário para a justiça, ou a economia, ao mesmo tempo que se mantêm a actividade profissional normal.

O resultado é uma degradação da imagem partidária, que encontra apenas personalidades desconhecidas ou sem credibilidade para exercerem essas funções, o que é particularmente negativo nos partidos quando estão na oposição. A degradação acentuada dos grupos parlamentares (quantas vozes credíveis nos grupos parlamentares do PSD e do PS para falar de economia, ou de cultura, ou de educação?) é um retrato da idêntica degradação dos aparelhos partidários locais e da desertificação dos centrais.

A maioria das estruturas locais dos partidos é hoje constituída por pequenos grupos fechados, com pouca renovação (quase só feita pelo turnover geracional com as "juventudes" partidárias), estreitamente associados ao poder autárquico, quer estejam no governo, quer estejam na oposição. A ligação ao poder autárquico é correlativa da ligação com outro vértice do triângulo, os interesses da construção civil e da urbanização, que dissolvem a especificidade partidária.

Todo um conjunto de outros subsistemas está ligado a este cluster, incluindo associações locais, bombeiros, clubes de futebol, jornais e rádios locais, associações "culturais". A autonomia respectiva de cada um deste tipo de subsistemas ante o sistema autarquias-partidos políticos-interesses económicos é muito escassa. A alternância entre oposição e situação faz-se dentro de uma plataforma de interesses instalados rígida, muitas vezes favorecida pela participação da oposição local no governo da autarquia por via da concessão de pelouros ou de lugares nas empresas municipais. Também o corpo e os membros dos partidos estão doentes, para não dizer que já mutaram para outra espécie de animal que não o homo sapiens.

Funcionou a campanha de Mário Soares a contrario destas tendências? Sim e não. Sim por necessidade, porque Soares precisava como pão para a boca de tudo o que podia ter, e é verdade que a sua formação política o torna um defensor do sistema de partidos que ele tanto contribuiu para criar. Mas há um "não": quando lhe convinha, por exemplo na eleição presidencial de 1985-6, tentou manter os dirigentes do PS à distância, por razões não muito distintas das de Cavaco. Não os queria ao seu lado, não os queria nas fotografias, não os queria muito perto nos comícios.

Por tudo isto, contrariamente ao que se anda aí a dizer, a afirmação do primado dos partidos não chega para combater a sua crise, pode inclusive ser factor da sua aceleração, porque parece, e é, uma defesa das coisas como estão. Por isso, não basta acantonarem-se os defensores dos partidos na centralidade destes na vida democrática, para resolver a questão. O problema é que os partidos já não estão no centro da vida democrática, descentraram-se, perderam esse papel, e uma defesa a outrance do sistema partidário versus o populismo não chega. Há que pensar os partidos políticos em democracia de forma diferente, exactamente para manter as suas características de democracia representativa, mas isso significa que o velho modelo que combinava a pedagogia cívica com máquina eleitoral já não existe, e, mesmo que existisse, já não chegava para lhes restaurar o papel de expressão de "partes" da sociedade, das classes, dos grupos, dos interesses, das representações políticas e ideológicas.

(Continua)

(No Público de hoje.)
 


RETRATOS DO TRABALHO EM TRÁS-OS-MONTES



Trabalhando num tear : "Estas fotos, fizeram parte de uma exposição intitulada "Lugares e Olhares" realizada em 2000 no concelho de Vinhais, promovida por uma pequena Associação Cultural local"(enviado por Luis Vale).
 


RETRATOS DO TRABALHO EM S. TOMÉ


Alfaiate, São Tomé, STP, Out. 2005.

(António Ferreira de Sousa)

*
Desde há algum tempo que alguns colaboradores do blog tem incluído fotografias que retratam cenas quotidianas do trabalho em alguns locais do mundo, nomeadamente India, algumas das ex-colónias etc, onde se pode constatar a existencia de trabalho infantil mas fundamentalmente trabalho sem queixumes nas condiçoes mais deprimentes e se julgadas pelo prisma ocidental degradantes. Não vou fazer qualquer consideração acerca das fotos mas permito-me perguntar se não haverá uma estratégia maior que a par da diminuição dos direitos dos trabalhadores em Portugal se venha assim subliminarmente dizer-lhes que ainda estão cheios de sorte, primeiro por terem trabalho e segundo por as suas condições de trabalho serem melhores do que aquelas. Se é apenas coincidência e eu não percebi a intenção peço desculpa e vou-me embora.

(João Santos)
*
Podem-se considerar degradantes e deprimentes as condições retratadas pelas fotos Cenas do Trabalho que vem publicando no Abrupto, mas a impressão que me deixaram foi a oposta. A de que o trabalho dignifica. Esta ideia, cada vez mais estranha nas sociedades pós-industriais, fortemente orientadas pelo principio do prazer como indutor de consumo, torna dificil perceber que o trabalho retratado, orientado pelo principio da necessidade, não sendo uma benção, muito menos é um estigma.
Podemos ficar deprimidos ao constatarmos que nos nossos dias milhões de seres humanos trabalham duramente sem serem recompensados condignamente, sem conseguirem sair da miséria degradante. Mas recearmos que venham a correr tirar-nos o nosso emprego ou os nossos direitos laborais por causa deles é condená-los duplamente. É no fundo dizer que, se alguém tem que ser pobre, então antes eles do que nós. (...)

(Mário Almeida)
*

Os principais traços, porque comuns a quase todos eles, dos retratos do trabalho que têm vindo a ser publicados é o facto de serem trabalhos “manuais”, de um tempo que não é o nosso, apesar de muitas fotografias serem actuais (da comparação das fotografias actuais com as antigas ressalta que, em lugares diferentes, os tempos são diferentes, embora o Tempo seja o mesmo) e também de uma circunstância provavelmente muito diferente da da maior parte dos leitores do Abrupto. Talvez por isso a sensação de estranheza e até de desconforto que possam provocar. É curioso que os achem degradantes ou deprimentes. A mim parecem-me naturais.

(RM)
*
As fotografias que vêm sendo publicadas no Abrupto inserem-se numa temática “popularizada” por Sebastião Salgado de mostrar que ainda existem espalhados pelo mundo muitos trabalhos, manuais, artesanais, pesados, sujos, desgastantes fisicamente, perigosos, praticados sem equipamento de protecção, etc. Este tipo de trabalho há algum tempo que se encontra desfasado do imaginário da maioria da população urbana (classe média para cima) dos países desenvolvidos. No entanto esses trabalhos existem e por vezes não estão tão longe de nós quanto julgamos. Pareceu-me que a sua publicação apenas tinha por objectivo mostrá-los, avivar memórias, fazer-nos pensar sobre eles e não ser um “bicho mau” com que se ameaça as crianças que não comem a sopa. A mim pessoalmente fez-me pensar o mesmo que as fotos de Sebastião Salgado. Que quem nasceu a ocidente tem a sorte de estar mais afastado desse tipo de trabalho, pois mesmo aqueles que têm trabalhos com essas características no mundo ocidental têm mais protecção do que a que se vê nestas fotos. Por outro lado recordo um artigo recentemente lido na revista da Marinha sobre a actividade de desmantelamento de navios (que há anos foi objecto da objectiva de Sebastião Salgado) que, apesar da crescente procura, se transferiu totalmente para países pobres (Índia, Bangladesh, etc.) exactamente para fugir aos custos salariais directos, aos custos de protecção e segurança dos trabalhadores e aos custos de protecção ambiental. Resultado, enormes navios, portadores de imensos materiais perigosos, são encalhados em praias para serem desmantelados literalmente à martelada e por vezes com maçaricos (“luxo” a que apenas os trabalhadores com maiores “posses” se podem dar) com todos os riscos que isso implica para trabalhadores e com um enorme rasto de poluição deixado nas praias. Devemos pensar sobre este lado da “globalização” ou se queremos seguir o velho aforismo americano “it´s a dirty job, but some one has to do it”. And no matter how it is done, since we pay less for it and the dirt is far away from our door.

(Miguel Sebastião)
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(26 de Janeiro de 2006)


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Hoje, um Rocketboom divertido. Vejam a parte suiça no fim...

*

No Clube dos Jornalistas da 2: discutiram-se as "interrupções" dando como exemplo as de Sócrates sobre Alegre e de Cavaco sobre Jerónimo, na noite das eleições. Não ficou bem clara a natureza completamente distinta dos dois casos: no primeiro, foi discurso sobre discurso, e a opção editorial seria sempre muito difícil de fazer (é legítimo considerar que sendo o PM a falar devia ser ouvido); a segunda é puramente de responsabilidade do "jornalismo" espectacular. Cavaco a sair de casa não é "notícia" que se deva sobrepor a uma declaração de um candidato presidencial. No primeiro caso, hesitaria em condenar as televisões, desde que uma imediata nota fosse feita do que se passou e uma reparação a Alegre se lhe seguisse, passando o seu discurso, como a SIC fez. No caso da saída de Cavaco versus discurso de Jerónimo, foi mau jornalismo.

*

No blogue de Assouline faz-se uma síntese de uma publicação académica sobre os "novos franceses", o livro de Sylvain Brouard e Vincent Tiberj, Français comme les autres ? , Les Presses de Sciences Po, 2005. O que há de interessante nessa síntese é o crescente peso da religião nas opções culturais e de vida:

* RELIGION Plus ils s'inscrivent dans la société française, moins ils sont musulmans, d'autant que les trois quarts de la seconde génération sont issus de mariage mixte ; ils sont comme les autres Français ouverts au mariage mixte mais beaucoup plus hostiles quand il s'agit des filles ... Les Français musulmans (autour d'y 1,1 million de personnes) n'en entretiennent pas moins une relations plus intense avec leur religion que le reste des Français. La proportion de musulmans est maximale chez les jeunes et décroît ensuite ; c'est par les 18-24 ans que l'on assiste aujourd'hui à un phénomène de réislamisation en France. Rien à voir avec le niveau d'études. Si la religion musulmane est bien l'islam, un tiers ne s'en réclame pas. Rien n'est plus faux que l'idée d'un bloc homogène de population immigrée musulmane.

* ESPRIT CITOYEN Ils sont 23% à déclarer ne pas être inscrits sur les listes électorales contre 7% chez les autres Français, mais on peut penser que cela a évolué depuis la récente crise des banlieues et l'idée d'un vote-sanction contre Sarkozy-le-karcheriseur. A noter que l'affiliation musulmane va de pair avec le taux de non-inscription.

* POLITIQUE Ils sont enracinés à gauche, comme les Noirs américains le sont le sont avec les démocrates. 76% d'entre eux se déclarent proches d'un parti de gauche. Paradoxe : la gauche étant peu incarnée à travers un leader fort qui s'impose, Jacques Chirac jouit d'une sympathie particulière parmi eux.

* INTEGRATION On peut parler d'une intégration réussie quand on constate leur légitimisme à l'égard des institutions et du modèle hexagonal, attitude pro-Etat supérieure aux autres Français qui s'explique autant par la culture de l'assistanat que par une forme de volontarisme à l'égard du travail. Ils sont plus attachés à la réussite que l'électorat de droite. Leur culture de leur réussite prime et perdure quelle que soit leur position dans la société. Ils font la synthèse entre liberté et égalité contrairement au reste de l'électorat français qui aura tendance à les opposer. Ils se distinguent des autres par leur dynamisme plutôt que par leur attentisme.

* MOEURS Ils sont moins permissifs que les autres Français dans trois domaines: homosexualité, séparation dans les piscines et interdiction des relations sexuelles avant le mariage pour les filles. Ils sont deux fois plus homophobes, conservateurs et intolérants que les autres Français, phénomène lié à la fréquentation des mosquées.

* RACISME Un sur trois de ces nouveaux Français rejette l'immigration. Ils sont beaucoup plus antisémites que les autres Français, notamment les 18-24 ans. Le préjugé antisémite perdure indépendemment de l'âge, des diplômes ou de l'univers politique. Le niveau d'antisémitisme est lié au facteur religieux et à la relation à l'immigration. Ils sont moins antisionistes qu'on ne le croit généralement. La minorité intolérante et ouvertement antisémite (33% d'entre eux) est musulmane pratiquante.

* DISCRIMINATION POSITIVE Leur position sur la question n'est pas formée. Ils semblent préférer ce qui s'éloigne le moins de l'égalitarisme républicain, une politique générale plutôt que des mesures spécifiques propres à eux seuls.

* COMMUNAUTARISME La concentration dans l'espace (cités, ghettos ...) est l'une des conditions du phénomène. Les originaires du Maroc ou d'Afrique noire se sentent plus proches que les autres de leur pays d'origine. Dans leur majorité, ils ne sont pas dans une logique communautaire."

(sublinhados meus)
 


EARLY MORNING BLOGS 708

A UN POETA MENOR DE LA ANTOLOGÍA


¿Dónde está la memoria de los días
que fueron tuyos en la tierra, y tejieron
dicha y dolor y fueron para ti el universo?

El río numerable de los años
los ha perdido; eres una palabra en un índice.

Dieron a otros gloria interminable los dioses,
inscripciones y exergos y monumentos y puntuales historiadores;
de ti sólo sabemos, oscuro amigo,
que oíste al ruiseñor, una tarde.

Entre los asfodelos de la sombra, tu vana sombra
pensará que los dioses han sido avaros.

Pero los días son una red de triviales miserias,
¿y habrá suerte mejor que ser la ceniza,
de que está hecho el olvido?

Sobre otros arrojaron los dioses
la inexorable luz de la gloria, que mira las entrañas y enumera las grietas,
de la gloria, que acaba por ajar la rosa que venera;
contigo fueron más piadosos, hermano.

En el éxtasis de un atardecer que no será una noche,
oyes la voz del ruiseñor de Teócrito.


(Jorge Luis Borges)

*

Bom dia!

25.1.06
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(25 de Janeiro de 2006)


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Desleixos, inadmissíveis desleixos.

2006-01-19-@10-23-11.jpg

Painel de azulejos localizado junto do viaduto da Av. Estados Unidos da América que ladeia o Parque da Bela Vista, da autoria de Rolando Sá Nogueira. (Lembrança de becos & companhia e amnesia. ) Será que vai ser preciso colocar a imagem todos os dias até que alguém vá lá alguém compor o que se está a estragar?

*

Um muito interessante e "sério" Rocketboom mostrando como se dá a renovação dos media, a partir de uma entrevista feita na New England Cable News Station, combinando jornalismo clássico, "citizen journalism", um sítio na rede com notícias de um jornal (Boston Globe) e videos da televisão e dos ouvintes, um blogue local em cada terra, etc., etc. Nenhuma experiência de vanguarda, nenhuma tecnologia de ponta, numa emissora local, apenas o uso integrado do que já existe ao serviço dos "consumidores". Nada que não se pudesse fazer cá, em pequeno, em bem feito, sem ilusões de grandeza, mas sólido.
 


RETRATOS DO TRABALHO EM S. TOMÉ



Pesca de cerco, Sto Amaro, STP, Out. 2005

(António Ferreira de Sousa)
 


EARLY MORNING BLOGS 707

estação


Esperar ou vir esperar querer ou vir querer-te
vou perdendo a noção desta subtileza.
Aqui chegado até eu venho ver se me apareço
e o fato com que virei preocupa-me, pois chove miudinho

Muita vez vim esperar-te e não houve chegada
De outras, esperei-me eu e não apareci
embora bem procurado entre os mais que passavam.
Se algum de nós vier hoje é já bastante
como comboio e como subtileza
Que dê o nome e espere. Talvez apareça


(Mário Cesariny)

*

Bom dia!

24.1.06
 


RETRATOS DO TRABALHO EM TIMOR-LESTE E EM S. TOMÉ



Dili, Timor-Leste. Tecedeira numa fábrica de Tais ( pano de fabrico artesanal ) em Dili. Habitualmente, os trabalhos são feitos por encomenda, conforme a côr, desenho e tamanho pretendido. Existem em todo o país, exibindo características diferentes, de região para região.

(Teresa Calado)



Peixeira na lota, São Tomé, STP, Out. 2005

(António Ferreira de Sousa)
 


EARLY MORNING BLOGS 706

Colagem

com versos de Desnos, Maiakovski e Rilke

Palavras,
sereis apenas mitos
semelhantes ao mirto
dos mortos?
Sim,
conheço
a força
das palavras,
menos que nada,
menos que pétalas pisadas
num salão de baile,
e no entanto
se eu chamasse
quem dentre os homens me ouviria
sem palavras?


(Carlos de Oliveira)

*

Bom dia!

23.1.06
 


NOVOS TEMPOS: UM LIVRO EM TEMPO REAL

sairá esta semana.
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(23 de Janeiro de 2006)


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Lourenço Medeiros explica muito bem por que razão "o facto de não se utilizar no dia-a-dia as tecnologias de informação é muito mais grave do que parece", com o exemplo das disquetes do caso Casa Pia e das mãos por que passaram.
 


RETRATOS DO TRABALHO EM S. TOMÉ


A caldeira do secador de cacau, Roça Milagrosa, STP, Out. 2005


Alfaiataria Jordão, São Tomé, STP, Out. 2005.

(António Ferreira de Sousa)
 


OBSERVAÇÕES PRESIDENCIAIS AVULSAS 4


Ele há mau ganhar, mas duvido que se encontrem muitos exemplos significativos de mau ganhar até agora. Mas mau perder abunda por todo o lado, sendo até um dos traços distintivos destas eleições presidenciais. A história da "vitória tangencial" é um exemplo. Cavaco ganhou à primeira volta por uma maioria absoluta face a cinco candidatos que fizeram campanha contra ele, e à distância de 30% do segundo classificado, ganhou em todos os distritos do país com excepção de Beja, e ganhou "à tangente"?

*

E depois há frases inqualificáveis como as ditas por Vital Moreira no Causa Nossa:

"O problema com Cavaco Silva não é só ele ser o primeiro presidente oriundo da direita política, nem o inigma sobre a sua prática presidencial. É ele suceder a quem sucede: 10 anos de um presidente maior do que o País (Mário Soares); 10 anos de um dos presidentes mais cultos e "aristocratas"(no verdadeiro sentido da noção) que já tivemos (Jorge Sampaio). Ter agora um presidente que não ultrapassa os limites de uma cultura economista e tecnocrática é uma enorme sensação de despromoção..." (sublinhado meu)

*

Para uma antologia do mau perder:

"Pedro Santana Lopes, ex-líder do PSD, afirmou hoje que Cavaco Silva ganhou as eleições presidenciais à primeira volta devido à ausência de um outro candidato à direita. "Se houvesse outro candidato à direita, haveria uma segunda volta", referiu Santana Lopes em declarações à SIC-Notícias." (Portugal Diário)

Como é evidente, "só" haver um candidato "à direita", nada tem a ver com o mérito de Cavaco Silva, mas deve ter sido benemerência dos putativos candidatos.


*

No sítio do Diário de Notícias (diferente no seu arranjo gráfico do jornal em papel), a vitória de Cavaco Silva é um acontecimento menor ( o terceiro sem relevo, depois de uma história de penhoras e bancos e de outra sobre carros chineses), de tal maneira que pensei que o jornal lá colocado era o de ontem. É um absurdo comunicacional, já para não dizer outra coisa.

Actualização: a ordem das notícias foi mudada durante o dia, depois desta nota divulgada, e passou Cavaco a primeiro.

*

A interrupção do discurso de Alegre por Sócrates gerou, na pequena multidão que estava dentro da SIC, imediatas e sonoras manifestações de protesto, que ultrapassaram partidos e amizades políticas. Eu protestei alto e bom som na minha mesa, Helena Roseta na dela e, atrás de mim, no grupo a que a SIC chamou da "sociedade civil" ouviam-se também protestos. Os jornalistas que conduziam a emissão ficaram também perplexos e incomodados pela evidente e grosseira manobra de ocultação de Alegre, mas não era fácil não dar a prioridade ao discurso de Sócrates,no tempo real em que estas emissões se fazem. Sócrates é o Primeiro-Ministro e um dos responsáveis pelo desastre do PS e forçou ser ouvido. Justiça seja feita neste caso à SIC que se apercebeu de imediato que tinha que encontrar uma forma de reparar Alegre, que denunciou de imediato a malfeitoria e anunciou a repetição da declaração de Alegre. Não sei o que fizeram as outras televisões, mas tenho curiosidade em saber.

*

Mal anunciei que iria fazer o Abrupto directo da mesa da SIC e apelava à contribuição dos leitores, um "amador" qualquer enviou para o meu endereço de e-mail, uma série de ficheiros gigantescos para o bloquear, pelo que algum correio deve ter sido perdido.

Segundo o Google Analytics o Abrupto teve mais de 16000 "pageviews" ontem.

*
Provavelmente não se apercebeu (já que estava em directo na SIC) mas na TVI, M. Sousa Tavares e outros, alegaram que, tendo Cavaco Silva sido eleito presidente com o menor percentual e número de votos da história, o seu espaço de intervenção estava reduzido. Ora, sem sequer insistir no ponto óbvio de a vitória se ter verificado à primeira volta - o que só por si a torna necessariamente mais forte do que qualquer outra que se tenha registado à segunda -, convém também lembrar que Cavaco teve mais votos do que Sócrates nas últimas legislativas (2,8 milhões vs 2,6 milhões). Os números falam por si...

Francisco Barbosa

*

E ao menos sabe comer à mesa?

É impossível ler hoje o livro «Angústia para o jantar», de Luís de Sttau Monteiro, sem recordar as inúmeras observações de Mário Soares em desprimor de Cavaco Silva - de tal forma elas parecem inspiradas neste romance em que um outro António é humilhado da mesma forma torpe.Quando, nos anos 60, o li pela primeira vez, a personagem que faz o papel de snob-de-serviço provocou-me uma náusea que agora (no decorrer de uma segunda leitura) ressuscitou - e em duplicado, vá lá perceber-se porquê!

C. Medina Ribeiro

*

Quando Cavaco Silva saiu de casa, ouviram-se duas perguntas colocadas por um jornalista: «O que lhe vai pela cabeça?» e «O que foi que lhe disse o dr. Soares?» Cavaco Silva respondeu à segunda; obviamente, a resposta consistiu em dizer que não revelaria tal informação. A minha pergunta é: o que vai pela cabeça do jornalista ao perguntar o que foi que disse Mário Soares? Por acaso pensou que Cavaco Silva lho diria?

(José Carlos Santos)

*

Tanta "conversa" (em 96, 97?) por causa do voto dos emigrantes para a Presidência da República para, afinal, a taxa de abstenção dos portugueses residentes no estrangeiro ultrapassar os 90%!

(M.F.Åhman, Suécia)

*

Embora seja prematuro estar a estabelecer cenários a eleição de Cavaco representa, de facto, uma rotura no que tem sido a centralidade política em Portugal.

O discurso oficial do PS e do PCP no passado, quando socialistas foram eleitos presidentes, foi o de logo à partida lhes atribuir um estatuto de independência, isenção e idoneidade que esquecia as suas origens políticas e lhes atribuía uma superioridade moral, de rigor e de dimensão ética.

Será curioso ver como irão reagir se Cavaco for presidente. O que, naturalmente, espero venha a acontecer.

(António Taveira)

*

Uma ilação interessante destas eleições presidenciais é o facto dos dois candidatos mais votados serem aqueles que mais fraca performance televisiva têm. Claro que performance televisiva é entendida, neste contexto, como a capacidade de gerar o sound-byte, de ter a pequena frase assassina ou em sentido mais lato de “ter conversa”.

Cada vez mais os portugueses avaliam, sobretudo, currículos e valores que atribuem a cada candidato ou partido e esses encontram-se, de um modo geral, bastante sedimentados na avaliação do eleitorado. Neste sentido a campanha tradicional perdeu muita importância.

(Miguel Alçada Baptista)

*

1) O vencedor ganhou e é acusado de ter preparado rigorosa e profissionalmente a candidatura. Queremos desenvolver o país, profissionalizar as actividades, acabar com o nacional-desenrascanço. Depois acusamos quem pratica esse profissionalismo de ter “ganho porque preparou tudo com antecedência e rigorosamente”. Em que ficamos? Relembremos que Cavaco ganhou as 3 legislativas em que esteve à frente do PSD, 2 delas com maioria. Perdeu umas presidênciais à 1ª volta e ganhou outras à 1ª volta sem ter que dar sais de fruto a ninguém.

2) Manuel Alegre valeu a pena. Teve valor acrescentado. Mostrou que o nacional- desenrascanço ainda vai funcionando, que ainda somos um país de poetas e que as pessoas gostam das “vitimas”. E mostrou também que é possível vencer os aparelhos partidários (de onde Alegre saiu) apesar das muitas fidelidades caninas às prebendas que os partidos no poder distribuem.

3) O grande derrotado, sem honra nem glória. Fez uma campanha ressabiado com Anibal e Alegre, mal educada, contraditória, sem fair-play, mostrou apenas um sentido de posse pelo Palácio Cor-de-Rosa, tipo a criança e o seu brinquedo preferido. E mais, mostrou que o animal político já não é o que era, qual Amália nos seus últimos anos. Desses tempos sem glória da fadista apenas ficou para a história o “obrigado, obrigado”. E os eleitores mostraram saber distinguir entre gratidão e capacidade para a função em causa no actual momento do país. Se a interrupção de Socrates a Alegre foi propositada, mostra arrogancia e mau perder, se foi um erro mostra falta de profissionalismo de quem quer modernizar o país. De facto o rigor e profissionalismo de Cavaco vão ser um valor acrescentado para o país. Relembremos que em 4 legislativas e 1 constituinte Mário Soares só conseguiu 3 vitórias e todas sem maioria absoluta. E nas presidênciais precisou de dar muitos sais de fruto aos comunistas para bater Freitas na 2ª volta.

4) O resto foram os figurantes do costume entre a esquerda Caviar-Champagne e a esquerda de rosto popular. A leste nada de novo.

(Miguel Sebastião)

22.1.06
 


VOU PARA OUTRO LADO

já chega.

Quod erat demonstrandum. Não foi surpresa.
 


"COM TODA A CLAREZA"

diz Cavaco, da decisão do "povo português". É. ter metade dos votos mais um na primeira volta, é mesmo "com toda a clareza". Não é "à tangente", é "à tangente na primeira volta", um resultado bem difícil de obter. Ou não tinha como adversário Mário Soares que tinha gerado o "maior nervoso" aos apoiantes de Cavaco (comno se dizia em tempos não muito remotos), ou que Monjardino dizia, numa entrevista ao Independente, que não precisava de fazer campanha para vencer.
 


SÓCRATES QUER-NOS CONVENCER

que ninguém na campanha de Mário Soares estava a ver a televisão e não se apercebeu que Alegre, o arqui-adversário, começava a falar...

A questão é outra. É que lhe correu mal a cena.
 


A MÁQUINA

para explicar que nada mudou (vinda dos que diziam que tudo ia mudar por causa do "golpe constitucional") vai começar amanhã.
 


SÓCRATES

pensa que pode fazer tudo. E fez uma asneira revelando um dos seus aspectos mais negativos, prepotência e arrogância. Ao interromper Alegre, foi o que pior se portou nesta noite.
 


ISTO ESTÁ BONITO!

Sócrates a interromper Manuel Alegre que vergonha!

Se fosse Alegre repetia a declaração.

Se fosse a televisão dava o PM em diferido, porque Sócrates não é candidato.

(António Lobo Xavier assina por baixo).

Há alguma revolta aqui na SIC vinda de vários lados.
 


"APODERAR-SE?"

Com que então a "direita" "apoderou-se" (diz Jerónimo) da Presidência?
 


DUAS QUESTÕES

Sou da opinião de que não deveriam passar na televisão imagens do interior da casa de Cavaco Silva (ou de qualquer outra pessoa) gravadas à revelia deste.

Acabei de ouvir o discurso de Francisco Louçã. Já lhe contaram que ficou em quinto lugar?

José Carlos Santos
 


O NOVO "CAVAQUISTÃO"

Dia histórico para o distrito de Bragança, pois transformou-se no novo "cavaquistão".
Os resultados de Cavaco Silva no distrito são os maiores a nível nacional.

Bragança 67,30%
Viseu 65,68%

José Alegre Mesquita
 


A PARTIR DE AGORA

o jogo da democracia centra-se na oposição. É Marques Mendes e Ribeiro e Castro que estão na primeira linha.
 


NO COMÍCIO

que foi a declaração de Louçã, a palavra "grande" foi a mais repetida.
 


EM PLENO COMÍCIO

Louçã.
 


OS RESULTADOS

já não permitem incertezas. Cavaco Silva é Presidente. Manuel Alegre fica em segundo, Soares num escasso terceiro. Jerónimo e Louçã onde se previa e na ordem que se previa.
 


QUE FARÁ ALEGRE COM OS VOTOS?

Apesar de todo o mérito da sua decisão de se candidatar, toda a campanha de Manuel Alegre foi baseada num simpático sofisma.

O que Alegre dirá, mais logo, no discurso de encerramento, quer haja segunda volta quer não, é que a sua candidatura é um imparável movimento de cidadãos e para os cidadãos, e carregado de cidadãos, e com trabalho de cidadãos, protagonizado por um cidadão. Resumindo, Alegre fará, como fez desde que se tornou num rebelde socialista, a apologia da cidadania.

No entanto, a verdade é que Alegre é um cidadão-novo: tornou-se, abruptamente, num cidadão, desligado de partidos. O que falta dizer, e isto raramente se diz, é que a candidatura de Alegre só é de cidadãos para cidadãos porque o PS não o escolheu. Doutra forma, os cidadãos poderiam ficar confortavelmente à porta do Altis, que a candidatura seria de um partido, e Alegre diria que assim é que deverá ser em democracia.

(Artur Vieira)
 


O QUE BASTA

50,001% será tb a votação necessária e suficiente para a esquerda!

CMO
 


OS 50,1% SERÃO MAIS DUROS

de obter do que parecia nas sondagens. Mas são os necessários.
 


OS VOTOS DE ALEGRE

Que vai fazer Manuel Alegre com os seus votos?

Talvez o mesmo que Basílio Horta fez aos seus 14% obtidos em 1991 contra Mário Soares no CDS – nada!

Trata-se de um epifenómeno, circunstancial, que tem toda a probabilidade de se esgotar a partir de amanhã.

Se não há maiorias presidenciais, por maioria de razão não existem minorias presidenciais.

O fenómeno chamado poder tem uma considerável força agregadora que se encarregará de dissipar veleidades fragmentadoras.

João Pedro Dias
 


QUESTÃO DA NOITE

E se de repente a questão da noite não for quem ganha, nem quem fica em
segundo lugar, mas o terceiro?

Pobre Mário Soares....

João Carvalho Fernandes
 


MUITO POUCA POLÍTICA

se discute esta noite.
 


O MILAGRE DAS ROSAS

duas vezes, Ana Gomes.
 


TRUMAN SHOW À PORTUGUESA

O que se joga na noite de hoje está, há muito, preparado por José Sócrates. Está tudo equacionado para o segundo ou terceiro lugares e o líder do PS torce por uma maioria absoluta, pois é a oportunidade de se livrar dos soaristas e de desafiar Alegre no próximo congresso.
Sócrates é o realizador de um Truman Show à portuguesa, mas com dois Jim Carey's.

Pedro Gouveia Alves
 


MINORIAS

Foi a ausência de uma candidatura de direita que permitiu a Cavaco Silva ser eleito Presidente à primeira volta. Quaisquer 5% de votos que essa candidatura obtivesse, teria impedido esta eleição à primeira volta. A importância das correntes de pensamento minoritárias, que estão para além do «centrão», sai reforçada.com esta eleição.

João Pedro Dias
 


VALETES

Não vão faltar valetes a falar em nome da maioria presidencial, a sugerir a transformação subtil do PSD em Partido do Presidente. Será bom que Cavaco Silva recuse estes cantos de sereia.

António Lobo Xavier
 


A PARTIR DE AGORA

é na oposição que se concentra a mudança possível de políticas. A presidência de Cavaco é um enquadramento para o governo e a oposição, mas é do terreno parlamentar e partidário que vem a diferença.
 


SÍTIOS

Mesmo estando na SIC, dê um salto ao site da RTP, verdadeiro serviço público. O site desapareceu. Só temos resultados das presidênciais. O site da SIC parece também estar alterado, mas demasiado lento.

RAP.
 


SONDAGENS

Melhor sondagem para Cavaco: a da SIC.

Melhor sondagem para Alegre: a da RTP

Melhor sondagem para Soares: a da SIC.

Melhor sondagem para Jerónimo: a da RTP.

Melhor sondagem para Louçã: a da SIC.
 


PERGUNTA

Portugal vai ser o mesmo?

Sequeira Braga
 


"SOCIEDADE CIVIL"

Representantes da Sociedade Civil ai na SIC

São poucos os comunistas, será que é o reflexo da nova sociedade, que por ai se aclama?

LLourenço
 


QUOD ERAT DEMONSTRANDUM

o latim dá muita força.
 


PREOCUPAÇÕES

Honestamente, mais do que os resultados destas eleições em termos de vencedores e vencidos, a minha curiosidade centra-se para os números da abstenção. Gostaria de ver estes números insignificantes. Em minha opinião isso seria o verdadeiro reflexo de uma melhoria qualitativa da classe política vigente em Portugal, pois das principais causas dos níveis de abstenção reside no facto de pouco ou quase nada se notar quando muda a cor política no panorama Nacional.
Para quê estarmos preocupados com as derrotas partidárias? Estamos ou não, de facto, preocupados com a crise que enfrentamos todos (ou quase todos)????


Catarina Ferreira
 


A LEI

É a lei, compreendo... Resta-me reformular o meu ponto de vista. Ora bem: dado que é de todo impossível prever quem será o próximo Presidente da República, julgo que o ponto fulcral destas eleições está em saber quem recebe mais votos: se Alegre, se Soares. As consequências que poderão advir deste acto eleitoral, na minha opinião, serão inevitáveis. E, no que diz respeito a esta matéria, penso que a grande dúvida está em saber o que fará Manuel Alegre com os seus resultados (sejam eles quais forem).

Abílio Ribeiro
 


FACES

Creio que sim as faces dizem tudo aquilo que a esta hora ainda não se pode dizer...

Filipe Freitas
 


PERGUNTA

Gostava de saber a opinião de JPP sobre a continuidade de elaboração de sondagens que têm como amostra "lares com telefone fixo", sabendo-se que, cada vez mais, as pessoas optam pelos telemóveis em detrimento do telefone fixo. Não acha que se deve pensar no assunto?

João Paulo Lopes Martins

As sondagens julgam-se pela correlação entre os resultados virtuais e os reais. Os métodos são instrumentais em grande parte.
 


A TRISTEZA OU A ALEGRIA VIOLAM A LEI?

Pode-se interpretar as faces nas sedes de campanha? Pode-se ignorar o que se vê, o que se lê?
 


MEUS AMIGOS

não adianta enviarem mensagens que não podem para já serem publicadas.
 


ROSAS?

«Alegre tem no gabinete, a seu pedido, rosas vermelhas...»

«Rosas em (22 de) Janeiro, Senhora? - estranhou o rei (...)»

CMRibeiro
 


VIRTUALIDADES

A questão de se saber quase tudo...remete, forçosamente, para uma questão realista: Para além de uma campanha eleitoral virtual..feita de e para a TV, vamos ter agosra...pelo menos durante 1 hora...comentários e jornalistas virtuais..a fazer de conta que não se sabe nada e com medo de...não violar uma lei real!

Amanhã continuaremos na realidade virtual?

Paulo Gonçalves
 


VAI ACABAR A TRANQUILIDADE

sou inteiramente a favor desta regra que chamam estúpida e que nos proporcionou um dia antes das eleições sem directos, sem golpes, sem manipulações e com notícias de outros mundos.

António Lobo Xavier
 


COMO DE COSTUME

o Abrupto é feito por toda a gente da minha mesa, com a sua assinatura.
 


NOVOS TEMPOS

Nos "quarteis generais" de Alegre e Jerónimo, para já os mais agitados, Alegre tem no gabinete, a seu pedido, rosas vermelhas e água, e na do Bloco de Esquerda há champanhe. Novos tempos.

(RM)
 


COM MUITA CURIOSIDADE

A menos de uma hora de saber quem vai ser o proximo presidente da republica, todos nos questionamos sobre duas questoes:

- Quem será?
- Por que será?

Estas duas questões merecem uma breve reflexão... Quem será? Cada um dos candidatos com características pessoas, que agradam a diferentes manifestações... Penso que todos merecem uma oportunidade? Mas será que cada um dos candidatos tem a capacidade de honrar a confiança do portugueses?

Porquê? penso que é importante detectar as razões que fizeram com que o "escolhido" pelos portugueses tenha ganho este voto de confiança... Penso que este tipo de análise poderá ser a "pedra filosofal" para quem a descobrir... Penso que o "vencedor" será fruto de uma "campanha vencedora", a analise da mesma poderá entao chamar a atenção sobre alguns pormenores que nem sempre são correctos na campanha de alguns candidatos...

Com muita curiosidade

Marta Lourenço Wadsworth
 


PERGUNTA

"O que é que quer dizer quando escreve "Já se sabe quase tudo"?", pergunta Luís Carmelo.

O que se pode saber (sondagens várias), o que não se pode dizer. Para já.

Neste caso, a lei tem sentido: não divulgar resultados virtuais, enquanto existem votações reais.
 


COMEÇOU

como num preâmbulo, um introito, um momento de acalmia antes da tempestade. Já se sabe quase tudo, mas espera-se.
 


À MINHA VOLTA

como num teatro, sentam-se as diferentes categorias de actores: os "comentadores", os "jornalistas", os "representantes da sociedade civil", tudo banhado numa luz crua. A luz da televisão.
 


MAIS UMA VEZ: O ABRUPTO FEITO DA MESA DA SIC

a partir de agora.

Pelo e-mail recebem-se colaborações, comentários, ditos, coisas soltas sobre o assunto.
 


OBSERVAÇÕES PRESIDENCIAIS AVULSAS 3


O mal já está obviamente a ser atribuído ao país. O país "que confunde progresso, e modernidade, com jipes topo de gama" (Da Literatura); o país dos "broeiros" (Natureza do Mal); o país que bebeu demais : "A embriaguez ou a excitação do momento podem levar um homem a acordar ao lado de alguém que, sem o benefício da maquilhagem, se revela um susto para o parceiro que entretanto recuperou a sobriedade." (JPC no Super Mário); o país que não percebe a "grandeza" e o mérito de "estar fora do tempo" (CCS no Espectro); o país em que "a grandeza acaba assassinada pelos seus pares" e o "tempo (...) é medíocre, os punhais brilham na sombra de César" (CFA no Expresso) e muitas, muitas outras páginas sobre o mesquinho, ignorante, ingrato, desmemoriado, masoquista, kitsch, traiçoeiro, rasteiro, e vil acto que os portugueses vão praticar hoje ou daqui a um mês.
 


RETRATOS DO TRABALHO 8


Lewis Wickes Hine, Vidreiro fazendo equipamento de laboratório, Millville, N.J., 1937.
 


EARLY MORNING BLOGS 705: "ROCIE ESTE APOSENTO"

"El cual aún todavía dormía. Pidió las llaves a la sobrina del aposento donde estaban los libros autores del daño, y ella se las dió de muy buena gana. Entraron dentro todos, y el ama con ellos, y hallaron más de cien cuerpos de libros grandes muy bien encuadernados, y otros pequeños; y así como el ama los vió, volvióse a salir del aposento con gran priesa, y tornó luego con una escudilla de agua bendita y un hisopo, y dijo: tome vuestra merced, señor licenciado; rocíe este aposento, no esté aquí algún encantador de los muchos que tienen estos libros, y nos encanten en pena de la que les queremos dar echándolos del mundo. Causó risa al licenciado la simplicidad del ama, y mandó al barbero que le fuese dando de aquellos libros uno a uno, para ver de qué trataban, pues podía ser hallar algunos que no mereciesen castigo de fuego. No, dijo la sobrina, no hay para qué perdonar a ninguno, porque todos han sido los dañadores, mejor será arrojarlos por las ventanas al patio, y hacer un rimero de ellos, y pegarles fuego, y si no, llevarlos al corral, y allí se hará la hoguera, y no ofenderá el humo. Lo mismo dijo el ama: tal era la gana que las dos tenían de la muerte de aquellos inocentes."

(Cervantes)

*

Bom dia!

21.1.06
 


VER A NOITE 3


Um dia depois, tudo continua na mesma. Portugal profundo.
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: PÓ DO OUTRO MUNDO


talvez pó que fez o nosso mundo, ou até pó anterior ao nosso mundo. O pó de que somos feitos, antes e depois.
 


BIBLIOFILIA: AS EDIÇÕES TAUCHNITZ DE LEIPZIG



A arrumar uns livros apareceram-me dois ou três das edições da Tauchnitz. Qualquer pessoa que tenha contacto com bibliotecas, ou alfarrabistas com livros do início do século XX, já encontrou de certeza estes livros com uma capa simples e sóbria, baratos e abundantes, com textos de literatura inglesa. Nunca os tinha olhado com atenção, apesar de sempre ter gostado da sua simplicidade, e nem sequer reparei que se trata de edições alemãs de textos ingleses. Agora reparei e os pormenores tinham interesse. Por exemplo, este , apontando para o consumo europeu. Vim a saber depois que o barão Tauchnitz foi um pioneiro do pagamento dos direitos de autor, prática que não abundava nas edições publicadas no estrangeiro. Depois, o número espantoso de obras publicadas. Este do Emerson é o nº 4525 e, como se pode ver pela contra-capa, não eram propriamente junk books. A Tauchnitz publicou, entre 1847 e 1939, cerca de 5000 textos de autores anglo-saxónicos.
 


INTENDÊNCIA

Actualizado o blogue ÁLVARO CUNHAL - UMA BIOGRAFIA POLÍTICA.
 


RETRATOS DO TRABALHO EM TIMOR (ARREDORES DE DILI, HOJE)





Foto 1: Restaurante Ambulante.

Foto 2: Sr. Alfredo, ex-refugiado na Austrália, agora de Alfaiate, na estrada de Comoro - Díli.

Foto 3: Vendedores de Fruta, na estrada de Liquiçá - Díli.

(Amílcar Lopes António)
 


VER A NOITE 2


Estava escuro, completamente escuro, noite como era a noite. No meio das ruas não se via nada, era fácil bater contra qualquer obstáculo. Tentei fotografar, sem qualquer esperança e com uma vulgar câmara digital, alguma coisa que mostrasse a noite, a estranheza. O resultado foi inesperado: a máquina fotografou a humidade, as gotas de água que reflectiram a luz breve do flash. Vagamente vê-se um fantasma de um pórtico. Esta claridade cinzenta está lá, mas só a máquina a via.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: O VOTO ELECTRÓNICO

Que é feito do voto electrónico?

Dado que as ideias são como as cerejas, a frase «Eu nunca tinha visto um programa Excel» (proferida, na passada sexta-feira, pelo senhor Procurador Geral da República) trouxe-me à lembrança, pelo motivo que adiante se verá, um outro assunto: o VOTO ELECTRÓNICO, tecnologia particularmente eficaz no combate à abstenção, dado que se destina, especialmente, a quem está longe da sua assembleia-de-voto ou incapacitado de lá ir.

Naturalmente, há muitas pessoas que receiam que, assim, o seu voto se possa transviar. É uma preocupação legítima; mas, quando fazem uma transferência pelo Multibanco, passa-lhes pela cabeça que o dinheiro possa ir parar aos bolsos de outra pessoa que não o destinatário? E quando indicam o seu NIB (para reembolso do IRS, p. ex.) imaginam que algum Zé-do-Telhado lhes roubará o dinheiro pelo caminho? Claro que não. Então porque é que receiam que um simples voto, enviado electronicamente por sistemas seguros mais do que testados por esse mundo fora (e, ainda por cima, sob controlo de todos os interessados), possa ir parar a quem não querem?

Em Portugal, antes das últimas legislativas, gastaram-se rios-de-dinheiro em protótipos e experiências; e, logo que o governo mudou… o assunto morreu, pelo que em pleno século XXI ainda são possíveis situações como a de um familiar meu que acaba de percorrer mais de 650 km para ir votar.

Uma parte da justificação para tudo isso tem de ser procurada na pecha portuguesa que nos leva a desprezar tudo o que foi feito anteriormente e recomeçar do zero. Há sempre alguém que, achando que todos os outros são idiotas, quer reinventar-a-roda - nem que ela venha a ser quadrada. Mas a maior parcela da explicação deve ser procurada, se calhar, junto de pessoas que proferem frases como a que no início se transcreve...

(C Medina Ribeiro)

*
Tem toda a razão no que diz respeito ao último parágrafo. Já agora o familiar -deste genero tenho alguns- deve ter-se mudado sem ter tido a "gentileza" de tratar de toda a papelada. Mesmo isto compreendo melhor do que ninguem: como estrangeira com toda a documentação em ordem, residente na minha vila de 3000 almas há mais do que 30 anos, incrita nos caderno eleitoral para cidadãos da UE desde o princípio, nunca conseguí ir a votos (europeias, autárquicas) sem que tivesse que esperar horas, porque a minha lista, da qual sou a primeira e, até agora, única inscrita, nunca está presente. Às vezes este país esgota a paciência mesmo dos mais entusiatas dele.

(MKL)
 


RETRATOS DO TRABALHO 7


Operária têxtil atando fios quebrados no tear, Patterson, N.J. 1937
 


EARLY MORNING BLOGS 704:
"BIEN PARECE (...) QUE NO ESTÁS CURSADO EN ESTO DE LAS AVENTURAS."


En esto descubrieron treinta o cuarenta molinos de viento que hay en aquel campo, y así como Don Quijote los vió, dijo a su escudero: la ventura va guiando nuestras cosas mejor de lo que acertáramos a desear; porque ves allí, amigo Sancho Panza, donde se descubren treinta o poco más desaforados gigantes con quien pienso hacer batalla, y quitarles a todos las vidas, con cuyos despojos comenzaremos a enriquecer: que esta es buena guerra, y es gran servicio de Dios quitar tan mala simiente de sobre la faz de la tierra. ¿Qué gigantes? dijo Sancho Panza.

Aquellos que allí ves, respondió su amo, de los brazos largos, que los suelen tener algunos de casi dos leguas. Mire vuestra merced, respondió Sancho, que aquellos que allí se parecen no son gigantes, sino molinos de viento, y lo que en ellos parecen brazos son las aspas, que volteadas del viento hacen andar la piedra del molino. Bien parece, respondió Don Quijote, que no estás cursado en esto de las aventuras; ellos son gigantes, y si tienes miedo quítate de ahí, y ponte en oración en el espacio que yo voy a entrar con ellos en fiera y desigual batalla. Y diciendo esto, dio de espuelas a su caballo Rocinante, sin atender a las voces que su escudero Sancho le daba, advirtiéndole que sin duda alguna eran molinos de viento, y no gigantes aquellos que iba a acometer. Pero él iba tan puesto en que eran gigantes, que ni oía las voces de su escudero Sancho, ni echaba de ver, aunque estaba ya bien cerca, lo que eran; antes iba diciendo en voces altas: non fuyades, cobardes y viles criaturas, que un solo caballero es el que os acomete. Levantóse en esto un poco de viento y las grandes aspas comenzaron a moverse, lo cual visto por Don Quijote, dijo: pues aunque mováis más brazos que los del gigante Briareo, me lo habéis de pagar.

Y en diciendo esto, y encomendándose de todo corazón a su señora Dulcinea, pidiéndole que en tal trance le socorriese, bien cubierto de su rodela, con la lanza en ristre, arremetió a todo el galope de Rocinante, y embistió con el primer molino que estaba delante; y dándole una lanzada en el aspa, la volvió el viento con tanta furia, que hizo la lanza pedazos, llevándose tras sí al caballo y al caballero, que fue rodando muy maltrecho por el campo.

(Cervantes)

*

Bom dia!

20.1.06
 


VER A NOITE

Há várias horas que não há iluminação pública em vários quilómetros à minha volta. Nalgumas aldeias não há luz, pelo que enormes manchas de negro mergulham tudo, permitindo ver um magnífico céu de Inverno, brilhando no frio. As grandes constelações salientam-se da mancha da via Láctea. A sul, Orion domina como de costume. A poente a Cassiopeia, a norte as Ursas. Do chão começa a emergir uma névoa que apaga tudo, mas ainda vai demorar a chegar ao céu mais alto.

Passeio pelas casas brancas de cal, quase invisíveis no escuro. Está frio. Há cem anos devia ser sempre assim. Já não sabemos como é, a não ser nestas alturas.
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(20 de Janeiro de 2006)


___________________________


Apesar do kitsch, tem algum interesse: "I've collected thousands of inspirational quotes. It seems that nearly everything that can be said, has been said, simply and eloquently, in a way that can seldom be improved. Winston Churchill wrote, "Broadly speaking, the short words are the best, and the old words best of all." So, I collected "The world's best quotes in one to ten words."

*

Retratos do trabalho na Índia enviados por SM.







*

Contribuições para uma série de ícones à portuguesa digna dos livros da Taschen: sardinhas.





*

Um Rocketboom mais sério, com uma reportagem sobre Aceh um ano depois.
 


EARLY MORNING BLOGS 703

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Alembrava-vos eu lá?

MARIDO: E como!

AMA: Agora, aramá:
lá há índias mui fermosas,
lá faríeis vós das vossas
e a triste de mi cá,
encerrada nesta casa,
sem consentir que vezinha
entrasse por üa brasa,
por honestidade minha.

MARIDO: Lá vos digo que há fadigas,
tantas mortes, tantas brigas
e perigos descompassados,
que assi vimos destroçados
pelados coma formigas.

AMA: Porém vindes vós mui rico...

MARIDO: Se não fora o capitão,
eu trouxera, a meu quinhão,
um milhão vos certifico.
Calai-vos que vós vereis
quão louçã haveis de sair.
AMA: Agora me quero eu rir
disso que me vós dizeis.
Pois que vós vivo viestes,
que quero eu de mais riqueza?
Louvado seja a grandeza
de vós, Senhor que mo trouxestes.
A nau vem bem carregada?

MARIDO: Vem tão doce embandeirada.

AMA: Vamo-la, rogo-vo-lo, ver.

MARIDO: Far-vos-ei nisso prazer?

AMA: Si que estou muito enfadada.

Vão-se a ver a nau e fenece esta farsa.


(Gil Vicente)

*

Bom dia!
 


ANTES / DEPOIS



1.CAVACO SILVA GANHA À PRIMEIRA VOLTA

Se, no dia 22 de Janeiro, Cavaco Silva for eleito Presidente à primeira volta, como todas as sondagens indicam, ele próprio espera, e os seus apoiantes estão convictos, serão questões eminentemente "presidenciais" que ficarão na agenda política de segunda-feira. A primeira e a mais importante para marcar o tom do seu mandato, será a da situação do procurador-geral da República. Embora o actual Presidente mantenha a plenitude dos seus poderes nesta matéria, nunca tomará decisões sem ter em conta a opinião do candidato eleito, pelo que, de algum modo, Cavaco Silva já "presidencia" informalmente.

Para além das questões de emergência, Cavaco, por um lado, o Governo, por outro, e a oposição, por fim, terão que lidar com os efeitos políticos da sua eleição, em particular o novo equilíbrio do sistema político resultante da forte legitimidade de um resultado eleitoral deste tipo (vitória à primeira volta numas eleições em que teve cinco candidatos hostis que conduziram toda a campanha contra si). Num espaço de poder exíguo, haverá dois políticos eleitos com forte legitimidade oriunda do voto, Cavaco e Sócrates, o que não é isento de tensões, embora não seja líquido que essas tensões possam dar origem a conflitos a curto e médio prazo. A mais longo prazo já as coisas podem vir a ser diferentes, mas só um Presidente muito enfraquecido não teria esse problema.

Onde a vitória de Cavaco Silva terá repercussões imediatas é na oposição, colocando-a de novo no primeiro plano da conflitualidade política com o Governo, visto que, terminado o espelho de ocultação das presidenciais, será no confronto situação-oposição que se concentrará a dinâmica política. O que a oposição for capaz de fazer no próximo ano, em particular nas rupturas necessárias com práticas que conduziram PSD e CDS a serem maus exemplos da deterioração da credibilidade política, dependerá a estabilidade das suas lideranças.

Esta oposição enfraquecida necessita de ser ouvida pelo país, mesmo antes de o país acreditar nela, e mudar o sentido de voto. Por isso, nunca conseguirá sequer "fazer oposição" eficaz antes de dar sinais inequívocos de que pretende mudar as suas práticas. O único sinal que até agora deu resultado foi a atitude de Marques Mendes de recusar alguns candidatos que, sendo ganhadores a nível local, são "perdedores" a nível nacional, pela imagem negativa que davam ao seu partido. Foi um primeiro passo, saudado pela opinião pública, mas não chega.

A oposição precisa igualmente de mudar os seus partidos e as suas políticas, num processo simultâneo que, reconheça-se, é muito difícil de fazer quando há um longo período sem eleições à sua frente. Não pode ser nas urnas que as lideranças se fortalecem, pelo que partem muito enfraquecidas e continuarão por regra muito enfraquecidas, e não estou a ver outra maneira de mudarem a situação sem ser pelas reformas internas e pelo ganho de credibilidade. Para isso tem que evitar duas dificuldades imediatas. Uma é demarcar-se de vez do "santanismo" e do "portismo", produtos tardios e terminais do esgotamento do aparelhismo e da sua tentativa de redenção pelo populismo e que ainda "andam por aí". A outra é a afirmação inequívoca da autonomia da acção política partidária em relação a qualquer tentação de "condução" presidencial. Os problemas da oposição resolvem-se "em baixo", na vida partidária e parlamentar, e não "em cima", da presidência para os partidos. O contributo que Cavaco Silva pode dar para essa mudança na oposição, já está dado a 23 de Janeiro. A partir daí, a lógica do PSD e do CDS são distintas das do presidente Cavaco, e também eles lhe terão que algumas vezes dizer que não.

2. MÁRIO SOARES FICA À FRENTE DE ALEGRE OU VICE-VERSA

Escrevi já há muito tempo, porque na nossa vida política meses são séculos, que a questão de dinâmica política mais relevante que parecia estar por resolver nesta campanha eleitoral, era a de saber se iria ou não haver bipolarização nestas eleições. A dias de eleições, já se verificou que essa bipolarização não existiu: foi Cavaco contra todos e nem Soares, nem Alegre conseguiram de forma inequívoca aparecer aos olhos da opinião pública como "o" opositor de Cavaco. Esta foi a principal derrota da campanha de Soares, que foi conduzida apenas com esse objectivo central: mostrar que era Soares o anti-Cavaco, o único que lhe impediria o "passeio", e parece não ter resultado. Alegre terá descolado de Soares, sem contudo gerar um efeito de bipolarização com Cavaco, e, se tal se confirmar nas urnas, ficando em segundo lugar, dará um conteúdo quase trágico ao fim de carreira política de Soares. Soares ver-se-á recusado quer pelo eleitorado que prefere dar o "passeio na Avenida " a Cavaco, como ainda por cima será recusado pelos socialistas. O "soarismo" no PS, que já estava bastante enfraquecido antes das presidenciais - penso, aliás que este foi um factor que levou Soares a concorrer -, tornar-se-á então residual.

Saber se foi Alegre ou Soares que ficou em segundo lugar não é um problema de dimensão nacional, mas é um problema para o PS. Também não penso que no PS seja tão grave como isso, dada a autoridade do primeiro-ministro, mas consolidará de imediato uma oposição de esquerda dentro do partido, que se chegar ao voto parlamentar em matérias cruciais obrigará Sócrates a negociar para não encolher a maioria.

3. JERÓNIMO DE SOUSA FICA À FRENTE DE LOUÇÃ OU VICE-VERSA

Jerónimo de Sousa e Francisco Louçã fizeram, do ponto de vista dos seus interesses partidários e como dirigentes políticos, excelentes campanhas, contrastando com o desastre que foi a intervenção do PS. As suas campanhas não foram directamente competitivas, visto que a área de crescimento do voto radical do BE é no PS e só residualmente no PCP. Por seu lado, o PCP tem seguido com Jerónimo de Sousa uma política de estabilizar o seu campo de influência e impedir a sua degradação. Naturalmente, ambos entraram em conflito mais com o Alegre e com Soares do que entre si.

Para saber até que ponto Jerónimo de Sousa conseguiu o que parece ter conseguido - travar a crise orgânica e de influência do PCP (interessante verificar a desaparição política dos "renovadores" que apoiaram Alegre) -, teremos que ver se fica à frente de Louçã, porque o PCP é maior do que o BE. Do lado do BE, estas eleições deram-lhe uma líder, uma face indiscutível, a de Louçã, o que num sistema político mediático é uma vantagem, mas não é líquido que não crie para a aglomeração sui generis do BE um novo tipo de problemas de equilíbrio interno entre fracções com diferentes tradições e práticas políticas. Até agora, o sucesso tem ocultado essa divisão, mas ela está lá. Um mau resultado de Louçã pode gerar tensões.

4. CAVACO NÃO GANHA À PRIMEIRA VOLTA E HÁ SEGUNDA VOLTA

Se tal acontecer, não vale a pena ir muito longe a não ser constatar duas coisas óbvias: uma é que Cavaco continua a ser, à partida, o candidato com melhores condições para ganhar as eleições presidenciais; a outra é que a ecologia da segunda volta lhe será muito hostil. Entrará muito enfraquecido na segunda volta, em contraste com a força com que entrou na primeira, e terá que defrontar dificuldades para que a sua campanha declarativa e proclamatória não está pensada.

(No Público.)

19.1.06
 


COISAS DA SÁBADO: ALEGRE, QUE DIZER DE ALEGRE?



Todas as semanas tento descobrir alguma coisa que caracterize a campanha de Alegre e encontro sempre o mesmo: o tema da campanha de Alegre é a candidatura de Alegre, as suas razões, as suas vicissitudes, os ataques do PS, as aleivosias do “aparelho” do PS, e o hiper-elogio da grande coragem, do magnífico “acto de cidadania” que foi fazer uma candidatura nestas circunstâncias. Alegre apresenta-se sempre como “o homem que ninguém cala”, como se fosse o único na política portuguesa com essa virtude.

Depois há algumas coisas que foram esboçadas nos documentos iniciais da candidatura, um patriotismo “orgânico”, telúrico, histórico, identitário, que valeria a pena discutir, se tivesse tido algum desenvolvimento no quotidiano político da candidatura, e há o homem Manuel Alegre que, no cinzentismo dominante da nossa política, tinha mais corpo do que é habitual, voz alta, prazeres fortes, raízes, obra e vida. Mostrou moderação e gentlemanship, qualidades que partilhou com Jerónimo de Sousa e contrastavam com Soares e Louçã entre os opositores de Cavaco. Mas também isso ficou pelo caminho de uma campanha que nunca se ergueu de toda uma mitologia da “cidadania”, permanentemente auto-elogiosa, e demasiado presa ás suas circunstâncias para ganhar dimensão. Mas por que raio, em 2005-6, fazer uma candidatura dissidente no PS é assim uma coisa tão corajosa que justifique andar três meses a encher o peito?

Alegre na sua campanha acaba por gerar os efeitos contrários à mensagem que quer passar, porque sobrevaloriza o “acto de cidadania” que é, num partido democrático num país democrático, candidatar-se contra a liderança. Big deal. Estamos em democracia, o máximo que se pode perder são alguns lugares, posições e prebendas. Eu sei do que falo, talvez por isso não me incline para passar o tempo todo a dizer que isso é uma grande coragem. Coragem era antes, antes do 25 de Abril, ou no PREC, agora são peanuts. Pelo modo como está permanentemente a incensar-se Alegre acaba por desvalorizar a verdadeira coragem política, a favor de um acto de rebeldia, um pouco incómodo pessoalmente e desgastante, mas nada que Alegre não possa suportar como consequência da sua decisão de homem feito.

O segundo efeito desta candidatura é mais verdadeiro, e mais preocupante. Actuando o candidato Alegre nos “meios” PS e estando o PS no governo, o que Alegre nos diz é que nos partidos políticos, neste caso em particular no PS, o conformismo e a obediência são a chave para os lugares, as cunhas, os múltiplos serviços que um socialista pode tirar do seu partido no governo, para si, para o seu emprego, para os seus, para o filho que quer empregar numa autarquia, para a filha que quer ver numa repartição. Aí sim, a candidatura de Alegre revela o clientelismo partidário e os seus mecanismos, e esse é o “medo” de que ele está a falar. Não é do “medo” dos portugueses em apoiar a sua candidatura, bem vista por boas e más razões “à direita”, mas sim do “medo” dos socialistas com as represálias do seu partido. Quisesse Alegre ir mais longe por aqui e o seu discurso político teria utilidade, mas mesmo que o fosse, era pouco para uma candidatura presidencial.

*
O simples facto de a candidatura de Alegre por a nu os mecanismos de fidelidade canino-partidária e as punições que esse sistema impõe aos “rebeldes” é já em si um valor acrescentado. Não necessitei de ler o seu post para perceber que o medo de que Alegre fala não é o medo físico dos tempos da PIDE e do PREC, mas o medo “sociedade de consumo estatizada”. Com 50% do PIB a passar pelo directamente pelo Orçamento de Estado e 700.000 funcionários públicos (ao que há que acrescentar as empresas controladas pelo estado, GALP, CGD, EDP. etc., e as empresas municipais, entre outras) tornou- se fácil aos partidos criar uma cadeia de Estado-dependentes e com isso comprar a fidelidade canino-partidária dos seus dirigentes e militantes activos. E numa sociedade onde o status económico e o consumo de bens de ostentação se tornaram um forma de “cidadania” o medo de perder lugares e respectivas prebendas é tão ao mais poderoso do que o velho medo da PIDE. Só quem não quer perceber isto pode dizer “big deal / peanuts” face à atitude de Alegre e de alguns membros do PS que o apoiam. Como membro de um partido e tendo já tido ao longo da sua vida diversas fricções com a respectiva cúpula, você sabe bem do que Alegre fala. Pode não ser aos seus olhos tão nobre a coragem de enfrentar o medo da “sociedade de consumo estatizada” do que enfrentar o medo da PIDE, mas cada época tem os seus medos e as suas formas de coacção. Seria muito estranho que no inicio do Sec XXI e numa sociedade com quase 30 anos de democracia fosse o poder da força que imperasse e não formas mais subtis e sub-reptícias de influenciar os comportamentos. Você já se referiu diversas vezes essas novas formas de poder,a essas ditaduras “soft”, encapotadas, por isso não percebo porquê que agora desvaloriza quem as enfrenta por comparação com tempos e formas de poder que já lá vão. Para o bem e para o mal, nos tempos que correm é este tipo de desprendimento de relativamente a prebendas e benesses vindas do Estado que marca a coragem de enfrentar os interesses instalados à mesa do orçamento, e são poucos os que têm essa coragem. Há que valorizá-los.

(Miguel Sebastião)
 


RETRATOS DO TRABALHO 6


Caillebotte, Os afagadores do soalho
 


EARLY MORNING BLOGS 702

Couple Sharing a Peach


It's not the first time
we've bitten into a peach.
But now at the same time
it splits--half for each.
Our "then" is inside its "now,"
its halved pit unfleshed--
what was refreshed.

Two happinesses unfold
from one joy, folioed.
In a hotel room
our moment lies
with its ode inside,
a red tinge,
with a hinge.


(Molly Peacock)

*

Bom dia!

18.1.06
 


RETRATOS DO TRABALHO 5


Max Liebermann, Oficina de sapateiro
(cortesia de Monika Kietzmann)
 


RETRATOS DO TRABALHO 4


Repin, O Cirurgião E. Pavlov na Sala de Operações

17.1.06
 


OBSERVAÇÕES PRESIDENCIAIS AVULSAS 2


Convém recordar aos senhores ministros que estão a entrar em campanha que, nas relações institucionais entre Presidente e Governo, não é só o Presidente que tem que respeitar os poderes do executivo, é também o Governo que tem que respeitar os poderes do Presidente. É que a estabilidade e o equilíbrio institucional dependem de ambos os lados e não de um só. Sócrates parece compreender esta realidade, Mário Lino e Santos Silva não.
 


RETRATOS DO TRABALHO 3


Cândido Portinari, Café
 


RETRATOS DO TRABALHO 2


Daumier, Puxando um barco
 


RETRATOS DO TRABALHO 1


Valentin Serov, Lavando a roupa no rio
 


EARLY MORNING BLOGS 701

¡QUEDITO!, NO ME TOQUÉIS...

¡Quedito! No me toquéis,
entrañas mías,
que tenéis las manos frías.
Yo os doy mi fe que venis
esta noche tan helado,
que, si vos no lo sentis,
de sentido estáis privado.
No toquéis en lo vedado,
entrañas mías,
que tenéis las manos frías.

(Romanceiro)

*

Bom dia!
 


APRENDENDO COM MANUEL BERNARDES / ESOPO

No tempo em que o lobo e o cordeiro estavam em tréguas, desejava aquele que se oferecesse ocasião para as romper. E um dia, que ambos se acharam na margem de um regato, indo beber, disse o lobo mui encolerizado contra o cordeiro:
- Porque me turvais a água que eu vou a beber?
Respondeu ele mansamente:
- Senhor fulano lobo, como posso eu turvar a v.m. a fonte, se ela corre de cima e estou cá mais abaixo?
Reconheceu o adversário a clareza da solução do seu argumento; porém, variando de meio, instou, dizendo:
- Pois, se a não turvaste agora, a turvaste o ano passado.
Satisfez o cordeiro, dizendo:
- Como podia eu cometer esse crime haverá um ano, se eu não tenho ainda de idade mais que seis meses?
Então o lobo, enfadado tanto mais quanto mais convencido, disse:
- Pois se não fostes vós, foi fulano carneiro, vosso pai.
E investindo ao pobrezinho, o levou nos dentes.
Assim fazem os ímpios e maliciosos, a quem não há inocência que satisfaça, nem desculpa que contente. Porém os de coração pio e clemente até nos seus ofensores procuram achar motivos de comiseração e razões de desculpa.

16.1.06
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(16 de Janeiro de 2006)


___________________________



O que é que deu ao nosso bom Presidente para se "fotobiografar" vestido de "commander-in-chief", ao estilo de George Bush, na capa do livro?

*

No novo Diário de Notícias, que só agora pude ver em papel com atenção, e que está graficamente muito melhor, há aspectos interessantes ainda pouco notados. Por exemplo, na cobertura eleitoral das presidenciais, pela primeira vez na imprensa portuguesa é dado aos blogues um estatuto comunicacional de primeiro plano. Uma revista dos blogues tem o mesmo espaço da cobertura da televisão, o mesmo acontecendo nas citações com a imprensa tradicional. Bastava reparar nestes dois factos para se perceber a rápida mudança do panorama comunicacional que se está a dar e muitos não querem admitir.

*


Um vulcão que cumpre o seu dever: o Augustine no Alasca.

*

Histórias da globalização: os franceses mandaram desmantelar uma das suas velhas glórias navais, o porta-aviões Clemenceau, a um estaleiro indiano. Mas, vaso de guerra é vaso de guerra, e mesmo desarmado, o navio encontra dificuldades em passar por várias águas. E, chegado ao destino, não o deixam atracar porque transporta "matérias perigosas". A história no Libération.

*

Voltou.
Como no Abrupto se muda pouco, repito o que, há exactamente um ano, escrevi a propósito de outro feito espacial: "O Abrupto hoje é dedicado aos cientistas e engenheiros europeus e americanos que gastaram (?) vinte e cinco anos da sua vida a um projecto que dura meia dúzia de horas e que tem muitas probabilidades de falhar." O mesmo para os homens e mulheres do Stardust. A mesma dedicatória.

*

A RTP conseguiu fazer vários noticiários sobre o Dakar, inclusive o de ontem sobre o final da prova, sem dar a simples informação de qual era a classificação dos portugueses que concorreram. Pelos visto, informar, dar-nos os "hard facts" não é muito importante.
 


EARLY MORNING BLOGS 710

MIS ARREOS SON LAS ARMAS

Mis arreos son las armas
mi descanso el pelear,
mi cama los duras peñas,
mi dormir siempre velar;
las manidas son oscuras
los caminos por usar,
así ando de sierra en sierra
por orillas de la mar,
a probar si en mi ventura
hay lugar donde avadar;
pero por vos, mi Señora,
todo se ha de comportar.

(Romanceiro)

*

Bom dia!

15.1.06
 


COISAS DA SÁBADO (2):
UM MAU “GATO FEDORENTO” - LOUÇÃ E A “STAND-UP COMEDY”



Louçã começou a semana explicando-nos porque razão o estar em último nas sondagens era para ele “um grande estímulo”, ou seja, fez-nos rir. E continuou no seu estilo de stand-up comedian , levando uma frase ou um vídeo, ou uma gravação, normalmente de Cavaco Silva, para fazer umas graças e assim animar a sala. Deve ter percebido que o sucesso do “Gato Fedorento” lhe dava audiência, como aqueles deputados que já tinham percebido que passavam na televisão se contassem uma graça, ou tivessem uma frase assassina para dizer, porque o soundbite ama o ridículo alheio como pão para a boca, ama a frase engraçada como odeia o argumento.

O problema é que Louçã se toma tão a sério que não se enxerga no seu discurso moralista e self-rigtheous. Devia meditar no seu antecessor nestas graças assassinas, no populismo mediático, no título demolidor, Paulo Portas. Devia meditar na sua ascensão e queda. A uma dada altura, cai-se lá do alto, sem se perceber muito bem como, e fica-se insuportável para a plateia. A história está cheia de stand-up comedians assobiados e atingidos pelos guardanapos da sala.
 


COISAS DA SÁBADO (1): "JERÓNIMO" NAS CAMISOLAS



Nesse dia (9 de Janeiro), no seu meio, numa velha terra meia rural, meia mineira, Jerónimo de Sousa mostrou como a força de resistência do comunismo português assenta numa identidade histórica, hoje muito no passado, mas que é presentificada pela figura do secretário-geral, pela primeira vez um que sentem como sendo “deles”. Cunhal era respeitado e idolatrado, quase como um santo, na fase final da vida quando a doença o distanciou das sedes partidárias e dos comícios. Jerónimo é no palco a incarnação da sala.

Pouca gente como Jerónimo de Sousa fala para a “alma” comunista muito para além da política. Ele é um dirigente comunista popular, o que não é tão comum como isso. Não é por acaso que as camisolas vermelhas dos seus apoiantes dizem um familiar “Jerónimo”, coisa que nunca aconteceria com “Álvaro”, com “Octávio”, com “Carlos”, com “António”. Em Aljustrel, sem ler um papel, como é seu costume quando fala de política, Jerónimo fala da pequena chama que sempre se mantém acesa mesmo nos momentos mais difíceis, usando o exemplo da clandestinidade, as velhas metáforas de alguém mais velho, mais experiente que nos dá a mão quando caímos, que nos mostra que há futuro quando tudo soçobra. Está a preparar o partido para a vitória de Cavaco Silva.

Jerónimo sabe a língua de pau e as convenções, conhece o partido de dentro e sabe como ele se move. Mas tem uma vantagem sobre muitos dos burocratas que não saem das sedes e das reuniões de organismos. Jerónimo conhece o eleitorado comunista, não conhece só o partido. Pode falar aos deficientes das Forças Armadas, dizendo naturalmente que também esteve na guerra (desobedecendo ás instruções do PCP, que pedia aos seus militantes que fizessem o serviço militar e depois desertassem), pode falar dos seus namoricos, da sua infância, do seu trabalho como afinador de máquinas. Conta que não podia ter o cabelo comprido, quando ele se usava entre os jovens, porque isso era incompatível com a higiene exigida numa fábrica, onde as máquinas sujam tudo de óleo, e onde é perigoso deixar-se “agarrar” por uma alavanca, uma roldana ou uma roda dentada.

Isto é o tipo de frases que só quem conhece o mundo fabril de dentro pode dizer, e que obviamente mais ninguém na primeira divisão da vida política portuguesa sabe ou pode dizer. É outro mundo, que os yuppies, os funcionários públicos, os estudantes da Católica, os jornalistas, os frequentadores do Lux, os “jovens” da JSD e da JS, os autores de blogues, não conhecem e não lhes passa pela cabeça que lhes digam que também “é a cultura, estúpidos!”.

Por isso Jerónimo de Sousa está a revelar-se o melhor líder para o PCP, – vejam até como os “renovadores desapareceram do mapa político –, na sua difícil sobrevivência e na sua mutação. Porque o PCP muda devagar, mas muda. Cunhal falava do partido para a História, Jerónimo fala do partido para os trabalhadores. Não é a mesma coisa, mas os tempos também são diferentes.
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(15 de Janeiro de 2006)


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Novos descobrimentos: a poeira das estrelas chegou direita. Acabou de chegar. Bravo!


*

Mil vezes que se repita, este "chapéu" continua a ser único: a galáxia do Sombrero.

*

Agora que as histórias de plágio abundam, mais uma, americana e sulista, que começa numa improvável Tuscaloosa Public Library.
 


EARLY MORNING BLOGS 709



E Tudo Vem a Ser Nada

Tanta riqueza inserida
Por tanta gente orgulhosa
Se julgando poderosa
No curto espaço da vida
Oh! que idéia perdida
Oh! que mente tão errada
Dessa gente que enlevada
Nessa fingida grandeza
Junta montões de riqueza
E tudo vem a ser nada

Vemos um rico pomposo
Afetando gravidade
Ali só reina bondade
Nesse mortal orgulhoso
Quer se fazer caprichoso
Vive de venta inchada
Sua cara empantufada
Só apresenta denodos
Tem esses inchaços todos
E tudo vem a ser nada

Trabalha o homem, peleja
Mesmo a ponto de morrer
É somente para ter
Que ele se esmoreja
Às vezes chove troveja
E ele nessa enredada
Alguns se põem na estrada
À lama, ao sol ao chuveiro
Ajuntam muito dinheiro
E tudo vem a ser nada

Temos palácios pomposos
Dos grandes imperadores
Ministros e senadores
E mais vultos majestosos
Temos papas virtuosos
De uma vida regrada
Temos também a espada
De soberbos generais
Comandantes, marechais
E tudo vem a ser nada

Honra, grandeza, brazões
Entusiasmos, bondades
São completas vaidades
São perfeitas ilusões
Argumentos, discussões
Algazarra, palavrada
Sinagoga, caçoada
Murmúrios, tricas, censura
Muito tem a criatura
E tudo vem a ser nada

Vai tudo numa carreira
Envelhece a mocidade
A avareza e a vaidade
E quer queira ou não queira
Tudo se torna em poeira
Cá nesta vida cansada
É uma lei promulgada
Que vem pela mão divina
O dever assim destina
E tudo vem a ser nada

Formosuras e ilusões
Passatempos e prazeres
Mandatos, altos poderes
De distintos figurões
Cantilenas de salões
E festa engalanada
Virgem donzela enfeitada
No goso de namorar
Mancebos a flautear
E tudo vem a ser nada

Lascivas, depravações
Na imoral petulância
São enlevos da infância
São infames corrupções
São fingidas seduções
Que faz a dama enfeitada
Influi-se a rapaziada
Velhos também de permeio
E vivem nesse paleio
E tudo vem a ser nada

Bailes, teatros, festins
Comédia, drama, assembléia
Clube, liceu, epopéia
Todos aguardam seus fins
Flores, relvas e jardins
Festas com grande zuada
Oiteiro e campinada
Frondam copam e florescem
Brilha, luzem, resplandecem
E tudo vem a ser nada

O homem se julga honrado
Repleto de garantia
De brasões e fidalguia
É ele considerado
Mas quanto está enganado
Nesta ilusória pousada
Cá nesta breve morada
Não vemos nada imortal
Temos um ponto final
E tudo vem a ser nada

Tudo quanto se divisa
Neste cruento torrão
As árvores, a criação
Tudo enfim se finaliza
Até mesmo a própria brisa
Soprando a terra escarpada
Com força descompassada
Se transformando em tufão
Deita pau rola no chão
E tudo vem a ser nada

Infindo só temos Deus
Senhor de toda grandeza
Dos céus e da natureza
De todos os mundos seus
Do Brasil, dos Europeus
Da terra toda englobada
Até mesmo da manada
Que vemos no arrebol
Nuvem, lua estrela e sol
Tudo mais vem a ser nada.

(Silvino Pirauá, autor de literatura de cordel.)

*

Bom dia!

14.1.06
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(14 de Janeiro de 2006)


___________________________

Uma placa que marca o fim da ocupação austríaca. 69 anos depois do fim da República Veneziana, sem glória, morta pelas tropas invasoras, as novas ideias românticas do nacionalismo do "Ressurgimento", impediram-na de renascer independente. Está cá, num canto da cidade, ignorada pelos turistas.



*

Espelho meu: "Telecommunications Traffic Flow Map" com Portugal na periferia da periferia.

 


ACRESCENTADO A
BOAS / PÉSSIMAS COISAS NA COMUNICAÇÃO SOCIAL PORTUGUESA EM 2005



NAS PÉSSIMAS

Na blogosfera: a utilização do anonimato em blogues estritamente políticos, em particular, os que são escritos a partir de uma perspectiva corporativa ocultada. O caso mais grave é a Grande Loja do Queijo Limiano, um blogue escrito e habitualmente comentado por “agentes da justiça”, sob capa do anonimato, um retrato preocupante de uma mentalidade justicialista arrogante e prepotente. O blogue está cheio de insinuações sobre tudo e todos, alimentando uma atitude policial de desconfiança, sem respeito algum pelas liberdades. Se os seus principais autores são magistrados, procuradores ou juízes, é razão para ter medo, muito medo, das mãos em que está entregue a justiça em Portugal. Infelizmente, a blogosfera paga também este preço pela sua liberdade.
 


COISAS SIMPLES


Daumier
 


EARLY MORNING BLOGS 708

Calçada do Cordeal


Pequeno tambor orgia modesta
o lago tranquilo a descoloração
tintura de brancos e verdes floresta
o lago tranquilo a prostituição
candura doçura nos olhos em festa
mão no coração


A bola de vidro rola vis-a-vis
com as flores que altas são no jardim.
Há justos e réprobos porque o Senhor quis
vingar-se de nós porque sim


(Mário Cesariny)

*

Bom dia!

13.1.06
 


BOAS / PÉSSIMAS COISAS NA COMUNICAÇÃO SOCIAL PORTUGUESA EM 2005, VISTAS POR UM GRANDE (EM QUANTIDADE) CONSUMIDOR


à memória do Carlos Cáceres Monteiro

BOAS

Na SIC: os documentários da SIC cujo melhor exemplo foi o de Cândida Pinto sobre Snu Abecassis, embora, durante todo o ano, tenham sido sempre as melhores reportagens jornalísticas de tipo documental, de “grande informação” ou em anexo aos noticiários.

Na SIC e na TVI: a excelente informação / opinião económica na SIC Notícias e Perez Metelo na TVI , um divulgador especializado com grandes qualidades comunicativas.

Na SIC Notícias: Mário Crespo e o par João Adelino de Faria / Ana Lourenço nos noticiários.

Na 2: Documentários culturais, entre outros sobre Luis Pacheco, Glicínia Quartim, João Vieira, Fernanda Botelho, etc.

Na 2: Clube dos Jornalistas, o único espaço que se aproxima da “grande informação” (porque está na televisão) dedicado á reflexão sobre o jornalismo.

A Sábado é o órgão de comunicação social portuguesa mais subestimado, vítima das “sinergias” que lhe faltam: não tem quem puxe pelas suas notícias nos outros órgãos de comunicação social. Mas que tem notícias, isso tem.

A imprensa de distribuição gratuita como o Destak. Para muita gente significa mais notícias que nunca iriam encontrar, ou melhor, ler, noutro lado. Isto só pode ser considerado um acrescento na "comunicação", na cidadania.

Na blogosfera: o debate político. Os blogues políticos de todas as cores continuam a ser a parte mais dinâmica da blogosfera, contra todas as cíclicas previsões em contrário. O debate pode ter todos os defeitos da "atmosfera", mas tem também qualidades que só há na blogosfera.

Na blogosfera: micro-causas - A questão dos “estudos da OTA” que se tornou a segunda questão mais determinante do debate público sobre a OTA (a primeira foi e é “faz-se ou não se faz”), deveu-se à persistência dos blogues, e não da comunicação social fora da rede, que só a assumiu quando não a podia evitar. Depois, tornou-se parte integrante do “problema OTA”.

Na blogosfera: blogues de jornalismo, sobre jornalismo. Os blogues especializados em “comunicação” são em sentido lato o melhor conjunto de blogues com um tema específico na blogosfera portuguesa. Exemplos: Engrenagem, Indústrias Culturais, Ponto Media, Atrium, Jornalismo e Comunicação, As Imagens e Nós, Blogouve-se, etc.

Na blogosfera: Margens de Erro de Pedro Magalhães, o “nosso” explicador das sondagens e muito mais. Um exemplo de um blogue que acrescenta.

Rádios Presidenciais - Uma rádio dedicada às presidenciais revela as potencialidades que este meio encontra quando faz um uso das tecnologias que ultrapassam o mero instrumento de trabalho ou de difusão sonora.

Na TSF: a sonorização das reportagens.

Livros e revistas sobre jornalismo: edições de revistas como Trajectos e Media e Jornalismo, as colecções "Media e Sociedade" (Editorial Notícias), "Comunicação" (Minerva), "Comunicação e Sociedade" (Campo das Letras /CECS-UMinho, dirigida por Moisés de Lemos Martins) e "Comunicação" (Porto Editora, dirigida por Manuel Pinto e Joaquim Fidalgo).

PÉSSIMAS



A obscura política comunicacional governativa – O ano passado era a “central de comunicações” de Santana Lopes, este ano é a gestão mais profissionalizada, com maior colaboração silenciosa de muitos simpatizantes no meio da comunicação social, do controlo governativo. As grandes manobras da propriedade, que a montante ou a jusante, incluem sempre o beneplácito do poder político num país como o nosso tão dependente do estado, estão pouco esclarecidas. Mas quase tudo vai no mesmo sentido. Se houvesse um medidor não impressionista do “grau de incomodidade” da comunicação social face ao poder, ver-se-ia como ele baixou significativamente. Um exemplo: o modo como foi tratada a conflitualidade social, seguindo uma linha governamental, nunca nos dando a ideia da dimensão do que estava a acontecer e vista sempre numa luz hostil.

A ausência de programas de informação nas televisões generalistas.

Na RTP: a cobertura dos assuntos da UE , em especial os da responsabilidade de António Esteves Martins, que têm um tom oficioso e não-jornalístico.

Excesso de cobertura de eventos religiosos em directo, muito para além do conteúdo de "interesse público" num país de maioria católica (que justifica algumas transmissões, mas não todas) e sem qualquer valor informativo.

Na RTP: os comentários de António Vitorino nunca acrescentam nada e são claramente limitados por uma vontade de ortodoxia, que é uma vontade de carreira política. Legítimo, mas não chega para comentar sob aquela forma e com aquele estatuto, quando não se tem mais nada para dar. Pode-se ter “mixed feelings” sobre os comentários de Marcelo, mas estes são um “facto comunicacional” impossível de passar ao lado. Podem ter (têm) agenda política, são superficiais e ligeiros, mas ultrapassam os defeitos do seu autor, pelas suas qualidades no meio. Marcelo é um Mensch comunicacional, Vitorino não é.

Tsunami – Mais um exemplo de “masturbação da dor” como sensacionalismo jornalístico, ao ritmo das grandiosas imagens das vagas do maremoto. Se não houvesse imagens tão poderosas, turistas estrangeiros e destinos de férias como Puket atingidos, o tratamento comunicacional seria o que foi dado ao terramoto paquistanês, ou seja quase nulo. Não é a dimensão da tragédia que conta, mas a sua espectacularidade.

Katrina – O contra-exemplo ao tratamento do tsunami: “inforopinião” politizada ao extremo, “masturbação da culpa” em vez de “masturbação da dor”. Números fantásticos, previsões apocalípticas, dedo apontado a Bush em cada segundo, e quase nula compaixão pelas vítimas. A cidade “destruída” lá está a funcionar, ferida, mas viva. As dezenas de milhares de mortos anunciados continuam por descobrir, mas ninguém entende que deva corrigir alguma coisa.

Arrastão – A pseudo-história mais fantástica da nossa comunicação social em 2005, que, desde o primeiro minuto, parecia a qualquer pessoa sensata, muito bizarra. Who cares? Passou do sensacionalismo, para a demonização política anti-emigrantes e racista, para depois, no backlash, se tornar demonização política anti-racista ao estilo do “SOS Racismo”, ou seja do Bloco de Esquerda. Como era uma história (falsa) que “favorecia a direita” anti-emigrantes foi desmontada e contrariada. Quantas, ao contrário, que “favorecem a esquerda”, e igualmente falsas nunca são desmontadas?

Entre o 24 Horas, que sobe, os jornais grátis, os blogues, e a informação em linha, a imprensa generalista cai. Para responder à queda molda-se ao que pensa dar sucesso, o “social”, o “económico”, e temo que as reestruturações em curso nos grandes jornais valorizem ainda mais a superficialidade do produto. Se for assim, é só uma questão de tempo para cair ainda mais, porque nesse terreno outros fazem melhor.

Na Público: o fim da consulta grátis em linha.

No Expresso: as primeiras páginas inventivas. Agora que se sabe de quem é a responsabilidade, – de José António Saraiva, que as faz sozinho numa forma de meditação transcendental como nos disse em entrevista –, espera-se que Henrique Monteiro acabe com elas.

O fim da A Capital e de O Comércio do Porto.

O jornalismo económico continua a depender de uma visão mais do “económico” do que do “jornalístico”. Com capacidade para produzir boa informação sobre o estado e o governo, revela-se incapaz de tratar as empresas como objecto jornalístico, mostrando pouca independência em relação aos sectores económicos e financeiros que a patrocinam. Não há verdadeiras reportagens ou notícias sobre o que corre mal e sobre face não-empresarial da economia, como por exemplo, o mundo do trabalho.

A Antena 2 é demasiado loquaz. Muito se fala naquela rádio, num tom entre o pedante e o falsamente intímo, tirando limpidez à música.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
AS ÚLTIMAS COISAS - O SABOR, O ÚLTIMO RIO SELVAGEM EM PORTUGAL


(Enviada por Luis Jerónimo.)
 


OBSERVAÇÕES PRESIDENCIAIS AVULSAS



O único candidato que tem inequívocas, indesmentíveis, razões para se queixar da comunicação social é Garcia Pereira. A sua exclusão dos debates pré-eleitorais foi exclusivamente uma opção da comunicação social. E poucas dúvidas se podem ter que se Garcia Pereira pudesse ter acesso a esses debates não andaria a arrastar-se nos zero vírgula, qualquer coisa por cento. Garcia Pereira é um debatente duro e menos sensível à "moderação" para ganhar uns votitos. Iria buscar votos aos votos radicais, ou seja prejudicaria Louçã, o grande beneficiado por esta opção.

(Continua)
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(13 de Janeiro de 2006)


___________________________


A melhor imagem de sempre da nossa companheira dos céus de Janeiro, a Nebulosa de Orion, tirada pelo Hubble. Em tamanho grande aqui.

*

Novos problemas: a tradução dos SMS aparecidos em obras literárias (p.e. em Martin Amis).
 


EARLY MORNING BLOGS 707

Liberdade, onde estás? Quem te demora?


Liberdade, onde estás? Quem te demora?
Quem faz que o teu influxo em nós não caia?
Porque (triste de mim!), porque não raia
Já na esfera de Lísia a tua aurora?

Da santa redenção é vinda a hora
A esta parte do mundo, que desmaia.
Oh!, venha... Oh!, venha, e trémulo descaia
Despotismo feroz, que nos devora!

Eia! Acode ao mortal que, frio e mudo,
Oculta o pátrio amor, torce a vontade,
E em fingir, por temor, empenha estudo.

Movam nossos grilhões tua piedade;
Nosso númen tu és, e glória, e tudo,
Mãe do génio e prazer, ó Liberdade!


(Bocage )

*

Bom dia!

12.1.06
 


COISAS COMPLICADAS


Donald Judd
 


EARLY MORNING BLOGS 706

The Snow Man


One must have a mind of winter
To regard the frost and the boughs
Of the pine-trees crusted with snow;

And have been cold a long time
To behold the junipers shagged with ice,
The spruces rough in the distant glitter

Of the January sun; and not to think
Of any misery in the sound of the wind,
In the sound of a few leaves,

Which is the sound of the land
Full of the same wind
That is blowing in the same bare place

For the listener, who listens in the snow,
And, nothing himself, beholds
Nothing that is not there and the nothing that is.


(Wallace Stevens)

*

Bom dia!

10.1.06
 


ENFADO?



Cresce nos blogues e nos jornais, o enfado enorme que atravessa os comentários sobre estas eleições. Resta saber se haveria o mesmo enfado se não fosse esperado que Cavaco as ganhasse. Mas este enfado gigantesco é mais uma vez a medida da superficialidade com que as eleições presidenciais são observadas, e a tendência para repetir por ciclos os lugares comuns que se tornam dominantes. Pack journalism no seu pior.

E no entanto... estas eleições são muito mais interessantes do que parecem, muito mais importantes do que se imagina. Elas mexem fundo no sistema político-partidário, nos partidos, nos grupos dentro dos partidos, nas personalidades. Muita coisa vai começar, alguma está a acabar de forma inesperada. Muitas perguntas permanecem por responder. Por que razão Cavaco chegou, viu e vai vencer? Não é tão evidente como parece. Por que razão Soares não gerou o efeito que claramente esperava (e muitos comentadores com ele) e passou de "pai da pátria a mau da fita"? Que fazem Sócrates, Marques Mendes, Portas, nesta fita? Que futuro para cada um deles numa ecologia "cavaquista" na Presidência? Por que razão a esquerda se fragmentou e não conseguiu somar os seus eleitorados como lhe era prometido nos primeiros dias da campanha (bem sei que é arqueologia, mas convém perceber como as razões de legitimação “técnicas” das candidaturas eram débeis)? Por que razão não se conseguiu instituir o dilema esquerda / direita nestas eleições, como de algum modo já acontecera de forma menos evidente nas legislativas, e parecia dominar a política portuguesa desde o fim de Guterres? Como conviverá o Primero-Ministro, o Governo e o PS, cada um ao seu modo, com um presidente com forte legitimidade política, em particular se for eleito à primeira volta?

Tanta coisa por definir depois de 22 de Janeiro, que só os desatentos podem estar enfadados. Ou aqueles para quem a política tem interesse quando ganham e perde-o quando perdem.
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(10 de Janeiro de 2006)


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Ainda não está fechada a questão do nome do LENDO / VENDO, etc, etc, nem se fica assim ou assim ou qualquer variante. É que não é a mesma coisa.

*

Para fugir à ditadura solitária do PowerPoint - algum dia terá que se escrever um ensaio sobre o que o PowerPoint fez às conferências e "apresentações", e de um modo geral ao nosso cérebro -, estes "Experiments in presentation technology" no Lessig Blog.

*

Todos os dias a Rede fica melhor. Para os verdadeiros iluministas (como os leitores que estão a escrever sobre O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: LUZES) estas LUZES, no melhorado e aberto ao negócio Google Video.
 


COISAS SIMPLES


Ansel Adams
 


EARLY MORNING BLOGS 705

Karma Repair Kit: Items 1-4


1.
Get enough food to eat,
and eat it.


2.
Find a place to sleep where it is quiet,
and sleep there.


3.
Reduce intellectual and emotional noise
until you arrive at the silence of yourself,
and listen to it.


4.



(Richard Brautigan)

*

Bom dia!

9.1.06
 


XERXES E MONTAIGNE

Têm razão os meus correctores clássicos. É o que faz citar de memória mesmo com um prudente “diz-se”. Não foi depois da batalha de Salamina que Xerxes mandou chicotear o mar, mas noutra ocasião na mesma campanha militar. Não só mandou chicotear o mar, como queimá-lo com ferros em brasa, por ter destruído uma ponte sobre os Dardanelos que o seu exército precisava de atravessar. De passagem, matou os engenheiros que a tinham feito. Detesto cometer incorrecções, mesmo quando a descrição do contexto da atitude de Xerxes seja o correcto.

Mas que tal se os meus críticos se pronunciassem também sobre a atitude de muita gente na campanha de Soares (e dele próprio), sobre esta fabulosa arrogância que é considerar que as eleições só são boas, dignas e “livres” quando o “povo” vota em nós? Sobre a acusação ao “povo” que é “feio, porco e mau” quando não vota à “esquerda”?

Montaigne escreveu sobre esta atitude, citando aliás o chicote de Xerxes, num capítulo dos Ensaios, intitulado: “Comme l'ame descharge ses passions sur des objects faux, quand les vrais luy defaillent”(Livro I, cap. IV):
Quelles causes n'inventons nous des malheurs qui nous adviennent ? à quoy ne nous prenons nous à tort ou à droit, pour avoir ou nous escrimer ? Ce ne sont pas ces tresses blondes, que tu deschires, ny la blancheur de cette poictrine, que despitée tu bats si cruellement, qui ont perdu d'un malheureux plomb ce frere bien aymé : prens t'en ailleurs. Livius parlant de l'armee Romaine en Espaigne, apres la perte des deux freres ses grands Capitaines, Flere omnes repente, et offensare capita. C'est un usage commun. Et le Philosophe Bion, de ce Roy, qui de dueil s'arrachoit le poil, fut plaisant, Cetuy-cy pense-il que la pelade soulage le dueil ? Qui n'a veu mascher et engloutir les cartes, se gorger d'une bale de dez, pour avoir ou se venger de la perte de son argent ? Xerxes foita la mer, et escrivit un cartel de deffi au mont Athos : et Cyrus amusa toute une armee plusieurs jours à se venger de la riviere de Gyndus, pour la peur qu'il avoit eu en la passant : et Caligula ruina une tresbelle maison, pour le plaisir que sa mere y avoit eu.
É. Nesta campanha, a arrogância está muito desigualmente distribuída. E a arrogância levará a uma humilhação de todo desnecessária.
 


COISAS COMPLICADAS


Hiroshi Sugimoto, Time exposed
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: LUZES



Um dos aspectos mais contrastantes entre Washington DC e a nossa cidade de Lisboa ( todas as nossas cidades, afinal) é, nesta época de Natal e fim-de-ano, a exuberância das iluminações das nossas principais ruas e avenidas e a discreta, quase apagada, iluminação natalícia das cidades americanas e, particularmente, da sua capital. Na principal avenida de Washington DC, a Constitution Av., não foi dependurada uma única gambiarra, a árvore de Natal em frente da Casa Branca é uma parente muito pobre daquela que levou milhares e milhares de admiradores à Baixa de Lisboa. Mesmo Nova Yorque ou San Francisco, tradicionalmente mais garridas que a institucional capital dos EUA, não se comparam, em termos relativos, com a inundação de luz nas nossas cidades. As cidades europeias mais cosmopolitas ficam a anos-luz das nossas luzes de fim de ano.

Talvez tenhamos necessidade de todas estas luzes para nos aquecer o ego tão arrefecido por tantos indicadores deprimentes, talvez os autarcas conservem, deste modo, o caloroso aplauso dos seus eleitores até às próximas eleições, talvez a economia derrapasse ainda mais sem esta baforada quente, talvez se perdessem uns empregos mais, afinal de contas entre armar e desarmar os enfeites gozamos desta atmosfera de festa por uns largos meses.

Quantos portugueses se interrogarão acerca da pertinência de tanta luminosidade? Seguramente, muito poucos. Não me recordo de ter alguma vez lido ou ouvido comentários de espanto mesmo nos media tidos geralmente como mais exigentes ou conservadores.

Alguém pagará a factura, quem vier depois que feche a luz!, é a posição corrente.

(Rui Fonseca)
 


CONTRIBUIÇÕES PARA BOAS / PÉSSIMAS COISAS NA COMUNICAÇÃO SOCIAL PORTUGUESA EM 2005, VISTAS POR UM GRANDE (EM QUANTIDADE) CONSUMIDOR - 4

...se o nível de erros e asneiras no que eu desconheço for igual ao que detecto nos assuntos que conheço, o melhor é nem ler jornais...



Uma coisa péssima na nossa comunicação social (com especial incidência para a imprensa), e não é só em 2005, é a falta de rigor e a superficialidade na informação. Desde logo no próprio critério de selecção. Na definição do que é que é notícia e do que não é.

E depois, no tratamento dos factos noticiados. Textos mal escritos, com evidentes contradições e inconsistências, que não resistem à mais breve e superficial análise de qualquer leitor. Números e datas errados. Ausência quase total de conhecimento ou de investigação sobre o tema tratado.
Por outro lado, é muitas vezes evidente que estamos perante simples transcrições de textos de agências noticiosas ou mesmo dos sujeitos da notícia ou da informação.

O que é grave é que isto acontece também na informação especializada, designadamente na económica, onde só teríamos a ganhar com a isenção e rigor nas notícias (e não estou a falar de opinião ou análise). Concordo que houve uma melhoria com surgimento e afirmação de alguns jornais nessa área. Mas, quem os lê todos os dias com um mínimo de atenção não tarda em perceber e reconhecer os critérios de selecção das notícias, o seu tratamento e as lacunas e incorrecções.

Outro aspecto que me parece péssimo, e é recorrente, é a opinião disfarçada de informação. Costumo dizer que se o nível de erros e asneiras no que eu desconheço for igual ao que detecto nos assuntos que conheço, o melhor é nem ler jornais. O que é pena.

(RM)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: LANA CAPRINA



Aconteceu, por mera coincidência, eu ter estado exposto em simultâneo às notícias da campanha presidencial e às novidades vindas de Las Vegas, por ocasião do "CES - Consumer Electronics Show". De um lado o fim de uma "pré-campanha" que se arrastou durante meses a discutir abstracções com resultados nebulosos enquanto do outro um pequeno grupo de potentados repartia, em poucos dias, gigantescos negócios globais.

Um resumo das notícias de Las Vegas: a Google anunciou a venda de filmes da CBS e imagens dos jogos de basketball via internet , a Sony lançou um aparelhinho portátil que pode conter 80 livros e mostrá-los no seu visor para leitura, a Apple vendeu dez milhões dos seus iPods para entretenimento enquanto se dá um passeio, a Motorola anunciou a disponibilização das buscas do Google nos seus telefones portáteis e o Yahoo divulgou dispositivos que permitem a partilha da informação pelos televisores, computadores e telefones.

Por cá os nossos candidatos cruzavam acusações a propósito da divulgação, ou não, dos nomes dos financiadores das campanhas eleitorais. Também se discutia se o primeiro-ministro apareceria, ou não, na campanha de Soares e se o Marques Mendes seria admitido nos comícios de Cavaco. Alegre invectivava Soares e Cavaco por se terem encontrado, sem ranger os dentes, com Valentim Loureiro e com Jardim. E assim por diante...

De repente tive a penosa sensação do anacronismo de uma campanha que quase pode ser imaginada a decorrer no século XIX. Tenho a sensação de que a informação digitalizada do mundo está a ser repartida por meia-dúzia de grupos empresariais enquanto os nossos candidatos parecem estar completamente alheados do facto e mesmo inconscientes das suas implicações para o futuro da humanidade. Continuaremos até dia 22 de Janeiro com a lana caprina ? como se estivessemos num planeta diferente ?

(Fernando Penim Redondo)
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(9 de Janeiro de 2006)


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A molécula que não fica quieta "protonated methane" ou CH5+, um "super-ácido".

*

A propósito do "fim do mundo", uma foto enviada pelo Francisco José Viegas "entre a Argentina (Ushuaia) e o Chile (Puerto Williams)", uma daquelas imagens que vale por mil palavras.



*

Leitura do PREC, mais propriamente o Põe, Rapa, Empurra, Cai, número zero de Novembro de 2005, só encontrável em selectos e raros lugares. Este comprei-o na Livraria Utopia no Porto. O jornal é um balanço do projecto "Abril em Maio", entre 1994 e 2004, sem dúvida o mais consequente projecto de cultura radical em Portugal. À volta de pessoas como Jorge Silva Melo, Eduarda Dionísio, e Luis Miguel Cintra, o "Abril em Maio" foi singularmente produtivo (deu-nos textos, traduções que nunca de outro modo se fariam, debates sobre autores que caminham para um indevido esquecimento como Mário Dionísio e Carlos Oliveira, etc.), sem perder uma identidade muito própria. O Prémio Nobel a Pinter foi também por arrastamento um prémio ao "Abril em Maio", às suas idiossincrasias e obsessões, às suas paixões e ódios, e aos seus gostos temperados por um sentimentalismo radical e agreste.

Mas o PREC não é o melhor do "Abril em Maio". Rebarbativo, difícil de ler nas suas opções gráficas e de papel (tão grosso que não dobra facilmente), denso nos seus textos sem ser complexo, confuso e longo, tem muito menos do que aquilo que prometia e se esperava. Salvam-se fragmentos, como um artigo de Jorge Silva Melo com memórias de Vespeira, Areal e Palolo e pouco mais.
 


EARLY MORNING BLOGS 704

Aos amigos


Amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado.
Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos,
com os livros atrás a arder para toda a eternidade.
Não os chamo, e eles voltam-se profundamente
dentro do fogo.
-Temos um talento doloroso e obscuro.
construímos um lugar de silêncio.
De paixão.


(Herberto Helder)

*

Bom dia!

8.1.06
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(8 de Janeiro de 2006)


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História contemporânea: Fidel Castro como nunca se viu.

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História contemporânea: a história do LSD contada pelo autor.

*

O exemplo de Xerxes vai mais longe do que se pensa. Diz-se que Xerxes, depois de ter perdido a batalha de Salamina, mandou chicotear o mar para o punir de ter afundado a sua poderosa frota. Chamou também umas coisas feias aos seus generais e soldados. Agora, do lado do MASP3, começou o período de Xerxes: Mário Mesquita chicoteia Grândola, chamando-lhe "amarela"; no Super Mario chicoteia-se o Expresso, Balsemão e , claro está, o "povo", o mar que está com os gregos e não com os persas. Vai haver muito ruído de chicote.

*

Outro fim do mundo. Saturno no dia 5 de Dezembro de 2005.

*


Para colocar o "fim do mundo" na porta do frigorífico.

*

Restos do império. Aviões mortos. Manuel Ferreira enviou-me a história a as fotografias de dois aviões envolvidos no apoio ao Biafra e que "jazem mortos e apodrecem" em S. Tomé, o ponto central das operações de ajuda ao estado secessionista .

L1049H CF-NAM July 1967 L1049H CF-NAM July 15, 1999

A história do CF-NAM c/n 4832:

"To National Airlines October 1957 as L1049H N7134C
Stored at Miami, FL from mid-1963 until sold to International Aviation Company December 18, 1964
To Nordair December 21, 1964 as CF-NAM
Ferried to Montreal where used as a source of spares in ex-National color scheme
Restored and entered service with Nordair spring 1966
To CanRelief Air Ltd April 24, 1969 and ferried to Sao Tome June 2, 1969 for use on the Biafran Airlift
Stored at Sao Tome for sale from January 1970
Sale to Canadian freight charter company fell through in 1974
Canadian registration cancelled February 1980
Abandoned at Sao Tome in derelict condition"
 


EARLY MORNING BLOGS 603

Horas breves de meu contentamento


Horas breves de meu contentamento
Nunca me pareceu quando vos tinha,
Que vos visse mudadas tão asinha
Em tão compridos anos de tormento.

As altas tôrres, que fundei no vento,
Levou, em fim, o vento que as sostinha;
Do mal que me ficou a culpa é minha,
Pois sôbre cousas vãs fiz fundamento.

Amor com brandas mostras aparece:
Tudo possível faz, tudo assegura;
Mas logo no melhor desaparece.

Estranho mal! Estranha desventura!
Por um pequeno bem, que desfalece,
Um bem aventurar, que sempre dura!


(Luís de Camões)

*

Bom dia!

7.1.06
 


A FECHAR-SE


Está assim, agora, a fechar-se.
 


O CÁCERES

Um pequeno grupo de três amigos comemorou a noite inteira, no longínquo ano de 1967, de sol a sol, já não sei bem o quê. Um era eu, outro, o João Serra, hoje chefe da Casa Civil do Presidente, e o terceiro, o Cáceres Monteiro. Sei que começámos junto do Campo Grande, passamos para o Aeroporto, um dos raros sítios abertos na noite lisboeta, depois para a Rotunda do Relógio, e terminamos uma noite tipicamente estudantil de boémia, junto da Igreja da Avenida com o mesmo nome. Pelo menos, eu e o João Serra não éramos lisboetas, e por isso a vinda para a universidade e para a grande cidade tinha todas as novidades, e muitas oportunidades. O trajecto deve ter sido este, a pé, conversando muito, com aquela vontade de fazer e dizer tumultuosa de quem tem tudo à frente e pouco atrás.

Se não me lembro o que comemorávamos, provavelmente a mera existência, recordo-me muito bem do contexto em que o fazíamos. Éramos os três “novos estudantes” de Direito, o nome que nos dávamos para não tresandar à praxe associada com a designação de “caloiros”, e vínhamos de um jantar destinado a “integrar” os estudantes do 1º ano na Associação de Estudantes. Existe um panfleto a stencil com o apelo que os “novos estudantes” associativos faziam aos seus colegas para virem para a Associação, com os nossos nomes, meu, do João e do Carlos.

Ser “associativo” nesse ano, ano de charneira que marcou o fim do refluxo das lutas estudantis, em vésperas do annus mirabilis de 1968, era ser do “contra”, começar a deixar rasto na PIDE, que coleccionava estes abaixo-assinados. Nenhum de nós, e de muitos outros, hesitou um segundo que fosse. Essa era a nossa obrigação, e a ideia de que nesse acto havia uma opção, uma escolha, uma alternativa era-nos alheia. Era assim, porque tinha que ser assim. Nenhum de nós media consequências, embora soubesse que existiam. O mundo era simples, então.

Cada um dos três permaneceu fiel a tudo o que disse nessa noite. Não fez, ou não conseguiu fazer, tudo o que pensava, mas o primeiro a partir, o Cáceres, foi certamente inteiro e juvenil como estava nessa noite longínqua. Nessa noite, tenho quase a certeza que entre as pequenas malfeitorias que fizemos, mudámos as horas do relógio da Rotunda que, na melhor tradição nacional ficou meses desacertado. Não sei se o adiantámos ou atrasámos, só sei que para nós ficou sempre um pouco fora de horas, num gesto de subversão, de desordem, que tinha todo o sentido porque, mais do que o relógio, era o país que queríamos desacertar. A 25 de Abril ele acertou-se, e o Cáceres fez parte daqueles que o ajudou a acertar. Antes, durante e depois, até anteontem.

(Na Sábado.)
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(7 de Janeiro de 2006)


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Mais um Google, o Google Pack.

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Dois papéis que sobraram de um "país" morto: o Biafra. Um, é um diploma destinado a agraciar os serviços da ponte aérea que abastecia o exército do Biafra; outro, uma nota de banco que nunca entrou em circulação. Em ambos os casos, fragmentos de histórias tanto africanas e nigerianas como portuguesas, porque o apoio ao Biafra foi uma das últimas aventuras coloniais do nosso império. O amigo que me ofereceu estes documentos foi um dos últimos operacionais dessa logística a sair do Biafra, em grande risco de vida, uma história que permanece por contar.

 


EARLY MORNING BLOGS 702

Stèle du chemin de l'âme



Une insolite inscription horizontale : huit grands caractères, deux par deux, que l'on doit lire, non pas de la droite vers la gauche, mais à l'encontre, — et ce qui est plus,

Huit grands caractères inversés. Les passants clament : « Ignorance du graveur ! ou bien singularité impie ! » et, sans voir, ils ne s'attardent point.

o

Vous, ô vous, ne traduirez-vous pas ? Ces huit grands signes rétrogrades marquent le retour au tombeau et le CHEMIN DE L'ÂME, — ils ne guident point des pas vivants.

Si détournés de l'air doux aux poitrines, ils s'enfoncent dans la pierre ; si, fuyant la lumière, ils donnent dans la profondeur solide,

C'est, clairement, pour être lus au revers de l'espace, — lieu sans routes où cheminent fixement les yeux du mort.

(Victor Segalen)

*

Bom dia!
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
OBRIGADO AOS QUE SABEM POR AQUILO QUE SABEM



6.1.06
 


ABUSIVO CONTADOR

Pedro Neves chama-me a atenção para um comportamento abusivo de um contador, responsável por publicidade sub-reptícia. Aqui fica a chamada de atenção (que alguns outros leitores têm também observado). Em breve, o contador será retirado.
Este e-mail serve apenas para chamar a atenção de JPP para o facto do contador http://www.nedstatbasic.net, instalado no Abrupto, estar a abrir uma janela pop-up sempre que aquele é acedido pela primeira vez, ainda que o visitante utilize navegador Firefox (versão 1.0.7. pelo menos), como é o meu caso.

O contador instala um cookie no computador do visitante e não volta a abrir a janela pop-up em visitas posteriores, o que não significa que não volta a fazê-lo, presumivelmente numa tentativa para baralhar o visitante e o autor do blog quanto à sua origem. A janela em causa tem "iLead" como título e exibe neste momento publicidade a um "Curso de Internet e Comércio Electrónico", ao mesmo tempo que incita o utilizador a preencher um formulário com dados pessoais (aparentemente tem uma política de "protecção de dados"...).

Uma vez que o cookie reside no computador, só vê a janela quem acede ao Abrupto pela primeira vez ou quem, como eu, apaga com alguma frequência os cookies armazenados. De qualquer modo, se pretender reproduzir a situação, só precisa de limpar todos os cookies armazenados no Firefox ou no IE (ambos facilitam essa operação através da barra de ferramentas) e aceder ao Abrupto (desconheço se é uma situação única a este blog).

Como creio que não sanciona este tipo de publicidade sub-reptícia, achei que deveria fazer a chamada de atenção (também por interesse próprio, admito, uma vez que há já algumas semanas que me tenho deparado com a tal janela).

Obrigado.
 


QUADROS DE UMA EXPOSIÇÃO:
10. KRESTNY KHOD (PROCISSÃO DA CRUZ) NA GUBERNIA DE KURSK (REPIN)- DETALHES


Mujiques, camponeses transportando o andor com o ícone.


Duas camponesas transportando outro ícone.
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(6 de Janeiro de 2006)


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Em louvor das "pranks", partidas, brincadeiras à custa de alguém. Onde? No Economist.
 


EARLY MORNING BLOGS 701

The Elephant is Slow to Mate


The elephant, the huge old beast,
is slow to mate;
he finds a female, they show no haste
they wait

for the sympathy in their vast shy hearts
slowly, slowly to rouse
as they loiter along the river-beds
and drink and browse

and dash in panic through the brake
of forest with the herd,
and sleep in massive silence, and wake
together, without a word.

So slowly the great hot elephant hearts
grow full of desire,
and the great beasts mate in secret at last,
hiding their fire.

Oldest they are and the wisest of beasts
so they know at last
how to wait for the loneliest of feasts
for the full repast.

They do not snatch, they do not tear;
their massive blood
moves as the moon-tides, near, more near
till they touch in flood.

(D.H. Lawrence)

*

Bom dia!

5.1.06
 


TEMAS PRESIDENCIAIS (6ª SÉRIE)



OS DADOS ESTÃO NO AR . A vinda para a rua das candidaturas faz entrar numa fase final a campanha eleitoral. A partir de agora é pouco provável que haja alterações significativas no curso das candidaturas, que jogam na consolidação do adquirido, mais do que na conquista de novos aderentes.

DUAS CANDIDATURAS QUE AINDA NÃO POUSARAM: A DE CAVACO E A DE SOARES. Cada uma com o seu dilema, quer a candidatura de Cavaco quer a de Soares têm margens de resultados estreitos e podem perder muito ou ganhar muito no tempo que falta. Cavaco precisa de passar à primeira volta, e isso exige um enorme esforço de mobilização. Não se trata, no seu caso, de ganhar mais votos, mas sim de não perder os que conquistou, principalmente a favor da abstenção. Da capacidade de mobilização do seu eleitorado depende muito a conquista da presidência à primeira volta. Soares, por seu lado, precisa de dar tudo por tudo não só para ultrapassar Alegre, o que parece estar adquirido, mas para obter o mágico número que lhe permitirá ir à segunda volta. E aqui as coisas parecem muito mais complicadas.

O QUE É QUE PODE MUDAR OS DADOS QUE ESTÃO NO AR? Escândalos, reais ou inventados, acusações graves, incidentes ou inconveniências graves dos candidatos diante das câmaras de televisão. Só isso. O debate político residual, à distância de paradas e respostas por via dos órgãos de comunicação social, dificilmente servirá para alguma coisa. Os portugueses conhecem bem demais os candidatos para terem surpresas.

HAVER OU NÃO SEGUNDA VOLTA pode ser decisivo para o resultado final. Todos estão convictos, a partir das sondagens, que Cavaco ganha quer na primeira volta, quer na segunda. Pode ser que sim, mas eu não estaria tão certo disso. Se Cavaco não ganhar na primeira volta, vários efeitos, difíceis de retratar hoje nas sondagens, poderão verificar-se e mudar muito o panorama das eleições presidenciais. O único que o percebe bem é Soares.
Se pensarmos alto, não custa perceber que se houver segunda volta, ela será entre Soares e Cavaco. Ora, uma passagem de Soares à segunda volta coloca-o à partida na exacta posição contrária à que tem agora: hoje, é o perdedor, face a Cavaco, o ganhador. Se conseguir, contra todas as expectativas, passar à segunda volta, entrará nas eleições como vencedor. Terá consigo um ambiente de grande mobilização, que arrastará votos de todos os outros candidatos à esquerda, contrastando com as dúvidas e a quebra de mobilização na candidatura de Cavaco, onde há um convencimento generalizado de que a vitória será já na primeira volta. A imprevisibilidade aumentará e com ela a credibilidade da candidatura Soares.

SOARES E A COMUNICAÇÃO SOCIAL. Há sobre esta matéria as habituais duas escolas de pensamento e uma terceira, a deste vosso autor, também habitual. Uma diz que Soares é prejudicado pela comunicação social, e o próprio candidato é o principal e mais loquaz proponente de tal escola. A segunda, a de que Soares é, como sempre foi, protegido pela comunicação social, que tem com ele uma cumplicidade já antiga. A minha terceira via é mais uma evolução da segunda escola do que da primeira e pode ser definida assim: nunca Soares teve uma comunicação social tão hostil desde 1985 e, nesse sentido, pode ter aqui e ali razões de queixa. Mas há que acrescentar dois caveats: um, que poucas vezes alguém fez tanto para suscitar animosidade da comunicação social do que Soares nesta campanha; segundo, a comunicação social parece mais hostil a Soares por contraste com a complacência que mostrava antes (e em muitas coisas ainda mostra agora). Por isso, acho que Soares é o último a poder queixar-se da comunicação social.

A DESAPARIÇÃO DE ALEGRE DOS RADARES. Alegre, como Soares, queixa-se dos "comentadores", por razões aliás muito parecidas. No entanto, como Soares, pouco tem que se queixar a não ser de si próprio. Há já vários dias que a campanha de Alegre é aquela que mais "vende" apenas a sua própria existência, o que é muito pouco para interessar os portugueses. Alegre não compreendeu que já acabou há muito o tempo em que lhe bastava fazer campanha apenas com as peripécias da sua iniciativa. Já sabemos que ele concorre para a presidência a partir de uma "vontade de cidadania", que teve de arrancar contra a hostilidade dos "aparelhos partidários" (leia-se o PS), que o PS todos os dias lhe arranja uma complicação, que há "perseguições", etc., etc. Depois, o que é que há mais? Nada. O que Alegre diz sobre qualquer tema é vago, confuso ou lugar-comum, e isso é mortífero. Se identificássemos Alegre com quaisquer causas, ele seria visível no radar mesmo sem "aparelho". Sem identidade, ele nem solitário fica, mas apenas baço.

SOARES VAI SAIR MAL DESTAS ELEIÇÕES. Mais do que uma dúvida, parece-me uma quase certeza. Soares está a fazer tudo para sair muito mal de uma eventual derrota eleitoral. Está a conduzir uma campanha agressiva, ressabiada, sem dimensão de qualquer tipo, nem de Estado, nem política, nem pessoal. Se perder, será uma derrota entendida como humilhante, que ensombrará o fim da sua carreira política.
Mas, a prazo, talvez a derrota que parecerá humilhante agora possa vir a dar uma dimensão trágica à sua vida política. Como Churchill, Soares concorreu à eleição fatal que o fará passar à história com uma imagem de perda e não de glória. No entanto, como Churchill, a prazo, é o seu perfil de político compulsivo, de "animal político" que ganhará uma luz mais humana, mais apaziguada e compreensiva. Os seus muitos defeitos, o muito de negativo que indubitavelmente mostra nesta campanha será episódico, face à imagem que entrará na história, onde ele tem um lugar garantido. Porque esta campanha eleitoral é o fim da carreira política de Mário Soares com uma dimensão de inevitabilidade que nenhum sonoro (e falso) "basta" teria capacidade para dar.

(No Público de hoje.)
 


QUADROS DE UMA EXPOSIÇÃO:
10. KRESTNY KHOD (PROCISSÃO DA CRUZ) NA GUBERNIA DE KURSK (REPIN)


Este é o quadro que mais prejudicado fica com a reprodução num espaço pequeno. Como outros quadros russos da época, inclusive vários de Repin com temas histórico-religiosos semelhantes, a sua dimensão é gigantesca e a riqueza de pormenor quase infinita. Esta procissão está cheia de pequenos detalhes em todas as suas personagens, e mesmo na paisagem onde se realiza, um carreiro de terra entre colinas onde recentemente foram cortadas as árvores. O pope, os monges, o casal de burgueses provincianos, os camponeses, a começar pelas figuras individuais que seguram o altar do ícone, sujos de terra, os soldados e oficiais, batendo no povo para o enfileirar, os mendigos e aleijados, todo um retrato da Rússia do interior no qual a hierarquia social aparece na perfeição. É o mesmo mundo provinciano das Almas Mortas de Gogol, ordenado e fátuo, onde a massa enorme dos camponeses é o pano de fundo do teatro onde tudo se passa.

 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: MAIS PERFEIÇÃO

Tétis
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)

(5 de Janeiro de 2006)


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*

De onde menos se espera, sai um original, um excêntrico, um "gandamaluco". Aqui está o Grande-Propagandista de Salazar, numa foto que ilustra o seu livro Novo Mundo Mundo Novo, um interessante e vivo relato de uma viagem à América. Mas a foto vale tudo: os sapatinhos de verniz, o Ferro levitando, o vento virando o sobretudo, como numa célebre foto de Mao, a boia do ... Leviathan sob o fundo do New York, New York.


Pode-se viver só com livros? Pode, pode. Está lá tudo.

*

*Parte do futuro dos livros: o Sony Reader comentado no Gizmodo. Eu não disse "o futuro dos livros", mas "parte do futuro dos livros".

*

Um Rocketboom "sério" sobre "pulse points", experiências bostonianas com Internet mais que rápida. Para se ver o outro mundo. O do lado de lá. Como avança. Leve. Rápido.

*

Para acrescentar à reflexão das BOAS / PÉSSIMAS COISAS NA COMUNICAÇÃO SOCIAL PORTUGUESA EM 2005..., uma lista feita pelo STATS The 2005 Dubious Data Awards.

*

Entrevista de Mário Soares ao Diário de Notícias:

"Tem-se queixado de uma comunicação social adversa. Acha que há uma maquinação contra a sua candidatura?

Não acho que seja contra mim, mas contra todos os candidatos excepto um. Dito de outra maneira, é a favor de um único candidato. Mas isso não é uma questão para discutirmos agora, é uma discussão académica para termos mais tarde.

Como é que concretiza essa acusação?

Há um candidato que é apresentado como pré-vencedor."

Por todas as razões recordo-me bem de como é fazer campanha quando um candidato "é apresentado como pré-vencedor" pela comunicação social. Em 1999, quando da campanha para o Parlamento Europeu. O candidato era Mário Soares, que , por estranha coincidência, também não queria fazer debates a dois...
 


EARLY MORNING BLOGS 700

Aubade

The lark now leaves his wat’ry nest,
And climbing shakes his dewy wings.
He takes this window for the East,
And to implore your light he sings—
Awake, awake! the morn will never rise
Till she can dress her beauty at your eyes.

The merchant bows unto the seaman’s star,
The ploughman from the sun his season takes,
But still the lover wonders what they are
Who look for day before his mistress wakes.
Awake, awake! break thro’ your veils of lawn!
Then draw your curtains, and begin the dawn!


(Sir William Davenant)

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Bom dia!

4.1.06
 


BOAS COISAS NA COMUNICAÇÃO SOCIAL PORTUGUESA EM 2005, VISTAS POR UM GRANDE (EM QUANTIDADE) CONSUMIDOR
(beta)


à memória do Carlos C. M.

NOTA - Estão incluidas algumas sugestões vindas de leitores e outros blogues. A identificação da origem de todas estas sugestões está feita na série das CONTRIBUIÇÕES e nos anexos. Serão acrescentadas mais contribuições durante uma semana e depois será publicada a lista definitiva.


Documentários culturais (2:) entre outros sobre Luis Pacheco, Glicínia Quartim, João Vieira, Fernanda Botelho, etc.

Micro-causas (declaração de interesses: o Abrupto foi o iniciador, mas hoje pertencem a todos.) - A questão dos “estudos da OTA” que se tornou a segunda questão mais determinante do debate público sobre a OTA (a primeira foi e é “faz-se ou não se faz”), deveu-se à persistência dos blogues, e não da comunicação social fora da rede, que só a assumiu quando não a podia evitar. Depois, tornou-se parte integrante do “problema OTA”.

Blogues de jornalismo, sobre jornalismo (pela segunda vez na lista das “coisas boas”) – Os blogues especializados em “comunicação” em sentido lato são o melhor conjunto de blogues com um tema específico na blogosfera portuguesa. Exemplos: Engrenagem, Indústrias Culturais, Ponto Media, Atrium, Jornalismo e Comunicação, As Imagens e Nós, Blogouve-se, etc.

Clube dos Jornalistas (2:) - (pela segunda vez na lista das “coisas boas”).

Os documentários da SIC - o melhor exemplo foi o de Cândida Pinto sobre Snu Abecassis, mas ,durante todo o ano, foram sempre as melhores reportagens jornalísticas de tipo documental, de “grande informação” ou em anexo aos noticiários.

Mário Crespo e o par João Adelino de Faria / Ana Lourenço na SIC Noticias. (declaração de interesses: participo num programa da SICN.)

Repito pela segunda vez: “A informação / opinião económica na SIC Notícias é de grande qualidade. Perez Metelo na TVI é um divulgador especializado com grandes qualidades comunicativas."

Margens de Erro de Pedro Magalhães, o “nosso” explicador das sondagens e muito mais. Um exemplo de um blogue que acrescenta.

Blogosfera nas eleições autárquicas e presidenciais: pode ter todos os defeitos da "atmosfera", mas tem também qualidades que só há na blogosfera.

Livros sobre jornalismo (pela segunda vez na lista das “coisas boas”): edições de revistas como Trajectos e Media e Jornalismo, as colecções "Media e Sociedade" (Editorial Notícias), "Comunicação" (Minerva), "Comunicação e Sociedade" (Campo das Letras /CECS-UMinho, dirigida por Moisés de Lemos Martins) e "Comunicação" (Porto Editora, dirigida por Manuel Pinto e Joaquim Fidalgo). (Em breve referirei os que me pareceram mais importantes.)

A ascensão da Sábado (pela segunda vez e com a mesma declaração de interesses). A Sábado é o órgão de comunicação social portuguesa mais subestimado, vítima das “sinergias” que lhe faltam: não tem quem puxe pelas suas notícias nos outros órgãos de comunicação social. Mas que tem notícias, isso tem.

A imprensa de distribuição gratuita como o Destak. Para muita gente significa mais notícias que nunca iriam encontrar, ou melhor, ler, noutro lado. Isto só pode ser considerado um acrescento na "comunicação", na cidadania.

Rádios Presidenciais - Uma rádio dedicada às presidenciais revela as potencialidades que este meio encontra quando faz um uso das tecnologias que ultrapassam o mero instrumento de trabalho ou de difusão sonora.

A sonorização das reportagens da TSF.


PÉSSIMAS COISAS NA COMUNICAÇÃO SOCIAL PORTUGUESA EM 2005, VISTAS PELO MESMO



Descida de vendas da imprensa generalista – Entre o 24 Horas, que sobe, os jornais grátis, os blogues, e a informação em linha, a imprensa generalista cai. Para responder à queda molda-se ao que pensa dar sucesso, o “social”, o “económico”, e temo que as reestruturações em curso nos grandes jornais valorizem ainda mais a superficialidade do produto. Se for assim, é só uma questão de tempo para cair ainda mais, porque nesse terreno outros fazem melhor.

O fim da consulta grátis em linha, no Público.

Os comentários de António Vitorino na RTP nunca acrescentam nada e são claramente limitados por uma vontade de ortodoxia, que é uma vontade de carreira política. Legítimo, mas não chega para comentar sob aquela forma e com aquele estatuto, quando não se tem mais nada para dar. Pode-se ter “mixed feelings” sobre os comentários de Marcelo, mas estes são um “facto comunicacional” impossível de passar ao lado. Podem ter (têm) agenda política, são superficiais e ligeiros, mas ultrapassam os defeitos do seu autor, pelas suas qualidades no meio. Marcelo é um Mensch comunicacional, Vitorino não é.

As primeiras páginas inventivas do Expresso (pela segunda vez.) – Agora que se sabe de quem é a responsabilidade, – de José António Saraiva, que as faz sozinho numa forma de meditação transcendental como nos disse em entrevista –, espera-se que Henrique Monteiro acabe com elas.

Tsunami – Mais um exemplo de “masturbação da dor” como sensacionalismo jornalístico, ao ritmo das grandiosas imagens das vagas do maremoto. Se não houvesse imagens tão poderosas, turistas estrangeiros e destinos de férias como Puket atingidos, o tratamento comunicacional seria o que foi dado ao terramoto paquistanês, ou seja quase nulo. Não é a dimensão da tragédia que conta, mas a sua espectacularidade.

Katrina – O contra-exemplo ao tratamento do tsunami: “inforopinião” politizada ao extremo, “masturbação da culpa” em vez de “masturbação da dor”. Números fantásticos, previsões apocalípticas, dedo apontado a Bush em cada segundo, e quase nula compaixão pelas vítimas. A cidade “destruída” lá está a funcionar, ferida, mas viva. As dezenas de milhares de mortos anunciados continuam por descobrir, mas ninguém entende que deva corrigir alguma coisa.

Arrastão – A pseudo-história mais fantástica da nossa comunicação social em 2005, que, desde o primeiro minuto, parecia a qualquer pessoa sensata, muito bizarra. Who cares? Passou do sensacionalismo, para a demonização política anti-emigrantes e racista, para depois, no backlash, se tornar demonização política anti-racista ao estilo do “SOS Racismo”, ou seja do Bloco de Esquerda. Como era uma história (falsa) que “favorecia a direita” anti-emigrantes foi desmontada e contrariada. Quantas, ao contrário, que “favorecem a esquerda”, e igualmente falsas nunca são desmontadas?

O fim da A Capital e de O Comércio do Porto.

A obscura política comunicacional governativa – O ano passado era a “central de comunicações” de Santana Lopes, este ano é a gestão mais profissionalizada, com maior colaboração silenciosa de muitos simpatizantes no meio da comunicação social, do controlo governativo. As grandes manobras da propriedade, que a montante ou a jusante, incluem sempre o beneplácito do poder político num país como o nosso tão dependente do estado, estão pouco esclarecidas. Mas quase tudo vai no mesmo sentido. Se houvesse um medidor não impressionista do “grau de incomodidade” da comunicação social face ao poder, ver-se-ia como ele baixou significativamente. Um exemplo: o modo como foi tratada a conflitualidade social, seguindo uma linha governamental, nunca nos dando a ideia da dimensão do que estava a acontecer e vista sempre numa luz hostil.

O jornalismo económico continua a depender de uma visão mais do “económico” do que do “jornalístico”. Com capacidade para produzir boa informação sobre o estado e o governo, revela-se incapaz de tratar as empresas como objecto jornalístico, mostrando pouca independência em relação aos sectores económicos e financeiros que a patrocinam. Não há verdadeiras reportagens ou notícias sobre o que corre mal.

A Antena 2 é demasiado loquaz. Muito se fala naquela rádio, num tom entre o pedante e o falsamente intímo, tirando limpidez à música.

A ausência de programas de informação nas televisões generalistas.

A cobertura dos assuntos da UE na RTP , em especial os da responsabilidade de António Esteves Martins, que têm um tom oficioso e não-jornalístico.
 


CONTRIBUIÇÕES PARA BOAS / PÉSSIMAS COISAS NA COMUNICAÇÃO SOCIAL PORTUGUESA EM 2005, VISTAS POR UM GRANDE (EM QUANTIDADE) CONSUMIDOR - 3



Rui Cádima, TV’05: desencontros com a Ética de antena, a Cidadania e o Desenvolvimento do país no Irreal TV.

*

Três destaques de 2005:

Na televisão, registo como inequivocamente positivo em 2005 a consolidação de um programa de debate e informação em horário nobre: o programa Prós e Contras, na RTP 1.
(...)
Na rádio, a nota negativa foi a confirmação da perda da TSF como referência cultural audiófila, de resto já prenunciada nos pressupostos percepcionados quando do afastamento de Carlos Andrade, em 2004 ainda. A TSF é hoje uma antena mimética do mainstream, repercutindo o conceito de dezenas de outras rádios, sem imaginação ou novidade. É certo que a informação continua sendo a melhor, mas já quase nem apetece mudar para o 89,5 para ouvir míseros 2 a 3 minutos de títulos. E quanto a debate, apenas Carlos Pinto Coelho consegue, por vezes, interessar.

Na rádio, pelo positivo desta vez, para destacar o lançamento em fins de 2005 da nova grelha da Antena 2 para 2006. O novo conceito então anunciado, com temáticas mais diversificadas, formatos refeitos e inovações fortemente promissoras foi a última grande notícia nos media em 2005.

Transcorridos três dias com a nova grelha, sublinho o novo espaço de Ricardo Saló, no programa A Fuga da Arte (aos domingos, das 20:00 às 21:00), provavelmente – e bastou-me uma emissão - o mais estimulante projecto de rádio hoje disponível.

(Vítor Reis Machado)

2.1.06
 


A MAIOR ROCHA DO SISTEMA SOLAR VISTA DE FORA DELE


Vale a pena ler o texto que ilustra esta rocha. Até ao fim, no Astronomy Picture of Today.
 


CONTRIBUIÇÕES PARA BOAS / PÉSSIMAS COISAS NA COMUNICAÇÃO SOCIAL PORTUGUESA EM 2005, VISTAS POR UM GRANDE (EM QUANTIDADE) CONSUMIDOR - 2


Ela adopta um low profile que a faz passar meio despercebida a quem não andar atento. Mas as crónicas de Helena Matos no “Público” são sempre inteligentes e lúcidas. Um exemplo.

(António Cardoso da Conceição)

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No seguimento da recolha “BOAS / PÉSSIMAS COISAS NA COMUNICAÇÃO SOCIAL PORTUGUESA EM 2005”que está a ser levada a cabo no abrupto penso que não foi focado um ponto interessantes para futura discussão: a cobertura desportiva feita pela RTP a outras modalidades que não o futebol. Se reparar com atenção notará que alguns eventos de grande importância que até à pouco tempo tinham direito a transmissão em sinal aberto deixaram de o ter – falo por exemplo da volta à França em bicicleta ou dos grandes prémios de fórmula 1. Estes programas – tal como algumas transmissões esporádicas (felizmente não todas!) - foram relegados para a RTPN – canal do serviço por cabo, e ao qual nem todos os portugueses têm acesso, reduzindo ainda mais a diversidade desportiva na televisão em sinal aberto – resume-se agora este espaço a algumas transmissões esporádicas e às tardes de fim de semana da 2:, sendo que o programa “desporto2” começa também ele a não ser tão regular como de costume (a título de exemplo, a pretexto do Natal e da passagem de ano não houve espaço para o “desporto2” ). Para mim, ponto negativo.

(Frederico Silva)
 


EARLY MORNING BLOGS 669

Time, you old gipsy man,
Will you not stay,
Put up your caravan
Just for one day?


(Ralph Hodgson)

*

Bom dia!

1.1.06
 


CONTRIBUIÇÕES PARA BOAS / PÉSSIMAS COISAS NA COMUNICAÇÃO SOCIAL PORTUGUESA EM 2005, VISTAS POR UM GRANDE (EM QUANTIDADE) CONSUMIDOR


"Acho incrível que nesta lista inclua uma revista como a Sábado. Quantas fotos publica em cada edição cujas pessoas sejam pretas, gordas ou feia? Nenhuma. Ou quase. Quantas páginas tem com "não-notícias"? Tantas como de notícias. (...)"

(Samuel Freire)

*

(...) venho sugerir para a lista de "Boas coisas na comunicação social", a passagem pela TSF das declarações do ministro Silva Pereira acerca da construção da barragem do Baixo Sabor, enquanto membro da oposição ao governo PSD/CDS (no passado dia 22 de Dezembro, se não estou em erro). Seria bom que este tipo de prática fosse mais generalizado na comunicação social; estou certo de que muitos outros exemplos haverá, e ajudaria a perceber em parte a actual "descrença na política".

(João Tinoco)

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Lista de Gabriel Silva no Blasfémias:

À lista actualizada, eu acrescentaria, do lado positivo:

- Conceição Lino;
- O regresso das investigações de José António Cerejo;
- O programa da 2: «Clube de Jornalistas»;
- O «60 minutes» na SIC-N;
- Os editoriais de Sérgio Figueiredo;
- As entrevistas de Carlos Vaz Marques na TSF;
- A sonorização das reportagens da TSF;

Do lado mau:
- Os «prós e contras» da RTP;
- Os telejornais dos 3 canais generalistas;
- A total inexistência de jornalismo digital;
- Os entraves daTVCabo à criação de novos canais;
- A cobertura dos assuntos da UE, em especial os da responsabilidade de António Esteves Martins;
- A ERC;
- A manutenção em bloco dos meios de comunicação do grupo «Lusomundo»;

*

No seu post sobre as coisas boas na comunicação social portuguesa em 2005 refere que ouviu pouca rádio durante o ano. Deixo-lhe um pequeno apanhado de aspectos importantes da rádio, sem os qualificar. As opiniões são sempre diferentes, pelo que deixo ao seu critério a qualificação de bom, ou mau.(...)

Bons Momentos de Rádio

É, normalmente, em situações de tragédia que a rádio tem os seus melhores momentos. Não se tratando de um momento de tragédia, é, sem dúvida, um momento marcante da história nacional. Na mesma manhã, morrem dois ícones do país: a política perdeu Álvaro Cunhal e a literatura, Eugénio de Campos. No éter nacional, quer a Antena 1 quer a TSF dedicaram parte da manhã informativa a cada uma das figuras. No geral, as restantes estações limitaram-se a fazer pequenos apontamentos nos noticiários à hora certa. A RFM usando partes do trabalho desenvolvido por jornalistas da Renascença, a Antena3 utilizando parte da produção da Antena 1 e, nas rádios do grupo MCR (Comercial, RCP e Cidade), o facto foi abordado apenas com breves notícias.

Começando mais cedo, a TSF abriu a manhã com um longo especial sobre Cunhal, juntando vários depoimentos sobre o líder do PCP, sem contudo, fazer grande destaque ao seu falecimento. Por esta altura, nas duas estações misturavam-se os apontamentos sobre Cunhal e Eugénio de Andrade, tendo-se destacado o depoimento de Eduardo Prado Coelho e do Presidente da Fundação Eugénio de Andrade. Com menor capacidade de reacção, mas ainda assim, com um produto final que se saldou mais completo e interessante, a Antena 1 esperou pelo comunicado do partido e apresentou, depois das nove horas, um longo trabalho biográfico sobre Álvaro Cunhal enriquecido com sons de arquivo da antiga Emissora Nacional e excertos de entrevistas ou programas nos quais Álvaro Cunhal participou na RTP. Os meus parabéns à equipa que produziu este especial. Foi um trabalho que não só ilustrou a história da vida do histórico líder como nos ofereceu um excelente momento de rádio.

Podcasting cada vez mais «in»

O fenómeno do Podcasting, que começou associado a uma vontade individual de partilha de conteúdos, começa a generalizar-se. O próximo passo vai ser o massificação e da criação do fenómeno de moda. A notícia está no Bizreport e diz essencialmente que a Apple será a «culpada» pela vulgarização deste processo, por ter facilitado o processo de pesquisa e download de programas a partir do site iTunes.

Rádios MCR no Clix

A notícia é do Meios e Publicidade e revela não só a convergência, como o aumento das parcerias nos media para chegar a um número cada vez maior de utilizadores, aumentando, para uns, a presença online e, para outros, os conteúdos disponíveis. Diz a notícia que "o Clix e a Media Capital Rádios celebraram um acordo de parceria com o intuito de reforçar a estratégia editorial e comercial das duas empresas no segmento de distribuição de rádio e música online".

Pessoas

Rui Pego assumiu a direcção de programas da RDP.

José Mariño, que recentemente tinha abandonado a Comercial, prepara-se para assumir a direcção da Antena 3, estação que ajudou a criar, em 1994. Até Novembro, a estação continuará a ser dirigida por Jorge Alexandre Lopes que, na altura irá também assumir um novo cargo.

Luís Osório abandonou a Capital e entrou na MCR para a direcção de informação das rádios do grupo.

Pedro Tojal rescindiu amigavelmente o contrato com a Media Capital Rádios, depois de três anos à frente dos destinos das várias rádios do grupo que passaram, entretanto, a ter um director de programas para cada uma. Pedro Ribeiro assumiu a direcção de programas da Rádio Comercial, acumulando com as funções de animador do programa da manhã do Rádio Clube Português. Nuno Gonçalves que até aqui acumulava a direcção da rádio Comercial, ficou apenas com a direcção da rádio Cidade.Miguel Cruz assumiu a direcção da Best Rock FM e do RCP.

Renascença renovou programação (Novembro)

De acordo com a informação disponibilizada pela Rádio Renascença, as grandes apostas são a música de qualidade e a informação. De acordo com o comunicado de imprensa, a direcção pretende uma Renascença mais moderna, com informação de qualidade. Nas manhãs, há uma nova rubrica de humor e, durante o dia, a música será acompanhada das principais notícias nacionais e internacionais, com especial relevo para as questões da cidadania, saúde e
educação. A noite, de carácter intimista, terá um programa de antena aberta para partilha de experiências. Uma mudança a acompanhar durante os próximos tempos.

Audiências Rádio

A notícia da Marktest diz respeito à «Geografia da Rádio» e, a partir dos resultados do Bareme Rádio, indica que se ouve mais rádio no Norte do país, Porto e Litoral Norte, especialmente no horário da manhã.

Quotas de Música

Uma discussão que se eterniza e cujo objecto reconhecidamente não é determinante para mudar o panorama da música portuguesa.

Rádio Presidenciais

A iniciativa de criar uma rádio dedicada às presidenciais parece-me bastante interessante e revela, uma vez mais, as potencialidades que este meio encontra quando faz um uso das tecnologias que ultrapassam o mero instrumento de trabalho ou de difusão sonora.

O serviço conjunto do RCP, Rádio Comercial e Cotonete, do grupo MCR, constitui-se como um «Serviço inovador e alternativo de informação sobre as Presidenciais. Notícias, comentários, especiais, entrevistas, debates, directos e Fórum».


Para fechar 2005: TSF, um ano em revista
O crescendo da música que acompanhava as palavras de Fernando Alves fez-nos avançar ao longo do ano e dos acontecimentos do mundo e, particularmente, do nosso país. Os momentos da política, as querelas, as decisões e as palavras que os políticos lançaram para o éter ao longo deste ano, sob um tapete musical que nos fez reviver cada uma das ocasiões, que nos fez estar presentes e ver rostos, ouvir palavras com uma proximidade tal que poderia muito bem não
ser uma revista do ano e ter sido, novamente, a situação real. Sem efeitos sonoros, usando apenas a música e a palavra, os dois elementos abdicaram do seu carácter de unidade independente e transformaram-se num código único, relacionado entre si. O significado que a música em si transporta foi ampliado com as palavras escolhidas para ilustrar o ano revisto
por Fernando Alves, tendo funcionado como um excelente auxiliar para significar para além do seu próprio significado, provocando emoções, como só a rádio é capaz de fazer.

Da tristeza à alegria, não foi preciso imaginar para reviver as situações. A maior parte delas foram vividas diariamente na rádio e revistas na televisão e na imprensa. A imaginação serviu apenas para recordar os aspectos particulares das descrições de Fernando Alves e reviver as expressões faciais e corporais das vozes que se foram fazendo ouvir, ao longo do ano e ao longo desta revista radiofónica. E é este o poder da rádio, que nos faz desenvolver uma espécie
de relação com o locutor e a estação. Uma evocação da sequência discursiva que implica a realização simultânea do locutor na acção evocada no enunciado, para compreender o todo a partir dos elementos expressos, num esquema em que o ouvinte parte dos pressupostos apresentados para construir a sua própria representação.

Paula Cordeiro (NetFM)
 


2006


(Richard Parkes Bonington)

Ring out a slowly dying cause,
And ancient forms of party strife;
Ring in the nobler modes of life,
With sweeter manners, purer laws.

Ring out the want, the care, the sin,
The faithless coldness of the times;
Ring out, ring out my mournful rhymes
But ring the fuller minstrel in.

Ring out false pride in place and blood,
The civic slander and the spite;
Ring in the love of truth and right,
Ring in the common love of good.

(Lord Alfred Tennyson)

*

Bom ano!

© José Pacheco Pereira
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